"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 21 de julho de 2016

O Ato Adicional: federalizando o Império do Brasil


O centralismo previsto na Constituição Imperial
Art. 84º As resoluções dos Conselhos Gerais da Províncias serão remetidas diretamente ao Poder Executivo, pelo intermédio do presidente da província.

Art. 137. Haverá um Conselho de Estado, composto de conselheiros vitalícios, nomeados pelo Imperador.

Art. 165. Haverá em cada província um presidente,nomeado pelo Imperador, que o poderá remover, quando entender que assim convém ao bom serviço do Estado.

Ou seja, na Constituição originalmente, o Imperador nomeava os conselheiros de Estado, que eram responsáveis por medidas importantes tais como se o Imperador necessitaria ou não usar o Poder Moderador. O Imperador nomeava presidentes da província, das quais o povo era representado pelos Conselhos Gerais, em que a mesma estava “remetida diretamente ao Poder Executivo”. 

Por exemplo: Segundo o Art. 36:

Art. 36º É privativa da Câmara dos Deputados a iniciativa:
 1º) Sobre impostos.
2º) Sobre recrutamentos.
3º) Sobre a escolha da nova dinastia, no caso da extinção da imperante.
E logo o Art. 83:
Art. 83º Não se podem propor nem deliberar nestes conselhos projetos:
1º) Sobre interesses gerais da Nação.
2º) Sobre quaisquer ajustes de umas com outras províncias.
3º) Sobre imposições cuja iniciativa é da competência particular da Câmara dos Deputados: art. 36.

4º) Sobre execução de leis, devendo porém dirigir a esse respeito representações
motivadas à Assembléia Geral e ao Poder Executivo conjuntamente.
As únicas coisas que o Conselho Geral poderia deliberar eram:
Art. 81º Estes conselhos terão por principal objeto propor, discutir e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas províncias; formando projetos peculiares e acomodados às suas localidades e urgências.
O presidente da Província (que é como o Governador para nós hoje) era apenas o intermediário entre os Conselhos e o Poder Executivo.
Art. 102º O Imperador é o Chefe do Poder Executivo e o exercita pelos seus ministros de Estado.
A mudança na relação entre Governo e Província
O arranjo político-institucional centralizado e unitário definido pela Constituição, com grande concentração de poder no governo central, sofreu duras críticas das elites locais, que identificavam no Poder Moderador e na centralização político-administrativa exercida pelo Rio de Janeiro um obstáculo à autonomia das províncias.

O enfrentamento entre governo central e províncias adquiriu novos contornos com aabertura da Assembleia Geral em 1826. Mas, foi a abdicação de d. Pedro, em 1831, que permitiu um rearranjo político e abriu espaço para execução dos projetos das elites liberais, garantindo a ampliação de representatividade das províncias na arquitetura institucional do Estado brasileiro.

 Convocada a Assembléia Geral Legislativa, a primeira sessão preparatória da Câmara dos Deputados vem a ocorrer somente em 29 de abril de 1826, e a sessão de abertura da primeira legislatura da Assembléia Geral Legislativa (reunião conjunta da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Senadores), no dia 6 de maio do mesmo ano, quando enfim os deputados e senadores puderam participar do processo legislativo brasileiro, regulamentando os dispositivos constitucionais e criando as instituições previstas na Carta outorgada, três anos e meio após a proclamação da Independência. Durante o período imperial, as legislaturas eram de quatro anos, mas as sessões legislativas duravam apenas quatro meses.
O Ato Adicional (Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834)
Foi o Ato Adicional o resultado mais evidente dos acordos políticos e das concessões realizadas em nome da unidade nacional e da manutenção da ordem, que ampliou a autonomia político-administrativa conferida às províncias em detrimento do centralismo excessivo da Corte. O projeto convertido no Ato Adicional, de autoria de Bernardo Pereira de Vasconcelos, é considerado pela historiografia como o realizador das aspirações federalistas que vigoraram até 1840, quando teve início a fase conhecida como Regresso.
Pelo Ato Adicional a sede da Corte foi transformada em município neutro, constituindo-se numa unidade administrativa distinta da província fluminense. Ficava suprimido o Conselho de Estado, órgão profundamente identificado ao centralismo político e à preponderância do Poder Executivo sobre os demais poderes.
A autoridade da Assembléia Legislativa da Província em que estiver a Corte, não compreenderá a mesma Corte, nem o seu Município.
Art. 32. Fica suprimido o Conselho de Estado de que trata o Título 5º, Capitulo  da Constituição.

O Conselho de Estado não se adequava ao arranjo federativo proporcionado pelo Ato Adicional, que garantiu às províncias autonomia na condução dos assuntos político-institucionais sob sua jurisdição.
O Poder Moderador, igualmente identificado com o conservadorismo político, ficava mantido, mas algumas de suas atribuições foram conferidas à Regência pela lei de 14 de junho de 1831. Com o Ato Adicional, a regência trina permanente, instalada em 1831, que governava o império durante a menoridade de d. Pedro, foi substituída por uma regência una, eletiva e temporária, com mandato de quatro anos.
Art. 26. Se o Imperador não tiver parente algum que reúna as qualidades exigidas no art. 122 da Constituição, será o Império governado, durante a sua menoridade, por um Regente eletivo e temporário, cujo cargo durará quatro anos, renovando-se para esse fim a eleição de quatro em quatro anos.
A substituição dos limitados Conselhos para Assembleias Legislativas
Foi a transformação dos Conselhos Gerais de províncias em Assembleias Legislativas provinciais a maior alteração promovida pelo Ato Adicional. As províncias passaram a contar com duas esferas distintas de decisão político-administrativa, a presidência da província, cuja nomeação cabia ao governo central, e as assembleias legislativas, cujos membros eram escolhidos em eleições censitárias.
Na Constituição antes do Ato constava:

Art. 73º Cada um dos Conselhos Gerais constará de vinte e um membros nas províncias mais populosas, como sejam Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul; e nas outras de treze membros.
Com a vigência do Ato:

Art. 2º Cada uma das Assembleias Legislativas provinciais constará de 36 membros nas Províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São Paulo; de 28 nas do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do Sul; e de 20 em todas as outras. Este número é alterável por lei geral.

O Ato Adicional atribuiu às assembleias legislativas autonomia de legislar sobre uma gama variada de assuntos como a divisão civil, judiciária e eclesiástica da província; a instrução pública; a desapropriação por utilidade municipal ou provincial; a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, bem como o estabelecimento dos seus ordenados; a suspensão ou demissão de magistrados; obras públicas; prisões; estatística; catequese dos índios; colonização; casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas
Art. 10. Compete às mesmas Assembleias legislar:

1º) Sobre a divisão civil, judiciária e eclesiástica da respectiva Província e mesmo sobre a mudança da sua Capital, para o lugar que mais convier.
2º) Sobre instrução pública e estabelecimentos próprios a promovê-la, não compreendendo as faculdades de medicina, os cursos jurídicos, academias atualmente existentes e outros quaisquer estabelecimentos de instrução que, para o futuro, forem criados por lei geral,
3º) Sobre os casos e a forma por que pode ter lugar a desapropriação por utilidade municipal ou provincial.
4º) Sobre a polícia e economia municipal, precedendo propostas das Câmaras.
5º) Sobre a fixação das despesas municipais e provinciais, e os impostos para elas necessários, contanto que estes não prejudiquem as imposições gerais do Estado. As Câmaras poderão propor os meios de ocorrer às despesas, dos seus Municípios.
6º) Sobre a repartição da contribuição direta pelos Municípios da Província, e sobre a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas de sua receita e despesa. As despesas provinciais serão fixadas sobre orçamento do Presidente da Província, e as municipais sobre orçamento das respectivas Câmaras.
7º) Sobre a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, e estabelecimentos dos seu ordenados.
8º) Sobre obras públicas, estradas e navegação no interior da respectiva Província, que não pertençam à administração geral do Estado.
9º) Sobre construção de casas de prisão, trabalho, correição e regime delas.
10) Sobre casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas.
11) Sobre os casos e a forma por que poderão os Presidentes das Províncias nomear, suspender e ainda mesmo demitir os empregados provinciais.

Art. 11. Também compete às Assembleias Legislativas provinciais:

1º) organizar os Regimentos Internos sobre as seguintes bases: 

1ª) nenhum projeto de lei ou resolução poderá entrar em discussão sem que tenha sido dado para ordem do dia pelo menos 24 horas antes; 
2ª) cada projeto de lei ou resolução passará, pelo menos, por três discussões; 
3ª) de uma a outra discussão não poderá haver menor intervalo do que 24 horas.
2º) Fixar sobre informação do Presidente da Província, a força policial respectiva;
3º) Autorizar as Câmaras municipais o Governo provincial para contrair empréstimos com que ocorram às suas respectivas despesas;
4º) Regular a administração dos bens provinciais. Uma lei geral marcará o que são bens provinciais.
5º) Promover, cumulativamente com a Assembléia e o Governo Geral, a organização da estatística da Província, a catequese, a civilização dos indígenas e o estabelecimento de colônias.
6º) Decidir quando tiver sido pronunciado o Presidente da Província, ou quem suas vezes fizer, se o processo deva continuar, e ele ser ou não suspenso do exercício de suas funções, nos casos em que pelas leis tem lugar a suspensão.
7º) Decretar a suspensão e ainda mesmo a demissão do magistrado contra quem houver queixa de responsabilidade, sendo ele ouvido, e dando-se-lhe lugar à defesa.
8º) Exercer, cumulativamente com o Governo Geral, nos casos e pela, forma marcados no § 35 do art. 179 daConstituição, o direito que esta concede ao mesmo Governo Geral.
9º) Velar na guarda da Constituição e das leis na sua Província, e representar à Assembléia e ao Governo Geral contra, as leis de outras Províncias que ofenderem os seus direitos.

Art. 12. As Assembleias provinciais não poderão legislar sobre impostos de importação, nem sobre objetos não compreendidos nos dois precedentes artigos.

As assembleias passaram também a ter controle sobre impostos e as despesas municipais e provinciais, bem como a autorização da contratação de empréstimos pelas câmaras e províncias, a distribuição da contribuição dos municípios e a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas de sua receita e despesa. Com isso, ficava definida, pela primeira vez, uma competência fiscal específica para as províncias, o que permitiu distinguir as despesas e rendas do governo central e das províncias.
Mais autonomia ao Presidente e a substituição de poder sob os municípios
Enquanto na Constituição o Presidente de província é visto como um mero intermediário entre a província e o Poder Executivo, a partir do Ato ele passa a poder sancionar e vetar leis.
Art. 14. Se o Presidente entender que deve sancionar a lei ou resolução, o fará pela seguinte fórmula, assinada de seu punho: “Sanciono, e publique-se, como lei.”
Art. 15. Se o Presidente julgar que deve negar a sanção, por entender que a lei ou resolução não convém aos interesses da Província, o fará por esta fórmuIa: “Volte à Assembléia Legislativa provincial – expondo debaixo de sua assinatura as razões em que se fundou. Neste caso, será o projeto submetido a nova discussão; e se for adotado tal qual, ou modificado no sentido das razões Pelo Presidente alegadas, por dois terços dos votos dos membros da Assembléia, será reenviado ao Presidente da Província, que o sancionará. Se não for adotado, não poderá ser novamente proposto na mesma sessão.
Assinada pelo Presidente da Província a lei ou, resolução, e selada com o selo do Império, guardar-se-á o original no Arquivo Público, e, enviar-se-ão exemplares delas a todas as Câmaras e Tribunais e mais lugares da Província, onde convenha fazer-se pública.

O Ato Adicional reforçou esta tendência ao transferir para as assembleias provinciais, que substituíram os Conselhos Gerais, a ampla jurisdição sobre as câmaras municipais. Assim, a independência política que o Ato Adicional conferiu às províncias teve como contraponto o atrelamento das câmaras municipais à autoridade das assembleias provinciais, que prescindia da sanção do presidente de província para deliberar sobre temas como receita, despesa municipal e empregos municipais. O presidente também não tinha poder de veto sobre a suspensão e a demissão de magistrados, ou a representação movida pela assembleia contra outras províncias.


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