"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

O voto obrigatório em contraposto à liberdade individual no Estado Democrático de Direito



O voto compulsório ofende a liberdade individual do cidadão? Escolher votar é tão importante quanto escolher em quem votar? A ponderação desses princípios é o tema em debate que discute o voto facultativo.

Por: Leonardo Almeida

A presente pesquisa tem como escopo analisar o voto compulsório no Brasil, tendo em vista que o presente instituto permanece em vigência desde a sua instalação em meados de 1932, tornando-se alvo de constante discussão legislativa, motivo pelo qual verificaremos sua aplicação em contraposto ao atual conceito de democracia e liberdade.

Desta forma, tal discussão se faz necessária, considerando o fato de que, a obrigatoriedade do voto, não abrange somente discussões doutrinárias, sendo também alvo de discussão no âmbito legislativo, uma vez que é objeto frequente de projetos de lei, as quais visam alterar o texto constitucional.

O voto tem o poder de decidir quem serão os representantes do povo, e é através do voto direto, secreto e universal que se obtém a consolidação dos direitos do eleitor, o que nos faz duvidar se voto é realmente um direito na medida em que é tratado como um dever. Atualmente o voto é tratado como um dever cívico do cidadão, sendo ele, tanto uma obrigação para com o Estado, como também um instrumento que garante a democracia, definição constantemente discutida e não pacificada.


No Brasil o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70, conforme comando constitucional no artigo 14,§1º, sendo o mesmo facultativo aos que tem idade entre 16 e 18 anos e maiores de 70.

Ressalta-se que é por meio do voto é que se da a concretização do Estado Democrático de Direito, pois esta é a maneira pela qual o povo exerce o seu poder, a soberania popular, razão pela qual entende-se que o voto é obrigatório devido a sua natureza jurídica, sendo este um dever/poder, e além disso, uma responsabilidade do cidadão, devendo exercer como manda a lei a cada 2 anos.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar de que maneira o voto obrigatório age sobre a liberdade individual do cidadão, e suas consequentes restrições em relação a liberdade individual do povo, um vez que aquele que não vota sofre sanções severas.

Outrossim, será feita análise a respeito das recentes propostas de emenda a constituição, bem como a opinião pública: questões que coadunam com a defesa do voto facultativo.

A metodologia utilizada é o método dedutivo, partindo dos argumentos gerais para argumentos particulares, agregando a este, instrumentos diversos, como pesquisa bibliográfica, pesquisa na internet , consulta a livros de doutrina, bem como a consulta à legislação constitucional e infraconstitucional.




O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:

A PROBLEMÁTICA NA CONCEITUAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

O Estado Democrático de Direito é de difícil conceituação, uma vez que não se trata da simples fusão dos dois institutos, e sim uma construção nova, o que pode ser observado na definição de Streck (2013) que afirma que o conceito de Estado Democrático de Direito é uma inovação da constituição do Brasil de 1988. Nas palavras do referido autor:

[...] na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e a preocupação social.  (STRECK, 2013, p. 113)

Cumpre ressaltar que o Estado Democrático de Direito é apresentado no artigo 1º na Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Nesse sentido, a respeito do que dispõe a Carta Magna, Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1997, p. 18) comenta: “Certamente a intenção do constituinte ao referir-se a Estado Democrático de Direito foi a de mostrar que ele não pretende que o Brasil seja regido por leis formais que violem eventualmente os princípios fundamentais da democracia”.

Para melhor construção do conceito, faz-se necessário em um primeiro momento, buscar entender o Estado Democrático e o Estado de Direito separadamente.

a)        Do Estado Democrático

Dallari (2009) pontua a evolução temporal em três movimentos político-sociais, determinando em quais pontos os princípios saíram do plano teórico e entraram no plano pratico conduzindo ao Estado Democrático:

O primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam de Revolução Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão mais significativa no Bill of Rights de 1689; o segundo foi a Revolução Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das treze colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sendo evidente nesta a influência direta de Rousseau. (DALLARI, 2009, p. 147)

Deste modo, é possível concluir que o Estado Democrático é fruto de longa batalha pelos direitos fundamentais, luta reiterada que é resultado positivado nos princípios fundamentais do Estado, nesse sentido Vinício Carrilho Martinez (2004) complementa, que além de transformar os direitos fundamentais em lei, colocou sob sua responsabilidade respeitar e promover, ou seja, os representantes eleitos pelo povo devem atingir o objetivo democrático, qual seja a garantia do bem comum.

b)        Do Estado de Direito

O Estado de Direito limita a arbitrariedade, de forma que o poder é restringido pela lei, contudo, somente a implantação de um ordenamento jurídico não implica na caracterização do Estado de Direito, por vezes que a Lei pode ser injusta, então, as leis devem buscar a justiça.

Dimoulis (2007) em sua obra aduz:

O conceito de Estado de Direito apresenta utilidade se for entendido no sentido formal da limitação do Estado por meio do direito. Nessa perspectiva, o conceito permite avaliar se a atuação dos aparelhos estatais se mantém dentro do quadro traçado pelas normas em vigor. Isso não garante o caráter justo do ordenamento jurídico, mas preserva a segurança jurídica, isto é, a previsibilidade das decisões estatais. (DIMOULIS, 2007, p.155)

Sendo a Constituição Federal a Lei hierarquicamente maior, as normas decorrentes devem se adequar à Constituição, tendo em vista que esta vai delimitar as arbitrariedades e proteger os cidadãos.

CONCEITOS DIFERENTES DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Após breve análise do Estado de Direito e do Estado Democrático, encontra-se na doutrina diferentes conceitos para o Estado Democrático de Direito, como será explorado a seguir.

Zulmar Fachin (2013) expõe em sua obra que o Estado de Direito e o Estado Democrático formam o Estado Democrático de Direito, sendo que o Estado de Direito é criado pelo liberalismo, tem-se:

O Estado Democrático de Direito formou-se a partir de dois conteúdos: O Estado de Direito e o Estado Democrático. No Estado de Direito, criado pelo liberalismo, tem-se o império da lei, a distribuição do poder estatal, a previsão de direitos fundamentais e a garantia desses direitos. No Estado Democrático, cujo fundamento é a soberania popular, o vocábulo democrático aparece como um qualificativo do Estado. Tal conteúdo deve inspirar não apenas os atos a serem praticados no âmbito do Estado, mas, inclusive, nas relações entre particulares. (FACHIN, 2013, p. 201)

O referido autor trata o Estado Democrático de Direito como uma fusão do Estado de Direito e o Estado Democrático, sendo a democracia uma qualidade do Estado.

No entanto, José Afonso da Silva (2005) aponta em que a configuração do Estado Democrático de Direito não é simplesmente unir os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito, e sim:

[...] na criação de um conceito novo, que leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando afirma que a Republica Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição aí já o está proclamando e fundando (SILVA, 2005, p.119).

Inocêncio Mártires Coelho (2010) coaduna com este posicionamento:

Entende-se como Estado Democrático de Direito a organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos, como proclama, entre outras, a Constituição Brasileira. Mais ainda, já agora no plano das relações concretas entre o Poder e o individuo, considera-se democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos o exercício efetivo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos. (COELHO, 2010, p.213)

Diante do exposto, verifica-se a diversidade de conceituação do Estado Democrático de Direito, partindo destes conceitos, adotaremos o entendimento demonstrado por último, pois coaduna com o nosso entendimento.

A DEMOCRACIA COMO FORMA DE GOVERNO

Bonavides (2012) em sua obra elenca que “nos dias correntes, a palavra democracia domina com tal força a linguagem política deste século, que raro o governo, a sociedade ou o Estado que se não proclamem democráticos.”.

Partindo do trecho alhures o regime político nacional não seria diferente, a constatação do regime democrático encontra-se previsto já no preâmbulo constitucional:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

Nesse sentido, Observa-se que o preâmbulo constitucional tem em seu corpo um o conceito do Estado Democrático e suas finalidades.

O doutrinador Azambuja (2003), conceitua a Democracia como sistema político:

Democracia é o sistema politico em que, para promover o bem público, uma Constituição assegura os direitos individuais fundamentais, a eleição periódica dos governantes por sufrágio universal, a divisão e limitação dos poderes e a pluralidade dos partidos (AZAMBUJA, 2003, p.331).

Ramayana (2008) aduz sobre o Estado Democrático de Direito:

A democracia, em síntese conceitual, exprime-se como um governo do povo, sendo um regime político que se finca substancialmente na “soberania popular”, compreendendo-se os direitos e garantias eleitorais, as condições de elegibilidade, as causas de inelegibilidade e os mecanismos de proteção disciplinados em lei para impedir as candidaturas viciadas e que atendem contra a moralidade pública eleitoral, exercendo-se a divisão das funções e dos poderes com aceitação dos partidos políticos, dentro de critérios legais preestabelecidos, com ampla valorização das igualdades e liberdades públicas.” (RAMAYANA, 2008, p. 29).

Sendo a República Federativa do Brasil um Estado Democrático, se faz necessário observar os pressupostos de existência da Democracia, conforme será estudado a seguir.

Para a configuração de um Estado Democrático se faz necessário a observância de dois princípios, quais sejam a liberdade e a igualdade, pois em um Estado Democrático onde não se goze de liberdade – qualquer natureza de liberdade – é um Estado “ditatorial”, onde o cidadão é privado das suas liberdades, e em igual raciocínio tratamos a igualdade, pois, a falta da isonomia resulta em diferenças arbitrárias e absurdas, o Estado ao garantir ao cidadão será tratado de forma isonômica trás maior conforto à sociedade em geral.


DOS DIREITOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

A Constituição de 1988 descreve em seu Capítulo IV, dos artigos 14 aos 16, dos Direitos Políticos, sendo esta gama de direitos de importância impar no nosso ordenamento jurídico, pois como afirma Mendes (2010, p. 855) “Os direitos políticos formam a base do regime democrático”.

José Jairo Gomes (2008, p. 106) conceitua direitos políticos da seguinte maneira: “Denominam-se direitos políticos ou cívicos as prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania. Englobam o direito de participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do funcionamento do Estado”.

Ainda, acrescenta Pinto (2003, p. 68): “Os direitos políticos são aqueles que credenciam o cidadão para exercer o poder ou participar da escolha dos responsáveis pelo comando do grupo social”. A partir do exposto, concluímos então que os direitos políticos são prerrogativas inerentes ao cidadão, é a maneira como escolheremos os nossos representantes.

Nada obsta então afirmar que o exercício da cidadania é vital para a Democracia como aponta Guedes (2013, p.67) “Assim, juridicamente, há uma recíproca dependência conceitual entre os direitos políticos e a ideia de Democracia concretamente conformada na Constituição”.

Sarlet coaduna com o autor supracitado:

Afinal, é mediante a fruição de direitos de participação política (ativos e passivos) que o individuo não será reduzido à condição de mero objeto da vontade estatal (mero súdito), mas terá assegurada a condição de sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que integra.” (SARLET, 2013, p. 658).

Observa-se o aparecimento do termo cidadão, Lenza (2013, p.86) conceitua em sua obra: “Cidadão é o individuo dotado de capacidade eleitoral ativa ou passiva, isto é, titular do direito de votar ou de ser votado”.

A SOBERANIA POPULAR

A soberania popular está regulamentada pelo art. 14 da Constituição Federal de 1988, que dispõe:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

[...]

A respeito, Gilmar Mendes (2010) aduz que, “nos termos da Constituição, a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e a iniciativa popular”.

Ainda, acerca da Soberania Popular Ferreira Filho (1997, p. 118) acrescenta: “É este o principio fundamental da democracia. Significa que o poder mais alto pertence ao povo”, nestas mesmas linhas escreve Pinto (2003, p. 70): “Significa que a titularidade do poder pertence aos cidadãos”.

Cumpre ressaltar que a manifestação da soberania popular é o meio pelo qual se dá a democracia, pois bem, é através da soberania popular que o povo elege seus representantes, existindo ainda a possibilidade deste povo agir diretamente sobre as decisões do Estado.

Conclui-se então, ser a Soberania Popular o instrumento que o povo dispõe para fazer valer a sua vontade, uma vez que é através deste que manifesta a sua vontade, concretizando assim a democracia.

FORMAS DE DEMOCRACIA

A Democracia pode ser classificada em razão da forma pela qual o cidadão manifesta a sua vontade, desta forma, a classificação se divide em: democracia direta, democracia indireta, e ainda a democracia semidireta.

O modo como o cidadão manifesta sua vontade dentro do Estado é o que, basicamente, estabelece qual o tipo de democracia daquele Estado.

A DEMOCRACIA DIRETA

A Democracia direta consiste na participação direta do povo no exercício do poder, ou seja, o povo age diretamente sobre o Estado, impondo assim, a vontade da maioria. Sistema que foi extinto há muito tempo, sendo percebido apenas nas antigas democracias.

Nesse sentido, Lenza (2013, p. 75) conceitua de maneira clara a democracia direta, dispondo que: “O povo exerce, por si, os poderes de Governo, fazendo leis, administrando e julgando“.

As grandes populações inviabilizam a aplicação deste tipo de democracia, pois seria impossível reunir os cidadãos em praça publica e discutir sobre os assuntos de interesse público, razão pela qual deixou de existir.

A DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA

A democracia indireta é aquela pela qual o povo elege seus representantes os quais tem como compromisso decidir os assuntos inerentes ao interesse da coletividade.

A fonte primária de poder (povo) não dirige diretamente os negócios governamentais, em razão de diversos fatores (complexidade dos problemas sociais, explosão demográfica, extensão territorial/geográfica), e sim os outorga a seus representantes, eleitos periodicamente e com mandato temporário. (LENZA, 2013, p.76)

Esta forma de democracia é exercida apenas pela escolha do seu representante, ou seja, o cidadão não mais participa da vida politica do Estado, pois cabe a ele somente eleger o seu representante,  não existindo a possibilidade de uma intervenção direta do cidadão.

A DEMOCRACIA SEMIDIRETA

O Brasil adota a democracia semidireta, pois ao lado da natureza representativa, o ordenamento jurídico pátrio admite a utilização de meios de intervenção direta dos governados, como por exemplo, o referendo e o plebiscito, conforme se observa no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

Ramayana (2008, p. 33), dispõe que “Na democracia semidireta, mesclam-se institutos jurígenos concernentes a manifestações do exercício do poder de decisão, onde a soberania popular exterioriza-se mediata e imediatamente.” Lenza (2013, p. 76) coaduna com este conceito alegando que se consubstancia na democracia representativa, com alguns institutos da democracia direta, ou seja, um sistema eclético ou misto.

PLEBISCITO, REFERENDO E INICIATIVA POPULAR

Em suma o Plebiscito consiste na consulta prévia ao povo, sobre a elaboração de uma lei, emenda constitucional ou até mesmo decisão governamental. Importante notar que o plebiscito ocorre antes da elaboração da lei. (SILVA, 2005)

Já o Referendo é uma consulta posterior, feita ao povo sobre lei, emenda constitucional ou decisão governamental já elaborada, contudo, ainda não vigente. Havendo a aprovação a medida entra em vigor. (SILVA, 2005)

Iniciativa popular é o processo de elaboração de uma lei onde um projeto é apresentado pelo povo para ser votado e aprovado pelo Legislativo. Faz-se necessário um número mínimo de eleitores. (SILVA, 2005)

Tais institutos estão previstos na Lei nº 9.709 de 18 de novembro de 1998, regulamentando a realização de plebiscito, referendo e projetos de iniciativa popular, elencados nos incisos I, II e III da Constituição Federal de 1988:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I - plebiscito;

II - referendo;

III - iniciativa popular.

Entre outras formas de participação direta do povo, estas são as consideradas mais importantes, contudo, não se pode esquecer que esse rol não é taxativo, ou seja, existem outras maneiras do povo intervir diretamente.

O SUFRÁGIO UNIVERSAL

O Sufrágio Universal implica dizer que a participação eleitoral pelos cidadãos é universal, ou seja, sem restrições raciais, econômica, sexual, entre outras. Desta forma, o cidadão que possui capacidade eleitoral poderá exercer os seus direitos, sendo o sufrágio universal a modo pelo qual a soberania popular é exercida, nesse sentido:

A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal. Literalmente, o vocábulo sufrágio significa aprovação, opinião favorável, apoio, concordância, aclamação. Denota, pois, a manifestação de vontade de um conjunto de pessoas para escolha de representantes políticos. (GOMES, 2008, p. 34)

Outrossim, o sufrágio universal significa atribuição do voto aos nacionais em sua totalidade, sendo o voto o exercício, e o sufrágio um dos instrumentos pelo qual o cidadão exerce sua soberania, de forma direta, secreta, e sem distinção de valor. (LENZA, (2013), e FERREIRA FILHO (1997).

“No mundo moderno, porém, a democracia surgiu sob a forma indireta ou representativa. Manteve-se o principio da soberania popular (todo poder emana do povo e em seu nome será exercido), transferindo-se o exercício das funções governamentais aos representantes ou mandatários do povo.” (MALUF, 2003, p. 279)

Desta forma, é possível concluir que perante a Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 14, a soberania popular é exercida através do sufrágio universal, sendo este o voto direito, secreto e com peso igual para todos, podendo ainda ser exercido através do plebiscito, referendo e iniciativa popular, de forma direta.

O VOTO E SEUS INSTITUTOS

“O voto é o ate politico que materializa, na pratica, o direito publico subjetivo de sufrágio”. (SILVA, 2005, p. 358)

Partindo desta brilhante definição do que é o voto, iremos estudar os seus institutos, ou seja, a maneira como se dá o voto. Sendo este o instrumento pelo qual os eleitores escolhem os seus representantes de forma direta, secreta e com peso igual para os votos.

“O voto é um dos mais importantes instrumentos democráticos, pois enseja o exercício da soberania popular e do sufrágio. Cuida-se do ato pelo qual os cidadãos escolhem os ocupantes dos cargos politico-eletivos. Por ele, concretiza-se o processo de manifestação da vontade popular.” (GOMES, 2008, p.38)

Nas palavras do ilustre doutrinador resta claro a enfatização da importância do instrumento do voto. Contudo, para o exercício do voto é necessário que seja observado os seus valores, pois com o desrespeito pelos atributos do voto comprometeriam a eleição dos representantes e desta forma a Democracia estaria prejudicada.

O VOTO SECRETO, DIRETO E UNIVERSAL.

O voto direto, secreto, universal e periódico é de suma importância na construção da Democracia no Estado Brasileiro, a Constituição Federal de 1988 eleva a cláusula pétrea o voto secreto, direto e universal, devido a sua importância na manutenção do Estado Democrático de Direito. Lenza (2013, p. 43) em sua obra pontua “o sufrágio universal é um direito de voto para todos os cidadãos, como principio da isonomia, garantido constitucionalmente, ou seja, todos são iguais perante a lei”, acrescenta Moraes (2010, p.37) que todos os cidadãos têm o mesmo valor no processo eleitoral, independentemente de sexo, cor, credo, idade, posição intelectual, social ou situação econômica. ONE MAN, ONE VOTE.

O voto não pode padecer de vícios, pois é através dele que se dá a escolha dos representantes da população, corrompido o processo de escolha se tem toda a democracia viciada, pois não estará caracterizada a vontade da maioria, que é a característica primordial do nosso Estado.


 O VOTO OBRIGATÓRIO EM CONTRAPOSTO A LIBERDADE INDIVIDUAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Conforme o artigo 14, § 1º da Carta Magna o voto e o alistamento eleitoral são obrigatórios para uma determinada faixa etária. Existe atualmente uma grande discussão acerca do referido dispositivo legal, por vezes que não se consegue definir a natureza jurídica do voto, seria ele um direito, um dever para com o Estado, ou ainda um misto de direito e dever.

A presente discussão gera diferentes afrontamentos na doutrina nacional, ainda sobre o voto obrigatório, estudaremos a possibilidade de mudança através de projeto de emenda constitucional, por vezes que o artigo 60, §4º traz o voto como clausula pétrea e em consonância existem Projetos de Emenda à Constituição tramitando no Congresso Nacional. Ainda discutiremos acerca da ofensa a liberdade do cidadão ao ser constrangido a votar sob pena de sanções previstas legalmente.

ANALISE ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO VOTO

Seria o voto uma obrigação/dever do cidadão ou um direito individual, tal indagação resta sem entendimento majoritário dentro da doutrina pátria, o que se vê é um posicionamento misto, que trata o voto como uma obrigação e ao mesmo tempo como um direito. Segue o que trás Gomes (2008, p. 38) na sua obra: “Embora expresse um direito público subjetivo, o voto é também um dever cívico e, por isso, é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 anos (CF, art. 14, §1º)”.

Maluf (2003) coaduna com este entendimento, conforme segue:

O voto é considerado como um direito individual e, ao mesmo tempo, como função social. Como doutrinou Dugui, o eleitor, ao mesmo tempo em que é titular de um direito é investido em uma função pública. O direito decorre do poder de votar que assiste aos cidadãos, observadas as prescrições legais. “O caráter de função social resulta, logicamente, da obrigatoriedade do voto.” (MALUF, 2003, p.222)

Moraes (2010) também escreve nesse sentido:

O voto é um direito público subjetivo, sem, contudo, deixar de ser uma função política e social de soberania popular na democracia representativa. Além disso, aos maiores de 18 e menos de 70 é um dever, portanto, obrigatório. “Assim, a natureza do voto também se caracteriza por ser um dever sociopolítico, pois o cidadão tem o dever de manifestar sua vontade, por meio do voto, para a escolha de governantes em um regime representativo.” (MORAES, 2010, p.232).

Observa-se que o posicionamento é no sentido de que o voto é um instituto misto, pois é um dever do cidadão, exercendo o seu cidadania escolhendo seus representantes e ao mesmo tempo é um direito.

Nesse sentido, a obrigação então consiste no comparecimento às eleições, não no ato de votar em si, vez que o cidadão poderá votar em branco ou nulo e assim não interferindo nas eleições, ou seja, não participando de fato na escolha dos representantes.

Sobre a natureza jurídica do voto José Jairo Gomes na sua obra, ainda adiciona o seguinte:

Sua natureza jurídica deve ser bem explicitada, pois, consoante adverte FERREIRA (1989, p.295), ele é “essencialmente um direito publico subjetivo, é uma função da soberania popular na democracia representativa e na democracia mista como um instrumento deste, e tal função social justifica e legitima a sua imposição como um dever, posto que o cidadão tenha o dever de manifestar sua vontade na democracia”

“Argumenta-se, ainda, que a obrigatoriedade do voto faz que o cidadão se interesse mais pela vida politica, dela se aproximando, e que a “massa popular” não é preparada para o voto facultativo.” (FERREIRA, 1989 apud Gomes, 2008, p. 38)

No trecho alhures se fala que a função social do voto justifica e legítima a sua imposição, sendo então o voto um dever do cidadão, um dever de manifestar sua vontade na democracia, acreditamos que ai exista um conflito de direitos, pois ocorre uma supressão da liberdade do cidadão em razão da imposição de um dever/obrigação, ainda mais um dever disfarçado de direito.

Neste sentido José J. Gomes (2008) argumentar que, como o direito, não é razoável que seja exercido compulsoriamente. Ademais, a obrigatoriedade certifica a imaturidade do povo, ainda merecedor da tutela estatal.

Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo:

I - quanto ao alistamento:

a) os inválidos;

b) os maiores de setenta anos;

c) os que se encontrem fora do país.

II - quanto ao voto:

 a) os enfermos;

b) os que se encontrem fora do seu domicílio;

c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar.

O artigo 6º do Código Eleitoral reforça a ideia de obrigatoriedade, colocando apenas as situações que excluem a compulsoriedade do cidadão para comparecer as urnas.

PORTELA (2008) em sua obra faz o seguinte apontamento:

“É certo que o Brasil de 1932, quando adotado o voto obrigatório entre nós, era um país eminentemente rural, com pequeno número de eleitores, muito diferente do país em que vivemos nos dias atuais." (PORTELA, 2008, p. 3)

Diante disto é certo dizer que a natureza jurídica do voto deve ser encarada de maneira diferente, pois, não podemos manter uma posição que vem sendo mantida desde 1932 quando o voto foi positivado como obrigatório.

A constituição de 1934 ratificou o voto compulsório e trouxe também várias reinvindicações como o voto feminino, o voto secreto, a idade de 18 anos para votar, que antes eram 21 anos.

Contudo, com o passar dos anos esse quadro mudou completamente, de modo que:

[...] o Brasil tem hoje oitenta por cento de sua população morando nas cidades, sendo significativa sua presença nos grandes centros populacionais e regiões metropolitanas e, ainda, que o fácil acesso aos meios de comunicação de massa permite a todos ter acesso fácil a informações do mundo inteiro, influindo, assim, na consciência do cidadão mediante o conhecimento sobre a vida de outros povos, ou mesmo de outras regiões brasileiras, mormente sobre os aspectos de liberdade política, marginalidade social, racismo, comportamento sexual, violência urbana, consumo de drogas pelos jovens, desenvolvimento científico e tecnológico outros temas da atualidade. (SOARES, 2004, p. 9)

Isto posto, é possível observar com excerto acima, o fato de que atualmente a maioria da população vivendo no meio urbano, com o acesso a informação que a população tem hoje em dia, o Brasil passa a não ser mais o mesmo de 80 anos atrás, permanecendo, contudo, o voto obrigatório:

Ressalta-se que atualmente o voto é obrigatório no ordenamento jurídico pátrio, de valor igual para homens e mulheres, entre 18 e 70 anos e facultativo entre 16 e 18 e acima de 70 anos, havendo inclusive sanção para ausência não justificada. O eleitor possui a liberdade de escolher diante dos candidatos inscritos, ou votar em branco e até mesmo anular seu voto. (VALVERDE, 2005)

Desta maneira, é visível a necessidade de reanalise da natureza jurídica do voto, devendo não mais ser tratado como um dever do cidadão e sim, ser tratado como direito político fundamental, facultando-se ao titular o seu exercício.

Sob outro prisma acerca da natureza jurídica do voto Nelson De Souza Sampaio afirma:

Do exposto conclui-se que o voto tem, primordialmente, o caráter de uma função publica. Como componente do órgão eleitoral, o eleitor concorre para compor outros órgãos do Estado também criados pela constituição. Em geral, porém, as constituições têm deixado o exercício da função de votar a critério do eleitor, não estabelecendo sanções para os que se omitem. Nessa hipótese, as normas jurídicas sobre o voto pertenceriam à categoria das normas imperfeitas, o que redundaria em fazer do sufrágio simples dever cívico ou moral. Somente quando se torna obrigatório, o voto assumiria verdadeiro caráter de dever jurídico. Tal obrigatoriedade foi estabelecida por alguns países, menos pelos argumentos sobre a natureza do voto do que pelo fato da abstenção de muitos eleitores, - fato prenhe de consequências políticas, inclusive no sentido de desvirtuar o sistema democrático. Nos pleitos eleitorais com alta porcentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os órgãos dirigentes do Estado, ou seja, Governo e Parlamento. (SAMPAIO, 1981)

Nota-se que o entendimento exposto acima é ultrapassado, pois atualmente se entende que o voto sendo imposto é um atentado à liberdade do cidadão, não se pode mais sustentar a obrigatoriedade do voto sob argumento da sua natureza jurídica, é extremamente necessário uma nova visão para garantir a real função do Estado Democrático de Direito.

A LIBERDADE INDIVIDUAL

A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datado de 1789, em seu artigo 4º, conceitua a liberdade:

Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela lei.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, forjado no cerne da Revolução Francesa, que trazia o lema “Liberté, égalité, fraternité” foi o marco inicial da busca por uma democracia justa, pois se deu inicio a luta pelos direitos fundamentais. Diante disto, o poder constituinte garantiu estes direitos, observamos o que aduz o caput do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

Desta forma, a inviolabilidade do direito à liberdade é relativizada pelo Estado, posto que o cidadão abra mão da sua liberdade para contar com a proteção fornecida pelo Ente Soberano. Mas até onde o Estado pode intervir na liberdade do cidadão? Seria a imposição do voto um atentado à liberdade individual?

Segundo o filósofo e pensador Montesquieu (2005, p. 166) salienta em sua brilhante obra que:

Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o que não se tem o direito de querer. Ademais, Montesquieu define a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem, e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, por que os outros também teriam esse poder. (MONTESQUIEU, 2005)

Nas palavras do Ilustre Ministro Gilmar Mendes (1999):

Tal como observado por Hesse, a garantia de liberdade do indivíduo que os direitos fundamentais pretendem assegurar somente é exitosa no contexto de uma sociedade livre. Por outro lado, uma sociedade livre pressupõe a liberdade dos indivíduos e cidadãos, aptos a decidir sobre as questões de seu interesse e responsáveis pelas questões centrais de interesse da comunidade. Essas características condicionam e tipificam, segundo Hesse, a estrutura e a função dos direitos fundamentais. “Eles asseguram não apenas direitos subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.” (MENDES, 1999)

Com base nas palavras do Ilustre Ministro conclui-se então que a liberdade efetiva do cidadão assegura a presença dos direitos subjetivos do mesmo e ainda, o respeito pelos princípios objetivos da ordem constitucional e democrática.

Ainda, sobre a liberdade e o Estado o referido autor acrescenta em sua obra:

Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos.” (MENDES, 1999)

Diante do exposto, o Estado deverá garantir ao cidadão o exercício pleno da liberdade, além disso, observar a não intervenção estatal na esfera particular do cidadão, devendo ademais garantir aos mesmos, métodos para defender a sua liberdade.

O VOTO COMO CLAUSULA PÉTREA

Ainda, existem argumentos contrários à conversão do voto obrigatório em voto compulsivo seria a impossibilidade de mudança do texto constitucional, tendo em vista que é matéria prevista no art. 60, §4º da Constituição Federal, como se segue:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

[...]

§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais.

Trata-se então de limitação expressa material, pois “tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por “clausulas pétreas”. (MORAES, 2010 pg. 525)

Pois, sendo o voto clausula pétrea é necessário maior aprofundamento ao assunto para que se verifique a possibilidade de aplicação da vedação do referido artigo ao que tange a obrigatoriedade do voto, pois como visto no inciso II o voto direto, secreto, universal e periódico não pode ser alvo de deliberação.

A partir do previsto no texto constitucional observamos que a obrigatoriedade do voto não é clausula pétrea, sendo assim poderá ser objeto de deliberação pelo legislativo, mediante o procedimento previsto, sem prejuízo a constitucionalidade da proposta de emenda à constituição.

Observando exposto alhures, poderia o Poder Constituinte derivado reformador alterar o artigo 14, §1º, inciso I, que trata o voto e o alistamento eleitoral como obrigatório aos maiores de dezoito anos, mediante proposta de emenda a constituição.

A inalterabilidade da Constituição Federal seria considerada um retrocesso à ordem legal constituinte, pois é necessário que o Direito se adeque as mutações temporais, comportamentais e sociais da sociedade.

A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacifica do sistema politico, entregando à revolução e ao golpe de Estado a solução das crises. (BONAVIDES, 2012 pg. 173)

Assim sendo, o Direito não pode ser encarado como algo imutável, pois é necessária a adequação da norma ao cotidiano do povo. De nada adiantaria existir a Lei se ela não pode ter efetividade.

ANÁLISE ACERCA DAS SANÇÕES APLICADAS ÀQUELES QUE NÃO EXCERCEM O VOTO

No Código Eleitoral, em seu artigo 7º, observam-se as sanções impostas àqueles que não comparecem as urnas para votar, in verbis:

Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367.

§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:

I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;

II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;

III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;

IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;

V - obter passaporte ou carteira de identidade;

VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;

VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

§ 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18 anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior.

§ 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3 (três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido.

Analisando o dispositivo legal observamos que as sanções agem na esfera de liberdade do indivíduo, gerando um desconforto e até constrangimento.

Os incisos trazem as proibições que são imputadas aos que faltam com a obrigação de votar, existindo punições pesadas para aqueles que não exercem sua cidadania da maneira como a lei impõe. Acredita-se que as sanções são demasiadamente punitivas, e recentemente Projeto de Lei do Senado pretendia retirar as sanções dos incisos, mantendo somente a multa, contudo, o projeto que é datado de 2006, está em trâmite no Congresso Nacional e por hora está esquecido.

Tendo em vista este tipo de arbitrariedade cometido pelo Estado se questiona o valor democrático do nosso ordenamento jurídico, vez que impõe ao eleitor o comparecimento às urnas para o exercício de um “direito”.

Ressaltando que o voto em si não é obrigatório, pois pode o cidadão votar em branco ou nulo, o que é de fato obrigatório é o comparecimento na sua zona eleitoral, como bem aponta Moraes (2010):

[...] em regra, existe a obrigatoriedade do voto, salvo aos maiores de 70 anos e aos menores de 18 e maiores de 16. Consiste em obrigar o cidadão ao comparecimento às eleições, assinando uma folha de presença e depositando seu voto na urna, havendo inclusive uma sanção (multa) para sua ausência. “Em virtude, porém, de sua característica de secreto, não se pode exigir que o cidadão, efetivamente, vote.” (MORAES, 2010, p.232)

Desta forma, é necessário que o voto obrigatório, imposto pela Constituição Federal de 1988, herança do Código Eleitora de 1932, seja substituído, dando lugar ao voto facultativo, este que é adotado na maioria dos Países Democráticos.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPINIÃO POPULAR SOBRE O VOTO OBRIGATÓRIO E AS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A opinião popular se mostra favorável à adoção do voto facultativo, conforme pesquisa Datafolha foi constatada que 61% dos brasileiros somos a favor do voto facultativo, sendo somente 34% a favor, sendo 5% divididos entre indiferente e não souberam responder.

Partindo do exposto, podemos concluir que se o povo clama pelo voto facultativo, por óbvio este pedido deve ser atendido, pois o Brasil é um Estado Democrático de Direito, e por ser o Estado democrático, a maioria prevalece sobre a minoria.

O Congresso Nacional recebe Projetos de Emenda à Constituição que tem por objeto a retirada da imposição do voto de forma reiterada, no ano de 2012, sob o nº 55, a PEC de autoria do Senador Ricardo Ferraço e outros, tinha como proposta a alteração do parágrafo 1º do artigo 14 da Constituição Federal, o texto proposto é o seguinte: “§ 1º O alistamento eleitoral é obrigatório para os maiores de dezoito anos e o voto é facultativo para todos, a partir dos dezesseis anos de idade.”

O autor da PEC Senador Ricardo Ferraço (2012) em sua justificativa para a proposta alegou que a previsão pelo voto facultativo teve como justificativa que a ideologia da obrigatoriedade do voto, levou o Brasil a transformar um direito político fundamental em uma obrigação legal. Não se pode obrigar alguém que não se interessa pela coisa pública a escolher entre candidatos sobre os quais nada sabe, e ainda pior, obrigar alguém, sob pena de punição estatal, a ir uma sessão eleitoral manifestar a sua postura apolítica.

A proposta 55/2012 foi rejeitada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, mas a ideia de abolir a obrigação do voto é de longa data, e continuadamente surgem novas Propostas de Emenda à Constituição que trazem no seu âmago a retirada do voto obrigatório.

No ano de 2013, a Proposta de Emenda à Constituição 352/13, tratada como a PEC da reforma política, entre as suas propostas põe fim ao voto obrigatório.

Diante do exposto, devemos ressaltar que o voto facultativo é a maneira ideal de um povo democrático eleger os seus representantes, pois, o Estado não pode intervir e constranger o cidadão para que o mesmo exerça a sua cidadania, devendo o voto ser tratado como um direito.

Coaduna com esse pensamento Jacob (J.) Lumier (2008) em seu livro, como segue:

[...] se constata que a tutela pelos aparelhos administrativos sobre o ato de votar restringe a liberdade política na medida em que esta pressupõe a realização das obras de civilização (Conhecimento, Moral, Educação, Direito, Arte), reduzindo-se em decorrência dessa tutela especial a possibilidade de aceder à desejável cidadania plena, como formação pública onde as disputas de interesses ou as lutas pelo poder se subordinam às plataformas de conjunto da sociedade – em pauta nas chamadas políticas públicas. Vale dizer, na cidadania plena como regime de voto pelo comparecimento desobrigado, a tendência política que surge desse voto delimita o campo das barganhas e torna superada a crença na ordem do mais forte. Neste sentido, o voto obrigatório praticado em cidadania tutelada mostra-se prejudicial à Democracia porque desfavorece a ultrapassagem da situação em que “o homem é o lobo do homem”, nada acrescentando para que as funções sociais prevaleçam. (LUMIER, 2008)

Tornar o voto um instrumento para o exercício da cidadania em consonância à liberdade individual com o fim de consolidar o Estado Democrático de Direito no princípio da soberania popular, propulsiona o questionamento acerca do voto facultativo e a natureza jurídica do voto, devendo este ser declarado unicamente como direito político fundamental, deixando de ser tratado como dever, é fundamental para a manutenção da democracia nacional.




 CONCLUSÃO

No presente artigo primeiramente se questiona o Estado Democrático de Direito e seu conceito, pois, é necessário salientar a importância de tal conceito vez que há na doutrina uma divergência doutrinaria. Partindo da adoção do conceito foi analisada a Democracia como forma de governo, e suas variantes, classificando o Brasil como uma Democracia semidireta, pois o ordenamento pátrio conta com institutos de participação no poder de forma direta, mas adota o modelo representativo.

Diante disto estudamos a Soberania Popular, determinando sua importância na manutenção da Democracia. Exercício este que se dá através do sufrágio, que se consubstancia particularmente no voto. O voto por ser então o exercício da Soberania Popular é importante instituto na nossa ordem Constitucional.

Por ser o voto instrumento tão importante, é de se questionar a sua obrigatoriedade, pois é previsto pela Constituição Federal como um Direito Político. Na tentativa de elucidação deste questionamento foi necessário estudar a natureza política do voto. Entendimento este que decorre de meados de 1930, quando o voto foi imposto como obrigatório, desde essa época o voto sofreu continuas alterações, mas a sua obrigatoriedade permaneceu, e os doutrinadores trazem a natureza jurídica do mesmo como um dever do cidadão para o Estado, um Direito que deve ser exercido sob pena de prejudicar a real Democracia. 

Entendeu-se esse posicionamento como ultrapassado, por vezes que na maioria dos Estados estrangeiros democráticos o voto é facultativo, e ainda, a previsão de sanção para aquele que não vota é algo absurdo, pois, como um direito não exercido pode gerar ao titular um prejuízo tão grande quanto os impostos na legislação que trata das sanções, observa-se ai uma ofensa a Liberdade Individual, pois o cidadão tem o direito de votar, contudo, ele deverá obrigatoriamente votar.

Cumpre ressaltar que analisamos o voto enquanto clausula pétrea, motivo pelo qual foi possível concluir que a imutabilidade do voto é embasada em suas características, no sentido de que deve ser direto, secreto, universal e periódica, e não acerca de sua obrigatoriedade, podendo assim ser alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

Diante disto, nada obsta aos projetos de emenda à constituição que visam à alteração do artigo 14, da Constituição Federal de 1988.

Muito é questionado a respeito das sanções aplicadas aos cidadãos que não comparecem às urnas e não justificam a sua ausência, pois são sanções extremas, interferindo nas mais intimas esferas jurídicas do cidadão.

É notória a vontade manifesta da população acerca do voto obrigatório, em recente pesquisa publicada foi possível verificar a vontade do povo, sendo que 61% dos entrevistados preferem o voto facultativo ao obrigatório.

Em consonância com a vontade do popular, eis que surge ano pós ano, tentativa após tentativa, uma mudança no texto constitucional acerca da obrigatoriedade do voto. De longa data vários políticos propuseram uma emenda à Constituição, contudo, nenhuma logrou sucesso.


Desta forma, o presente trabalho concluiu que o voto obrigatório age de maneira a constranger o cidadão, não somente pela obrigatoriedade imposta, mas também pelas sanções previstas àqueles que não cumprem o mandamento constitucional, atualmente é necessário que a natureza jurídica do voto seja encarada de maneira diversa do entendimento vigente, devendo ser observado à luz da liberdade individual, pressuposto mínimo de existência da Democracia.

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