domingo, 18 de dezembro de 2011

Disputa de classes ou quem paga o pacto?


A História de todas as sociedades conhecidas é a História das lutas de classe. (Marx e Engels na abertura do “Manifesto do Partido Comunista”, Londres, 1847).


O PT, tendo suas origens nos sindicatos de trabalhadores da Indústria do ABC, incorporou, ao longo do tempo, além de outras categorias laborais, a grande massa de funcionários do governo e das empresas estatais (enquanto perdia parte de seus simpatizantes originais para o sindicalismo de resultados)


Embora desfraldando bandeiras sociais, foi na defesa de benefícios corporativos que encontrou coesão e força para crescer, já que está no interesse particular, e não no ideal socialista, a motivação de grande parte de seus associados (ressalvados os intelectuais do Partido) para a luta política.


Tendo, no entanto, recebido a rotulação de partido da burocracia, o PT encontrava grande dificuldade em se credenciar para o comando da administração pública federal. Os empresários eram quase unânimes em rejeitá-lo, por temerem uma brusca socialização da economia, e a classe média, avessa a incertezas, mantinha dele certa distância, por desconfiar de possíveis “rupturas” e, também, por rejeitar favorecimentos indevidos. 


O projeto político da “nova classe” de servidores estatais parecia, assim, ter atingido seus limites em termos de alcance da Presidência da República, muito embora, em nenhum momento, burocratas e políticos tenham deixado de ampliar a sua fatia de comando sobre os recursos nacionais. (O projeto “neoliberal” de FHC permitiu que os gastos públicos federais, em termos reais, crescessem a taxa média anual de 6%, ao longo dos últimos oito anos, e que a carga tributária bruta evoluísse de 27% do PIB, em 1994, para 35% do PIB, em 2002).


Era preciso dilatar o campo de influência do Partido, o que fez surgir a brilhante idéia, recusada pelos petistas mais radicais, de cooptar o empresariado, enfraquecido que estava, em suas convicções, por anos seguidos de magro desenvolvimento econômico e de crescentes tensões sociais. Para dar conseqüência à idéia, foi convidado, como candidato a vice-presidente, na chapa de Lula, um bem sucedido e respeitado industrial, afiliado ao Partido Liberal (?). Recriou-se o conceito de Pacto Social, em cuja concepção empresários seriam chamados a participar de Conselhos formados no âmbito do Poder Executivo. 


Ainda com vistas ao “Pacto”, seriam criadas diversas Câmaras Setoriais que congregariam os interesses das classes patronais e dos sindicatos laborais, trazendo soluções acabadas para o governo. O retorno do planejamento centralizado e de uma política industrial ativa seriam também pontos de atração relevantes, dentro do contexto de uma política de proteção ao parque industrial instalado e a seus trabalhadores. 


Com este conjunto de providências, a política de defesa dos interesses corporativos dentro do Partido acabava de lançar seu manto paternal sobre mais uma categoria de protegidos: a população produtiva organizada, que não poderia deixar de atender a tão atraente chamado; e conquistava a “respeitabilidade” necessária ao alcance de seus objetivos políticos maiores.


Deve-se notar que o Corporativismo, quando organizado como força acessória ao Congresso e quando amplamente difundido por todas as camadas da população, pode até servir como instrumento de aperfeiçoamento democrático. Afinal de contas o legislador, diante da quantidade e complexidade das questões postas sob seu exame, necessita da cooperação dos representados para se informar e saber de suas aspirações; e uma boa distribuição de “lobbies”, que se compensariam, teria como resultante um equilíbrio democrático justo. 


O problema é que, no nosso caso, as coisas não parecem se estabelecer desta maneira. O mecanismo corporativista que se pretende organizar relaciona-se diretamente com o Executivo, através de Conselhos e Câmaras Setoriais. Juntamente com o recurso aos plebiscitos, tão ao gosto de nossas esquerdas, nos direcionaria para a democracia direta, passando ao largo do Congresso ou colocando-o sob constante pressão. 


Outro ponto é que, diferentemente dos EUA, onde os “lobbies” são institucionalizados e representam um amplo espectro da população, no Brasil os interesses difusos de consumidores, contribuintes e dos ³excluídos² ainda não conseguiram se organizar para vocalizar seus anseios adequadamente.


Teremos então duas categorias de cidadãos: os pertencentes às corporações organizadas e os outros. 


De um lado todos aqueles garantidos pelo emprego público ou protegidos da competição: políticos, funcionários públicos e de estatais, trabalhadores sindicalizados e empresários apoiados pelo governo. De outro, empresários sujeitos à competição, profissionais liberais, trabalhadores não sindicalizados e os participantes da economia informal. 


A primeira categoria, sempre interessada na expansão do poder do Estado. A segunda, cada vez mais pressionada e explorada por um sócio oculto incômodo e voraz.


A História, respaldando a nossa citação inicial de Karl Marx e Friedrich Engels, nos fala de uma sucessão de conflitos de classe: Senhores x Escravos, em diferentes épocas, Patrícios x Plebeus, na Roma antiga, Lordes x Camponeses, na Idade Média, Burguesia X Proletariado, nos anos pós Industrialização e Burocracia (A Nova Classe) x População Produtiva, nos países socialistas ou com forte intervenção estatal. 


De início, a violência caracterizava a luta de classes. Com o tempo, formas mais sutis de ação se desenvolveram e confrontos abertos e sangrentos deram lugar ao jogo de pressões e às negociações políticas para o encaminhamento das disputas. 


No Brasil, pelo visto teremos uma situação conflituosa cordial, mas diferente das acima mencionadas. A “Nova Classe”, de Djilas, se ampliará. Não só os que recebem salários do governo, mas também os que dele recebem favores, passam a compor um grupo com interesses comuns. A nova disputa se dará entre Protegidos e Desprotegidos e a população produtiva não mais estará unida contra a burocracia.


Com este novo quadro de alianças, amplia-se a fatia da população diretamente interessada na expansão do Estado e aproxima-se o ponto limítrofe a partir do qual uma maioria estatizante, faminta de poder e de recursos, cada vez mais imporá sua vontade sobre os demais membros da sociedade. Como conter este ímpeto? 


Como restringir, enquanto é tempo, o paternalismo estatal e o seu comando sobre os recursos econômicos? Esta é a tarefa a que deverão se dedicar todos aqueles que acreditam no primado da iniciativa privada e no ideal de uma sociedade realmente livre!

por: Rubem De Freitas Novaes

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