"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 30 de março de 2014

Por que não se resolve a desigualdade social no mundo?


Desigualdade nós sabemos que existe em todo o planeta. Mas por que não se encara o problema e qual é o papel das empresas em relação a isso?   

As empresas representam um dos setores mais poderosos e organizados da sociedade, cujas receitas ultrapassam, muitas vezes, o de países inteiros. No Brasil, não é diferente. Uma pesquisa pouco divulgada no Brasil, mas publicada na revista Forbes Brasil de 30 de janeiro, mostra a força das corporações no país.

O estudo Quem São os Proprietários do Brasil?, realizado pelo Instituto Mais Democracia (IMD) e pela Cooperativa Eita – Educação, Informação e Tecnologia para Autogestão sobre o poder dos grupos privados no país, apontou que a maior parte do poder econômico privado nacional está sob controle do grupo espanhol Telefônica, do fundo de pensão Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), do grupo Telemar, do grupo Bradesco e dos negócios da família Gerdau. Foram considerados apenas grupos privados. Não fosse isso, a União seria considerada pelo estudo o maior poder econômico nacional.

Essas quatro empresas juntas possuíam, em 2011, um “poder acumulado”, isto é, de controle e participações em empresas e negócios, de mais de R$ 400 bilhões, um pouco abaixo do que o “poder acumulado” da União nesse mesmo ano, calculado em R$ 460 bilhões, somando as participações no BNDES e o controle das estatais.

Por aí se vê que o setor privado pode desempenhar um papel fundamental para pavimentar o caminho de uma sociedade mais justa e sustentável. E, em nosso país, as empresas têm dado sua contribuição para a superação de nossas mazelas tradicionais. Os avanços obtidos no combate à pobreza e na promoção de uma melhor qualidade de vida para todos são importantes e reconhecidos internacionalmente.

Todavia, a desigualdade social persiste. O Brasil ainda é o quarto país mais desigual da América Latina, segundo levantamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) em 2013. A Guatemala é o mais desigual, seguida por Honduras e Colômbia. Depois vêm Brasil, República Dominicana e Bolívia.

No ranking do Pnud, os países com menor desigualdade são Venezuela, Uruguai, Peru, El Salvador, Argentina, Equador e Costa Rica, por exemplo.

Maior risco para o mundo

Se serve de consolo, a desigualdade social não é um problema só nosso. O próprio Fórum Econômico de Davos apontou, no início deste ano, o agravamento da desigualdade social como o maior risco para o mundo, em 2014. Em seu relatório Riscos Globais 2014, elaborado por 700 especialistas, a entidade ressaltou que a crônica disparidade entre as rendas dos cidadãos mais ricos e as dos mais pobres representa o maior risco para o mundo na próxima década. E, como essa desigualdade não vem sendo atacada de frente pela maioria dos países, os efeitos tendem a ter seu alcance ampliado nos próximos anos.

Também em Davos, a Oxfam, uma confederação de 13 organizações e mais de 3.000 parceiros, que atua no combate à pobreza em 100 países, divulgou um estudo no qual informou que apenas 85 multimilionários detêm um patrimônio igual à soma do patrimônio de 3,5 bilhões pessoas no planeta – o equivalente a US$ 1,7 trilhão. Um seleto grupo de 1.426 indivíduos acumula um patrimônio de valor líquido de US$ 5,4 trilhões.

O relatório, denominado Trabalhando para Poucos, afirma também que a riqueza pertencente ao 1% mais rico da população mundial – ou seja, 70 milhões de pessoas – equivale a US$ 110 trilhões.

Ele mostra ainda que sete em cada dez pessoas nasceram em países cuja desigualdade aumentou nos últimos 25 anos e apenas três em em cada dez, em nações onde a desigualdade diminuiu.

Esse relatório da Oxfam quase não foi divulgado aqui no Brasil, na época de seu lançamento, em janeiro. E ele faz elogios aos esforços do país e de alguns outros emergentes, como a Argentina e o México, para o declínio da desigualdade.

Outro fato interessante ressaltado pelo estudo da Oxfam é que, numa pesquisa feita em seis países – Brasil, Espanha, Índia, África do Sul, Grã-Bretanha e Estados Unidos – sobre leis e justiça, o resultado apontou que a maioria dos entrevistados acredita que as leis são distorcidas em favor dos ricos. A porcentagem foi maior na Espanha, onde oito em cada dez pessoas têm esse entendimento.

É possível enfrentar as desigualdades do mundo?

A Oxfam fez essa pergunta aos especialistas que conduziram o estudo e a resposta deles foi: sim, é possível. E quanto mais os países acertarem políticas globais de enfrentamento do problema, mais rápido a desigualdade diminuirá. Eles sugeriram algumas medidas, tais como:

* Criação, no mundo todo, de impostos progressivos sobre patrimônio e renda;

* Luta por maior transparência do sistema financeiro internacional;

* Protocolos internacionais que regulamentem o sigilo financeiro, de modo a evitar sonegação de impostos e paraísos fiscais;

* Regulação maior dos mercados para promover crescimento sustentado;

* Diminuição dos poderes dos ricos de influenciar em processos políticos; e

* Estabelecimento de uma meta global de redução da desigualdade extrema em todos os países.

O combate à desigualdade esteve presente nas discussões da Organização das Nações Unidas (ONU) quando, em 2000, os países-membros adotaram os oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM). Agora, a ONU se debruça sobre o estabelecimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que devem ser metas adotadas pelos países após 2015, quando se encerra o período de cumprimento dos ODM.

Para quem não sabe, os ODS vão representar uma nova agenda de metas para os países, que vai começar a valer a partir de 2016, em substituição aos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O documento final da Rio+20, denominado O Futuro que Queremos, apontava para o estabelecimento de metas favoráveis ao desenvolvimento sustentável, tais como acesso universal à energia sustentável, água limpa para todos, enfim, um conjunto de objetivos concisos, de fácil compreensão, que possam ser desdobrados em ações de desenvolvimento humano e combate à pobreza.

E o Brasil?

Muitas das medidas sugeridas pela Oxfam têm feito parte dos debates no Brasil a respeito de uma agenda nacional de desenvolvimento sustentável. O país possui um grande potencial que precisa ser utilizado a favor da construção de outro modelo de economia, que favoreça a distribuição das imensas riquezas que possuímos e produzimos.

Uma reforma fiscal de incentive setores da nova economia, por exemplo, vinculada à construção de serviços públicos de qualidade, dará, sem dúvida, um grande impulso ao combate à desigualdade. Outra possibilidade é a promoção de um setor dedicado ao manejo sustentável e à conservação dos chamados serviços ambientais, que garantam, por exemplo, o abastecimento de água para as grandes cidades.

Outras ações de combate à desigualdade podem contar com a participação ativa das empresas. Por exemplo: o estímulo ao empreendedorismo social; a promoção de políticas internas e externas (nos fornecedores, por exemplo) de valorização racial e de gênero; o cumprimento da Lei do Aprendiz, que garante formação profissional e futuro para milhões de jovens; acordos com comunidades para uso de insumos vindos da natureza; e o estabelecimento de diálogo constante com as partes interessadas, pois isso permite incluir no planejamento estratégico, bem como nos processos, produtos e serviços, as demandas que elas têm.

A criatividade empreendedora também pode inventar novas iniciativas que contribuam para tornar o Brasil um país mais igual. O que não se pode perder de vista é que desigualdade social faz mal aos negócios e às empresas, porque torna o ambiente desequilibrado, com poucas oportunidades e muito risco para investimento.

Jorge Abrahão 

domingo, 23 de março de 2014

Transição do período militar para a democracia no Brasil


A chamada Era Militar alastra-se de 1964 a 1985, época difícil, truculenta, os chamados anos de chumbo, cujo ponto mais significativo dera-se com a edição do Ato Institucional 5.

Outorgou-se uma nova Constituição em 24 de janeiro de 1967. Quanto ao presidencialismo, dispôs-se que Poder Executivo seria exercido pelo presidente da República auxiliado pelos ministros de Estado. Extinguiu-se o voto direto e popular para indicação da chefia do Executivo. Dispôs-se que o presidente seria eleito por um colégio eleitoral, “em sessão pública e mediante votação nominal”.

O colégio eleitoral seria composto por membros do Congresso Nacional e por delegados indicados pelas assembleias legislativas estaduais. Cada assembleia estadual indicaria três delegados e mais um por 500 mil eleitores inscritos no Estado. No entanto, nenhuma unidade da Federação poderia indicar menos do que quatro delegados. Mantinham-se as atribuições presidenciais clássicas.

No entanto, em 1968, como reação do governo a uma negativa do Congresso a requerimento para que se processasse o deputado Márcio Moreira Alves, revidou-se com a suspensão das garantias democráticas: editou-se o Ato Institucional 5, de 13 de dezembro de 1968. Trata-se do mais autoritário documento político que se tem conhecimento na história do Brasil, em termos de hipertrofia do Executivo central. É o extrato mais agressivamente concentrador de poder em mãos do presidente da República.

Assinado por Costa e Silva, Gama e Silva, Augusto Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares, Magalhães Pinto, Delfim Netto, Mário Andreazza, Ivo Arzua, Jarbas Passarinho, Leonel Miranda, Costa Cavalcanti, Edmundo Soares, Hélio Beltrão, Afonso Lima, e Carlos de Simas, o AI-5 retoricamente se baseia numa série de consideranda apocalípticos.

Manteve-se a Constituição de 1967. Ao presidente se concedia o poder de decretar o recesso do Congresso Nacional, das assembleias legislativas e das câmaras de vereadores, por Ato Complementar, em estado de sítio ou fora dele, só voltando os mesmos a funcionar quando convocados por ele próprio.

Poderia o presidente também, em nome de um imaginário interesse nacional, decretar a intervenção nos estados e municípios, sem as limitações previstas na Constituição então vigente. O presidente estava autorizado a nomear também interventores estaduais. Autorizava-se também ao presidente a suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.

E ainda, mediante decreto, o presidente poderia demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade servidores públicos, assim como empregados de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando fosse o caso, vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço. Usou-se muito da prerrogativa.

A autoridade presidencial era intocável. Pelo AI-5, o presidente ganhava competência para decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, fixando o respectivo prazo. E ainda, o presidente poderia, após investigação, decretar o confisco de bens de todos quantos tivessem enriquecido, ilicitamente, no exercício de cargo ou função pública, inclusive de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, sem prejuízo das sanções penais cabíveis, na exata expressão do documento de exceção aqui analisado.

Suspendeu-se a garantia do Habeas Corpus, nos casos de crimes políticos, de crimes contra a segurança nacional, bem como nos casos de crimes contra a ordem econômica e social e contra a economia popular. Por fim, o ato excluía de qualquer apreciação judicial tudo o que em seu nome praticado.

A ditadura esgotou-se pela própria seiva e pela incapacidade de gerir os graves problemas que agitaram o país. Operou-se uma distensão “lenta, gradual e segura”, na expressão de um historiador e testemunha ocular:

“Após o governo Médici, ocorre forte inflexão da trajetória política e econômica do Brasil. Na economia, a nova realidade mundial decorrente da crise do petróleo obriga o país a substituir o dinâmico modelo econômico que vigorara até 1967. A velha restrição do balanço de pagamentos sobre o desenvolvimento da economia volta a se impor. O país vai enfrentar longo período de ajustamento, redefinição de prioridades, grave endividamento externo, flutuações de desempenho, dificuldades inflacionárias e, mais tarde, recessão. No campo político, a inflexão é no sentido de liberalização, processo que começa no Governo Geisel e se arrasta por doze anos, até o final do governo Figueiredo, em 1985, quando o país volta à democracia política, sob governo civil”.

Ao fim do governo Figueiredo o colégio eleitoral que ainda operava (uma campanha em favor de imediatas eleições presidenciais com voto direto fracassou) elegeu o mineiro Tancredo Neves como presidente que, por complicações de saúde, não tomou posse, falecendo logo em seguida. Seu vice, o maranhense José Sarney, no entanto, leu ao Ministério um manifesto redigido pelo presidente eleito, mas não empossado, e ainda hospitalizado, no qual se retoma uma percepção positiva de unidade:

“O Povo brasileiro terá o Governo que exigiu e que não se teria viabilizado sem o seu apoio inequívoco. E sabem os seus Ministros que este será um só governo, que o Presidente não admitirá que se divida, que se desuna, que se descoordene e assim reduza a sua capacidade de agir na busca das soluções para os grande problemas nacionais. Como Presidente da República não fugirei a meu dever de estabelecer as diretrizes que presidirão os esforços da administração pública no cumprimento de sua missão (...) Os Ministros serão meus colaboradores na formulação dessas diretrizes e dessas políticas e, uma vez decididas, serão responsáveis por sua implementação, em um esforço para o qual não lhes faltarão jamais o apoio e o respaldo presidencial”.

Esse fragmento de Tancredo Neves identifica os termos exatos de um presidencialismo de articulação institucional, aqui defendido. Falava-se de “um só governo”, que o “presidente não admitirá que se divida, que se desuna, que se descoordene’, o que reduziria “sua capacidade de agir na busca das soluções para os grandes problemas nacionais”; menciona-se que o presidente iria “estabelecer as diretrizes”, que os ministros seriam responsáveis pela formulação. Esse modelo não caracteriza autoritarismo, rigor ou qualquer ação de enfrentamento para com os demais poderes da República.

José Sarney governou, com a morte de Tancredo. Forte pressão popular redundou também na convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O debate em torno da opção presidencialismo ou parlamentarismo foi retomado. Os constituintes optaram por um plebiscito, mais tarde realizado, e que apontou a definitiva vitória do sistema de governo presidencialista.

O presidencialismo, em princípio, realiza, na essência, o modelo de tripartição dos poderes, na medida em que isola o Executivo de um imediato controle do Legislativo. No modelo parlamentarista, por outro lado, os sistemas Executivo e Legislativo atuam conjuntamente, quando este último indica o chefe daquele primeiro. Porém, a fórmula de iniciativa privativa de algumas matérias de lei, em favor do presidente, subverte novamente o modelo, bem como na hipótese de medidas provisórias, mesmo depois da promulgação da Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001. É este o modelo atual.

O presidente possui hoje mais poderes do que detinha, por exemplo, na Constituição de 1946; exemplifica-se com a possibilidade que tem, no sentido de solicitar urgência na apreciação de algumas matérias. E assim,

“O procedimento de urgência tem papel proeminente no processo legislativo brasileiro. A Constituição de 1988 fornece ao presidente o poder de conferir unilateralmente status de urgência a projetos de sua própria iniciativa, implicando que a Câmara e o Senado têm, sucessivamente, 45 dias para votá-los, período após o qual o projeto é automaticamente incluído na ordem do dia e a deliberação sobre outras leis é suspensa, de modo que a votação possa ser concluída (...)”.

Roberto Mangabeira Unger apresentou convincente justificação para o fato de que houve a definitiva opção pelo presidencialismo, por parte do eleitorado brasileiro:

“Há muitos argumentos pseudo-eruditos em favor da implantação do regime parlamentarista no Brasil. O motivo mais forte do interesse, porém, é que a eleição presidencial faz a elite brasileira sofrer periodicamente susto intolerável. É o conflito eleitoral menos controlado e mais imprevisível, sobre o poder mais importante. Eles não aguentam mais. Melhor concentrar o poder na classe política e negociar soluções consensuais de governo, sem ter de contar com a possibilidade de surpresas desagradáveis nem ter de trabalhar para contê-las. O eleitorado rejeitou o parlamentarismo porque nele percebeu, tentativa de confisco da soberania popular”.

O presidente enfrenta, às vezes, Congresso hostil, de quem deve se aproximar, de onde se origina o presidencialismo de coalização, na tipologia conceitual de Sérgio Abranches. E pode enfrentar também resistência interna, por setores ministeriais que defendem agendas distintas, e não conciliáveis, a exemplo de questões afetas a desenvolvimento sustentável e que dividem, de algum modo, o Ministério das Minas e Energia do Ministério do Meio Ambiente. E ainda enfrenta miríade de compreensões diversas, de um mesmo problema, o que aqui se denomina de vontades corporativas, com base em expressão e em conceito formulado por Rousseau.

Não se trata da defesa de um presidencialismo imperial. O que se vê, ao longo da experiência presidencialista brasileira é um quadro nítido. De 1889 a 1894 havia muita incerteza e muita cizânia interna. De 1894 a 1930 grupos agroexportadores fizeram da presidência instrumento de projetos localizados, de acumulação capitalista. De 1930 a 1946 viveu-se brutal ampliação da atuação presidencial, camuflada na divisão de benefícios trabalhistas e assistenciais.

De 1946 a 1964 a presidência tornou-se refém de projetos populistas, ainda que indicativos de algum nacionalismo e de um incipiente desenvolvimentismo. De 1964 a 1985 a presidência retomou um sentido de hipertrofia, sustentado na distribuição de benesses a um mandarinato. De 1985 a 1988 viveu-se intensa transição, marcada pela retomada de rumos.

De 1988 até os dias de hoje tenta-se definir um modelo presidencialista brasileiro que possa deter agilidade e instrumentos para atender às promessas feitas, e sagradas nas urnas.

 Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

sábado, 15 de março de 2014

O Estado e as formas de governo


As formas de governo foram debatidas com frequência desde Aristóteles, Maquiavel, Montesquieu, Hobbes e outros filósofos que não se limitaram na contribuição para dispor de reflexão sobre a melhor forma de governo. Cada um expondo as formas que correspondia à realidade da sua época.

São várias as teorias que tentam explicar o surgimento do Estado. Para alguns historiadores o Estado sempre existiu, assim como a sociedade, pois desde que os humanos estão sobre a terra, há uma organização social com poder e autoridade para determinar o comportamento de todo o grupo. Em outra concepção, o Estado nasceu da necessidade de regular a convivência e as necessidades dos grupos sociais. Há outra posição a qual traduz a origem do Estado apenas como sociedade política.

A denominação Estado (do latim status = estar firme), significa situação permanente de convivência e ligada à sociedade política, aparece pela primeira vez em “O Príncipe” de MAQUIAVEL, escrito em 1513, passando a ser usada pelos italianos sempre ligada ao nome de uma cidade independente, como, por exemplo, stato di Firenze. Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos franceses, ingleses e alemães. Na Espanha, até o século XVIII, aplicava-se também a denominação de estados a grandes propriedades rurais de domínio particular, cujos proprietários tinham poder jurisdicional. De qualquer forma, é certo que o nome Estado, indicando uma sociedade política, só aparece no século XVI, e este é um dos argumentos para alguns autores que não admitem a existência do Estado antes do século XVII. (DALLARI, 2003, p.51).

Em observância as teorias dispostas anteriormente, partiremos para o estudo das formas de governo com ênfase na soberania e no contrato social.

A forma mais antiga de governo baseada no número de governantes é a de Aristóteles, onde este distinguiu três formas de governo, sendo a realeza que apenas um indivíduo exercia o poder supremo; a aristocracia que era o governo de alguns onde apenas um grupo exercia o poder com relação ao outro; e a democracia que era o governo de todos que visavam o interesse geral. Mas para Aristóteles, estas formas de governo quando exercida de forma a privilegiar conveniências particulares estava à mercê de um processo degenerativo, onde a realeza degenera em tirania, a aristocracia em oligarquia e a democracia em demagogia.

Passa-se então a classificação de Maquiavel que só reconheceu o governo denominado Principiado e República, onde no Principiado, o poder residia na vontade de um só governante; e a República era um governo voltado para uma vontade coletiva. Para Maquiavel, o Estado quando degenerado não voltaria ao seu estágio inicial, este era dominado por outro Estado.

Para Maquiavel, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado. Em função do modo pelo qual os bens são compartilhados, as sociedades concretas assumem diferentes formas. Assim, onde persista ou possa persistir uma relativa igualdade entre os cidadãos, o fundador de Estados deve estabelecer uma república. Ocorrendo o contrário, manda a prudência que seja constituído um principiado. Se não proceder assim, o governo formará um Estado desequilibrado e sem harmonia, que não poderá subsistir por muito tempo.

Em um novo período, surgiu uma nova classificação trazida por Montesquieu, onde este apontou três espécies de governo: o republicano onde o povo como um todo, ou uma parcela deste detêm o poder soberano; a monarquia onde o governo pertence apenas a um indivíduo, sendo que este deve governar baseado em leis fixas e estabelecidas; e o despótico que é o governo onde o poder é centralizado em uma só pessoa e esta segue apenas a sua vontade, neste governo não existem regras.

A ORGANIZAÇÃO DO ESTADO SEGUNDO A TEORIA DE MAQUIAVEL: PRINCIPIADO E REPÚBLICA

Maquiavel definiu duas formas de governo existente no Estado, o principiado e a república. Na República apresentam-se três modalidades: a aristocrática que era representada por Esparta, onde existia uma maioria que era subordinada por um poder concentrado nas mãos de uma minoria; a democracia restrita, que era representada por Atenas, sendo uma forma de concentração de poder contrário ao de Esparta; e a democracia ampla que era uma forma de autogoverno exercido pela coletividade que esta forma de governo estava presente em Roma.

Na forma de principiado, Maquiavel fez uma análise averiguando que o Estado poderia sofrer com a perda deste governo e poderia passar por uma debilidade congênita, onde os sucessores poderiam usar o poder conforme sua ambição. “(...) seria fraco o Estado que só pode ser governado pela vontade de um homem apenas; na falta deste, não há como triunfar sobre a desordem. O abuso de poder, por parte dos herdeiros do herói primordial, fomenta a discórdia e alimenta conspirações, pondo em perigo a ordem interna.”

A NOÇÃO DE POLÍTICA E ESTADO NA CONCEPÇÃO DE HOBBES: PODER ABSOLUTO

 A filosofia política de Hobbes é baseada no corpo social, tendo a finalidade de entender as causas e conseqüências. Para ele, o poder de um soberano é uma forma de controlar o estado de natureza, e manter o convívio social entre os indivíduos. A sua preferência é a monarquia, pois esta é a melhor forma para se governar um Estado Soberano. Hobbes defende a autoridade absoluta do rei com única forma de se exercer um poder soberano, já que este é uno e indivisível. Achou que a oligarquia seria possível, mas poderia acarretar a descontinuidade do exercício do poder soberano. A Democracia era inviável, porque declinaria o poder soberano.

A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de defendê-lo das invasões dos estrangeiros e das injúrias uns dos outros, garantindo-lhes assim uma segurança suficiente para que, mediante seu próprio labor e graças aos frutos da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e poder a um homem ou a uma assembléia de homens, que possam reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade. O que equivale a dizer: designar um homem ou uma assembléia de homens como representante de suas pessoas , considerando-se e reconhecendo-se  cada um como autor de todos os atos que aquele que representa sua pessoa  praticar ou levar a praticar, em tudo que disser respeito à paz e segurança comuns; todos submetendo, assim, suas vontades à vontade do representante, e suas decisões à sua decisão. Isso é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto  de cada homem com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada homem: cedo e transfiro meu direito de governar a mim mesmo a este homem, ou a esta assembléia de homens, com a condição de transferires a ele teu direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso, à multidão assim unida numa só pessoa se chama Estado, em latim, civitas.

Para Hobbes, o poder eficaz é aquele exercido de forma absoluta, sendo que este poder é resultante da transferência dos direitos dos indivíduos ao soberano. Não deve confundir o poder absoluto que Hobbes defende, com a monarquia absolutista, pois o poder absoluto é um contrato que visa assegurar a paz civil.

A SOBERANIA NA CONCEPÇÃO DE LOCKE E ROUSSEAU

Locke com sua grande influência no desenvolvimento das ideias liberais no século XVIII, definir que a sociedade é resultante de uma reunião de indivíduos que visam garantir suas vidas, sua liberdade e sua propriedade. É em nome dos direitos naturais do homem que o contrato social entre os indivíduos que cria a sociedade é realizado, e o governo deve comprometer-se com a preservação destes direitos. O poder é delegado a uma assembléia ou a um soberano para a preservação dos direitos já mencionados. A legitimidade desse poder reside no consentimento dos indivíduos que o constituíram, e  na medida que este poder seja contrario aos interesses da maioria ou que ameaçam a liberdade e os direitos dos indivíduos poderão ser retirados.

E, assim, cada indivíduo, ao consentir com os outros em formar um corpo político com um governo, coloca-se a si próprio sob a obrigação em relação a todos os demais membros dessa sociedade de se submeter à determinação da maioria e de aceitar suas decisões. Caso contrário, esse pacto original, pelo qual ele e os outros formam uma sociedade, não significaria nada, e não seria um pacto se ele permanecesse tão livre e tão sem obrigações quando se encontravam no estado de natureza.

O ponto de partida da filosofia do contrato social de Rousseau é a soberania política pertencente ao conjunto dos membros da sociedade, onde o fundamento dessa soberania é a vontade geral.  A vontade particular e individual de cada um diz respeito a seus interesses específicos, porém, enquanto cidadão e membro de uma comunidade, o indivíduo deve possuir também uma vontade que se caracteriza pela defesa do interesse coletivo, do bem comum.

Aquele que ousa empreender a instituição de um povo deve se sentir com capacidade para, por assim dizer, mudar a natureza humana, transformar cada indivíduo, que por si mesmo é um todo completo e solitário, em parte de um todo maior, do qual de certo modo este indivíduo recebe sua vida e seu ser; alterar a constituição do homem para fortificá-la; substituir a existência física e independente, que todos nós recebemos da natureza, por uma existência participativa e moral. Em uma palavra, é preciso que se destitua o homem de suas próprias forças para lhe dar outras, não próprias, das quais não possa fazer uso sem socorro alheio.

CONCLUSÃO

As conceituações sobre as formas de governo formuladas pelos filósofos trouxeram para nosso estudo grande aprimoramento, pois mesmo que cada um usou a teoria que mais achou conveniente com a sua realidade e com os problemas sociais que vivenciaram, pode-se perceber o progresso e a lógica de cada Teoria. Nos livros de história temos acesso a um mundo que foi governado por uma monarquia, uma monarquia absolutista, por uma república e não podendo esquecer a Ditadura, que foi um momento aterrorizante para a sociedade. Hoje, com uma forma democrática de governo, temos uma Constituição que garante direitos fundamentais e sociais, sendo que a democracia pode ser exercida através do voto secreto, onde cada indivíduo tem o poder de eleger seu representante.

 Arquimedes Geam Oliveira Nascimento

terça-feira, 4 de março de 2014

O movimento das “Diretas Já” e a construção do STF


Há um consenso em se concluir que o Supremo Tribunal Federal não é mais o mesmo. Muito se discute acerca dos atuais problemas na imagem que o STF construiu nos últimos anos, seja no seu papel de protagonista político, seja na postura de seus componentes, seja na forma como algumas decisões são proferidas.

O atual STF (e sua consequente imagem) se alicerça em um espaço de poder historicamente ocupado no Brasil pela figura do presidente da República. Esta entidade onipresente, que sempre se plasmou na fusão da instituição com a imagem da pessoa que a ocupava, serviu, desde os tempos imperiais, como mola-mestra dos destinos da República.

Com o olhar retrospectivo, torna-se mais claro concluir que a edificação da democracia no país somente seria possível com o recuo da centralidade do Poder Executivo, de forma que o hiato deixado pudesse ser preenchido pela representação popular e institucional do Legislativo. Por várias razões isso acabou não ocorrendo da maneira esperada e chegamos aos 25 anos da Constituição de 1988 com um Congresso retraído. O STF, na inércia da primazia linguística dos direitos fundamentais e do Estado Constitucional, ganhou corpo e autoridade e hoje rivaliza com o Executivo na responsabilidade com a própria governabilidade do país.

Como isso se deu na história recente do país? Para além das explicações insuficientes da filosofia do Direito Constitucional, é fundamental rememorar fatos e eventos políticos que alteraram o curso da história e ajudaram a produzir o ambiente institucional que hoje se tem no país. Os limites à autoridade do Poder Executivo passaram a ter novo enredo a partir da década de 1980.

Comemoraremos nos próximos dias 10 e 16 de abril, 30 anos de realização no Rio de Janeiro e em São Paulo dos comícios-símbolos do movimento das “Diretas Já”. Há uma tendência em estudar as “Diretas Já” como um evento preparatório para os trabalhos constituintes de 1987-1988 e, por assim dizer, reduzir a sua importância política. Em realidade, o movimento das “Diretas Já”, além de ser a maior manifestação popular-pública da história do país, é também o ponto de inflexão da separação de poderes, o big bang de nossa etapa democrática.

Sob essa perspectiva, a Constituição de 1988 é também o resultado de um novo arranjo de forças políticas que se tornou possível e viável a partir do decadente paradigma cuja ruína se acelerou com as “Diretas Já”. De fato, o enfraquecimento do Regime Militar e a gradual abertura política do país podem ser associados à convergência de vários eventos igualmente decisivos: a revogação do Ato Institucional nº 5, o restabelecimento da imunidade parlamentar e a reestruturação do sistema partidário com a Emenda Constitucional 11, de 13 de outubro de 1978 (artigos 1º — com alteração do artigo 32 e 152 da Constituição de 1967/1969 — e 3º); a Lei 6.683, de 28 de agosto de 1979 (Lei da Anistia); as eleições diretas para governadores em 15 de novembro de 1982, com a vitória do PMDB em São Paulo e em Minas Gerais e do PDT no Rio de Janeiro (com Franco Montoro, Tancredo Neves e Leonel Brizola); as consequências dessa eleição para a composição do Colégio Eleitoral em janeiro de 1985; a Aliança Democrática; a crise econômica grave durante o Governo Figueiredo com recessão de 1981 a 1983 e aumento da inflação e da dívida externa; a greve de 1978 do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e a renovação do movimento sindical com a fundação da CUT.

Entretanto, é o movimento das “Diretas Já” que melhor representou o processo de redemocratização e restrição aos poderes do Regime Militar. Em um misto de insatisfação, paixão e esperança, as “Diretas Já” deixaram como legado a ideia subliminar — fundamental em uma democracia — de que o povo se organiza e se manifesta quando a situação chega a um limite político-econômico (o estado de “calamidade total” de que falou Teotônio Vilela na famosa entrevista ao programa Canal Livre em novembro de 1982).

A Folha de S. Paulo de 17 de abril de 1984 descreveu a espontaneidade e sinceridade do movimento que foi se fortalecendo desde março de 1983 em uma imprevisível dinâmica de formação de consenso que chegou ao seu ápice no Vale do Anhangabaú em 16 de abril de 1984: “Mais de um milhão de pessoas em silêncio, mãos entrelaçadas, braços para cima. Ao sinal do Maestro Benito Juarez, da Orquestra Sinfônica de Campinas, a multidão cantou o Hino Nacional. Do céu caía papel picado, papel amarelo, a cor das diretas, brilhando à luz dos holofotes. No Vale do Anhangabaú, muita gente chorou.”

De fato, o movimento das “Diretas Já” não foi isolado e não se resumiu a um único comício. Desde 1983, atos públicos, embora com participação popular limitada, se espalhavam pelo país, levantando a reivindicação das eleições diretas para Presidente da República, prerrogativa popular essa que havia sido abandonada desde o Ato Institucional de 09 de abril de 1964 quando o seu artigo 2º previu que “A eleição do Presidente e do Vice-Presidente da República, cujos mandatos terminarão em trinta e um (31) de janeiro de 1966, será realizada pela maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, dentro de dois (2) dias, a cortas deste Ato, em sessão pública e votação nominal.”

Dali se seguiu espúria tradição no Brasil com o art. 6º, parágrafo único, da Emenda Constitucional 9, de 22 de julho de 1964 (apesar da promessa do artigo 1º e a mudança do artigo 38 e 81 da Constituição de 1946); artigo 9º do Ato Institucional 2, de 27 de outubro de 1965 (apesar da promessa do artigo 26 do próprio Ato Institucional); artigo 76 da Constituição de 1967; e artigo 74 da Emenda Constitucional 1, de 17 de outubro de 1969.

Em 19 de abril de 1983, o deputado federal Dante de Oliveira (PMDB-MT) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional 5/1983 por meio do qual propunha nova redação aos artigos 74 e 148 da Constituição de 67/69. A chamada “Emenda Dante de Oliveira” imediatamente se tornou uma bandeira e alimentou a realização de atos públicos e comícios como os ocorridos em São Paulo em 25 de janeiro de 1984, em Belo Horizonte em 24 de fevereiro de 1984, no Rio de Janeiro em 21 de março de 1984, o famoso comício da Candelária em 10 de abril de 1984, em Goiânia em 12 de abril de 1984, em Porto Alegre em 13 de abril de 1984 até o comício do Vale do Anhangabaú de 16 de abril de 1984.

O movimento, ao tempo em que ganhava estatura e força política, fortalecia também seus próprios símbolos e personagens que vieram a moldar emblematicamente o processo de resgate da cidadania. É dessa narrativa que se consolidou Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB, como o “Sr. Diretas”, e o senador Teotônio Vilela como o “Menestrel das Alagoas” (mesmo com a sua morte em 27 de novembro de 1983), eternizado na famosa charge de Henfil de 1984. O enredo dramático ainda se estruturaria por meio de uma “tragédia”, de uma “morte”, a ausência impactante de um personagem com a força de torná-lo mito. Não me refiro ao falecimento sentido do recém-eleito presidente Tancredo Neves em 21 de abril de 1985, mas ao da “Proposta Dante Oliveira” em 25 de abril de 1984, quando obtivera em votação plenária no Congresso 298 votos dos 479 parlamentares presentes. Não se conseguiu atingir a marcar de 320 congressistas. A derrota na votação do Legislativo erigiu em definitivo a “eleição direta para presidente da República” na maior de todas as bandeiras democráticas.

Estávamos no amanhecer de um novo tempo, de uma nova separação reequilibrada de poderes, da qual a Constituição de 1988 foi seu selo terminante. Dessa histórica passagem da década de 1980, o Supremo Tribunal Federal se apresentou com mero espectador, testemunha de um país que conseguiu se reerguer por meio das multidões e da imprensa livre. Viria a se beneficiar (ou se prejudicar), anos mais tarde, no espaço político deixado pela retração do Executivo causado pelo movimento incontido das ruas. Esses são ecos que não podem ser esquecidos, mesmo em tempos de normalidade institucional, mesmo quando as crises políticas ou econômicas parecem ser controladas nos limites da legalidade constitucional, mesmo quando informalmente se elegem instituições garantes dos direitos. Como bem representou Paulo Caruso, em charge publicada na Folha de S. Paulo de 25 de abril de 1984, o movimento das “Diretas Já” foi um segundo grito de independência, quando se viu a “história brotar das ruas e na garganta do povo” (nas palavras de Ulysses Guimarães em 24 de abril de 1984 em discurso no Congresso).

Rememorar aqueles fatos e re-significá-los talvez nos ajude a ter claro que a democracia é um bem que merece cuidado constante e que as instituições previstas na Constituição de 1988 não têm poderes absolutos e, em última análise, devem sempre prestar reverência a esse legado, reconhecendo seus próprios limites e valorizando o equilíbrio de forças. Na democracia nem ao Executivo, nem ao Legislativo e nem ao Judiciário cabe o papel de protagonismo.

Rodrigo de Oliveira Kaufmann