"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Quando o Brasil ficou de pé

Lembra quando o Brasil era a potência da vez? Quando matérias sobre vinagre e pimenta se limitavam à seção culinária do jornal? Faz apenas dois ou três anos que o Brasil vivia a euforia de uma infância tardia. Tínhamos a Copa e as Olimpíadas, tínhamos o pré-sal e o Eike Batista. E tínhamos tudo isso fazendo capa de revista:

Continuamos tendo tudo isso. Apenas percebemos que não temos muito mais que isso.
O Brasil começou a nova década sob um otimismo encantado. No deslumbrado ano de 2010, a imprensa anunciava que nosso futuro prometido finalmente havia chegado:

“O Brasil está conseguindo o raro feito de extrair opiniões quase unânimes mundo afora. São poucos, pouquíssimos, os economistas que ousam discordar de que o País entrou em um ciclo de desenvolvimento sustentado. E mais: são ainda mais raros aqueles que duvidam da capacidade de o Brasil se tornar uma das maiores potências econômicas do planeta em um par de dezena de anos”.

Não foi preciso “um par de dezenas de anos” para percebermos que as “opiniões quase unânimes” em 2010 estavam mais infladas que o mercado imobiliário americano em 2008. A bolha do Brasil Potência estourou. Hoje, é a voz dos “poucos, pouquíssimos” dissidentes que se amplia no eco das centenas de milhares marchando pelas ruas das capitais brasileiras.

O que mudou de 2010 a 2013? Institucionalmente, muito pouco. A grande mudança está na percepção do brasileiro. Descobrimos que a realidade não é bem aquela pintada pelo R$ 1,797 bilhão que o governo gasta por ano em propaganda. Não se faz pão de slogans políticos nem se educam crianças com cartilhas comemorativas.

Enquanto políticos e jornalistas nos diziam “Yes, nós somos potência”, nosso bolso nos dizia outra coisa.

Sí, nós somos pobres

Uma das minhas esquisitices é andar com o mapa da renda do Brasil num pen drive. É um mapa da The Economist que revela a qual país equivale a renda per capita de cada estado brasileiro. O resultado costuma surpreender amigos, principalmente gaúchos:

O tamanho da nossa economia, a 6ª maior do mundo, faz os brasileiros se esquecerem de que riqueza se mede observando a renda de cada pessoa, de cada família. Uma multidão de pobres não se torna rica ao ser agregada sob um mesmo indicador econômico. Se PIB total indicasse riqueza, a Bahia seria considerada mais rica que o Distrito Federal, quando na verdade a renda no DF é cinco vezes maior que na Bahia. Quando olhamos para o poder de compra dos brasileiros, o país cai para a posição de número 76, atrás de países como Casaquistão e Irã.

Nossa ilusão também foi alimentada por investidores gringos. Empolgados em fazer parte dos BRICs, nem notamos que a sigla inventada por um chairman do Goldman Sachs reunia países com tão pouco em comum que só formavam um grupo através de uma manipulação fonética. Reparem que na década de 2001 a 2011, Rússia, Índia e China cresceram numa média de 8,4% ao ano. O Brasil, com uma média anual de 3,8% não chegou nem na metade disso.

Enquanto a economia crescia pouco, o custo de vida nas cidades brasileiras batia recordes. Até os investidores estrangeiros se assustam quando vêm ao Brasil. O indiano Ruchir Sharma ficou impressionado ao visitar o país e descobrir que:

“Restaurantes em São Paulo são mais caros do que os de Paris. Quartos de hotéis custam mais no Rio que na Riviera Francesa. Os apartamentos no chique Leblon são vendidos por mais dinheiro do que os imóveis na Quinta Avenida de Nova York com vista para o Central Park.”

“Se os preços locais em um país de economia emergente parecem caros até para o visitante de uma nação rica”, escreve Ruchir Sharma em Breakout Nations, “esse país provavelmente não é uma nação rumo à prosperidade”.

Quem mais perde quando o custo de vida sobe são os mais pobres. São eles que se assustam todo dia, que sentem seu valor diminuir dia após dia quando pagam aluguel, andam de ônibus, entram na escola, esperam no hospital, ou vão ao mercado fazer compras.

Copa do Mundo não paga as contas dos pobres. Além da dor no bolso, os brasileiros ainda têm que sentir a dor moral ao ver montanhas de dinheiro sendo transferidas para coisas tão supérfluas como eventos esportivos. Como escrevi em outro texto:

“Nas PPPs, o governo consegue privatizar o lucro e a empresa socializar as perdas – capitalismo para os ricos/socialismo para os pobres em seu melhor. E isso não ocorre por acidente; está previsto na legislação de concessões especiais. Nessa modalidade de PPP, o governo se compromete a investir dinheiro no projeto e a ser solidário com o fracasso do setor privado, cobrindo eventuais prejuízos.”

E o governo precisa dar esse estímulo ao setor privado porque o resto da economia não estimula o empreendedorismo. O Brasil assustava até Steve Jobs. Quando o Secretário de Cultura do Rio de Janeiro convidou a Apple abrir uma loja na cidade, Jobs disse que não. “A política maluca de taxação superalta do Brasil”, explicou Jobs, “faz com que seja muito pouco atraente investir no país. Muitas companhias de alta tecnologia se sentem assim”.

Batendo os 36% da economia doméstica, o Brasil é o país com a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento. O brasileiro trabalha 150 dias por ano só para pagar imposto. E enquanto os asiáticos se deslocam a 400km/h sobre superfície urbana, o brasileiro aguenta meia hora só pra sair do ponto.
E ainda há quem ache que não há motivo para protesto?

O Brasil está de pé. Uma nova geração se levantou do sofá e tomou as ruas. E não são as borrachas balísticas que vão apagar esse ímpeto. Porque borracha não apaga o fogo, é o fogo que se alimenta da borracha.

Os céticos dizem que a onda de protestos não passa de um exercício de narcisismo coletivo, de patricinhas saindo mais cedo da Cultura Inglesa para fazer sua empregada chegar mais tarde em casa, de playboys dando golpes de Jiu-Jitsu no patrimônio público, de hipsters ideológicos com vocabulário retrasado falando de latifúndios urbanos e partying like it’s 1848.

De fato, definir a direção do descontentamento generalizado deve ser prioridade. O século passado já viu que ideias são capazes de derrubar muros, mas antes é preciso saber qual muro derrubar. Essa questão não se resolve gritando mais alto ou reunindo mais gente. O peso do martelo e o barulho da martelada não nos dizem se estamos golpeando a parede que nos priva do ar da liberdade ou a parede que nos protege das águas de uma represa.

Mas também não se resolve quando pessoas de boa vontade e boas ideias se colocam contra a maior manifestação de descontentamento político há mais de uma geração. Assim agiam os conservadores que, segundo GK Chesterton, impediam que os erros cometidos pelos progressistas fossem corrigidos. Meus amigos do pé atrás gostam de citar Burke, que dizia que a única coisa que o mal precisa para triunfar é as pessoas de bem não fazerem nada. Mas ao se recusarem a contribuir para o atual movimento estão exacerbando o temor de Burke. Estão garantindo que o discurso do vandalismo, do poder e da pobreza ganhe mentes e corações. Suas críticas funcionam como uma profecia auto-realizável.

Dizem que o protesto não é a maneira democrática de se reivindicar demandas sociais numa república constitucional. “Para isso existem eleições!” Mas esses amigos também protestam, e protestam diariamente. Só que protestam por meio do poder da escolha. Protestam contra um restaurante escolhendo comer no outro. Protestam contra a “Veja” escolhendo a “Época”; contra o BBB mudando de canal.

Se tratássemos o transporte aéreo como tratamos o transporte urbano, com apenas uma companhia monopolizando cada trecho, aposto que os ricos também iriam fazer barulho quando a TAM aumentasse a passagem Rio-São Paulo. Mas eles não precisam protestar nas ruas. Podem protestar escolhendo a Azul ou a Gol.

As companhias de ônibus das capitais brasileiras não concorrem pela preferência do consumidor. São monopólios. Concorrem pela concessão do governo. Quando não permitimos aos pobres protestarem com suas escolhas, resta a eles protestarem com suas pernas.

Se há um problema com o protesto, ele não está no ato de protestar, ou em protestar por passagens mais baratas. O problema está nos meios pelos quais o protesto vira proposta.

O Movimento Passe Livre quer entregar ainda mais poder para os monopólios. Querem que o pobre pague às companhias de ônibus até quando só anda a pé. Que pague quando compra feijão, pague quando compra roupa, que pague às companhias de ônibus por meio dos impostos. O passe aí é um passe de mágica que deixa os brasileiros sem saber o quanto de fato estão pagando (quantas pessoas sabem o quanto do dinheiro do seu imposto vai para as companhias de ônibus? Você sabe?). O custo do subsídio se esconde nos impostos e dá um passe livre para o governo aumentar o subsídio das empresas de ônibus sem a população sequer perceber.

Os brasileiros devem ter passe livre para consumir, passe livre para empreender. O brasileiro é um povo criativo, empreendedor. Cai uma chuva, lá vem um empreendedor popular te oferecer uma sombrinha. Abre o sol e ele te oferece uma água gelada. O brasileiro empreende em qualquer lugar. Empreende na praia, empreende no engarrafamento, empreende na internet. Mas não pode empreender no transporte urbano, nem na Copa, nem na educação. Aí tem que ser monopólio. “Claro que não é em benefício das companhias nem dos políticos”, dizem. “É monopólio em benefício do povo!”

Destruir ônibus em protesto contra a passagem é como esmagar tomate em protesto contra a inflação. Minha esperança é que os manifestantes parem de quebrar ônibus e comecem a quebrar monopólios!

 Diogo Costa

domingo, 23 de junho de 2013

Momento de protestos no Brasil é a primavera tropical

É tempo de nos indignarmos. É o momento de não nos calarmos, o barulho das ruas, o silêncio das autoridades e a perplexidade da sociedade nos colocam no rumo de alternativas sadias para sairmos da crise. A população, refém da criminalidade, a violência enfurecida e a explosão incontida dos delitos, passeatas, movimentos, reivindicações, teria chegado ao momento de uma primavera tropical.

É o recado que consta do movimento jovem que se insurge contra o aumento das tarifas de ônibus e se refere, com desprezo, ao escárnio do arrocho salarial. Estamos diante de um movimento pendular, cujas autoridades perseguem a tranquilidade dos seus cargos e a população, prejudicada, protesta com sentimento de combate, depredações e arruaças.

Qual seria o sentido fundamental para sairmos dessa anomalia latente e tentarmos encontrar uma rápida solução para o estado de crise? O Brasil perdeu a linha de concorrência com as demais nações, entrou na infantilidade do mascarado consumo e agora não consegue reagir com forças, visando combater as mazelas que nos afligem.

A balbúrdia de leis e o macrocenário do entorno nos convencem, cada vez mais, que se trata, parafraseando Alfredo Augusto Becker, de um manicômio judicial formatado por leis, milhões de decisões e a quantidade de processos. São mais de 90 milhões, cujo Superior Tribunal de Justiça, nos seus 25 anos, proferiu mais de 1 milhão de decisões.

Alguma coisa, e grave, está muito errada na nossa sociedade, e isso precisa ser mudado de forma eficiente, enérgica e com bastante capacidade. A falta de crescimento nos empaca, a realidade dos números da criação de empregos não retrata o perfil de contentamento da sociedade, além do que, sofremos os aspectos da inflação em alta, câmbio descontrolado e a Bolsa de Valores em queda livre.

Não há, ao que tudo indica, um plano B, mas sim meras hipóteses e abstrações, o que não muda absolutamente nada nosso sentimento de falta de otimismo a curto prazo. O choque de gestão envolve um curto circuito na forma como o governo vem conduzido sua política, no corte de gastos, no aumento da melhora da infraestrutura e no combate incansável à corrupção.

O modelo de transporte individual está superado, aquele coletivo não pode contar com tanto subsídio e as ferrovias devem sair, e logo, do papel. Atormentam tantos fatos que fazem parte de uma realidade ainda não compreendida e captada pelas autoridades, as quais preferem discutir o pleito de 2014 e não perceber que, para chegar lá, precisam de terreno seguro e boa visibilidade para alcançar reeleições.

O tempo é de renovar o sentido da governabilidade, de enxugar a Constituição com sua reforma e até de se pensar num STRF, Superior Tribunal Federal, dada a criação de mais quatro novos tribunais federais, que, por certo, trarão um volume insustentável para o STJ, que estaria limitado aos tribunais de Justiça do país. Novas ideias, grandes desafios e colocar o Brasil no rumo, tudo isso tem sentido se a governabilidade significar a autoridade para servir ao interesse público.

Carlos Henrique Abrão é desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O Brasil acordou. E agora?

Protestos podem ser semente para nova democracia, uma wiki-revolução brasileira? Indignados, enfim. O Brasil parece ter entrado na era das “wiki-revoluções”. No que isso vai dar?

“Wiki” é o termo usado para designar um tipo de software que permite a edição coletiva de documentos em rede (como a Wikipedia). Como as revoltas ocorridas nos últimos anos têm características parecidas com as desses programas — são espontâneas, descentralizadas e baseadas na tecnologia –, estas têm sido denominadas “wiki-revoluções” por alguns autores, como Manuel Castells.

Essas revoltas usam a internet como canal para sua organização e expressão e levam as pessoas a coincidir em um momento e lugar determinados, obtendo impacto nos meios de comunicação e pressionando as instituições graças à repercussão desse impacto junto à opinião pública.

Pois bem, as manifestações que tomaram as ruas do Brasil seguem essas características, assemelhando-se à Primavera Árabe no Oriente Médio e norte da África, ao movimento dos Indignados na Espanha e ao “Occupy Wall Street” nos Estados Unidos.

Aqui, assim como lá, sites e redes sociais foram utilizados para a convocação de protestos e intercâmbio de informações. As páginas do Facebook, contas do Twitter e o YouTube serviram, também, para publicar e repercutir fotos e vídeos da repressão, feitos por meio de câmeras de telefones celulares pelos próprios manifestantes — fotos e vídeos estes que alimentaram os meios de comunicação tradicionais, amplificando ainda mais seu efeito.

“Saímos do Facebook”, diziam algumas das faixas dos manifestantes. 81% se informaram dos atos por meio dessa rede social e, no total, 85% dos presentes buscaram informações pela internet, o que levou a 79 milhões de compartilhamentos sobre os protestos em diversos sites, apenas na segunda-feira (Folha de S.Paulo; O Estado de S. Paulo).

Aqui, também, o movimento se caracteriza por sua descentralização e ausência de líderes. “O povo, unido, não precisa de partido” foi um dos gritos de guerra adotados e, das 65 mil pessoas que participaram da manifestação em São Paulo, 84% declararam não ter preferência partidária.

Porém, se as características do movimento daqui são parecidas com as dos de lá, há também diferenças entre eles. Comparando, então, o que esperar das manifestações brasileiras?

A Primavera Árabe tinha o objetivo de depor ditadores há décadas no poder. Ter uma meta clara aumenta as chances de que a revolta tenha resultados concretos — como ocorreu na Tunísia, Egito, Líbia e Iêmen. Isso torna esses movimentos mais parecidos com outros que tivemos por aqui tempos atrás, como o das “Diretas Já” e o “Fora Collor” — ambos descentralizados ou, ao menos, com múltiplas lideranças, porém com objetivos bem definidos e atingidos.

Ora, embora seja verdade que as manifestações atuais tenham se iniciado a partir das reivindicações práticas (e justificadas) do Movimento Passe Livre, todos sabem que estas só ganharam força quando se transformaram em um grito de protesto contra “tudo o que está aí”: uma insatisfação generalizada para com uma classe política majoritariamente corrupta e incompetente e instituições incapazes de fornecer serviços públicos com a mínima qualidade.

Isso torna o movimento brasileiro mais parecido com o espanhol, que reclamava da incapacidade do governo em lidar com a crise e o desemprego, e o norte-americano, cujo lema era que os 99% da população não estariam representados pelo 1% que comandava (comanda) o país em benefício próprio.

Qual foi o resultado destes últimos movimentos? Em ambos os países, não houve maiores mudanças no “sistema”.

O risco de um movimento contra tudo e contra todos é esse. A falta de propostas sobre o que deve ser construído no lugar do que se quer derrubar pode esvaziar as manifestações ou torná-la apenas um jeito violento de desopilar nossas frustrações — o que seria o pior caminho a seguir. Ninguém sabe muito bem como transformar a mobilização em ações práticas — e este post não tem a pretensão de ir além de um simples início de conversa.

O que se poderia fazer, então, para evitar que a indignação demonstrada nos últimos protestos não tenha nenhum resultado?

Um caminho possível é o de transformar esse movimento em uma luta pelo aperfeiçoamento de nossa democracia, aumentando a participação direta da população a fim de evitar que atos e projetos contra o interesse público (a lista é imensa e crescente) sejam aprovados. Ir pra rua é legal e é ótimo instrumento de pressão, mas precisamos encontrar meios para que os cidadãos sejam ouvidos com maior frequência, de forma mais institucionalizada.

Isso é viável?

A resposta pode estar na revolução tecnológica. Não devemos subestimar o que acontece hoje na internet. É tão ou mais importante do que ocorre nas ruas.

Atualmente, há canais para que um novo tipo de democracia, mais participativa, comece a ganhar corpo. A esfera pública de nosso tempo se baseia, em grande parte, como observa Castells, em nosso sistema de comunicações. O ciberespaço se transformou em uma "ágora eletrônica global", onde as pessoas se encontram para expressar suas preocupações e compartilhar suas esperanças, onde "a diversidade do decontentamento humano explode em uma cacofonia de sotaques".

Redistribuir o poder hoje concentrado nas mãos dos políticos tradicionais, transferindo parte das decisões para os cidadãos reunidos na cada vez mais populosa “praça virtual” da internet, pode ser uma boa maneira de reformar um sistema político que se mostra, nitidamente, desgastado.

Claro que essa ideia levaria tempo para ser implementada e depende, ela mesma, do desenvolvimento de controles que assegurem a legitimidade e transparência desses processos de decisão. Porém, considerando que não se pode simplesmente acabar com “tudo que está aí” sem ter o que por no lugar, por que não começar já a pensar nela?

Ainda não dá para responder que rumos os protestos atuais irão tomar. Eles podem não dar em nada. Eles podem resultar em uma vitória pontual na área do transporte. Eles podem significar a futura troca de um governante por outro (o que hoje significa, normalmente, trocar 6 por meia dúzia).

Mas se a indignação ganhar corpo e persistir, podemos estar assistindo ao momento em que foi plantada a semente de um novo modelo de democracia no Brasil.

Quem sabe?

Eduardo Felipe Matias

Proteção Constitucional da Criança e do Adolescente

Vulnerabilidade e Gênero no Sistema de Direito Brasileiro: algumas reflexões dialogais

“A Justiça é a primeira virtude das instituições sociais”

Sobressai da ordem social preconizada na Constituição Federal de 1988, no Capítulo VII, Título VIII, a explícita priorização na proteção da criança e do adolescente, com o estabelecimento de uma ordem de proteção máxima e especial que lhes fora atribuída, conforme se constata do caput do art. 226, “A Família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” combinado com o art. 227 e seu § 3º, 

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao laser, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” e “o direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos”.

Nesta mesma preocupação protetiva do constituinte com a criança e o adolescente, se encontra a destinação de recursos da seguridade social para as ações governamentais e política pública nesta especificidade, segundo se verifica do § 7º do mencionado dispositivo constitucional e do caput do art. 204 da Constituição cidadã: “As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com bases nas seguintes diretrizes”.

Num célebre ensino sobre uma atuação constitucional, é oportuna a doutrina do príncipe dos constitucionalistas lusitanos, Dr. J.J. Gomes Canotilho, a respeito do papel de garantia e proteção da constituição:

“Uma das principais funções da constituição é a ‘função garantística’. Garantia de que? Desde logo, dos direitos e das liberdades… (omissis). Nas constituições modernas os direitos constitucionalmente garantidos e protegidos representavam a positivação jurídico-constitucional de direitos e liberdades inerentes ao indivíduo e preexistentes ao Estado”.

Tal função garantista da Carta Magna deve ser compreendida com a convocação do meta-princípio da dignidade da pessoa humana – aqui de relevo e previamente, servimo-nos da doutrina de Ronald Dworkin, ao distinguir as normas dos princípios: os princípios fazem referencia à Justiça e à Equidade (fairness).

Enquanto que as normas se aplicam ou não se aplicam, os princípios dão razões para decidir em um sentido determinado. Porém, diferentemente das normas, seu enunciado não determina as condições de sua aplicação - entendida esta dignidade da pessoa humana em seu sentido universal, isto é, como o ser que é dotado de razão e de consciência.  A Constituição confere, assim, uma unidade de sentido, de valor e de concordância prática ao sistema de direitos fundamentais. E ela repousa na dignidade da pessoa humana, ou seja, na concepção que faz da pessoa fundamento e fim do Estado.

É de se frisar que a dignidade da pessoa humana exige a contraprestação do respeito à integridade física, psíquica e moral, com abrangência da preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. A dignidade da pessoa humana encontra-se no centro da construção dos direitos fundamentais.

Não se deve olvidar que a ligação jurídico-positiva entre direitos fundamentais e dignidade da pessoa humana, consoante a cátedra de Jorge Miranda, só começa com o Estado Social de Direito e, mais rigorosamente, com as Constituições e os grandes textos internacionais subseqüentes à Segunda Guerra Mundial. E que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade e da paz no mundo.

Os direitos da criança e do adolescente, tais como o direito à vida, à integridade física e psíquica, à educação, à saúde, à alimentação, etc, em sua grande maioria, estão inseridos na Constituição Federal de 1988, dentre a categoria de direitos sociais (Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) e como tal, são direitos fundamentais, que advieram do esforço nacional de inserir os direitos humanos da criança e do adolescente na ordem positivada pátria. Tem razão Peces-Barba quando assevera que não podem existir direitos fundamentais que não tenham sido reconhecidos pelo ordenamento jurídico estatal.

Em verdade, os direitos fundamentais “constituem a principal garantia com que contam os cidadãos de um Estado de Direito de que o sistema jurídico e político em seu conjunto se orientará com a finalidade de respeito e promoção da pessoa humana”. Assim, é de se compreender, conforme asseverou Perez Luño, que a positivação dos direitos fundamentais não tem um mero caráter declarativo de reconhecimento de uns direitos ou valores jurídicos prévios, mas, sim constitutivo, na medida que se trata de dar vida no ordenamento jurídico estatal a umas normas que regulam situações subjetivas, com independência do seu conteúdo material e sem fazer remissão a fontes legitimadoras alheias a própria ordem jurídica positiva.

Destarte, os direitos fundamentais se apresentam na vida normativa constitucional como um “conjunto de valores objetivos básicos (Grundwert, da doutrina germânica), e ao seu tempo, como o marco de proteção das situações jurídicas subjetivas”.A “felicidade comum” ou “fraternidade” enquanto fim da sociedade, assumiu-se como a expressão moderna dos direitos humanos.

Para uma melhor compreensão da construção histórica dos direitos da criança e do adolescente, oportuna se faz uma ligeira menção à Declaração dos Direitos da Criança, emitida pela ONU, em 20 de novembro de 1959, que é um marco divisor na construção do direito da criança e do adolescente, considerados como titulares de interesses juridicamente protegidos. Entretanto, o reconhecimento internacional de que crianças e adolescentes são titulares de direito, restou coroado somente com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, aprovada no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 28, de 14 de setembro de 1990 e promulgada pelo Decreto nº 99.710 de 21 de novembro de 1990.

Esta Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, como reconheceu Garrido de Paula, tem forte lastro na concepção da dignidade da pessoa humana:

“Os princípios da Carta das Nações – liberdade, justiça e paz no mundo – se fundamentam no reconhecimento da dignidade inerente e dos direitos iguais e inalienáveis de todos os membros da família humana e que a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclama que a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Reconhece que a criança, para o pleno e harmonioso desenvolvimento de sua personalidade, deve crescer no seio da família, em um ambiente de felicidade, amor e compreensão, que deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e ser educada especialmente com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade. Expressamente consigna que “a criança, em virtude de sua falta de maturidade física e mental, necessita proteção e cuidados especiais, inclusive a devida proteção legal, tanto antes quanto após seu nascimento” 

No tocante aos direitos fundamentais específicos da criança e do adolescente, é de se constatar, precipuamente, que o disposto no § 2º, 1ª parte do art. 5º da CF/88, ao dispor que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados… (omissis)”, não encerrou em numerus clausus os direitos fundamentais elencados nos incisos I a LXXVIII do mencionado art. 5º, mas deixando em aberto a possibilidade de outros, por este sistema aberto de consagração dos direitos fundamentais.

A Constituição de 1988 conferiu dignidade à criança especialmente pelo reconhecimento da titularidade de direitos, rompendo com a concepção de proteção reflexa. Igualmente representou o coroamento de uma luta contra a discriminação decorrente de idade, em mais uma evidência do que se conhece por culturalismo reativo. Mas não só, eis que a CF/88 foi além da proclamação dos interesses protegidos, enfatizando as obrigações correspondentes da Família, Sociedade e do Estado, numa clara preocupação com a concretude das normas através de uma forma de dicção dos direitos e dos conseqüentes deveres. É o que se verifica do citado art. 227.

Vale ressaltar também que o legislador constituinte ao estatuir o modelo de garantia contra a discriminação no caput do art.5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade” contemplou, evidentemente, a distinção em razão da idade, deixando absolutamente reconhecível a cidadela jurídica da criança e do adolescente.

Destarte, a Constituição da República de 1988 promove a dignidade da criança através da prescrição de direitos, igualando sua condição com as demais pessoas humanas, não permitindo distinção relativa à idade, conforme a referida vedação do art. 5º, supra destacado. Complementando a proteção da criança e adolescente, adveio a Lei nº 8069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que reafirma esses direitos constitucionais fundamentais bem como confere proteção integral, conforme o teor do art. 3º: “A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidade e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade”.

A finalidade declarada do ECA é a proteção integral da criança e do adolescente, que consiste no desenvolvimento saudável e na garantia da integridade.  Assenta-se a Lei, segundo doutrina dominante, em dois princípios fundamentais: respeito à condição peculiar de pessoa em processo de desenvolvimento e prioridade absoluta. Dedica esta significativa norma infraconstitucional, todo o Título II, do Livro I, aos direitos fundamentais da criança e adolescente, sendo que, no capítulo I faz a proteção aos direitos à vida e à saúde; e no capítulo II, ao direito à liberdade, ao respeito e à dignidade.

Explicitar essas qualidades e condições de vida através de formulações jurídicas, aclarando o conteúdo de cada uma delas e propiciando uma maior vinculação dos obrigados, na visão de Garrido de Paula, representou inegável desafio: a primeira tarefa foi assentar a regra da igualdade, com o que contribuiu com isso, o art.15 do ECA: A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeito de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis”.

O passo seguinte consistiu na explicitação de alguns aspectos do direito à liberdade, o que o fez de forma exemplificativa no art.16:

“O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II – opinião e expressão;
III – crença e culto religioso;
IV – brincar, praticar esportes e divertir-se.

O direito de brincar deve ser levado a sério neste nosso país, aonde ainda existem violações e desrespeitos aos direitos humanos, sufragados tais direitos neste particular pela OIT, que veementemente condena o trabalho infantil. Inegável, inclusive sua caracterização como direito fundamental.

Ademais, é de se destacar no art. 17 do ECA, o meta principio da dignidade, especialmente considerado para estas duas categorias jurídicas de criança  e de adolescente: “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.”.

Inegável que essa dimensão protetiva e de reconhecimento dessa cidadania, fez surgir duas novas categorias de cidadãos: o cidadão-criança e o cidadão-adolescente, que se estratifica solidamente através dos artigos 15 a 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Resumindo: o art. 15 consagra esta cidadania, reafirmando que a criança e o adolescente são sujeitos de direitos fundamentais; o art. 16 versa sobre a liberdade, em seus diversos aspectos; o art.17 cuida da dignidade, ao mencionar o “direito ao respeito” e o, por último, no art.18, o culturalismo reativo, visando resgatar esta dignidade da criança e do adolescente, a partir de sua violação.

Ainda considerando a ordem de proteção especial à criança e ao adolescente, é de se ressaltar, o que o constituinte estabeleceu no § 4º do citado art.227 da CF/88: “A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”. Assim, o legislador infraconstitucional, no afã de proporcionar proteção sexual de vulnerável pela menoridade, tanto no Código Penal quanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, regulamentou tipificando as condutas criminosas específicas e as penas que incidem sobre as mesmas. No Código Penal, esta proteção sexual de vulnerável se verifica com a penalização das seguintes condutas:

1) o art. 217-A, acrescentado ao CPB pela Lei 12.015/2009, estatuiu o tipo estrupo de vulnerável;

2) o art.218 previu o tipo do induzimento de menor à lascívia;

3) o art.218-A, o crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança e adolescente; e

4) o art.218-B, o de favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, penalizou distintas e múltiplas condutas nos tipos dos arts. 228 a 244-A, que vão além da proteção sexual da criança e adolescente, estatuindo diversos crimes praticados contra a criança, num esforço de tentar alcançar qualquer ato contrário à dignidade da criança e do adolescente, que não se limitam a práticas sexuais ilícitas e repugnáveis face à maior vulnerabilidade destas vítimas que não possuem ainda a capacidade de querer e determinar-se segundo seu entendimento, face ao incompleto desenvolvimento humano, biológico, psíquico, emocional, social, cultural ou ainda em qualquer de sua dimensão existencial. Assim, não se pode negar que o grau de proteção constitucional e legal disponibilizado a esta categoria jurídica de criança e adolescente, é maior, mais intensa e mais ampla que a proteção disponibilizada ao gênero.

Nesta esteira de raciocínio, o enfrentamento institucional dos crimes contra criança e adolescente, independente de qualquer condição – por exemplo, se o infante é do sexo feminino ou masculino ou se é dessa ou daquela raça ou etnia ou ainda pertencente a classes sócio-econômicas mais baixas ou mais altas ou ainda insistindo neste raciocínio, se é de família que pratica tal ou qual religião – deve ser feito com o mesmo rigor e seriedade, por profissionais especializados na matéria e segundo as normas da organização judiciária local, respeitando-se neste caso os princípios constitucionais do Juiz Natural e da Específica Competência. Destarte, não se pode jamais abandonar estes princípios, que se transformam em exigências para aqueles encarregados da prestação jurisdicional.

Ademais, a denegação deste direito àquelas vítimas de maior vulnerabilidade, de serem protegidas pelo juiz natural e competente, afronta norma constitucional e legal, constituindo-se assim em grave violação das normas aplicáveis às espécies, podendo, salvo melhor juízo, ser considerado inconstitucional qualquer posicionamento por ato administrativo ou decisão judicial que atente contra tais direitos fundamentais da criança e do adolescente.

Nesta ordem de ideias, é de considerar-se, de que maneira se encontra regulamentada esta especial competência nas leis estaduais de divisão e organização judiciária, para assim verificar se a mesma se encontra contemplada, na unidade da federação em apreço, com uma unidade jurisdicional própria de proteção à criança e adolescente ou se a distribuição desta especial competência está reservada, de forma destacada a uma das varas criminais existentes nas comarcas. Na primeira hipótese, tal unidade jurisdicional (vara especializada de proteção à criança e adolescente, ainda que não possua esta nomenclatura), é a única competente para processar e julgar os crimes cometidos contra infantes e adolescentes, sem qualquer distinção de gênero.

Assim, considerar as unidades jurisdicionais especializadas em combate à violência doméstica e familiar, contra a mulher, que foram criadas sob a égide da Lei 11.340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha (e, portanto, sob o manto de proteção ao gênero feminino), como competente para julgar os crimes cometidos contra meninas é atentar contra o conceito de gênero que foi o critério escolhido pelo legislador nacional ao enfrentar, no plano legislativo, este tipo especialíssimo de violência contra a mulher.

Pode-se reconhecer que a violência de gênero é revestida de atributos assaz específicos, e de um grau de especialidade elevado, em razão da própria dificuldade de compreensão do conceito de gênero por parte daqueles que não lidam com a matéria. Por isso, não é incomum encontrar-se entre os atores do direito (advogados, promotores e juízes), quem não saiba discernir, com rigor e precisão, entre gênero e sexo.

Logo, se o profissional do direito não lida com a matéria cotidianamente, por causa deste grau de especialidade e daqueles atributos específicos que são próprios do conceito de gênero, é compreensível esta confusão conceitual. Tal distinção tem repercussões que escapam, em muito, ao tecnicismo acadêmico, por importar em reflexões de ordem prático-operacional, como o de saber aonde ajuizar as demandas de responsabilização de crimes contra a mulher ou mesmo dos crimes cometidos contra criança e adolescente. Na hipótese de maus tratos ou de violência sexual ou ainda de outro tipo de violência contra meninas – compreendidas estas aquelas personas que ainda não atingiram o limite de idade de 18 (dezoito) anos – indagar-se-ia, de quem é a competência para processar e julgar tais crimes? Da vara especializada em repressão aos crimes contra criança e adolescente? Ou da vara especializada em combater os crimes contra a mulher, criadas sob a égide da Lei Maria da Penha? Bem, a resposta, segundo as considerações retro expostas, somente pode ser atribuída à vara de proteção à criança e adolescente, por causa da maior vulnerabilidade de quem ainda não conta com o pleno desenvolvimento pessoal; que não se confunde da vulnerabilidade em razão do gênero ou mesmo de idosos ou de portadores de necessidades especiais.

Considere-se ademais que o conceito de gênero, para tal situação, somente se verifica quando o ser do sexo feminino atingir a maioridade, aos 18 (dezoito) anos de idade. Antes disso não se pode falar em gênero, mas sim em especial proteção de criança e adolescente. Uma menina é menina, é criança ou adolescente, pois enquanto não se desenvolver completamente em seus aspectos biológico, psicológico, moral e social, ainda não é mulher e nem detém a plena capacidade de querer e de determinar-se por si só, necessitando do auxílio dos pais ou responsáveis para os atos da vida civil e também não responde pelos crimes eventualmente cometidos, por não serem imputáveis.

A vulnerabilidade das crianças e adolescentes é maior do que a de gênero. Assim quis o legislador constituinte, quando estabeleceu no caput do art.227 que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, descriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. (sem negrito no original).

É de se notar ainda, que toda violência de gênero é uma violência contra a mulher, mas nem toda violência contra a mulher é violência de gênero. Verbi gratia, se uma mulher é agredida fisicamente no meio da rua por um transeunte (que ela sequer conhecia) ou se é assaltada ou ainda estuprada, trata-se esta hipótese de violência contra a mulher e nunca de violência de gênero. E assim a competência para tais crimes é de uma das varas criminais comuns, segundo a Lei de Divisão e Organização Judiciária.

Vale a colação do art. 5º da Lei 11.340/06, que configura a opção legislativa pelo gênero, ao definir o entendimento de violência doméstica e familiar contra a mulher, como sendo: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (negritos nossos), nos âmbitos da unidade doméstica (espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas) e da família (a comunidade formada por indivíduos que são ou se considerem aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa) e em qualquer relação íntima de afeto (extraído dos incisos I a III do mencionado art.5º, LMP).

À guisa de conclusão, é de se convocar novamente John Rawls, em sua maravilhosa afirmação:

“a Justiça só será efetiva se os homens tiverem um sentido de justiça e se respeitarem uns aos outros”.

É no respeito ao outro, independente de ser criança, adolescente ou ser integrante do sexo feminino (ou qualquer outra condição), e no reconhecimento de que somos todos iguais, sem qualquer distinção, e ainda, valorizando a dignidade destes nossos semelhantes de forma fraternal, que construiremos uma sociedade melhor, mais justa e solidária.

NELSON M. DE MORAES REGO 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Democracia e direitos fundamentais

Propostas para uma jurisdição constitucional democrática

1. Democracia e direitos fundamentais.

O Estado democrático constitucional de direito contemporâneo vive um instigante paradoxo: a proteção dos direitos fundamentais fixados em benefício do cidadão conduzem a uma constante restrição do poder político de titularidade do próprio povo; e, em enorme medida, tal restrição do poder político, que é desempenhado em regra pelos representantes parlamentares dos próprios cidadãos, é feita através de um Poder que não dispõe de representatividade popular, o Judiciário.

Essa inexorável relação entre democracia e direitos fundamentais foi muito bem captada por Robert Alexy, para quem se há uma limitação do legislador através da fixação de um rol de direitos fundamentais que definem aquilo que o legislador pode ou não pode fazer – com a finalidade de retirar os direitos fundamentais das investidas das maiorias parlamentares que exercitam momentaneamente o poder político, então há uma constante colisão entre o princípio democrático e tais direitos fundamentais.

Constante colisão esta que, segundo o próprio autor, mostra-se como um “problema inevitável e permanente”, à medida que a própria Constituição distribui competências nesse campo tanto ao legislador com legitimação democrática direta e responsabilidade política – em razão da possibilidade de não-reeleição – quanto aos juízes constitucionais indiretamente legitimados e não destituíveis eleitoralmente.

Para Alexy, essa constante litigiosidade entre a democracia e o estabelecimento de direitos fundamentais demonstra uma natureza dúbia dos direitos fundamentais, sendo eles tanto democráticos quanto antimajoritários, pois, em essência, tais direitos de ordem constitucional estabelecem posições jurídicas subjetivas fundamentais dos indivíduos que não poderão ser decididas pela regra majoritária parlamentar.

De ver-se que a democracia atualmente desejada, portanto, é uma democracia constitucional, pluralista e tolerante em que, por meio dos direitos fundamentais declarados para todos os indivíduos e organizações que compõem a sociedade, assegura-se uma “democracia de direitos” que impede o esquecimento de lembranças históricas nem tão distantes de que “apesar do seu caráter fluido e aberto, a democracia (meramente representativa), paradoxalmente, traz em seu bojo a potencialidade da determinação social, da identificação do povo com o ‘povo uno’, o fantasma totalitário, o perigo de seu contrário”.

A colisão do monopólio do poder de conformar o direito através da função legislativa com os direitos fundamentais normatizados pela Constituição mostra-se, então, apenas aparentemente antidemocrática, eis que a função antimajoritária dos direitos fundamentais é justamente preservar o pacto democrático plural e tolerante estipulado constitucionalmente.

2. A função antimajoritária da jurisdição constitucional.

A harmonização do tênue equilíbrio constitucional entre a representatividade majoritária ocasional da sociedade e o consenso democrático específico de maior grau qualitativo decorrente da Constituição é atribuída ao controle de constitucionalidade, especialmente à jurisdição constitucional, como uma decorrência natural do caráter jurídico-vinculante das Constituições contemporâneas, em que estas se caracterizam como um conjunto de normas de maior hierarquia formal e de maior densidade político-jurídica, que, caso não observadas espontaneamente, deve ser imposto mediante coercibilidade pelos órgãos constitucionais responsáveis pelo controle de constitucionalidade, especialmente pelos juízes constitucionais.

Cabendo à jurisdição constitucional, como “condição de possibilidade do Estado Democrático de Direito”, impor a rule of law capitaneada pela Constituição quando ela é inobservada pelos detentores do poder político, somos apresentados a um arranjo político-constitucional em que se faz uma complexa combinação entre a proteção de direitos fundamentais, a supremacia da Constituição, o império da lei e mecanismos institucionais de controle de constitucionalidade.

Portanto, quando em uma democracia baseada em direitos fundamentais humanistas não há a observância espontânea de tais direitos, a função de sua garantia cabe especialmente à jurisdição constitucional, a qual terá a dura missão de equilibrar, como dois lados da mesma moeda desejável ao fortalecimento da vida em sociedade, o exercício do poder político por meio da regra da democracia e a manutenção de direitos fundamentais que devem proteger pluralmente não só a maioria dos cidadãos, mas todos os cidadãos, inclusive os que compõem grupos sociais minoritários, pois o objetivo do constitucionalismo é harmonizar esses ideais de democracia e direitos fundamentais “até um “ponto ótimo” de equilíbrio institucional e desenvolvimento da sociedade política, sendo tal ponto a medida de sucesso de uma Constituição”.

3. Nossa jurisdição constitucional é democrática?

Mesmo diante da consagração contemporânea dos direitos fundamentais e do constitucionalismo, ainda existem questionamentos se a jurisdição constitucional realizada por agentes públicos que não se submetem a um processo de escolha democrática majoritária e por um Poder não sujeito aos critérios tradicionais de controle democrático  goza de legitimidade democrática para rever atos normativos produzidos pelos representantes do próprio povo.

E até que são questionamentos teoricamente plausíveis se considerarmos aquele aparente paradoxo democrático, sob o qual uma Constituição democrática, a um só tempo, legitima tanto a prevalência de direitos fundamentais como limites ao exercício do poder político como o monopólio da produção do direito positivado pelo legislador democraticamente eleito.

Sabe-se que existem diversas teorias quanto à legitimidade democrática da jurisdição constitucional, graduando-se as diversas posições doutrinárias sobre o tema desde a total rejeição de tal legitimidade ao judicial review até o amplo incentivo à realização da jurisdição constitucional, sob um nítido fomento à adoção de posturas ativistas pelo Poder Judiciário.

Nesse último campo, em nossa realidade constitucional, seria possível estipular que os principais fundamentos empregados para uma total rejeição da jurisdição constitucional, como via democrática de controle da constitucionalidade dos atos produzidos pelo legislador brasileiro, recaem sobre o processo não majoritário de escolha de nossos juízes constitucionais e a ausência de regular controle democrático posterior sobre suas decisões.

Quanto à caracterização não majoritária do processo de escolha de nossos juízes constitucionais, parece-nos que tal crítica não seja acertada quando se percebe que a jurisdição constitucional deve ser considerada sob a ideia de que a vontade da maioria ocasionalmente detentora do poder político não pode prevalecer sobre as escolhas político-jurídicas feitas durante o consenso democrático privilegiado responsável pela Constituição.

É que se um dos fundamentos do controle de constitucionalidade, e consequentemente da jurisdição constitucional, é justamente impedir que a vontade da Carta seja modificada pelo legislador ordinário ou pelo próprio legislador constituinte derivado, neste caso além dos limites especificamente postos pela própria Constituição, e se isso importa que o controle seja exercido mediante a adoção de posturas contramajoritárias à vontade do legislador ordinário e das entidades governamentais com interesse nas medidas que violem a Constituição, não se deve estipular a escolha dos juízes constitucionais por um processo majoritário em que os mesmos sejam submetidos a todas as espécies de pressões e lobbys idênticos aos que normalmente ocorrem na escolha dos membros eleitos dos Poderes Executivo e Legislativo.

Na verdade, esse processo antimajoritário de escolha dos membros do Poder Judiciário revela-se como um importante mecanismo de manutenção da jurisdição constitucional como contraponto antimajoritário à vontade do legislador ocasional em nossa realidade, pois, ao contrário dos agentes políticos que compõem os demais Poderes, os agentes responsáveis pela jurisdição constitucional não são obrigados a “jogar para a galera”.

Não por outro motivo foi esse processo antimajoritário de escolha dos nossos juízes constitucionais fixado pelo mesmo pacto popular democrático que originou a CF/1988, pois é intenção da Constituição que a jurisdição seja uma garantia efetiva de proteção contramajoritária dos direitos fundamentais e de controle judicial dos atos produzidos pelo Poder Público.

Essa opção constitucional – e popular – por um sistema de controle de constitucionalidade baseado na jurisdição constitucional é decisiva para afastar eventuais alegações de deficit de legitimidade democrática à atribuição do controle do poder político pela jurisdição no Brasil, pois como o exercício de tal função pelo Poder Judiciário e o processo de escolha formal dos juízes constitucionais é expressamente prevista em nossa Constituição, “discussões quanto à inexistência da jurisdição constitucional, no Brasil, ou são fúteis, ou são de lege ferranda”.

4. Judicialização e ativismo judicial.

Mas, exatamente porque a jurisdição constitucional é essencial à manutenção da democracia e dos direitos fundamentais, é necessário questionar se, por ser fruto de um ideal democrático, a jurisdição constitucional não deve se submeter à ideia de democracia que a legitima?

Ainda que de resposta aparentemente óbvia, tal pergunta é extremamente pertinente, porque nem mesmo o estabelecimento de um sistema constitucional de controle judicial é suficiente para afastar a constatação de que as decisões proferidas pela jurisdição constitucional, especialmente no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF), não tem sido suscetíveis de regular controle democrático a posteriore, parecendo-nos esse o “calcanhar de Aquiles” de um sistema que se pretende legitimamente democrático.

Especialmente se consideramos uma realidade institucional em que nosso STF tem se autodenominado como o “árbitro definitivo da constitucionalidade das leis”, como o único Poder da República brasileira que pode errar por último, como o Poder que sua “função institucional de “guarda da Constituição” (CF, art. 102, “caput”) confere-lhe o monopólio da última palavra em tema de exegese das normas positivadas no texto da Lei Fundamental”.

Daí será possível fazer outra pergunta: se essa é a posição institucional dos juízes constitucionais, especialmente do STF, quando a jurisdição decidir contra a Constituição, quem ou o quê poderá nos salvar?

Ora, trata-se de uma pergunta plausível! Afinal, a jurisdição, como qualquer função estatal, está exposta – ainda que em muito menor grau do que as funções estritamente políticas – a arroubos de arbítrio no uso do poder, sendo perfeitamente possível supor que os mesmos juízes que deveriam guardar a Constituição possam algum dia atentar contra ela.

Sim, porque se por um lado a jurisdição constitucional pode conferir eficaz proteção do Estado constitucional democrático de direito, por outro lado ela também poderia – como bem nos ensina a história antiga e recente de várias nações – ser um instrumento de aparelhamento da ordem democrática pelos detentores do poder político, servindo apenas para “legitimar” constitucionalmente arroubos e práticas nefandas do poder público intentadas contra a própria Carta e contra os direitos e liberdades mínimas dos cidadãos.

Essa possibilidade extrema de que os juízes constitucionais voltem-se contra a própria Constituição, somada a um forte incremento na participação do Poder Judiciário na vida institucional brasileira, pode representar um risco de que “o destino de toda e qualquer lei deixe de depender da própria vontade legislativa, passando a ser decidida pelos magistrados, com base em suas próprias preferências quanto ao assunto encampado pelo ato normativo contestado”, tornando plausível o receio de que, mais do que uma judicialização da política e/ou das relações sociais, a aceitação de uma ampla e irrestrita participação do Poder Judiciário na definição de todas as questões político-constitucionais possa estar gerando uma completa “politização da justiça”, tornando ainda maiores as chances de que o guardião da Constituição entenda-se como o seu único e exclusivo “Senhor”.

Essa “politização da justiça” decorrente de uma super-expansão da jurisdição constitucional pode sugestionar aos juízes constitucionais que eles podem deixar de realizar julgamentos jurídicos necessariamente calcados em argumentos e parâmetros de validade de natureza jurídico-constitucional para decidirem com base nos seus critérios pessoais e/ou sob critérios eminentemente políticos de atuação que não lhe são conferidos pela Constituição, passando-se, então, a defrontarmo-nos não mais com a judicialização das relações sociais, mas com fenômeno distinto denominado como ativismo judicial.

Ativismo judicial esse que, quaisquer que sejam suas intenções, pode representar um risco democrático, vez que, enquanto a judicialização decorre naturalmente de um arranjo institucional estipulado pela própria Constituição com base no judicial review, o ativismo judicial decorre de uma opção política do Poder Judiciário, em que este, ao invés de submeter-se ao direito vigente, entende-se como capaz de criar livremente o direito que lhe cabe aplicar, retirando da atuação do Poder Judiciário a margem de controlabilidade desejada pelo ideal constitucionalista na realização de qualquer função estatal.

Sob a percepção ativista do Poder Judiciário, teremos, então, ao invés da preponderância dos juízos jurídico-constitucionais dos juízes constitucionais sobre as opções feitas pelos demais Poderes e órgãos constitucionais sob um prisma eminentemente circunstancial e excepcional, uma preponderância política do Poder Judiciário baseada na constante substituição de juízos políticos, morais, sociológicos e técnicos do legislador e do administrador pelos juízos de mesma ordem dos juízes.

Ora, se é minimamente exigível que o exercício do poder político-jurídico conferido pela própria Constituição aos juízes para protegê-la seja limitado e controlado pelo “senhor” do poder, o povo, não se pode admitir o exercício da jurisdição constitucional ao largo de critérios jurídicos de conformação de validade de suas decisões, pois estas, como qualquer outra espécie de decisão estatal, deve basear-se na ideia de direito reinante sob a Constituição vigente, sob pena de que, sob a alegação de proteger-se direitos fundamentais, realize-se, na verdade, supressões indevidas do exercício do poder político pelos órgãos a quem a própria Constituição – ou melhor, o próprio povo – conferiu poder para tanto.

Essa percepção é referendada por um argumento muito simples: um dos fundamentos do judicial review é que justamente o Poder Judiciário seria o mais bem aparelhado e especializado para decidir questões político-jurídicas de cunho constitucional, justamente porque tal Poder possui características de atuação que o afastam do padrão de decisões baseadas em critérios de mera oportunidade e conveniência política.

Se assim o é, como se pode pretender que os juízes constitucionais possam furtar-se a decidir questões constitucionais sob critérios jurídicos de interpretação e sob pressupostos jurídicos que confiram limites de validade a sua função estatal de prestar jurisdição?

Não se pode, pois decisões judiciais baseadas no enfrentamento estritamente político ou pessoal de questões constitucionais afastam a função jurisdicional dos parâmetros político-jurídicos fixados pela própria Carta vigente e faz com que juízes e Tribunais acreditem ser legítimo autodenominarem-se como os únicos órgãos constitucionais com o poder de afirmar os padrões morais desejados pela Constituição, pelo que poderiam intervir até mesmo em decisões a que a própria Constituição e a legislação não lhe atribuem a última palavra.

5. Propostas de limitação democrática da jurisdição constitucional.

Tal perspectiva estritamente política e incontrolável da jurisdição constitucional nos instiga a tentar identificar alguns limites legitimamente passíveis de serem impostos àqueles que exercem a jurisdição constitucional, desde já ressaltando que, em vista da necessidade de adaptação de determinadas posturas oriundas de teorias estrangeiras a nossa realidade político-institucional, haverá – quando necessário – uma certa dose de adaptação de proposições produzidas em países onde já se superou, há muito tempo, muitos dos problemas sociais, políticos e culturais pelos quais ainda passamos no Brasil.

5.1. Judicial self-restraint.

Cabendo a cada órgão constitucional interpretar a Constituição e pautar sua atuação com base nela, ainda que, em caso de divergência, seja a palavra final do Judiciário, essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria só possa ser decidida pela jurisdição constitucional: ou porque não terá o Judiciário capacidade institucional para solucionar adequadamente determinadas questões que envolvam aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade que não têm no juiz o decisor mais qualificado ou porque ao Judiciário não é recomendável assumir o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejáveis de sua decisão, pois, se de um lado, o juiz está preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça, não tem ele condições, muitas vezes, de avaliar o impacto de suas decisões sobre um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público.

Devem, portanto, os juízes, ao exercerem o controle substantivo da Constituição, moderarem-se e respeitarem as decisões políticas produzidas pelo legislador nessas condições, pois, no campo da constante colisão entre direitos fundamentais e a responsabilidade legislativa para a adequada conformação político-jurídica de tais direitos, havendo um caso concreto de colisão entre direitos fundamentais em que inexista um estado de arte (elementos fáticos, científicos, sociais, econômicos, tecnológicos, dentre outros) suficiente a gerar um grau de certeza e correção quanto a uma única decisão judicial para o referido caso, é recomendável que seja o mesmo estipulado como um hard case em que seja adotada uma postura de judicial self-restraint.

Entrementes, se a CF/1988 confere prioridade aos direitos fundamentais, estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento de nossa República e se nossa realidade institucional-constitucional ainda sequer conseguiu produzir a efetivação dos direitos de primeira dimensão, obviamente não estamos pregando que a adoção do judicial self-restraint aqui sugerido limite a função da jurisdição constitucional como desejam as teorias puramente procedimentalistas produzidas em outros países, sob conjunturas de desenvolvimento econômico, social, político e cultural completamente diversas de nossa realidade.

Ao contrário disso, nossa proposta é que o Poder Judiciário reconheça-se como limitado para decidir judicialmente questões estritamente políticas e/ou econômicas que pressupõem o conhecimento, a experiência e o manejo de informações e elementos que, naturalmente, escapam à função típica do Poder Judiciário e à formação profissional dos juízes.

5.2. Limitação da jurisdição constitucional pela própria Constituição que lhe cabe guardar – a vinculação constitucional.

Ainda que possa parecer uma enorme obviedade a pretensão de que o Poder Judiciário se submeta à Constituição no exercício de suas funções, especialmente quando esta função seja a de guardar a própria Carta, parece de enorme atualidade a orientação de Alexander Hamilton de que o poder de controlar a conformação de validade constitucional pelo Poder Judiciário não atribuiria a este a condição de ser superior ao Poder Legislativo, pois ambos os Poderes devem submeter-se às determinações constitucionais à medida que “o poder do povo (que institui a Constituição) é superior a ambos (os Poderes)” [45].

Há muito já se sustentava que cabendo às Cortes enunciar o sentido da Constituição, não poderia o Poder Judiciário apresentar “sua vontade” ao invés do seu julgamento, pois isso seria o mesmo que substituir as pretensões normativas do legislador constituinte originário pelas suas próprias pretensões judiciais, o que, obviamente, não pode ser o desejo da Constituição quando confere ao legislador o poder privativo de inovar a ordem jurídica positivada para concretizar suas “promessas constituintes”.

Esse antigo ensinamento é de extrema atualidade, por que se tem alegado que diante da necessária característica político-jurídica da jurisdição constitucional e de toda a diversidade e complexidade que marca a contemporânea aplicação do direito pelo juiz haveria que se suportar uma certa discricionariedade judicial sobre as regulações do legislador para o alcance da vontade constituinte.

Ao contrário! Obviamente, a Constituição não confere liberdade ao magistrado para atuar arbitrariamente em substituição ao legislador; primeiro, porque é o legislador o natural detentor da função constitucional de inovar a ordem jurídica; segundo, porque  se de um lado a proteção da Constituição e toda a gama de “casos difíceis” que são submetidos à decisão do juiz exige-lhe postar-se como co-criador do direito a ser aplicado em cumprimento aos preceitos constitucionais vigentes, não se pode olvidar, por outro lado, que a atuação jurisdicional deve pautar-se por parâmetros jurídicos impostos pela própria Constituição criadora do direito justo.

Sim, porque conferir à jurisdição constitucional a competência de controlar o exercício do poder político não significa atribuir ao juiz constitucional o poder de realizar funções estritamente políticas, pois tal função de natureza jurisdicional deverá ser sempre realizada “de acordo com parâmetros materiais fixados nas normas e princípios da Constituição” à medida que só quando existem parâmetros jurídico-constitucionais de conformação do poder político podem os Tribunais apreciar a violação desses parâmetros.

Até porque a pretensão de um juiz ou Tribunal de, no exercício da função jurisdicional, atuar sob critérios eminentemente políticos, sem submeter-se aos ônus impostos pela Constituição aos agentes estritamente políticos – submissão a eleições, perda de mandato, impecheament, dentre outros – importaria em evidente violação ao sistema político-jurídico instituído pela Constituição vigente, pois esta não admite que o juiz, sob uma suposta aplicação criativa do direito, substitua as escolhas estritamente políticas feitas por outros órgãos constitucionais pelos seus próprios critérios pessoais de justiça ou por seus sentimentos de escolhas sociais mais adequadas.

Parece-nos correto, portanto, entender que o dever da jurisdição constitucional em decidir contra legem ou praeter legem – quando a lei ou a sua falta estejam em desconformidade com as determinações constitucionais -, não importa em conferir discricionariedade ao juiz, nem mesmo a uma Corte Constitucional, para decidir afastando-se da Constituição que fundamenta o direito vigente, sempre buscando neste os fundamentos para suas decisões, porque é um “direito fundamental do cidadão que o Estado cumpra a Constituição”, sendo obviamente aplicável essa aspiração constitucionalista de todo cidadão também ao Poder Judiciário.

A atribuição de controle de constitucionalidade ao juiz não importa em conferir-lhe liberdade para atuar ao largo do direito vigente, especialmente da própria Constituição, pois “a decisão e determinação do juiz, como decisão e determinação do Poder Judiciário do Estado, deve estar de acordo com o direito” e, diferentemente da função legislativa strictu sensu sob a qual se pode revogar uma norma positivada por meros juízos de discricionariedade, conveniência e/ou oportunismo – opa, oportunidade – política, “a atividade dos juízes constitucionais é uma atividade técnica de verificação da regularidade normativa segundo a Constituição” para corrigir a disfunção verificada no sistema jurídico com a produção de atos normativos e/ou concretos  em desconformidade com a Carta.

Ou será que por que uma Corte tem o poder de “dizer o que é a Constituição”, teriam os juízes o poder para “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa” em relação aos enunciados normativos fixados na Constituição positiva, criando uma Constituição paralela e desvirtuada das escolhas políticas feitas pelo legislador constituinte originário?

Ou por que os juízes são os guardiões da Constituição não se deve mais deles exigir que eles se vinculem às normas constitucionais positivas que lhes cabem guardar?

Ou conceber ao Judiciário, e especialmente ao STF a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da CF/1988 implica em uma opção por tornar suas decisões infalíveis, sem que ao povo, o legítimo detentor do poder conferido aos juízes, seja conferida a possibilidade de exercer o seu poder legítimo e constitucional de contestar suas decisões?

Ou se responde contrariamente a tais questionamentos ou se torna tabula rasa a premissa constitucionalista de que é justamente essa vinculação ou esse pré-compromisso constitucional que não permite que se decida em qualquer direção no exercício do poder político, pois este é necessariamente passível de limitação pela própria Constituição.

Enfim, sejam quais forem as respostas que se confira aqueles questionamentos, uma coisa é certa: a atenção à vinculatividade do Texto Constitucional por parte de nossos juízes constitucionais evita questionamentos de legitimidade democrática nas decisões por eles proferidas, justamente porque assim o fazendo se impedem fissuras na institucionalidade constitucional vigente e evita-se que se decida contra a Constituição com o consequente esvaziamento de sua força normativa.

5.3. Respeito judicial à abertura do sistema de controle de constitucionalidade.

Existe nos Estados Unidos da América uma dualidade entre as teses por lá denominadas como “the final say” e “nonsupremacy”: enquanto na primeira entende-se que a Suprema Corte norte-americana deve, dentre suas funções, conferir a última interpretação da Constituição, coagindo os demais Poderes, na segunda corrente sustenta-se que a Corte deve respeitar as diversas interpretações produzidas pelos demais Poderes no âmbito de suas competências definidas pela própria Constituição, evitando-se com isso que o poder do povo de dispor sobre o direito possa ser cooptado por um possível despotismo do Judiciário.

Mesmo apesar de uma discussão de fundo a respeito das evidentes distinções existentes entre a Constituição norte-americana e a brasileira, parece-nos possível transplantar essa discussão tipicamente norte-americana para nossa realidade institucional quando verificamos que, apesar da CF/1988 reconhecer expressamente que a última palavra a respeito da interpretação e aplicação da Constituição é do STF, essa mesma Constituição, além de não estipular a Corte como um Tribunal exclusivamente constitucional – ao atribuir-lhe de forma apenas precípua a guarda da Carta  –, prevê vários outros meios de controle de constitucionalidade, inclusive de natureza não jurisdicional.

Portanto, se deve o STF ter a última palavra a respeito da interpretação e da aplicação da Constituição, não se pode pretender caracterizar a Corte como uma espécie de super-guardião exclusivo da constitucionalidade, eis que cabe à Corte respeitar a vontade constitucional de não lhe atribuir exclusivamente tal poder, quando a própria CF/1988 não o estipulou como um Tribunal exclusivamente constitucional e estabeleceu um sistema de controle de constitucionalidade nitidamente misto.

Seria legítimo, portanto, pretender-se que, sob tal normatização constitucional, devam os juízes constitucionais respeitar a competência de cada um dos demais órgãos constitucionais denominados como “fiscais” da Constituição e reconhecer os limites dos efeitos de suas decisões, tal como definidos pela própria Carta e pela legislação processual vigente, pois isto contribui consideravelmente para a manutenção da legitimidade democrática que a própria Constituição atribui-lhe como principais, mas não exclusivos guardiões da Constituição.

Aliás, esse entendimento pode fundamentar-se, inclusive, no fato de tanto o legislador constituinte originário, quanto as diversas manifestações do legislador constituinte derivado que o sucederam, nos termos do art. 102, §2º da CF/1988, terem estabelecido que a eficácia vinculante das decisões do STF limita-se, subjetivamente, aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública brasileira.

É que assim o fazendo, a Constituição deu liberdade ao legislador e afastou-o do “autoritarismo que consistiria na criação de um Estado judicial (Jursdiktionstaat)” no Brasil, já que essa expressa definição dos limites da eficácia vinculante determinada pela CF/1988 deixou clara a pretensão de permitir-se um singular controle posterior da jurisdição constitucional pelos demais Poderes, seja através  da possibilidade de que o Poder Legislativo emende a Constituição, através do exercício do amending power ou  da possibilidade de que o Poder Legislativo e o Chefe do Poder Executivo – no exercício da função estritamente política de iniciativa legislativa – resistam às decisões proferidas pelos juízes constitucionais, através da edição de ato normativo idêntico ao que foi declarado inconstitucional, permitindo-se assim que cada órgão constitucional possua “a faculdade constitucional de persistir em sua interpretação constitucional, mesmo após decisão contrária do outro” .

Se, por um lado deve-se impedir que o Legislativo possa derrubar o poder dos juízes constitucionais mediante uma reforma meramente formal da Constituição, por outro lado “o peso do controle de constitucionalidade (por via judicial) deve ser compensado com o poder dos órgãos políticos de “responder” de algum modo aos juízes constitucionais, já que, de outro modo, a instituição do controle judicial perderia sua legitimidade”  por não respeitar a condição do Legislador como intérprete/aplicador da Constituição, cujas “escolhas no campo da concretização constitucional merecem ser respeitadas, desde que não ultrapassem os limites demarcados pela Lei Maior”.

5.4. Fundamentação jurídica das decisões judiciais de controle de constitucionalidade.

Se não é mais admissível que se faça uma interpretação mecanicista da Constituição, também não será admissível que a interpretação político-jurídica da Constituição pelos juízes e Tribunais seja uma atividade essencialmente discricionária, pois elementos objetivos de interpretação apresentam-se como limites da interação entre os intérpretes e o Texto Constitucional e existem determinações constitucionais e processuais que impõem limites jurídicos ao exercício da função jurisdicional.

Nesse âmbito, a observância do direito processual constitucional vigente desempenha função de enorme relevância à legitimação da jurisdição constitucional à medida que o procedimento de tomada de qualquer decisão estatal deve ser conduzido de acordo com o direito processual vigente, pois, como um dos modos normais de agir do Estado, tem o processo a responsabilidade de influir nas decisões do Estado-juiz através da procedimentalização e da racionalização que lhes são inerentes.

É por isso que o poder de prestar a jurisdição constitucional não outorga aos órgãos do Poder Judiciário qualquer afastamento não controlável e injustificável dos limites processuais que lhe são estabelecidos pela própria Constituição e pela legislação processual infraconstitucional que a complementa, já que, sob um Estado constitucional democrático de direito, é inconcebível imaginar que o juiz, impositor da eficácia constitucional, a ela não se submeta por descumprir os seus preceitos processuais, instalando assim o arbítrio no exercício de sua função jurisdicional.

Mesmo que todas as circunstâncias contemporâneas imponham ao juiz constitucional uma atuação criativa e compromissada com os valores sociais normatizados pela Constituição, tal situação não o afasta da sua subordinação ao direito processual vigente, visto que este se trata de uma imposição da própria Constituição para limitar a atuação do Poder Judiciário e impedir o trato meramente pessoal das questões constitucionais e legais a serem decididas pelo Poder Judiciário.

Exemplo categórico de tal delimitação processual-constitucional imposta aos nossos juízes e Tribunais é a plena fundamentação e a ampla publicidade que se deve conferir às decisões judiciais, ttendo a determinação processual contida no art. 93, IX da CF/1988 a óbvia finalidade de tornar possível às partes, e a qualquer cidadão ou instituição, averiguar se a atuação jurisdicional detém racionalidade jurídica e se encontra suporte no ordenamento jurídico vigente, o que, em grande medida, evita eventual atuação judicial arbitrária.

Essa exigência processual-constitucional de publicidade, racionalidade e fundamentação das decisões judiciais, como direito garantia fundamental de todo cidadão brasileiro, inegavelmente contribui para impedir que o Poder Judiciário possa proferir uma decisão única e exclusivamente baseada em critérios pessoais de justiça dos juízes, eis que objetiva despersonificação da decisão judicial justamente para permitir a controlabilidade jurídica e crítica da decisão pelas partes e pelos demais cidadãos interessados.

É exatamente por isso que a decisão judicial de questões constitucionais somente encontrará legitimidade democrática se observados os preceitos constitucionais que determinam a adoção de um procedimento judicial decisório público, racional e fundamentado que permita a sua controlabilidade posterior e a ampla participação dos demais intérpretes da Constituição, estabelecendo assim um “diálogo em torno da Constituição” através do fomento de uma “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”.

6. Notas finais.

À guisa de conclusão, importante ressaltar que nem mesmo a proteção de direitos fundamentais pode fundamentar a pretensão de que a jurisdição constitucional seja exercida sem controle democrático anterior, concomitante e posterior, pois o poder estatal, seja de qual natureza for, só pode ser exercido nos termos da Constituição e em prol dos interesse dos cidadãos.

Por isso, é recomendável – ou melhor, exigível – que o Poder Judiciário esteja atento a alguns nortes de atuação que mantenham a função jurisdicional sob parâmetros de legitimidade democrática desejáveis pela Constituição, e pelo direito vigente, cabendo-lhe, ao exercer o controle substantivo da Constituição, moderar-se e respeitar as decisões políticas produzidas pelo legislador, sem olvidar que, mesmo detentor do papel de co-criador do direito, não pode afastar-se da vinculação  e/ou do pré-compromisso fixado pela Constituição enquanto espécie de norma jurídica suprema, sendo o limite da sua interpretação constitucional o próprio texto das disposições constitucionais positivadas.

Afinal, justamente porque reconhecida a importância da jurisdição constitucional, deverá o Poder Judiciário observar o equilíbrio institucional desejado pela Constituição, através do reconhecimento judicial de que os demais órgãos constitucionais – especialmente o Legislador – precisam de mecanismos de “resposta” aos juízes constitucionais, já que de outro modo a instituição do controle judicial perde sua legitimidade.

Por fim, deve o Judiciário observar a normatização processual-constitucional que lhe é imposta, em especial a plena fundamentação e a ampla publicidade que se deve conferir às decisões judiciais, permitindo que às partes, e a qualquer cidadão ou instituição, seja possível averiguar a racionalidade e o acerto jurídico das decisões judiciais proferidas em nome da Constituição, permitindo, assim, uma jurisdição constitucional democrática, transparente e mais participativa.

DALTON SANTOS MORAIS é mestre em Direito Processual pela UFES

domingo, 16 de junho de 2013

O Pluripartidarismo e a Constituição Federal


Em 2012, às vésperas do prazo para a definição de candidatos e coligações, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) nº 4.430 e nº 4.795, que impugnavam dispositivos da Lei nº 9.504/97 sobre a distribuição do tempo de propaganda eleitoral.

O Partido Social Democrático, autor das ações, obtivera seu registro no Tribunal Superior Eleitoral em 2011, mesmo sob dúvidas quanto à regularidade na coleta das assinaturas de apoiamento. Conseguindo registrar-se a tempo de disputar o pleito municipal de 2012, o PSD pretendia ver igualmente assegurados o seu acesso ao rádio e à TV e ao fundo partidário, na forma do art. 17, caput e § 3º, da Constituição Federal.

Poucos dias depois da publicação da ata de julgamento, consagrando que “não haverá autêntica liberdade de criação de partidos políticos, se não se admitir que os fundadores de uma nova agremiação que detenham mandato parlamentar possam contar com sua representatividade para a divisão do tempo de propaganda”, o deputado federal Edinho Araújo (PMDB-SP) apresentou o Projeto de Lei (PL) nº 4.470/2012, alterando a Lei dos Partidos Políticos e a Lei das Eleições.

Esse projeto permaneceu dormitando, ao longo do segundo semestre de 2012, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara até 11 de abril de 2013, quando, em apenas cindo dias, foi apresentado e aprovado “requerimento de urgência” na tramitação. Dois dias depois, o PL foi aprovado. A razão da pressa é que o projeto inviabiliza a sobrevivência de novas agremiações.

É possível que Edinho Araújo, ao apresentar seu projeto, não tivesse destinatário determinado. Afinal, vários parlamentares haviam migrado do PMDB para o PSD. O mesmo não se pode dizer daqueles que começaram a votar às pressas o PL, pois já circulava amplo noticiário sobre o adiantado processo de criação do Rede, de Marina Silva, cuja expressiva votação, em 2010, jogou Dilma Rousseff para o segundo turno da eleição presidencial.

As duas alterações propostas são: mudanças de filiação partidária, salvo no caso de fusão ou incorporação, serão desconsideradas para fins de distribuição de 95% do fundo partidário e novos partidos não terão direito ao uso de dois terços do horário de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV.

A redação atual do artigo 41-A da Lei nº 9.096/95 considera, na distribuição do fundo partidário, os votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados. Assim, se um partido recém-criado, como o PSD em 2011, conquistar adeptos de outras agremiações, a votação por eles obtida na legenda anterior entra nesse cômputo.

Sem dinheiro e sem espaço nos meios de comunicação, não é difícil prever o futuro dos partidos que surgirem após a aprovação do projeto.

A democracia, como ensina Georges Burdeau, depende de instituições constitucionais que imponham a subordinação dos governantes à vontade do povo que os elegeu. A representação popular, ao contrário do que se possa pensar, não delega a determinadas pessoas o poder de interpretar os votos ou as aspirações da coletividade, mas o de ser a sua vontade e a sua voz.

A ditadura militar extinguiu os 13 partidos políticos então existentes e criou um bipartidarismo rígido, no qual um partido da situação e outro de oposição serviriam para dar cunho de democracia a um regime notoriamente autoritário.

Com a Constituição Federal de 1988, a nação adotou o pluripartidarismo, sem restrição temporal ou numérica, e assegurou aos partidos o direito a disputar pleitos em situação isonômica. Com ela, não se coadunam tentativas espúrias de inviabilizar movimentos populares que, com ideário e propostas próprios, exercem seu legítimo direito de fundar novas agremiações políticas.

A pressa na votação do Projeto de Lei nº 4.470/2012 tem destinatários facilmente identificáveis: o Rede, de Marina Silva, o Solidariedade, de Paulo Pereira da Silva, e o Mobilização Democrática, de Roberto Freire.

Sandra Cureau é vice-procuradora-geral eleitoral.

O financiamento público exclusivo de campanha - Uma chance de liberdade


A realidade desnudada na seara eleitoral reflete que as doações do setor privado acabam por privilegiar políticos ligados a grandes empresas e corporações, que destinam verbas milionárias para campanhas de forma a macular o resultado pelo poder econômico exercido.

Um dos temas que certamente permeará as discussões no Congresso Nacional esse ano é sobre o financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais.

Em abono da verdade já possuímos um sistema misto de financiamento de campanha, onde o sistema eleitoral depende da contribuição de recursos públicos. Assim temos recursos públicos e privados utilizados de forma combinada. A idéia é tornar a campanha eleitoral exclusivamente pública.

Antes de 1997 no Brasil, as despesas feitas em campanhas eram de responsabilidade integral do partido, sendo vedado o financiamento ou custeio de campanhas eleitoral pelos candidatos. Apenas com a introdução da Lei das Eleições, é que permitiu-se as doações para campanhas eleitorais.

O sistema misto permite a utilização de recursos públicos através do Fundo Partidário (Constituição Federal – 1988, art. 17, §3º e LOPP, art. 44, III) e gratuidade do horário para propaganda eleitoral através da rádio e televisão (art. 23 da Lei das Eleições), apesar das emissoras terem direito a compensação fiscal (art. 44 e 93 do Decreto n.º 5.331/2005)

A Lei n.º 9.504/97 (Lei das Eleições), que regulamenta o financiamento de campanhas eleitoral no país, aduz que a responsabilidade pelas despesas da campanhas é dos partidos políticos e seus candidatos, que ficam autorizados a receber doações de pessoas físicas (art. 23,§1º, inciso I, onde é permitido até 10% dos rendimentos brutos apurados pelo ano anterior a doação) ou jurídicas (art. 81, §1º representando 2% do faturamento bruto do ano anterior), conforme o caso. A lei deve fixar até 10 de junho do ano eleitoral, o limite dos gastos de campanha para cada cargo e, caso a lei não o faça, poderão os partidos fixar tais limites, apenas comunicando à Justiça Eleitora (art. 17 –A, Lei das Eleições).

O art. 18 fixa os limites para os gastos pelos partidos, bem como as multas aplicáveis em caso de extrapolação.

A dotação orçamentária prevista no projeto de reforma traz o valor de R$ 7,00 reais por eleitor, para custear os valores relativos as campanhas eleitorais.

As ventiladas propostas de reforma ganharam corpo após os escândalos do mensalão em 2005, quando denúncias que agora levaram a condenação de alguns membros do Partido dos Trabalhadores - PT, versavam sobre o uso de “caixa dois” em campanhas políticas nas eleições. E, não deixa de ser no mínimo intrigante, justamente o PT a possuir os maiores políticos interessados no financiamento exclusivo de campanha, que sem emplacar no Congresso Nacional tal reforma, deu inicio a campanha para coleta de assinaturas ao projeto de lei de iniciativa popular, onde constam o financiamento público exclusivo e o voto em lista fechada.

A realidade desnudada na seara eleitoral reflete que as doações do setor privado acabam por privilegiar políticos ligados a grandes empresas e corporações, que destinam verbas milionárias para campanhas de forma a macular o resultado pelo poder econômico exercido. Assim, ficam os candidatos escravizados aos desejos dos seus patrocinadores. Cria-se um mecanismo de perpetuação da elite no poder.

O financiamento privado gera um gradiente desproporcional entre os candidatos, fazendo prevalecer mais a capacidade arrecadatória deles ao invés de suas propostas ou caráter. A matriz da corrupção encontra seu principal fomentador justamente no financiamento privado de campanha, vez que a atual legitimidade para realizar tais transações dificulta sobremaneira a atuação dos órgãos fiscalizadores, na medida que se fossem considerados ilegais, tornaria bem mais fácil a persecução das movimentações financeiras e a punição dos corruptos.

O dispêndio financeiro das aposta feitas pelos investidores, alimentadas com “dinheiro frio” e circulação monetário em desacordo com as normas legais, exige como contrapartida do candidato a materialização da gratidão expressa em vantagens ilícitas, reinvestimentos, licenciamentos, isenções tributárias, influência no resultado de licitações, em suma, atos que tragam o retorno financeiro pretendido pelos investidores.

O financiamento público possui como ponto favoráveis: a diminuição da corrupção, vez que não ficaria mais atrelado a favores de investidores privados; acabaria com o “caixa dois” ou “lavagem” de dinheiro nas campanhas traria transparência e proporcionalidade ao processo democrático, porque ofereceria verbas aos partidos de forma mais igualitária; poderia representar um índice menor de poluição e sujeira nas ruas durante o período eleitoral; haveria a valorização do interesse público em detrimento ao privado, bem como a atuação ética e com probidade; estabelece limites a arrecadação, desestimulando a deslealdade e infidelidade partidária; os patrocínios privados irregulares seriam mais facilmente perceptíveis.

O financiamento público exclusivo pode atuar também como agente moralizador e educativo de longo prazo, porquanto desestimula a utilização do “dinheiro sujo”.

Aqueles que possuem um posicionamento contrário ao financiamento exclusivo das campanhas, argumentam que: existem matérias mais relevantes para o investimento público, como segurança e saúde; é errado impedir um cidadão ou empresa privada de apoiar e/ou ajudar financeiramente seu candidato, sendo medida antidemocrática; impediria os partidos menores de crescer com os investimentos particulares; o candidato é eleito para governar para todos, não podendo ser a maioria punida por crimes de alguns; seria melhor proibir a propaganda eleitoral gratuita na TV (que custa bilhões ao erário) e permitir a compra de espaço na TV pelos partidos; o custeamento proporcional levará em conta o número de votos na última eleição, fato que beneficia sobremaneira apenas um partido no país ultimamente, favorecendo o continuísmo e hegemonia partidária; na prática, as contribuições privadas continuariam a ocorrer, mas “por fora”, assim, o financiamento público apenas representaria mais dinheiro para as campanhas; já é possível fiscalizar os gastos de campanha de todos os candidatos; trata-se de renda pública de difícil reversibilidade caso instituída;

Alguns críticos a reforma política ainda argumentam que o financiamento público serve como pano de fundo para atacar e eliminar determinados partidos do cenário político, bem como não impediria o continuísmo da enorme corrupção porque seus incentivadores seriam neste momento agraciados com os maiores percentuais de financiamento e poderiam obter recursos indiretos de outros fundos como Sindicatos, ONG´s e entidades sociais e da propaganda natural das estatais demais entidades da máquina pública.

De qualquer sorte, o Projeto de Lei no Senado (PLS) n.º 268/2011, foi apresentado em 18 de maio de 2005, como conclusão dos trabalhos da Comissão de Reforma Política do Senado Federal, de autoria dos senadores José Sarney e Francisco Dornelles. A justificativa do projeto:

“...a proposta do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais inspira-se na necessidade de redução dos gastos nessas campanhas, que vêm crescendo exponencialmente no país, bem como na necessidade de pôr fim à utilização de recursos não contabilizados, oriundos do chamado “caixa 2”.

E prossegue:

Cabe, ainda, fazer referência ao princípio da igualdade, inscrito no art. 5º da nossa Lei Maior. Esse princípio, como ensina a doutrina, está voltado não só para o aplicador da lei, mas, também, para o legislador. E um dos objetivos que os regimes democráticos têm buscado em matéria de eleições é exatamente o tratamento igualitário dos concorrentes ao pleito, de forma a impedir que alguns alcancem a vitória eleitoral, não pelo convencimento das teses e do programa que propõem e sim em função da arregimentação e da pletora de propaganda eleitoral propiciadas pelo seu poder econômico.

Segue os principais trechos do citado Projeto de Lei:

“Art. 38...

§ 3º Nos anos em que se realizarem eleições, serão ainda consignadas ao Tribunal Superior Eleitoral dotações orçamentárias correspondentes ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior, multiplicado por R$7,00 (sete reais), em valor de janeiro de 2011.

§ 4º Os recursos orçamentários calculados na forma do § 3º deste artigo serão aplicados exclusivamente pelos partidos políticos e respectivos candidatos nas campanhas eleitorais.” (NR)

Art. 3º Os recursos referidos no art. 2º serão distribuídos nos termos do art. 41-A da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Art. 4º Em todos os casos de proporcionalidade partidária de que trata esta Lei, será considerada a legenda partidária pela qual o parlamentar foi eleito na última eleição.

Art. 5º Os recursos mencionados no artigo anterior serão depositados no Banco do Brasil S/A, à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o dia 20 de cada mês, em 4 (quatro) parcelas mensais, iguais e sucessivas, a partir de maio, e não serão objeto de contingenciamento, sob pena de responsabilidade.

§1º omissis...

§ 2º Os recursos recebidos para o financiamento das campanhas serão distribuídos entre as diversas eleições e candidatos segundo critérios definidos pelo partido político.

Art. 7º O § 5º do art. 39 da Lei nº 9.096, de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 39........ § 5º Nos anos em que se realizarem eleições, é vedado o recebimento de doações de que trata este artigo.” (NR)

Art. 8º Os arts. 19, 20, 24 e 28, § 4º, da Lei nº 9.504, de 1997, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 19. Até 10 (dez) dias úteis após a escolha de seus candidatos em convenção, o partido constituirá comitês financeiros. ..........” (NR)

“Art. 20. O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, na forma da lei.” (NR)

“Art. 24. É vedado aos partidos políticos e aos candidatos receberem doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro oriundas de pessoas físicas e jurídicas e destinadas às campanhas eleitorais. Parágrafo único. A infringência da vedação estabelecida no caput sujeita os partidos e candidatos às penalidades previstas em lei, inclusive ao indeferimento ou cassação do respectivo registro ou diploma.” (NR)

Henrique Fontana (PT-RS) chegou a dizer que são 200 grandes empresas que financiam a maior partes das campanhas políticas no Brasil. “Não me venham dizer que isso é investimento na democracia”, discursou Fontana no plenário. “O poder do dinheiro vale mais do que a força das idéias. Infelizmente dinheiro resolve e desempata eleição”, afirmou o deputado à reportagem.

Num passado não muito distante, a cidade de Campinas, interior de São Paulo, sofreu durante com construtoras e empreiteiras do ramo da construção civil, que patrocinavam diversos candidatos, cobrando posteriormente os investimentos realizados em espécie ou favorecimentos através da concessão irregular de alvarás municipais em locais impróprios.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), agendou para 17 e 24 de junho, a discussão acerca do financiamento público de campanhas eleitorais. O STF deseja obter informações para o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI n.º 4650, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituição que também lançou um manifesto de apoio ao financiamento público em parceria com o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

O Presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado, durante um evento da entidade, declarou que:

“No Brasil, há concentração de empresas doadoras, ligadas a setores que defendem diretamente gestões públicas. [...] Buscamos restringir a forte interferência econômica na política brasileira, onde mais de R$ 1 bilhão foi doado nos últimos dez anos apenas por dez empresas, sendo cinco construtoras”

E, segundo Roberto Gurgel, Procurador Geral da República:

“A opção legislativa pela possibilidade de doações por pessoas jurídicas permite uma nefasta cooptação do poder político pelo poder econômico.” e que o financiamento privado durante a disputa eleitoral poderia causar “disparidade crassa entre as possibilidades competitivas e de êxito eleitoral dos cidadãos ricos e pobres.”

Alguns movimentos propõem que para a transparência nos gastos com as campanhas, seja imposto o uso obrigatório de cartão de débito, transferências bancárias ou cheques nominais pelos partidos e candidatos no trato com o dinheiro público, através de movimentações bancárias em banco oficial.

Os partidos já recebem recursos públicos do Fundo Partidário (cerca de R$ 300 milhões por ano), mais meio bilhão a cada dois anos com propaganda eleitoral e cabe a Justiça Eleitoral a operacionalização e fiscalização das eleições. O Tribunal Superior Eleitoral – TSE, aponta gastos que ultrapassam R$ 3,5 bilhões de reais, sendo que o horário eleitoral gratuito trouxe R$ 606 milhões em déficit ao contribuinte brasileiro.

A distribuição deve ser feita de forma a não distribuir o pagamento de forma desproporcional entre os partidos, prejudicando os menores em detrimento das bancadas maiores. A equalização do financiamento público certamente não acabará com a corrupção no país, mas representa verdadeira revolução eleitoral para a redução das irregularidades e ilicitudes que marcam as eleições no Brasil.

Ressalta-se que o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais está diretamente vinculado com a proposta de adoção do sistema de lista fechada nas eleições para a Câmara dos Deputados, Assembléias Legislativas, Câmaras de Vereadores e Câmara Legislativa do Distrito Federal. Isto se deve ao fato que as listas fechadas representariam uma economia significativa ao erário e finalisticamente um déficit menor ao já dispendioso custeamento exclusivo público das campanhas.

Para adequar a reforma política, existe a Proposta de Emenda à Constituição – PEC n.º 43/2011, fruto da Comissão de Reforma Política do Senado Federal, para a instituição de listas fechadas no país. A PEC prevê o seguinte:

“Art. 1º O caput do art. 45 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:”

“Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em listas partidárias preordenadas, respeitada a alternância de um nome de cada sexo, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal, na foram da lei.”

Também justifica a alteração do sistema eleitoral para listas fechadas, pois além de menos oneroso aos cofres públicos, afigura-se como mais facilidades no controle dos donativos. E, tal alteração não é simples, vez que alguns entendem até que o art. 60, §4º, II da Constituição Federal de 1988 é inalterável porquanto constituir-se como cláusula pétrea.

Para reduzir os custos das eleições, também se discute atualmente a unificação das eleições para os cargos políticos, ao invés do sistema eleitoral que se movimenta a cada 2 anos.

Na Alemanha, existe o financiamento público desde 1959, na forma mista de reembolso dos gastos eleitorais e subsídio público de doações privadas. A França proibiu as doações de pessoas jurídicas e dos sindicatos desde 1995, prevendo o reembolso de 50% do limite do custeamento eleitoral, aos partidos que tenham aos menos 5% dos votos do eleitorado. Existe espaço público para campanhas através da mídia. Os gastos com 10 candidatos à presidência em 2012, custou a eles cerca de 74,2 milhões de euros. Na Itália o financiamento público foi instituído em 1974, entrando em vigor apenas em 1993 e o reembolso público com o sistema misto de campanhas eleitorais ocorreu em 1999 (após obterem o insucesso com o regime público exclusivo).

A Inglaterra, Portugal e Suécia são exemplos que tal qual a Itália, falharam ao aplicarem o sistema de controle do financiamento público de campanhas.

Na Holanda os partidos podem receber dinheiro do Estado e de empresas ou eleitores. A Suécia discute a regulamentação das contas eleitorais (a despeito de ser o primeiro país a instituir a lei de acesso a informação). A Argentina proíbe empresas de financiar partidos. No México, as doações privadas não podem superar os financiamentos públicos.

Os Estados Unidos da América – EUA, valem-se do sistema misto, inclusive com um fundo público com doações de cidadãos contribuintes voluntários, o interessante neste caso é que o candidato tem a opção de escolher entre a forma de financiamento e, caso escolha o público terá que obedecer a regras e controles de gastos. O agora presidente Barack Obama, quando era senador e ainda concorria ao cargo, abriu mão do financiamento federal público de sua campanha em detrimento ao privado.

Os países da América Latina em sua maioria adoram o sistema misto de campanha

A cultura política democrática tem que ser parcialmente reformada para evitar que o radicalismo liberal continue a macular a forma de eleição e atuação dos políticos brasileiros, pelos investimentos privados das grandes corporações.

O amadurecimento do processo eleitoral no Brasil permite neste contexto sócio-econômico a mudança da liberdade de financiamento privado e de listas abertas para uma sistemática que privilegie a longo prazo custo menores com campanhas eleitorais e no combate a malversação do dinheiro público, escorado pela necessidade de obediência a soberania popular e aos direitos humanos. Ressalta-se, ad nauseam, que combater os casos pontuais de financiamentos privados “por fora” é infinitamente mais fácil à ter que continuar a perseguir os rastros do atual permissivo eleitoral. O fato é que são necessárias medidas que mudem o atual quadro político que alimenta os elevados índices de escândalos de corrupção, sendo que o financiamento exclusivo de campanha e as listas fechadas são ótimas oportunidades neste sentido.

Guilherme Pessoa Franco de Camargo