"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 25 de junho de 2016

O conservadorismo de cada Casa do Congresso


“O fato é que, do ponto de vista dos progressistas e humanistas, as duas Casas têm pautas refratárias ao ideário dos movimentos sociais e sindicais, que defendem avanços políticos, econômicos e sociais e exigem um Estado forte, capaz não apenas de regular, mas também de competir em setores estratégicos – petróleo, energia, sistema financeiro, etc – com o setor privado como forma de evitar monopólios e cartéis contra o interesse nacional.”


Muito já se falou e tem se falado do caráter conservador do Congresso eleito em 2014, porém nada se disse a respeito das características do conservadorismo de cada uma das Casas do Poder Legislativo Federal. Câmara e Senado possuem composição e agendas distintas, que merecem ser analisadas para melhor compreensão da razão da demora na aprovação das matérias.

A Câmara dos Deputados, com mais da metade de sua composição organizada em torno de bancadas informais – como a evangélica, a da bala ou da segurança, a da bola e do boi (agronegócio) – forma uma espécie de “centrão” que prioriza práticas tradicionais e conservadoras, sobretudo em relação aos aspectos morais e sociais, à defesa da família e à intolerância a ideias mais liberalizante quanto aos direitos civis e humanos.

O Senado, por sua vez, apresenta um perfil mais liberal do ponto de vista econômico do que conservador em relação a valores morais e sociais. Sua composição, formada majoritariamente de empresários, tem se dedicado à modernização dos códigos de processo e da agenda econômica, particularmente em relação à abertura da economia e à redução da presença do Estado na economia e menos à limitação dos direitos civis e humanos.

Quem se der ao trabalho de analisar as proposições debatidas ou examinadas nas duas Casas do Congresso na atual legislatura vai constatar facilmente o que se afirma nos parágrafos anteriores.

A título de ilustração, pode-se lembrar que a Câmara dos Deputados tem pautado uma série de medidas que reforçam esse perfil conservador, como, por exemplo, os pedidos de CPIs e investigações sobre a UNE e os movimentos sociais, bem como o patrocínio de várias proposições que promovem retrocessos em direitos sociais e atentam contra direitos das chamadas minorias, especialmente assalariados, mulheres, jovens, indígenas, etc.

Em relação aos projetos, basta lembrar o da terceirização, que ataca direitos dos trabalhadores não-terceirizados; o do estatuto da família, que nega direitos à formação de famílias que não sejam constituídas exclusivamente por um homem e uma mulher; o que regulamenta a PEC do trabalho escravo, modificando o conceito de trabalho degradante; o que trata do Estatuto do Nascituro; a PEC de redução da idade penal; a PEC de demarcação das terras indígenas; a PEC que reduz de 16 para 14 anos a idade para ingresso no mercado de trabalho; e a PEC que autoriza as igrejas a ingressarem com ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, dentre outros.

Já no Senado, a prioridade tem sido os projetos que tratam da abertura da economia, como o que retira da Petrobras a condição de operadora única e a desobriga de participar com pelo menos pelos 30% nas descobertas do pré-sal; o que trata da governança das empresas estatais, retirando delas a possibilidade de contribuir com políticas sociais; o do estatuto jurídico dos fundos de pensão, restringindo a participação dos participantes em seus conselhos e direção; e a PEC que derruba o licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura.

A comprovação de que o Senado é mais liberal, do ponto de vista econômico, do que conservador em relação a direitos e valores, são: a rejeição do financiamento empresarial de campanha, a recusa em aprovar a PEC da redução da idade penal e a promoção de um debate mais acurado do projeto da terceirização.

A leitura da composição e das práticas do atual Congresso revela uma grande contradição, que consiste no fato de que a representação do povo, a Câmara dos Deputados, é mais conservadora, do ponto de vista dos direitos sociais, civis e humanos, do que o Senado, que representa a Federação, cuja formação, historicamente, era mais conservadora do que a Câmara dos Deputados.

O fato é que, do ponto de vista dos progressistas e humanistas, as duas Casas têm pautas refratárias ao ideário dos movimentos sociais e sindicais, que defendem avanços políticos, econômicos e sociais e exigem um Estado forte, capaz não apenas de regular, mas também de competir em setores estratégicos – petróleo, energia, sistema financeiro, etc – com o setor privado como forma de evitar monopólios e cartéis contra o interesse nacional.


Antônio Augusto de Queiroz*


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