O objetivo deste trabalho é refletir e analisar a relação histórica e atual entre Estado e religião, e os problemas que derivam deste resultado. Podemos considerar que a liberdade é uma prerrogativa, até certo modo, precoce, no ponto de vista histórico em que se tem conhecimento da humanidade. Essa visão pretérita nos desloca a confrontar os pontos em que se transformaram as ciências humanas - de uma forma genérica - à valorização e exaltação da vida bio-psico-social do ser humano.
Nesta linha raciocínio, as alterações nitidamente realizadas sempre visaram um desligamento, uma ruptura dos interesses opressores, persuasivos e fundamentalistas que mantinham o controle na estrutura política, social do Estado. E no momento em que não se suportava mais toda a tirania, imundície e escravidão, os grilhões foram rompidos e os direitos humanos desabrocharam não permitindo mais o retrocesso à iniquidade que se praticava. É plausível e perceptível que somente após tal fato de rompimento, experimentou a evolução humana uma metamorfose substancialmente vasta em todos os campos possíveis. Desde o princípio da República é almejado um Estado Laico.
O confronto constante e intenso ainda não foi capaz de efetivar o foco de desvinculamento de poderes religiosos enrustidos ao Estado, não totalizando os direitos individuais e fundamentais a desejo da laicidade que é pretendida. Nesta visão é apresentado o conceito de Direito Fundamental e sua relação com a dignidade da pessoa humana, conceituando o que vem se afirmando ao longo da história humana, como consequência da evolução da sociedade.
Também aborda a dignidade da pessoa humana como uma direção constitucional que foca todos os direitos fundamentais salvaguardados pela nossa Constituição Federal. Um Estado Democrático de Direto somente se perpetua focando e praticando sua Constituição. O controle de constitucionalidade, no que tange as ações diretas de inconstitucionalidade, tanto de omissão quanto de ação, tem se mostrado uma ferramenta eficaz em sua atuação, faltando apenas um judiciário mais focado em praticar uma neutralidade religiosa.
Fé, crença, convicção da existência de
algum fato ou de veracidade de alguma asserção. Fidelidade a compromissos e
promessas. Crença nas doutrinas da religião cristã. Algumas definições de um
sentimento presente na existência humana que influenciou, influencia e
influenciará a vida, tanto no sentido íntimo, pessoal, como também no sentido
coletivo, de um povo, uma nação, um Estado.
A história é incontestável, o homem
sempre buscou acreditar em algo sobrenatural a sua realidade, adorando a Deus,
a deuses, a ídolos, a animais, a qualquer coisa que sua imaginação permitisse e
determinasse. A necessidade a uma crença, uma fé, uma convicção não nos deixa
dúvida que o ser humano é motivado, coagido, conduzido por tal sentimento.
Analisando a história é conclusivo que a
religião em suas diferentes fases acompanha o cotidiano das civilizações e sua
forma organizacional. Nem sempre na forma influente, mas sempre presente como
base de uma relação espiritual. A evolução gradativa através do tempo provocou
marcos histórico e contagiou o sistema estatal como forma de poder e soberania.
No primeiro século da era cristã, como o
próprio nome o marcou, o cristianismo surge com ares de revolução temida pelos
dominantes, de tal forma que, passa a ser perseguido e exterminado de uma forma
intolerante, pois sua doutrina excluía qualquer outra forma de adoração senão a
Deus, o que causava a ira de imperadores que se julgavam deuses.
De perseguidos, tornam-se perseguidores.
Através de uma manobra política e de interesses obscuros, a união do
cristianismo ao sistema governamental torna-se uma força de manipulação,
coação, extorsão, contaminado agora por conveniências sórdidas de quem se
autointitulava divindade.
De uma crença de abnegação pela fé,
motivada pelo amor incondicional, transforma-se em opressão, tirania e
violência. Organizado como igreja, o cristianismo domina aliado ao Estado,
impondo indulgências aos que acreditam, e a morte aos que contrariam. Qualquer
manifestação que causasse oposição, qualquer convicção que não fosse
consentida, transformava-se em heresia, paganismo, bruxaria.
O período negro do cristianismo
representado pela igreja católica exterminou a sociedade de maneira impetuosa,
injusta e irracional. Manipulando o Estado, torna-se o ápice do poder
governamental. A assolação é proliferada para todas as direções, que o poder
possa alcançar. Inquisições, cruzadas, guerras santas, milhares de vidas são
ceifadas, cidades destruídas, uma carnificina com pretextos sórdidos,
incompreensível à razão humana.
O cristianismo corrompido tornasse alvo
ao protesto e ao pensamento racionalista. A reforma protestante divide o mundo
cristão. O racionalismo inicia a uma visão apurada do verdadeiro e do falso. O
iluminismo, o renascimento são fatos expressivos que modificam o pensamento
humano e o trazem a realidade dos acontecimentos.
Revoluções são evidenciadas ao fim da
Idade Média e início da Idade Moderna, trazendo novos ideais à sociedade,
iniciando direitos individuais e coletivos. O Estado desvincular-se da Igreja e
através de uma nova forma de governo, a sociedade começa a limitar o poder do
Estado através de um conjunto de normas, nascendo assim a “Constituição”, um
documento escrito, que enumera e limita os poderes políticos e assegura os
direitos fundamentais e individuais.
Neste mesmo momento ocorre a Revolução
Francesa, evento histórico que inaugura um novo mundo, tirando os privilégios
da monarquia e da nobreza onde se destaca a promulgação da Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, concedendo a igualdade, liberdade e fraternidade. Uma
nova ordem nas instituições políticas surgiu com um efeito transformador,
afetando o mundo ocidental e se difundindo de maneira alavancadora,
impulsionando direitos e garantias entre a sociedade.
A nova modalidade
político-constitucional é a solução perfeita para um Estado democrático de
direito, iniciando assim, uma separação, uma ruptura entre o Estado e a Igreja,
já que a mesma perdeu todo seu prestígio e não mantém mais sua coerção social
junto ao sistema governamental. O mesmo ciclo é também adotado na nova
República do Brasil recém proclamada, sendo que, a monarquia aqui exonerada
também foi uma forte aliada do poder da Igreja, que disseminou as mesmas
calamidades na sociedade brasileira.
O Estado Laico surge por uma necessidade
indispensável, para que várias sociedades, ideologias e crenças se desenvolvam
em uma liberdade pacífica, respeitando os direitos individuais e coletivos, e
dando ao Estado a autonomia exclusiva para sua administração política soberana.
É um processo que deixa de ser legitimado pelo sagrado, pelo absolutismo,
passando a ser constitucional.
A ruptura dos elementos religiosos
permite que através das instituições políticas legitimadas pela vontade popular,
em sua forma de governo essencialmente democrática adotem medidas de separação
do Estado com a Igreja. Na regra constitucional, além de estabelecer a
separação entre Estado e Igreja, adota por princípio fundamental a neutralidade
do Estado com questões religiosas, não discriminando nenhuma denominação, não
subvencionando-as, nem não pouco embaraçando-as em seu funcionamento, tampouco
manter com seus representante relações de dependência ou aliança, ressalvado,
na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Reflita-se que cada religião evoca para
si todas as certezas e todos os acertos, independente de qualquer prova ou
confirmação científica. Não se examina aqui suas validades, servindo somente às
religiões e somente a elas, não se estendendo a vida secular. Não se trata da
consciência de cada um, de sua fé interiorizada. Trata-se de não exteriorizar a
fé, e a religião de ser exercida por cada indivíduo nos templos e seu lugar
privado.
Defende-se que o Estado deve-se abster
de toda e qualquer forma religiosa, seja ela materializada em símbolos afixados
em paredes, seja por suspensões anuais de alguns dias para a adoração de santos
pertencentes a uma única denominação, como também, a aplicação do ensino
religioso em escolas públicas, onde se viola a consciência e a ideologia do
discente.
O
princípio da separação entre o Estado e a Igreja adotada pela Constituição Federal, no que se refere à liberdade
religiosa, necessita de um maior avanço, pois verifica-se ainda vestígios da
associação com a Igreja católica apostólica romana, vivida por um longo período
da história, não se desvinculando das tradições deixadas por ela.
O
Estado deve abster-se, por medida garantidora de direito fundamental, deve ter
sua imediata aplicação pelos Poderes Constituídos, e caso não cumprido, deve
ser fiscalizado e exigido pelo Supremo Tribunal Federal, no seu papel de
Guardião da Constituição.
Relações entre religião e o Estado Brasileiro
Religião no Período Colonial
O período colonial foi marcado pela
união entre a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica Apostólica Romana. Com isso
os reis portugueses detinham o direito do padroado, que era a prerrogativa de
nomear autoridades eclesiásticas, controlando a Igreja Católica e todo seu
patrimônio e renda.
Uma das ordens religiosas mais
influentes no período colonial foi a Companhia de Jesus, fundada por Inácio de
Loyola, em 1534, que, trabalhando de acordo com os ideais da Contrarreforma,
combatia as heresias e promovia a conversão dos cristãos. Os jesuítas chegaram
no Brasil com o primeiro governador-geral, Tomé de Souza, no ano de 1548.
Dentre os acontecimentos históricos que
contribuíram para a vinda ao Brasil dos jesuítas, destaca-se a Reforma
Protestante no século XVI. A Igreja Católica, que perdia fiéis na Europa, viu,
na descoberta de novas terras do além-mar pelos portugueses, a possibilidade de
ganho de novos membros. Com isso, conjugaram-se interesses da Coroa e da Igreja
Católica.
A coroa necessitava colonizar e os
jesuítas, no desempenho de sua missão de salvar almas e converter gentios,
integravam-se ao mesmo tempo na tarefa colonizadora e a tornavam mais fácil,
apresentando os colonizadores portugueses e agindo em nome de Deus.
Os jesuítas atuavam na missão de
catequizar os indígenas e na educação dos filhos da elite rural e dos filhos
dos funcionários do governo, para tanto, criaram colégios nas províncias e
assumiram praticamente o controle e monopólio da educação colonial. Tão forte
era a parceria Igreja/Coroa, que Portugal entregava aos cofres da Companhia 10%
de todos os impostos arrecadados, no que se chamava de "redízima".
Os jesuítas, ao se instalarem na
Colônia, estavam imbuídos, fundamentalmente, do propósito de "educar almas",
ou seja, ganhá-las para a Igreja. Entretanto, acabaram estabelecendo um
consistente sistema de ensino, estruturado e bem organizado, embora utilizassem
os métodos de catecismo da época, admitindo, inclusive, castigos físicos,
refletindo a ideologia católica.
No ano de 1759, os jesuítas foram
expulsos do Brasil, por ordem do iluminista marquês de Pombal,
primeiro-ministro do rei de Portugal D. José I. Entretanto, a situação
religiosa não se alterou. A Igreja Católica continuou a ser a religião oficial
do Estado, não permitindo nenhuma outra crença.
Na época colonial, o preconceito
religioso era muito forte. Conforme Soriano (2002, p. 68):
O português considerava seu
igual àquele que tinha a mesma religião. Não se importava com a raça. O
importante, para ele, que o estrangeiro professasse a religião Católica. O não
católico era temido como um adversário político, capaz de enfraquecer a
estrutura colonial desenvolvida em parceria com a religião Católica. Nota-se
aqui um forte liame entre a Igreja (Católica) e o Estado (Coroa Portuguesa).
É interessante observar que essa relação
entre a Coroa Portuguesa e a Igreja Católica foi mantida praticamente durante
todo período colonial, sendo alterada somente após a chegada da família real
portuguesa, em 1808 ao Brasil, em função de interesses econômicos que Portugal
mantinha com a Inglaterra à época.
A assinatura de um tratado de Comércio e
Navegação com a Inglaterra em 1810, que previa direitos e deveres bilaterais
entre portugueses e ingleses, trouxe uma das primeiras referências sobre
liberdade religiosa no Brasil. Os brasileiros e portugueses, porém, não teriam
opção, deveriam continuar, mesmo que somente exteriormente, a manifestar sua
crença à Igreja Católica Apostólica Romana, a religião dominante.
A Religião no Período
Monárquico
Após
a proclamação da independência do Brasil em 1822, a situação não avançou muito
na questão de liberdade de religião. A Constituição Imperial
de 1824 mostrou claramente a ligação entre o Estado e Religião, e permitiu
somente certa tolerância religiosa, já que a Igreja Católica Apostólica Romana
era a religião oficial do Império, com todos os benefícios advindos dessa
qualidade de Estado confessional.
O primeiro documento constitucional
brasileiro outorgado em 1824, ao tratar de religião, previu o seguinte (citação
do texto original):
Art. 5. A Religião Catholica
Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões
serão permitidas com seu culto doméstico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.
[...]
Art. 95. Todos os que podem
ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se
I. Os que não tiverem quatrocentos
mil réis de renda liquida, na fórma dos Arts. 92 e 94.
II. Os Estrangeiros
naturalisados.
III. Os que não professarem
a Religião do Estado.
[...]
Art.
103. 0 Imperador antes do ser acclamado prestará nas mãos do Presidente do
Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento - Juro manter a Religião
Catholica Apostolica Romana, a integridade, e indivisibilidade do Imperio;
observar, e fazer observar a Constituição Política da Nação Brazileira, e mais
Leis do Imperio, e prover ao bem geral do Brazil, quanto em mim couber.
[...]
Art.
106.0 Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará
nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte
Juramento - Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Política da Nação Brazileira, e ser
obediente ás Leis, e ao Imperador.
[...]
Art. 127. Tanto o Regente,
como a Regencia prestará o Juramento mencionado no Art. 103, accrescentando a
clausula de fidelidade na Imperador, e de lhe entregar o Governo, logo que elle
chegue á maioridade, ou cessar o seu impedimento.
[...]
Art.
14I. Os Conselheiros de Estado, antes de tomarem posse, prestarão juramento nas
mãos do Imperador de - manter a Religião Catholica Apostolica Romana; observar
a Constituição, e às Leis; ser fieis ao
Imperador; aconselhal-o segundo suas consciencias, attendendo sómente ao bem da
Nação.
[...]
Art.
179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos
Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a
propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
[...]
IV. Todos podem communicar
os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publical-os pela Imprensa, sem
dependencia de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que
commetterem no exercicio deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei
determinar.
V. Ninguem póde ser
perseguido por motivo de Religião, uma vez que respeite a do Estado, e não
offenda a Moral Pública.
A leitura dos referidos artigos da
Constituição de 1824 deixa claro que, apesar da tolerância religiosa, o cidadão
brasileiro que optasse por outra religião sofreria forte discriminação,
inclusive não podendo ser nomeado deputado, ou seja, seus direitos políticos
não seriam plenos. Também se percebe no texto a preocupação de garantir a
fidelidade dos futuros governantes à religião católica, mediante a prestação de
juramento solene garantindo a continuidade da Igreja Católica Apostólica Romana
como religião oficial do Estado.
A Proclamação da
República
A Proclamação da República no ano de
1889 foi fator decisivo para a mudança de tratamento pelo Estado com relação à
questão religiosa. Percebe-se que os republicanos queriam se desvencilhar de
algumas práticas do período imperial o mais rápido possível, inclusive em
relação à ligação oficial do Estado com a Igreja Católica.
O
Decreto nº 119-A de 07 de janeiro de 1890 redigido por Rui Barbosa tratou de
transformar o sistema de relação entre Religião e Estado. Deixamos de ser um
Estado confessional para ser um Estado laico antes mesmo da primeira Constituição Republicana.
O referido decreto proibiu a intervenção
da autoridade federal e doe Estados em matéria religiosa, consagrando a plena
liberdade de cultos e extinguindo o padroado, além de dar outras providências
com relação ao tema. Foi um marco na história do Brasil, pois, pela primeira
vez em quase quatrocentos anos de história a partir da “descoberta” pelos
colonizadores portugueses, o Estado brasileiro se via separado de uma religião
oficial e permitia a liberdade de crença e de culto.
A
nossa primeira Constituição republicana,
promulgada em 1891, influenciada pelo positivismo e racionalismo daquela época,
confirmou a nova opção pela separação entre Igreja e Estado, consagrando o
Estado Laico e a liberdade de religião, conforme o artigo a seguir:
Art. 11: É vedado aos
Estados, como a União:
[...]
2ª) estabelecer,
subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos
A
independência total entre o Estado e a Igreja marcou a tônica da Constituição de 1891. O objetivo era a aniquilação do
apoio do catolicismo ao Estado Monárquico e a busca do exercício do poder
estatal sem a interferência da Igreja Católica.
Ainda
que a Constituição de 1891 tenha
vindo sob os auspícios da Revolução Francesa, representando em seu texto a
organização de poderes e os direitos individuais, consoante a Declaração dos
Direitos do Homes e do Cidadão de 1789, reafirmamos, eram poucos os
‘revolucionários’ que estavam verdadeiramente movidos pelos ideais de
‘liberdade, igualdade e fraternidade’. Uma grande exceção, em face dos nobres
ideais, foi Rui Barbosa, que teve grande influência no constitucionalismo da
época, bem como na revisão constitucional de 1926.
A
revisão da Constituição de 1891 iniciou-se
em 1924, estando o Brasil em estado de sítio, e terminou em 1926, ao termino do
governo de Artur Bernardes. As dissensões eram tamanhas que a reforma não foi
capaz de acomodar os ânimos, ao contrário, serviu para acirrá-los, pois tiveram
fortes opositores, o que mais tarde se refletiria na revolução
constitucionalista de 1930, que levou ao fim a chamada ‘Primeira República’.
Para
a liberdade de religião no Brasil, a Constituição de 1891 foi um marco importante, pois
originou o Estado laico e reconheceu-a expressamente como direito individual.
A Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1934
A Constituição de 1934 manteve
o Estado laico e mostrou maior abertura à colaboração das igrejas, embora
apresentasse retrocesso em relação a liberdade de crença, ao condicioná-la à
ordem pública e aos bons costumes, o que poderia abrir brechas de interpretação
da autoridade estatal em relação a tais questões, restringindo indevidamente a
atuação de algumas denominações religiosas que fossem contrárias à ideologia da
religião predominante, pois esta ainda detinha grande influência na sociedade e
também com os poderes constituídos do Estado.
O
casamento religioso passou a produzir os mesmos efeitos do casamento civil,
desde que atendesse aos requisitos previstos em lei. Também poderiam existir
cemitérios particulares, administrados por entidades religiosas.
A Constituição também previu a assistência religiosa,
desde que solicitada.
Outra novidade foi o estabelecimento do
ensino religioso nas escolas públicas com frequência facultativo e ministrado
de acordo com a confissão religiosa do aluno, o que na prática não daria certo
em razão do preconceito que as pessoas não professassem a fé católica
sofreriam. Também previu o serviço militar obrigatório para os eclesiásticos na
forma de assistência espiritual e hospitalar.
Pode-se
afirmar que a Constituição de 1934 manteve
a laicidade, mas em moldes diferentes da Constituição de 1891, que afastava por completo a
religião do Estado. AConstituição de 1934 tentou
harmonizar a liberdade de religião como direito e garantia individual e
incentivar o exercício deste direito, por meio do ensino e assistência
religiosos, consoante à fé de cada um.
A Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1937
A Constituição de 1937, outorgada pelo presidente Getúlio
Vargas, também previu a questão da ordem e dos bons costumes como possíveis
restrições a liberdade religiosa, o que poderia, de acordo com interesses
políticos dominantes, servir como instrumento jurídico para cerceamento de
alguma religião. Em comparação com a Constituição anterior,
apresentou retrocessos em alguns temas ligados a religião.
A
referida Constituição e
a de 1891 foram às únicas que não buscaram a proteção de Deus em seus
respectivos preâmbulos. No caso da Constituição de 1937, isso se deu em razão da
influência fascista que nossa Constituição recebeu
naquela época. O fascismo – doutrina totalitária surgida na Itália a partir de
1919, que teve como expoente Benito Mussolini – tinha um relacionamento
conturbado com a Igreja Católica e não considerava simpático misturar questões
de Estado com religião, por isso a pouca ênfase na colaboração.
A Constituição de 1937 não
assegurava a liberdade de consciência e como decorrência a liberdade de
religião limitava-se ao culto de maneira restrita a ordem pública e aos bons
costumes, não se resguardando a crença em todos dos seus aspectos.
Em
linhas gerais, a Constituição de 1937 não
se interessou por matérias referentes à liberdade de religião que existiam naConstituição de 1934, deixando de dispor sobre
assistência religiosa em estabelecimentos oficiais e expedições militares;
eclesiásticos no serviço militar ou casamento religioso.
O
Brasil viveu anos de verdadeira ausência constitucional durante o Estado Novo,
pois a Constituição sequer
foi aplicada na íntegra. O país viveu sem partidos políticos, sem imprensa
livre e com fronteiras fechadas.
A Constituição da Republica dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Constituição de 1946 foi
fruto de uma redemocratização do país, promulgada por uma Assembleia
Constituinte, apresentou grandes avanços na relação entre Estado e religião. O Estado
laico foi reafirmado e a liberdade religiosa foi mantida, embora também se
tenha condicionado a existência da religião à ordem pública e aos bons
costumes.
A colaboração entre Igreja e Estado foi
ampliada, inclusive com a vedação de os entes federados lançarem impostos sobre
templos de qualquer culto. A Declaração de Direitos e Garantias Individuais, ao
abordar a liberdade de religião, previu a escusa de consciência, assistência
religiosa desde que efetuada sem constrangimentos, a possibilidade de cemitérios
particulares serem administrados por igrejas e a liberdade de crença e de
culto, desde que não contrariassem a ordem pública ou os bons costumes.
O ensino religioso foi mantido
facultativo, mas de oferecimento obrigatório nas escolas públicas, respeitando
a confissão religiosa do aluno.
O
Título IX, que tratava das “Disposições Gerais”, mantinha em seu artigo 196 a
representação diplomática junto à Santa Sé, que existiu na Constituição de 1934 e
foi retirada na Constituição de 1937.
Em
uma visão geral, a Constituição de 1946 tentou
conciliar o Estado Liberal com a ideia de justiça social, buscando resguardando
a democracia.
Especificamente
sobre a liberdade de religião, a Constituição de 1946 recuperou
vários dispositivos pertinentes ao direito a liberdade de religião que existiam
na Constituição de 1934 e
foram retirados do texto constitucional na Constituição de 1937.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1967
A Constituição de 1967, elaborada sob o regime militar
que ascendeu ao poder em 1964, manteve praticamente a mesma orientação da Constituição anterior
quanto à liberdade religiosa, inclusive a resalva quanto à ordem pública e aos
bons costumes. Importante observar que a colaboração de interesse público
referia-se expressamente aos setores educacional, assistencial e hospitalar.
A novidade foi à dispensa dos
eclesiásticos de participar do serviço militar obrigatório, o que demonstrou a
disposição dos militares que ascenderam ao poder em formar uma força cada vez
mais distante da moral religiosa cristã.
O
preâmbulo da Constituição de 1967 repetia
a antiga fórmula que invocava a proteção de Deus. Manteve-se o Estado Laico, a
imunidade tributária pertinente aos templos de qualquer culto e a proibição de
desigualdade por credo religioso.
No
Brasil da ditadura militar, a Constituição jurídica
tinha sua força normativa reduzida ao mínimo possível, pois era simplesmente
ignorada por aqueles que tinham o dever de fazê-la cumprir.
A
história brasileira está repleta de fatos e incidentes notórios que
demonstraram de maneira cristalina que não houve liberdade de consciência
durante o período militar, mesmo este constatado no texto constitucional, como exemplo da censura aos meios
de comunicação. Assim também ocorreu no âmbito do direito a liberdade de
religião, pois caso se esboçasse no culto, ou crença, qualquer ideal de justiça
social, já se estaria na mira do regime militar e sujeito a detenções
arbitrárias e completamente fora da legalidade.
A Constituição de 1967 repetiu
a impossibilidade de privação dos direitos por motivo de crença religiosa,
salvo se invocada para eximir-se de obrigação a todos impostas, a previsão de
assistência religiosa às forças armadas e estabelecimentos de internação
coletiva. Era reconhecido o casamento religioso e dava efeitos civis ao mesmo,
garantia ao ensino religioso de oferecimento obrigatório nas escolas públicas,
mas matricula facultativa aos alunos.
Buscando uma legitimidade maior ao
regime, foi outorgado em 17 de outubro de 1969 a Emenda Constitucional nº 01,
repetindo em muito o texto inicial da Constituição de 1967, mas adaptando os vários atos
institucionais e complementares, contudo, aboliu-se a assistência religiosa às
forças armadas.
A Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988
A primeira constituinte brasileira que
não se originou de uma ruptura anterior das instituições até então vigentes foi
a Constituinte de 1987, pois foi decorrência de um lento processo de transição
da ditadura para a abertura democrática.
A Constituição de
1988 sofreu as influências das experiências republicanas anteriores do Brasil e
também das Constituições de Portugal de 1976, Espanha de 1978, França de 195,
dentre outras.
A
tendência no panorama constitucional internacional era o fortalecimento dos
direitos fundamentais, tanto no aspecto individual como no coletivo, bem como,
o planejamento econômico e social, e a Constituição de
1988 seguiu essa tendência, sendo conhecida como a Constituição Cidadã.
O
Artigo 5º da Constituição de
1988, em seus incisos VI, VII, VIII, reconhece o direito a liberdade de
religião como um direito fundamental de aspecto individual (primeira dimensão
de direitos humanos).
Consoante
o texto do inciso VI verifica-se que a Constituição buscou a proteção do aspecto interno
(liberdade de crença) e externo (garantia do livre exercício dos cultos e
liturgias, além da proteção aos locais respectivos) da liberdade de religião.
O inciso VII assegura a assistência
religiosa no caso das internações coletivas e o inciso VIII impede o Estado de
suprir o cidadão, por motivo de crença religiosa, de seus direitos políticos,
deixando como exceção a esta garantia o caso no qual o cidadão se recuse a
realizar obrigação a todos impostas e ainda negue-se a prestar obrigação
alternativa prevista em lei.
A Constituição de
1988 optou claramente laico, quando afirma no Título III – Da Organização do
Estado, Capítulo I – Da Organização Político-Administrativa, Artigo 19:
É vedado à União, aos
Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaraçar-lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
O Estado e as confissões religiosas em
geral se mantêm independentes, não podendo ser dada sequer preferência a
determinada confissão religiosa, oferecendo-se algum benefício determinado que
não seja estendido as demais.
Outra proibição é qualquer subvenção por
parte do Estado e também o impedimento a embaraçar os cultos religiosos ou
Igrejas, sendo vedada a dependência ou mesmo aliança. Única exceção à
colaboração de interesse público, a exemplo do que poderá ocorrer no ensino
religioso, nas nunca com exclusivismo, pois a liberdade de religião também dá
ao cidadão o direito de não pertencer a qualquer confissão religiosa e não se
submeter ao ensino que evoque princípios religiosos.
A liberdade de religião no Brasil
iniciou-se comas restrições, pois o Estado, na época do Império adotava a
religião católica como oficial. Após a primeira República já se estabeleceu o
Estado Laico que permanece até os dias atuais, mas sob novo enfoque, pois o
constitucionalismo moderno atribui ao Estado o papel de promotor dos direitos
fundamentais e não somente defensor.
A Religião na
Atualidade
A
laicidade do Estado brasileiro determinada pela Constituição Federal de
1988 é a base ideológica do regime da liberdade de religião e do direito
fundamental decorrente de uma evolução na nossa história iniciado na primeira
República.
São dois modelos básicos de laicismo
estatal. O primeiro modelo de Estado laico é aquele que pugna por uma separação
tendente a restringir a religião ao foro íntimo das pessoas, isolando-a do
espaço público. O segundo modelo, é aquele que, enxergando no fenômeno
religioso um importante elemento de integração social, permite expressões de
religiosidade nos espaços públicos, chancelando-as de diversos modos.
Atualmente,
ao analisarmos a relação entre religião e Estado, percebemos, no entanto, que
ainda não se alcançou o real entendimento sobre o grau de laicismo do Estado
brasileiro sufragado pelo nosso sistema constitucional e até onde vai o limite
da “colaboração” determinada pela Constituição Federal de
1988.
Isso
se dá devido à força social, moral e até mesmo política que a religião
predominante continua a representar na sociedade, permanecendo, ainda hoje,
zonas simbióticas nessa relação contrária ao modelo de Estado laico adotado
pela nossa Constituição.
Segundo Censo Demográfico realizado em
2010 realizado pelo IBGE o número de católicos cai e aumenta o de
evangélicos, espíritas e sem religião, mostrando que o Estado Laico cada vez
mais se consolida dando a população brasileira a necessidade de igualdade entre
todos.
Desde
o primeiro recenseamento de âmbito nacional até a década de 1970, o perfil
religioso da população brasileira manteve como aspecto principal a hegemonia da
filiação à religião católica apostólica romana, característica herdada do
processo histórico de colonização do País e do atributo estabelecido de
religião oficial do Estado até a Constituição da
República de 1891. As demais religiões praticadas no Brasil, resultantes dos
vários grupos constitutivos da população, tinham contingentes
significativamente menores.
Em aproximadamente um século, a proporção de
católicos na população variou 7,9 pontos percentuais, reduzindo de 99,7%, em
1872, para 91,8% em 1970. No Censo Demográfico deste último ano, os evangélicos
no seu conjunto somavam 5,2% e as demais religiões 2,3% do total.
No recenseamento seguinte, ocorrido em
1980, teve sequência a redução de pessoas que se declararam católicas
apostólicas romanas, sendo ainda elevado o percentual de adeptos dessa religião
observado à época, que foi de 89,0% da população total.
No Censo Demográfico 1991, foram
registradas mudanças expressivas na composição religiosa da população
brasileira, notadamente, o crescimento do segmento populacional que se declarou
evangélico, o qual passou de 6,6% para 9,0% do total da população no período de
1980 a 1991, com destaque para os evangélicos pentecostais que cresceram de
3,2% para 6,0%. Neste interregno, o segmento católico, embora majoritário, deu
continuidade à tendência de declínio, perfazendo 83,0% dos residentes.
O Censo
Demográfico 2000 mostrou acentuada redução do percentual de pessoas da religião
católica romana, o qual passou a ser de 73,6%, o aumento do total de pessoas
que se declararam evangélicas, 15,4% da população, e sem religião, 7,4% dos
residentes. Observou-se, ainda, o ligeiro crescimento dos que se declararam
espíritas (de 1,1%, em 1991, para 1,3% em 2000) e do conjunto de outras
religiosidades que se elevou de 1,4%, em 1991, para 1,8% em 2000.
Os resultados do Censo Demográfico 2010
mostram o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil, revelando
uma maior pluralidade nas áreas mais urbanizadas e populosas do País. A
proporção de católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas
anteriores, embora tenha permanecido majoritária.
Em paralelo, consolidou-se o crescimento
da parcela da população que se declarou evangélica. Os dados censitários
indicam também o aumento do total de pessoas que professam a religião espírita,
dos que se declararam sem religião, ainda que em ritmo inferior ao da década
anterior e do conjunto pertencente a outras religiosidades.
Considerando o período de 2000 a 2010,
observou-se, ainda, o aumento expressivo do segmento da população que apenas
respondeu ser evangélica, não se declarando, portanto, como de missão ou de
origem pentecostal. Confirmou-se a tendência de crescimento do segmento de
evangélicos pentecostais, o que ocorreu em todas as Grandes Regiões do País. A
parcela da população que se declarou evangélica de missão teve ligeira redução
proporcional, caracterizando estabilidade em sua participação relativa no total
da população. Neste aspecto, houve diferenciações regionais, sendo esse
fenômeno evidenciado nas Regiões Sul e Sudeste, onde historicamente os
evangélicos de missão eram mais numerosos.
O contingente populacional de católicos
teve redução em todas as Grandes Regiões do Brasil, mantendo-se mais elevada
nas Regiões Nordeste e Sul. Na Região Norte foi onde ocorreu a maior redução
relativa dos adeptos do catolicismo.
E entre os espíritas, o aumento mais
expressivo foi observado nas Regiões Sudeste e Sul. Ao analisarmos os
resultados do Censo Demográfico 2010 por situação do domicílio, evidencia-se
que a população católica tem maior representatividade relativa entre os
residentes em domicílios de áreas rurais (77,9%). Este valor é
significativamente mais elevado que o percentual observado dentre os residentes
de área urbana (62,2%). Outra particularidade é que, com proporções de 65,5%
para os homens, frente a 63,8% para mulheres, os católicos romanos e o grupo
dos sem religião apresentam porcentagens mais elevadas de adeptos do sexo
masculino.
Nos demais grupos religiosos, as
mulheres formam a maioria dos contingentes declarados. A abordagem dos
resultados de religião por grupos etários deve levar em consideração que as
informações, sobretudo, dos menores de 10 anos de idade são, em geral,
provenientes dos adultos e, portanto, as declarações de religião sofrem
influências de vários fatores como, por exemplo, a declaração religiosa dos
próprios pais ou responsáveis, que transferem seus valores religiosos para os
filhos. Contudo, é notório algumas diferenciações na estrutura etária dos
grupos religiosos.
A proporção de católicos foi maior entre as pessoas com
idade superior a40 anos, decorrente de gerações que se formaram em períodos de
maior hegemonia católica. Os espíritas também apresentaram maiores proporções
em idades mais avançadas. O inverso ocorre com os evangélicos pentecostais e os
evangélicos do grupamento não determinado, que tiveram suas maiores proporções
entre as crianças e adolescentes.
No grupo de pessoas sem religião, observa-se
maior irregularidade nas proporções conforme as faixas etárias, sendo mais
frequente essa opção entre jovens e adultos jovens, com idade compreendida
entre 15 e 29 anos é bem mais reduzida nas faixas etárias mais envelhecidas. Os
demais agrupamentos tiveram distribuição mais regulares pelos diversos grupos
etários.
Os resultados ora divulgados revelam que
a idade mediana dos católicos apostólicos romanos era, em 2010, de 30 anos.
Entre os evangélicos, os pentecostais eram mais jovens, com uma idade mediana
de 27 anos e os de missão, 29 anos. O grupo religioso com idade mediana mais
elevada foi o dos espíritas, com 37 anos.
No conjunto, umbandistas e
candomblecistas tiveram 32 anos de idade mediana. O grupo dos sem religião
apresentou a idade mediana mais baixa, estando em 26 anos.
No que tange ao recorte por cor ou raça,
as informações censitárias revelam, para alguns grupos, aproximações e
identidades entre a origem étnica e a religião. Observou-se que, para os
católicos apostólicos romanos, as menores proporções foram obtidas entre os que
se declararam amarelos e indígenas. Especificamente, para as 159 mil pessoas
que se declararam amarelos, e em termos de religião foram classificadas no
grupo outras religiosidades, 48,3% eram budistas.
O Censo Demográfico 2010 mostrou também
que no segmento populacional que se declarou espírita, 68,7% eram brancos,
percentual bem mais elevado que a participação deste grupo de cor ou raça no
conjunto da população.
Entre os umbandistas e candomblecistas,
os pretos somavam 21,1%. Este patamar guarda relações com as origens da
introdução desta religião no Brasil.
O mesmo ocorre com os evangélicos de
missão, que tem em seu conjunto 51,6% de pessoas que se declararam brancas. A
origem desta religião, sobretudo do segmento vinculado aos imigrantes europeus,
explica em parte essa associação.
No grupo dos sem religião, a declaração
de cor mais presente foi parda (47,1%), assim como dentre os evangélicos
pentecostais (48,9%).
Por fim, tomando-se para análise
variáveis de natureza socioeconômica como a proporção de pessoas de 15 anos ou
mais de idade por condição de alfabetização, o nível de instrução de pessoas de
15 anos ou mais de idade e o rendimento nominal mensal domiciliar per capita das pessoas de 10 anos ou mais de
idade, evidenciou-se um conjunto de diferenciais na inserção social dos
diversos grupos religiosos. Nesse sentido, os católicos apostólicos romanos
(10,6%) e os sem religião (9,4%) foram os grupos que apresentaram as menores
taxas de alfabetização de pessoas de 15 anos ou mais de idade.
Há que se
considerar que entre a população que se declarou católica é proporcionalmente
elevada a participação dos grupos etários mais idosos, nos quais a proporção de
analfabetos é maior, especialmente acima de 50 anos de idade, refletindo
contingentes originários de períodos de menor oferta e maior exclusão no acesso
à educação básica. Dentre os evangélicos, a menor proporção de alfabetizados
foi observada junto aos pentecostais (91,4%). As pessoas que se declararam
espíritas constituíram o grupo religioso com a mais elevada taxa de
alfabetização (98,6%).
Estado religioso e estado laico
Para José Afonso da Silva, que esclarece quanto à relação Estado-Igreja, três sistemas são observados: a confusão, a união e a separação, cada qual com gradações.
Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático, como o Vaticano e os Estados islâmicos, sendo que, nessa situação, não há opção da sociedade por um segmento religioso, na verdade o Estado é o próprio segmento religioso e a religião é o Estado.
Na hipótese da união, verificam-se relações
jurídicas entre o Estado e determinada igreja no concernente à sua organização
e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos
ministros religiosos e sua remuneração, foi o sistema do Brasil Império, onde a
preferência da sociedade política determinou um dado seguimento religioso,
traduzido e efetivando na norma constitucional.
E por fim, na separação o Estado é
formalmente laico,
admitindo e respeitando todas as vocações religiosas, como o Brasil na
atualidade.
Esta ultima forma de relacionamento
também é muito encontrada na atualidade, principalmente porque a compostura
laica do Estado pós-moderno está conformada pelo princípio
democrático-republicano, a partir do qual podem ser extraídas consequências de
relevo, como a impossibilidade de uma sociedade política seguir, prestigiar ou
subvencionar facção religiosa.
Estado Religioso
O Estado é um modelo de Estado com uma
única religião oficialmente reconhecida que, por vezes, também é conhecida como
Religião de Estado. Também denominado como Estado teocrático, o estado
Religioso possui um sistema de governo onde a autoridade política é exercida por
pessoas que se consideram representantes de Deus na terra.
Nas teocracias o governante tem ao mesmo
tempo o poder político e o poder religioso, tal como na Idade Antiga, na Idade
Média e em boa parte dos Estados modernos. Exemplos atuais de regimes teocráticos
são: o Estado do Vaticano, controlado pela igreja católica através do seu
bispo-papa que chefia o Estado no seu âmbito religioso e político; e o Estado
do Irã, controlado pelo islamismo através de seus aiatolás, que chefiam a nação
em seus aspectos religiosos e políticos.
Apesar dos teocráticos acreditarem serem
os representantes de Deus na terra e, portanto, exercerem um governo perfeito e
incorruptível, os atos e os fatos demonstrados pela história demonstram o
contrário, revelando que a união entre Religião e Estado não fazem parte dessa
realidade, por múltiplas razões, como as diferenças multiculturais, as
diferenças de crenças religiosas e políticas, e a própria corrupção, abundante
na vida pública. Nesse contexto, a teocracia possui a sua forma e dimensão
corrupta através do vocábulo clerocracia, ou seja, a ação e o controle de
lideres religiosos-políticos sobre a boa índole do povo que forma o Estado.
Nas teocracias, o exercício da
autoridade com valores religiosos e políticos imprime características místicas
ao poder estatal que também imprime, ao mesmo tempo, um ritual
político-religioso que, em tese, afasta qualquer contestação social. Embora nem
todos os Estados islâmicos possam ser caracterizados como teocráticos, a
incorporação de padrões culturais, políticos e religiosos típicos do ocidente,
como a ideologia da separação entre Religião e Estado, é pouco provável.
Principalmente porque envolve processos de verdade política-religiosa
consolidados ao longo de muitos séculos de história multicultural.
Os Estados teocráticos contêm princípios
bastante diversos dos que norteiam a monarquia. Enquanto a monarquia é peculiar
ao ocidente, as teocracias são típicas do mundo islâmico. Como a própria
palavra teocracia indica o termo Téo refere-se ao que provém
e está relacionado com Deus.
Assim como na teocracia, nas monarquias
o poder real também possui uma natureza divina. Mas, embora a Religião e o
Estado sejam próximos da monarquia, são também ao mesmo tempo separados:
enquanto o poder monárquico detém o poder político; o poder religioso detém os
poderes espirituais e moral.
Nas teocracias não existe tal distinção.
Quem detém o controle do Estado regula também os preceitos morais, espirituais,
educacionais e culturais. Nada é feito de forma autônoma ou separada entre
Religião e Estado. Toda e qualquer atitude tomada pelo Estado ou pela sociedade
precisa estar vinculada a uma única lógica religiosa, que serve como fundamento
universal. Portanto, tanto os poderes políticos como religioso caminham lado a
lado nos propósitos de uma sociedade igualitária sob as bênçãos divinas.
Atual e oficial são poucos os Estados
eminentemente religiosos, como exceções notáveis para países do mundo islâmico.
Alguns
exemplos de Estados Religiosos com o islamismo são o Afeganistão, a Arábia
Saudita, a Argélia, o Egito, os Emirados Árabes Unidos, o Irã, o Iraque, a
Jordânia, a Líbia, a Malásia, o Marrocos, o Paquistão e a Turquia. A Síria não
é oficialmente um Estado Religioso, mas na sua Constituição exige que o chefe de Estado seja um
seguidor do Islamismo.
No cristianismo, um exemplo de Estado
Religioso com a religião reconhecida oficialmente é o Lesoto. Outros exemplos,
com reconhecimento oficial do catolicismo, são a Argentina, Bolívia, Costa
Rica, Peru, e obviamente, o Vaticano. Em Andorra, El Salvador, Haiti e Paraguai,
o catolicismo não é oficial, mas a Igreja católica tem privilégios e direitos
especiais reconhecidos pelas leis e Constituições locais.
Se alguns Estados o catolicismo é
oficialmente reconhecido, em outros é o protestantismo luterano, como na Dinamarca,
Islândia e Noruega. A Finlândia não reconhece nenhuma crença religiosa, mas
privilegia a igreja luterana e a igreja ortodoxa finlandesa, de origem grega.
Na Grécia, o reconhecimento estatal é para a igreja ortodoxa grega, e na Rússia
é para a igreja ortodoxa russa, enquanto que o Reino Unido é o protestantismo
anglicano que é reconhecido oficialmente.
Alguns países, como Camboja e Tailândia,
reconhece o budismo como crença oficial, enquanto no Nepal prefere o hinduísmo.
A Armênia não reconhece nenhuma religião oficialmente, mas a pratica da
liberdade religiosa garantida legalmente sofre restrições. As leis das
Organizações Religiosas, por exemplo, prevê a separação entre Religião e
Estado, mas o governo concede privilégios e direitos especiais para a igreja
católica ortodoxa da Armênia, além de proibir o proselitismo, ou seja,
converter pessoas para uma nova ideia e doutrina religiosa ou política.
Estado Laico
Se os Estado que possuem ou reconhecem
uma religião são denominados Estados Religiosos, aqueles que não possuem e não
reconhece nenhuma crença religiosa são conhecidos como Estados Laicos.
O laicismo é uma doutrina defensora da separação
entre Igreja e Estado, determinando ainda a destinação a leigos de funções
antes exercidas por religiosos, como era o caso da educação. Foi uma das
principais reivindicações da Revolução Burguesa e o Radicalismo Republicano do
século XIX.
A palavra laico tem origem no vocabulário grego laikós, e significa o que é
“oposto ao eclesiástico”, ou seja, é uma ação que critica a separada toda e
qualquer interferência da religião institucionalizada na vida pública da
sociedades contemporâneas.
O Estado Laico deve ser, portanto, um país
oficialmente neutro em relação a questões religiosas, não apoiando e nem opondo
à nenhuma religião, tratando com dignidade todos seus cidadãos
independentemente da sua escolha de crença.
O Estado Laico deve garantir e
proteger a liberdade religiosa de casa cidadão, evitando que alguma religião
exerça controle ou interfira em questões políticas. Portanto, a teoria da
separação entre Religião e Estado estabelece que as instituições públicas e
religiões devam ser mantidas separadas e independentes umas das outras.
Sobre laicidade e laicismo, cabe a
explicação de Santos Junior (2007, p. 62):
“[...] laicismo expressa o
sistema jurídico-político no qual o Estado e as organizações religiosas não
sofrem interferências recíprocas no que diz respeito ao atendimento de suas
finalidades institucionais; laicidade, por seu turno seria simplesmente a qualidade
de laico, o caráter de neutralidade religiosa do Estado. Poder-se-ia dizer,
assim, que o laicismo é o sistema caracterizado
pela laicidade”.
Por um lado, a neutralidade religiosa
pretende impedir instrumentalização do poder político pelos poderes religiosos,
e vice versa, ao mesmo
tempo em que promove a autonomia das confissões religiosas e liberta o erário
público de quaisquer encargos dom a promoção da religião.
Do mesmo modo, ela
pretende salvaguardar a igual dignidade e liberdade de todos os indivíduos,
crentes e não crentes, colocando a escolha individual em matéria de visões do
mundo, religiosos ou não, fora do alcance dos poderes coercitivos do Estado. Um
dos objetivos iniciais subjacentes à inexistência na neutralidade do Estado e
na separação das confissões religiosas do Estado constitui em impedir que numa
pessoa não religiosa se sentisse pressionada ou coagida pela presença
esmagadora da religião no poder público.
Flavia Piovesan e Sílvia Pimentel fazem
a defesa do Estado laico como garantia do exercício dos direitos humanos:
O Estado laico é garantia
essencial para o exercício dos direitos humanos. Confundir o Estado com
religião implica a adoção oficial de dogmas incontestáveis, que, ao imporem uma
moral única, inviabilizam qualquer projeto de sociedade pluralista, justa e
democrática.
A ordem jurídica em um Estado democrático de Direito não pode se
converter na voz exclusiva da moral católica ou da moral de qualquer religião.
[...] Os católicos e outros religiosos tem o direito de constituir suas
identidades em torno de seus princípios e valores, pois são partes de uma
sociedade democrática. Mas não têm o direito de pretender hegemonizar a cultura
de um Estado constitucionalmente laico.
A noção de laicidade, de modo sucinto,
recobre especificamente à regulação política, jurídica e institucional das
relações entre religião e política, igreja e Estado em contextos pluralistas.
Refere-se, histórica e normativamente, à emancipação do Estado e do ensino
público dos poderes eclesiásticos e de toda referência e legitimação religiosa,
à neutralidade confessional das instituições políticas e estatais, à autonomia
dos poderes político e religioso, à neutralidade do Estado em matéria religiosa
(ou a concessão de tratamento estatal isonômico às diferentes agremiações
religiosas), à tolerância religiosa e às liberdades de consciência, de religião
(incluindo a de escolher não ter religião) e de culto.
Laicidade Atual no
Brasil
A marcha da história, já apresentada nos
capítulos anteriores trouxe ao Estado brasileiro, influenciando o pensamento de
sua elite política e social. Sucederam-se os regimes de governos e as Leis que
os garantiram, e não se retrocedeu nos dispositivos constitucionais de
asseguramento da separação entre a Igreja e o Estado no Brasil.
A
laicidade do Estado Brasileiro determinada pela Constituição Federal de
1988 é a base ideológica do regime da liberdade de religião e do direito
fundamental daí decorrente, e está claramente disposta no Artigo 19 caput e inciso I da Constituição, como abaixo:
Art. 19. É
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaraçar‑lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
São dois os modelos básicos de laicidade
estatal. O primeiro modelo de Estado Laico é aquele que pugna por uma separação
tendente a restringir a religião ao foro intimo das pessoas, isolando-a do
espaço público, modelo esta muito comum nos Estado secularizados da Europa. O segundo
modelo é aquele que, enxergando o fenômeno religioso um importante elemento de
integração social, permite expressões de religiosidade nos espaços públicos,
chancelando-as de diferentes modos.
Diante
do exposto em razão do contido no inciso I do artigo 19 citado anteriormente,
bem como do contido no inciso VII do artigo 5º, que diz “é assegurada, nos
termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva”; e ainda do contido do artigo 143, § 2º, que menciona
“os eclesiásticos ficam isentos do serviço militar obrigatório em tempo de
paz”; do disposto na alínea b do inciso VI do artigo 150, que é vedado a União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios instituir impostos sobre
tempos de qualquer culto; também no artigo 210, § 1º que determina “o ensino
religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários
normais das escolas públicas de ensino fundamental”; o artigo 213 que diz “os
recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a
escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei”.
Atualmente,
ao analisamos a relação entre religião e Estado, percebemos, no entanto, que
ainda não se alcançou o real entendimento sobre o grau de laicismo do Estado
brasileiro sufragado pelo nosso sistema constitucional e até onde vai o limite
da “colaboração” determinada pela Constituição Federal de
1988.
Isso
se dá devido à força social, moral e até mesmo política que a religião
predominante continua a representar na sociedade, permanecendo, ainda hoje,
zonas simbióticas nessa relação contrária ao modelo de Estado Laico adotado
pela nossa Constituição.
Entre um modelo e outro, é claro, há
diversas gradações, considerando-se as peculiaridades de cada ordenamento
jurídico nacional e a tradição de cada povo. A elasticidade do cordão de
isolamento que se interpõe entre o poder público e a religião que varia, assim
de Estado a Estado.
Certamente, há circunstâncias históricas
específicas que explicam o porquê da prevalência num dado sistema jurídico de
uma concepção mais próxima deste ou daquele modelo, circunstâncias estas
ligadas ao desenrolar do processo de secularização vivenciado pelas
sociedades.
Não há como negar que, devido às
circunstâncias históricas desde o “descobrimento” do Brasil, verifica-se grande
número de traços provenientes da tradição católica apostólica romana que está
profundamente incorporado na vida da sociedade brasileira, como por exemplo: a
maior parte dos feriados legais (Carnaval, Páscoa, Corpus Christi, Nossa
Senhora Aparecida, Finados, Natal); o descanso semanal no domingo; os nomes de
origem cristã dos estados, municípios, praças, ruas; o calendário semanal; etc.
Disso também verifica-se o grande
patrimônio (prédios, praças inteiras, terrenos, etc.) que a Igreja Católica
Romana obteve nas maiores cidades do Brasil, recebidos como “herança” do antigo
padroado que existia no país, sem desembolso de recursos financeiros por parte
desta Igreja e/ou de seus fieis.
São situações irreversíveis em que o
momento histórico foi propício a tais fatos, mas que hoje não caberia mais em
função do disposto no ordenamento jurídico constitucional brasileiro e, também,
pelo nível de secularização que a sociedade brasileira se encontra.
Entretanto,
atualmente, sub existem situações inadmissíveis ao modelo de estado laico
adotado pela Constituição Federal atual, e também, ao princípio
isonômico e a liberdade de religião, entre os quais indagamos para reflexão:
a) O que dizer de muitos prédios
públicos – sedes de governo, prefeituras, fóruns, tribunais, câmaras
legislativas, hospitais públicos, escolas, etc., ainda ostentarem em suas
repartições símbolos da religião Católica Apostólica Romana, principalmente o
crucifixo, e ou imagens e ícones daquela religião ou de qualquer outra que
seja?
b) Como admitir os diversos feriados
municipais em todo o país por causa da padroeira ou padroeiro de tradição
católica, que a cada município foi imposto pela hierarquia da referida igreja?
c) Qual a razão que sustentaria
instituir um feriado nacional dedicado a um ícone religioso, denominado
Padroeira do Brasil, em que cidadãos brasileiros dos mais diferentes matizes
religiosos são obrigados, por força legal, a fechar seus estabelecimentos
comerciais, vendo-se privados do acesso a serviços públicos, ainda que não
tenham a mesma crença?
d) O
que dizer da nossa mais alta corte da justiça, justamente a encarregada de
zelar pela guarda da Constituição Federal, que é o Supremo Tribunal Federal,
ostentarem na sua principal instalação o crucifixo com a imagem de Jesus
Cristo, um dos principais símbolos da Igreja Católica?
Portanto,
dentro novas exigências cabem ao Estado ter vontade política para promover o
correto relacionamento com as religiões, observando os limites impostos pela Constituição Federal Atual,
evitando assim os questionamentos levantados.
Obrigações do Estado
Brasileiro com suas Religiões
Tendo
por referência o disposto no Art. 19,
inciso I daConstituição Federal, em função do direito fundamental
da liberdade de religião, o Estado brasileiro deve observar o seguinte:
a) Não pode possuir religião oficial;
b) É vedado estabelecer cultos
religiosos ou igrejas;
c) É vedado subvencionar qualquer
religião;
d) É vedado embaraçar o funcionamento
das igrejas;
e) É vedado manter com as Igrejas ou
seus representantes relações de dependência;
f) Não pode se pronunciar ou se envolver
sobre questões religiosas;
g) Não pode patrocinar ou apoiar
financeiramente festas religiosas;
h) Em atos oficiais deverá ser observado
o princípio da não confessionalidade;
i) Não podem promover a cultura e a
educação segundo quaisquer diretrizes de alguma religião.
A Constituição Federal em
seus diversos artigos também impõe ao Estado brasileiro o seguinte:
j) Deve ser assegurada a prestação de
assistência religiosa nas entidades civis e militares (art. 5º, inciso VII);
k) Não pode tratar as religiões de forma
desigual (art. 5º caput);
l) O ensino público não pode ser
confessional (art. 19, inciso I c/c art. 206 e 210);
m) É assegurado o ensino religioso, de
matrícula facultativa no ensino público fundamental (art. 210, § 1º);
n) Não pode instituir impostos sobre
templos de qualquer culto (art. 150, inciso VI, alínea ‘b”);
o) Isentar os eclesiásticos do serviço
militar obrigatório em tempos de paz (art. 143, § 2º);
p) Assegurar as manifestações públicas
de caráter religioso (art. 5º, inciso XVI);
q) Reconhecer civilmente o casamento
religioso, celebrado na forma da lei (art. 226, § 2º);
r) Destinar recursos às escolas
confessionais que comprovem finalidade não lucrativa (art. 213);
s) Apoiar financeiramente, mediante contrato
de direito público ou convênio, entidades confessionais filantrópicas ou sem
fins lucrativos que prestam serviços a saúde (art. 19, inciso I e art. 199, §
1º);
t) Tutelar as igrejas contra ilegalidade
ou abuso de poder de autoridade pública (art. 5º, inciso LXIX).
Finalmente, de acordo com o art. 5º,
parágrafo primeiro, o Estado deve garantir o direito fundamental da liberdade
de religião e sua aplicação imediata.
Direitos fundamentais e a liberdade de religião
Direitos e Garantias
dos Direitos
A afirmação dos direitos fundamentais do
homem no Direito Constitucional positivo reveste-se de transcendental
importância, mas, como notara Maurice Hauriou, não basta que um direito seja
reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões que
será discutido e violado. Ruy Barbosa já dizia que uma coisa são os direitos,
outras as garantias, pois devemos separar, “no texto da lei fundamental,
as disposições meramente
declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos
reconhecidos, e as disposições assecuratórias,
que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder.
Aquelas instituem os direitos;
estas, as garantias:
ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a
fixação da garantia, como declaração do direito”.
Não
são nítidas, porém as linhas divisórias entre direitos e garantias, como
observa Sampaio Dória, para quem, “os direitos são garantias, e as garantias
são direitos”, ainda que procure distingui-los.
Nem é decisivo, em face da Constituição, afirmas que os direitos são declaratórios e as garantias assecuratórias, porque as
garantias em certa medida são declaratórias e, às vezes, se declaramos direitos
usando forma assecuratória.
A doutrina não auxilia muito no
descortinar o sentido dessas expressões. Ela emprega a expressão garantias constitucionais em três sentidos:
a)
Reconhecimento constitucional dos direitos fundamentais, assim, a declaração de
direito seria simplesmente um compromisso de respeitar a existência e o
exercício desses direitos, “que não provem de lei alguma, senão direitamente da
qualidade e dos atributos naturais do ser humano”. Parte-se da ideia de que os
direitos preexistem à Constituição, que não os cria nem outorga, reconhece-os
apenas e os garante. É uma ideia vinculada à concepção do direito natural ou da
supra estabilidade dos direitos fundamentais;
b) Prescrições que vedam determinadas
ações do Poder Público, ou formalidades prescritas pelas Constituições, para
arbitrarem dos abusos do poder e das violações possíveis de seus concidadãos os direitos constitutivos da
personalidade individual;
c) Proteção prática da liberdade levada
ao máximo de sua eficácia ou recursos jurídicos destinados a fazer efetivos os
direitos que assegura.
Direitos Fundamentais
A aplicação e transformação dos direitos
fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito
sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se empregarem
várias expressões para designa-los, tais como, direitos maturais, direitos
humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos,
liberdades fundamentais, liberdades públicas, e direitos fundamentais do homem.
Direitos fundamentais do
homem constitui
a expressão mais adequada a esta estudo, porque, além de referir-se a
princípios que resumem a concepção do mundo e infirmam a ideologia política de
cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito
positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantia a
uma convivência digna, livre e igual a todas as pessoas.
No qualificativo fundamentais, acha-se a
indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana
não se realiza, não convive, às vezes, nem mesmo sobrevive. Fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual,
devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente
efetivados. Do homem, não como macho em espécie, mas no sentido de pessoa humana.
Direitos
fundamentais do homem significa direitos fundamentais da pessoa
humana ou direitos fundamentais. É com
esse conteúdo que a expressão direitos
fundamentais encabeça o Título II da Constituição, que se completa, como direitos
fundamentais da pessoa humana, expressamente, art. 17.
Observe-se que a simples existência
constitucional dos direitos fundamentais não caracteriza efetivamente um Estado
Democrático. Alias, o Brasil, em sua história constitucional, por diversas
vezes grafou nas Constituições direitos fundamentais, sem dar-lhes efetividade.
Não
é fácil o mister de definir direito
fundamental no âmbito do
direito positivo, pois não há uma homogeneidade na doutrina sobre o conceito de
direito fundamental, bem com a terminologia mais adequada, tanto é que a Constituição Brasileira de 1988 demonstra confusão semântica
ao utilizar expressões com direitos
humanos (art. 4º, inc. II); direitos e garantias fundamentais (Título II e art. 5º, § 1º); direitos e liberdades
constitucionais (art. 5º,
inc. LXI) e direitos e
garantias individuais (art.
60, § 4º, inc. IV).
Liberdade Religiosa
como Direito Fundamental
A Constituição brasileira de 1988 encetou a liberdade religiosa
como dispositivo “autônomo” – a liberdade de religião nada mais é que um
desdobramento da liberdade de pensamento e manifestação – nos seguintes termos:
“é inviolável a liberdade de consciência e crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias”.
A assim denominada liberdade religiosa,
enquanto direito fundamental, há de incluir a liberdade:
a) De opção de valores transcendentais
(ou não);
b) De crença nesse sistema de valores;
c) De seguir dogmas baseados na fé e não
na racionalidade escrita;
d) Da liturgia (cerimonial), o que
pressupõe a dimensão coletiva da liberdade;
e) Do culto propriamente dito, o que
incluí o aspecto individual;
f) Dos locais da prática de culto;
g) De não ser o indivíduo inquirido pelo
Estado sobre suas convicções;
h) De não ser o indivíduo prejudicado,
de qualquer forma, nas suas relações com o Estado, em virtude de sua crença
declarada.
Quanto a esse conjunto de liberdade, do
ponto de vista da teoria dos direitos fundamentais, devem ser classificado como
direitos “negativos”, a exigir a devida atenção e contestação por parte do
Poder Público. São os denominados direitos de primeira dimensão, especificados
e alinhados à liberdade maior de consciência.
Igualmente do ponto de vista da teoria
dos direitos fundamentais, essa dimensão é tradicionalmente contraposta ao
Estado, restando diferenciada a discussão acerca de se os particulares devem igualmente
obediência a essas normas. Trata-se, aqui, da discussão que ficou inicialmente
conhecida no Brasil como a eficácia “horizontal” dos direitos fundamentais, a
vinculação (direta ou indireta) dos particulares aos direitos fundamentais, ao
lado da tradicional eficácia “vertical”, que contrapõe o indivíduo e a
sociedade ao Estado.
Mas não é só. Há dimensão positiva da
liberdade de religião, pois o Estado deve assegurar a permanência de um espaço
para o desenvolvimento adequado de todas as confissões religiosas. Cumpre ao
Estado empreender esforços e zelar para que haja essa condição estrutural
propícia ao desenvolvimento pluralístico das convicções pessoais sobre religião
e fé.
É possível, portanto, vislumbrar
vedações dirigidas ao Estado, quando se trata de liberdade religiosa, como a
proibição de:
a) Guerras santas;
b) Discriminação estatal (lato sensu)
arbitrária e danosa entre as diversas igrejas;
c) Obrigar que o indivíduo apresente e
divulgue suas convicções religiosas;
d) Estabelecer critérios axiológicos
para selecionar as melhores religiões
e) Estabelecer pena restritiva de
direitos junto ao templo religioso.
Aqui o tema exige a referência e o
estudo do separatismo e do Estado neutro, ou seja, de que o Estado e Igreja
estejam apartados em alguma medida.
É indiscutível o fato da origem da
liberdade de religião ser a busca da tolerância religiosa e mesmo da ausência
da vinculação estatal a qualquer religião.
Na atualidade a liberdade de religião
assume amplos contornos e encontra-se conectada a liberdade de consciência e a
liberdade de expressão, pois a liberdade de crença é uma forma de liberdade de
consciência e não há proteção completa à liberdade de religião caso não se
garanta liberdade de exteriorização da mesma por meio de cultos e liturgias, que
num sentido amplo fazem parte do vasto rol que compõe a liberdade de expressão.
Há ainda a liberdade de não se vincular
a confissão religiosa alguma, ou mesmo não possuir crença em divindade ou
religião, direito que se encontra protegido pela liberdade de religião, vês que
engloba ainda sua forma negativa, ou seja, a liberdade de não te religião ou
crença de cunho espiritual.
A liberdade de religião é um direito
fundamental e de personalidade, objetiva do desenvolvimento máximo das
potencialidades humanas, tendo como essência o homem-indivíduo. É um direito
oponível pelo cidadão em face do Estado e também pelo cidadão em face do
particular, pois poderá opor-se a qualquer intervenção do Estado em relação à
religião, quando isso fira o princípio da igualdade entre as confissões
religiosas por um tratamento diferenciado do Estado e não justificável. E
poderá pleitear tutela estatal em face do particular quando este desrespeite
sua liberdade religiosa.
O que há de considerar em primeiro plano
é o ser humano, objeto imediato das tutelas constitucionais. A liberdade de
crença aparece no plano jurídico como expressão de um direito fundamental
inerente à personalidade da pessoa humana.
A
própria jurisprudência já decidiu que “os direitos e garantias fundamentais, cuja
proteção foi destacada pela Constituição da
República, têm as mesmas características dos princípios, na medida em que atuam
como uma forma de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana”:
DIREITO
CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIBERDADE DE CRENÇA. ESTADO LAICO.
TÉCNICA DA PONDERAÇÃO DE VALORES.
Em razão do princípio da unidade da Constituição, o intérprete, ao se
deparar em um caso concreto com a existência de dois ou mais direitos
fundamentais que, se aplicados de maneira ampla e integral, promoveriam
soluções contrárias à demanda, deve lançar mão da técnica da ponderação de
valores, de modo a aplicar aquele que preserve o máximo de cada um dos valores
em conflito, realizando um juízo apto a tornar prevalente aquele que importe a
menor lesão ao outro, sem, contudo, extirpá-lo ou esvaziá-lo em seu sentido.
Termo de Ajustamento de Conduta firmado entre o MPMG e Município para o
recolhimento de livro distribuído aos alunos da rede municipal de ensino, sob o
argumento do mesmo discriminar determinada crença. Mitigação do direito do
autor em detrimento do direito à liberdade de crença religiosa e o princípio da
laicidade do Estado. Conclusão razoável e menos gravosa, na medida em que se
beneficia uma ampla gama de pessoas que se sentiram lesadas pelo ato de
distribuição da obra literária. (Ap Cível/Reex Necessário
1.0024.06.073260-9/001, Rel. Des.(a) Maria Elza, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em
10/05/2007, publicação da sumula em 22/05/2007)
No caso de liberdade religiosa, o objeto
de tutela é a dignidade de que carrega consigo uma crença (positiva ou
negativa).
E
mais, no que concerne especificamente à realidade brasileira, a liberdade
religiosa classifica-se como um princípio constitucional implícito. Isto
porque, ao contrário que se verifica, por exemplo, com a liberdade de
pensamento, expressamente consagrada no inciso IV do
art. 5º da Carta Política (“é
de livre manifestação o pensamento...”), não há, no texto constitucional, no texto da Constituição, qualquer dispositivo que, por si só, a
estabeleça expressamente.
É certo que os incisos VI e VIII do art.
5º referem-se à “liberdade de crença”, ao “livre exercício de cultos
religiosos” e a possibilidade de se invocar “crença religiosa” para se eximir
de obrigação legal a todos imposta, desde que se cumpra prestação alternativa
legalmente fixada.
Ocorre, no entanto, que a noção de liberdade religiosa, em
toda sua amplitude, não se subsume à simples liberdade de crença ou à liberdade
de culto, ou mesmo a ambas juntas.
O princípio da liberdade religiosa
transborda a liberdade de crença e de culto para exigir, por igual, a liberdade
das organizações religiosas, que devem ser autônoma e soberanas em seus
assuntos internos (organizacionais e dogmáticos), além de impor, ao Estado, por
meio de cláusula de separação, a adoção de condutas invariavelmente fundadas na
neutralidade e especialmente voltadas à preservação do voluntarismo em matéria
de fé e à tutela da autenticidade do fenômeno religioso.
O princípio fundamental da liberdade
religiosa, portanto, inspira a produção de diversas normas, gera a declaração
dos direitos de liberdade religiosa e das garantias fundamentais a eles
relacionados e impõe a adoção de um regime político de clara separação entre Estado
e Igreja, não se podendo jamais restringir a noção conceitual desse princípio
fundamental a um ou alguns dos particularizados direitos ou garantias que em
nome dele foram positivados, sob pena de, em assim ocorrendo, restarem
mutiladas algumas dimensões desse princípio fundamental, cuja a máxima
efetividade deve ser objetivada.
É por esse motivo, também, que não se
pode situar a liberdade religiosa num único dispositivo constitucional, pois,
repita-se, a liberdade religiosa traduz num princípio constitucional cujo
núcleo essencial é densificado por uma pluralidade de normas constantes a Lei
Fundamental.
Separação Estado e
Religião
De um lado, se a liberdade religiosa
qualifica-se como princípio constitucional, as normas veiculadoras da cláusula
da separação entre o Estado e a Igreja consubstanciam verdadeiras garantias
fundamentais (ou direito-garantias).
É que a cláusula da separação, em vez de
declarar direitos aos cidadãos, esgota-se no estabelecimento, contra os poderes
públicos, de regra de conduta voltadas a imposição de um comportamento estatal
essencialmente fundado na neutralidade axiológica em matéria religiosa e na
não ingerência institucional ou dogmática em relação às igrejas.
Cuida-se, portanto, de norma veiculadora
da exigência de um determinado tipo de organização estrutural do Estado, para
que o indivíduo possa efetivamente exercer outro bem jurídico que lhe é
reconhecido pelo ordenamento jurídico, elemento individualizador das garantias
fundamentais. Trata-se, portanto, de um veículo normativo que impõe ao Estado a
adoção um único posicionamento (e não de uma faculdade dúplice), outro elemento
caracterizador das normas-tutela ou garantias fundamentais ou, ainda, dos
direitos-garantias.
Além disso, a cláusula de separação
entre Estado e Igreja não se reveste do requisito da autonomia existencial,
pois retira sua razão de ser, seus fundamentos legitimadores, dos próprios
direitos densificadores do princípio da liberdade religiosa, a exigirem, para
sua integral concreção, um regime no qual ente estatal e movimentos religiosos
mantenham uma postura de neutralidade e não ingerência entre si.
Isto quer dizer, portanto, que a
separação entre Estado e Igreja nada mais é do que uma garantia fundamental
(direito-garantia), voltada especificamente à proteção dos direitos integrantes
do conceito maior de liberdade religiosa, pois a história das sociedades já
evidenciou que a associação entre político e religioso, entre os poderes
temporal e espiritual, gera aniquilamento da liberdade e promove intolerância e
perseguições.
Não é por outro motivo que as aspirações
individuais por um regime de total liberdade em tema de fé vieram acompanhadas
da reivindicação por um regime que apartasse as figuras do Estado e da Igreja,
impedindo, com isso, que os instrumentos a cargo dos poderes públicos fossem
utilizados como meios de compulsória conversão, aniquilando um dos fundamentos
básicos da própria ideia de religião que é a conversão interior pela fé e pelo
voluntarismo, e não por imposição pela força e pela espada.
A interferência do Estado, portanto, no
mercado da fé, desequilibra a livre disputa entre as crenças, interfere na
formação das convicções individuais e, ainda, tem a potencialidade lesiva de
transmitir aos demais membros da sociedade (não adeptos do pensamento que
mereceu a chancela estatal) um estigma de inferioridade e também de exclusão,
capaz de se tornar, ele próprio, um fator de conversão em favor da religião
prestigiada pelo ente estatal.
Vê-se, pois, que a exigência de uma
postura de neutralidade axiológica em matéria religiosa funda-se na necessidade
de se preservarem a livre formação das consciências religiosas e a liberdade
material de escolha dos indivíduos, a exigirem, portanto, que o Estado não
interfira no mercado de ideias religiosas e não se utilize de sua carga
simbólica e de sua força institucional para conformar as opões pessoais em tema
de fé. Daí que a liberdade religiosa impõe um livre mercado de ideias
religiosas (que só será realmente livre se estiver a salvo de possíveis
desequilíbrios ocasionados pela interferência estatal), a preservar uma das
principais características do fenômeno religioso: o voluntarismo.
A conclusão a que se chega, pois, é de
que as normas que consubstanciam, em um dado ordenamento constitucional, o
regime de separação, possuem a finalidade específica, consistente em assegurar
que o princípio da liberdade religiosa não seja ofendido em razão da
interferência do Estado em matéria de fé (e em decorrência da ilegítima
intromissão dos movimentos religiosos em assunto tipicamente estatais), pois se
não há plena liberdade religiosa quando o Estado se imiscui na seara
espiritual, então é preciso estabelecer uma cláusula constitucional de garantia
que, ao vedar este comportamento estatal, confira um manto de proteção àquela
liberdade fundamental.
Inconstitucionalidades praticadas pelo Estado
Laico
Feriados Religiosos
Em
nome da liberdade, igualdade, distinção ideológica e consagração da diversidade
religiosa, direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, que o Estado é Laico, ou seja,
não professa nenhuma religião, a Carta Magna de
1988 é clara a este respeito, em seus artigos 5º,
inc. VI e VIII, e 19,
inc. I, que determinam:
Art. 5º, VI – é inviolável a
liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos
cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto
e a suas liturgias;
VIII – ninguém será privado
de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou
política, salvo se as invocar para eximir‑se de obrigação legal a todos imposta
e recusar‑se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaracar‑lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaracar‑lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
No
pensamento de Aldir Guedes Soriano, “Com o enfraquecimento do laicismo brasileiro, feriados
religiosos foram instituídos desrespeitando-se os princípios da democracia
liberal, mormente a separação entre a Igreja e o Estado que foi mantida em
todas as constituições republicanas (de 1891 a 1988). Assim sendo, tais
feriados são flagrantemente inconstitucionais.
Hoje, a quantidade de feriados
religiosos no Brasil é inexplicável, uma vez que o Estado é leigo. O País já é
paralisado por diversos feriados religiosos nacionais e municipais (Natal,
Finados, Nossa Senhora Aparecida, Corpus
Christi e Paixão de Cristo)”.
Fácil concluir que, independentemente da
quantidade de fiéis, tempo de existência ou patrimônio que uma determinada
religião possua, todas as manifestações religiosas gozam de proteção do Estado
e a garantia desse Direito Fundamental é, sem sombra de dúvidas, a manutenção
de um Estado desvinculado de qualquer uma delas.
No Brasil, há feriados instituídos por
lei municipal, por lei estadual e feriados Nacionais; há feriados religiosos e
feriados civis; e há ainda aqueles que alguns doutrinadores dizem já terem
assumido importância secular, como seria o caso do Natal. Segundo Letícia de
Campos Velho Martel “a presença de feriados religiosos em uma República
laica não causava maiores controvérsias”.
Porém, cada vez mais esse quadro vem
se modificando, seja pelo aumento da importância e representatividade de outras
religiões, que passam a querer tratamento igualitário ao da religião que possui
a maior parte dos feriados religiosos representados em lei.
A
Lei 9.093,
de 12 de setembro de 1995, é a que dispõe acerca dos feriados. Segundo esse
diploma legal:
Art. 1º São feriados civis:
I - os declarados em lei
federal;
II - a data magna do Estado
fixada em lei estadual.
III - os dias do início e do
término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei
municipal. (Inciso incluído pela Lei nº 9.335, de 10.12.1996)
Art. 2º São feriados
religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a
tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira
da Paixão.
A
Lei 662,
de 06 de abril de 1949, e posteriores alterações, declara os feriados nacionais
civis. São sete: 1º de janeiro (Dia da Confraternização Universal), 21 de abril
(Dia de Tiradentes), 1º de maio (Dia do Trabalho), 7 de setembro (Dia da
Independência do Brasil), 2 de novembro (Dia de Finados), 15 de novembro (Dia
da Proclamação da República) e 25 de dezembro (Natal).
Além
dos sete feriados constantes na Lei 662/49,
também é considerado feriado nacional o dia 12 de outubro, criado pela Lei 6.802,
de 30 de junho de 1980, dedicado à Senhora Aparecida dos católicos. Dessa
forma, são oito os feriados nacionais no Brasil.
Considerando
a autorização legislativa geral contida no art. 2ºda Lei 9.093/95
(acima transcrito), algumas comemorações religiosas podem ser fixadas como
feriados por lei municipal, observado o limite máximo de 4 (quatro).
Renata Eiras dos Santos observa, com
perspicácia, que,data máxima vênia às
religiões e aos seus seguidores, é inadmissível que a doutrina, símbolos e
liturgia de determinada religião sejam impostas a todo povo brasileiro através
da instituição de Feriados Nacionais de cunho religioso, que, diga-se, são de
observância obrigatória, ainda que esta religião represente a maioria da
população, como ocorre com o Catolicismo.
“Se o Estado em seus três poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, é leigo, como poderá a Administração
Pública, através de lei, impor aos seus administrados o respeito a um feriado
de cunho flagrantemente católico, como é o dia 12 de outubro (...)?”.
Para grande parte da doutrina, todavia,
a oficialização de feriados religiosos é inconstitucional, por afrontar a
liberdade religiosa daqueles que não professam a mesma religião em favor da
qual o feriado foi instituído.
O
Professor Dr. José Maria G. De Almeida Jr.[15] preleciona: “Nos termos da Constituição Federal (Art.
19, I), o Brasil adota o histórico princípio republicano da laicidade –
princípio da separação entre Estado e Igreja, entre instituições governamentais
e religiosas. Portanto, proposições ou outros trabalhos parlamentares de
caráter religioso ferem esse princípio constitucional.
Por exemplo: reconhecer
uma religião ou estabelecer uma comemoração ou data religiosa por meio de lei é
uma inconstitucionalidade; equivale a afirmar que o Estado adota oficialmente a
religião ou a celebração religiosa legalmente instituída. Procedimentos dessa
natureza levam a criação de vínculos oficiais entre instituições e entes
estatais e religiosos, o que, pelos seus tão diferentes papéis na vida dos
indivíduos e da sociedade, é pernicioso tanto para um lado como para outro”.
Iso Chaitz Scherkerkewitz defende a
constitucionalidade da existência dos feriados religiosos em si. Segundo ele:
Creio não ser inconstitucional a
existência dos feriados religiosos em si. O que reputo ser inconstitucional é a
proibição de se trabalhar nesse dia, por outras palavras, não reputo ser
legítima a proibição de abertura de estabelecimentos nos feriados religiosos.
Cada indivíduo, por sua própria vontade, deveria possuir a faculdade de ir ou
não trabalhar. Se não desejasse trabalhar, a postura legal lhe seria favorável
(abono do dia por expressa determinação legal), se resolvesse ir trabalhar não
estaria obrigado a obedecer a uma postura válida para uma religião que não
segue. Pode-se ir mais além nesse raciocínio.
Qual é a lógica da proibição de
abertura de estabelecimento aos domingos? Com certeza existe uma determinação
religiosa por trás da lei que proibiu a abertura de estabelecimentos nos
domingos (dia de descanso obrigatório para algumas religiões). Como ficam os
adeptos de outras religiões que possuem o sábado como dia de descanso
obrigatório (v. G., os judeus e os adventistas)?
Dever-se-ia facultar aos
estabelecimentos a abertura aos sábados ou aos domingos, sendo que a ratio
legis estaria assim atendida, ou seja, possibilitar o descanso semanal
remunerado.
Para eliminar qualquer resquício de
inconstitucionalidade, Scherkerkewitz propõe o alargamento do “calendário de
feriados e dias santificados para incluir as datas das maiores religiões
existentes no nosso país e tornando estes feriados e dias santificados
facultativos (no sentido de ser feita a opção entre ir trabalhar ou não)”.
Constata-se que, para garantir a
liberdade de crença de cada religião e a não interferência do Estado na esfera
religiosa, o melhor seria a adoção de feriados religiosos pessoais. O Estado só
decretaria feriados civis e a cada um caberia à escolha de três ou quatro dias
especiais no ano, de acordo com sua crença ou com seu dia de preferência, caso
a pessoa fosse ateia ou agnóstica. Isso seria bom não só para os religiosos em
geral, que poderiam celebrar suas datas especiais, como para os empresários que
não teriam que fechar suas empresas, já que os empregados não teriam o mesmo
dia como feriado.
Destaque-se
que o feriado religioso obriga a todos os cidadãos, independente de sua crença,
sejam eles ateus, agnósticos, católicos, evangélicos, espíritas, judeus,
mulçumanos, orientais, humanistas etc., a respeitá-lo, em função de ser
oficial, eis que oriundo de uma lei, oriunda da ordem pública, o que afronta o
princípio da separação Igreja-Estado contido na Constituição da Republica Federativa do Brasil.
Os feriados que foram instituídos em
lei, não há no ordenamento jurídico regras que sejam suficientemente claras e
fundamentadas sobre criação e revogação. Apenas o fato de existir uma lei
federal impondo que os feriados civis serão instituídos em lei federal e os
religiosos, em lei municipal, no número máximo de quatro, incluindo a
Sexta-feira da paixão, não é suficiente para dirimir todas as dúvidas e
conflitos causados. Nesse sentido, faz-se necessária a adoção de critérios
claros para que as outras religiões não se sintam menos prestigiadas e para não
ferir o princípio da laicidade.
Diversos
órgãos do Poder Judiciário brasileiro mantêm crucifixos em salas de sessão e em
outros espaços eminentemente públicos, inclusive o Supremo Tribunal Federal.
Trata-se de uma prática antiga e disseminada, num país em que, por um lado, o
catolicismo é a religião majoritária, e, por outro, não há uma tradição
cultural enraizada de separação entre os espaços religioso e jurídico-estatal.
Todavia, tal prática passou a sofrer contestações nos últimos tempos, baseadas
na afirmação de violação ao princípio da laicidade do Estado, consagrado no
art. 19,
inciso I da Constituição da
República:
Art. 19. É vedado à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos
religiosos ou igrejas, subvenciona‑los, embaracar‑lhes o funcionamento ou
manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança,
ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
No atual cenário, o tema passou a
revestir-se de uma especial importância, na medida em que uma série de questões
moralmente controvertidas tem chegado ao judiciário brasileiro, a Igreja
Católica vem se posicionando publicamente sobre esses temas, com pretensões de
influir nos resultados das controvérsias judiciais.
Nesta linha, a ONG Brasil para Todos formulou ao Conselho Nacional de
Justiça um requerimento, solicitando providências do órgão no sentido da
proibição desta prática em todo o país. O objetivo do presente estudo é
analisar esta questão sob a perspectiva constitucional, e a tese que se sustentará
é a de que os crucifixos, como quaisquer outros símbolos religiosos, não podem
ser mantidos em espaços eminentemente públicos do Poder Judiciário, sob pena de
ofensa ao princípio constitucional da laicidade do Estado.
(...) A ONG argumentou que os crucifixos ferem o princípio constitucional da laicidade – ou seja, a Igreja e o Estado são instituições separadas e não podem interferir entre si. O argumento foi rejeitado pela maioria dos conselheiros. Segundo eles, os crucifixos estão presentes nos recintos do Judiciário há tanto tempo que não representam mais uma religião específica: eles teriam virado tradição e símbolo cultural brasileiro.
(...) A ONG argumentou que os crucifixos ferem o princípio constitucional da laicidade – ou seja, a Igreja e o Estado são instituições separadas e não podem interferir entre si. O argumento foi rejeitado pela maioria dos conselheiros. Segundo eles, os crucifixos estão presentes nos recintos do Judiciário há tanto tempo que não representam mais uma religião específica: eles teriam virado tradição e símbolo cultural brasileiro.
O único que não se manifestou foi o relator da reclamação,
Paulo Lôbo. Ele sugeriu a realização de uma consulta pública pela internet. Com
isso, os conselheiros teriam acesso às opiniões de diversas entidades antes de
elaborarem seus votos. A proposta foi recusada. Mesmo com o placar já definido,
Lôbo pediu vista e apresentará uma opinião a respeito do tema na semana que
vem. Por isso, formalmente, a votação ainda não foi concluída. - Isto seria uma
violação à minha consciência, porque ainda tenho muitas dúvidas - disse o
relator.
Em todos os tribunais superiores, pende na parede do plenário a imagem
de Jesus crucificado. Normalmente, a imagem fica localizada bem no centro do
ambiente, sobre o assento reservado ao presidente do tribunal. É o que ocorre,
por exemplo, no Supremo Tribunal Federal (STF), a instância máxima do
Judiciário. Segundo a reclamação feita pela ONG, assinada por Daniel Sottomaior
Pereira, o adorno representa a "utilização de patrimônio estatal para
divulgar crenças religiosas".
A entidade também argumentou que a imagem é
uma forma de privilegiar o catolicismo em detrimento de outras religiões.
"Manter um símbolo único, qualquer que seja, é promover o preconceito e a
discriminação contra todos os que não se veem representados, e impede harmonia
social. A única maneira de deixar as repartições públicas neutras em relação à
religião é remover os símbolos religiosos, sem exceção", diz um manifesto
publicado na página da ONG na internet.
A entidade também cita outros ambientes
do poder público que ostentam crucifixos nas paredes, como o gabinete do
presidente da República, o plenário do Senado e assembleias legislativas nos
estados. Aparentemente trivial, o tema já foi motivo de polêmica em outros
países. (...)
Por fim, a decisão da Justiça Federal em
2009, mais sucinta e já incorporando o parecer acima, declara que o Estado
laico não é antirreligioso, mas o garantidor da liberdade religiosa. Vinculada
à sociedade, “a laicidade não pode se expressar na eliminação dos símbolos
religiosos, mas na tolerância aos mesmos”. Continua:
Em um país que teve formação
histórico-cultural cristã é natural à presença de símbolos religiosos em
espaços públicos, sem qualquer ofensa à liberdade de crença [...], eis que para
os agnósticos ou que professam crença diferenciada, aquele símbolo nada
representa, assemelhando-se a um quadro ou escultura, adereços decorativos.
A cruz é um símbolo de uma dada crença
religiosa, e não só a expressão da cultura ocidental, se influência cristã.
Indubitável que, durante séculos, as tradições cristãs sedimentaram fundamentos
culturais gerais da sociedade, mas é possível separar
tal herança dos conteúdos específicos da religião cristã ou de uma sua confissão (a incluir os
atuais ritos e representações simbólicas) – uma confissão estatal com tais
conteúdos, que submeta também a terceiros que entrem em contato com o Estado,
afeta a liberdade religiosa.
De fato, a cruz é um símbolo específico da cristandade,
de conteúdo teológico determinado (a liberdade do homem do pecado original, a
vitória de Cristo sobre o demônio e a morte) e objeto de adoração e devoção de
crentes. Fixá-la em um edifício ou numa sala, até agora, interpreta-se como um reconhecimento
espiritual de pertença ao credo cristão –
com significado obviamente diverso
para ateus e não cristão(símbolo de cruzadas e difusão por missões). Vê-la,
como pretende a sentença impugnada, como simples expressão de tradição
ocidental, seria profaná-la como símbolo da cristandade.
O Senado Federal, a Câmara Federal, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) possuem
hoje em sua sala principal o crucifixo afixado na parede. Vale aqui lembrar que
o STJ não teria apreciado um requerimento apresentado pelo então ministro deste
tribunal Waldemar Zveiter, solicitando a remoção do crucifixo das salas de
julgamento do Tribunal. No requerimento argumentava que se este pedido fosse
recusado deveria ser submetida à corte do STJ a colocação da Torá, livro
sagrado da religião judaica, no mesmo local. Waldemar Zveiter é de origem
judaica.
No STF o crucifixo está em um lugar
destacado, ao lado da bandeira nacional e do brasão da República. O símbolo
religioso católico está estrategicamente próximo aos símbolos cívicos
nacionais. Ressalto, também, que quando ocorreram os julgamentos no STF sobre
as pesquisas com células tronco embrionárias e o aborto de fetos anencéfalos,
diversos e contundentes foram os protestos e manifestações públicas, em artigos
escritos em jornais, revistas e internet no sentido de que se estava julgando
uma questão de extrema relevância científica em um tribunal que ostenta um
símbolo católico.
O próprio ministro do STF, Marco Aurélio
Mello, manifestou-se a favor da laicidade estatal, questionado a presença do
crucifixo no local de julgamento, declarando: “Ainda temos um Cristo na parede
desta sala, mas há muito ocorreu a separação entre a Igreja e o Estado”.
No mesmo sentido, Maria Cláudia
Bucchianeri escreveu o seguinte: “A fixação ou manutenção, pelo Estado ou
por seus Poderes, de símbolos distintivos de específicas crenças religiosas
representa uma inaceitável identificação do ente estatal com determinada
convicção de fé, em clara violação à exigência de neutralidade axiológica, em
nítida exclusão e diminuição das demais religiões que não foram contempladas
com o gesto de apoio estatal e também com patente transgressão à obrigatoriedade
imposta aos poderes públicos de adotarem uma conduta de não ingerência
dogmática, esta última a assentar a total incompetência estatal em matéria de
fé e a impossibilidade, portanto, do exercício de qualquer juízo de valor (ou
de desvaler) a respeito de pensamentos religiosos”.
Outro argumento utilizado com frequência
pelos religiosos favoráveis ao uso de símbolos cristãos em prédios públicos,
especialmente nas dependências do Poder Judiciário, diz respeito ao fato de
serem utilizados como “fontes de inspiração” para a correta atuação dos
agentes estatais.Inspiração para quê? Pergunta-se.
Certa vez, Ives Gandra da Silva Martins chegou a escrever: “No caso da
magistratura, os valores cristãos se tornam ainda mais fortemente 'fonte de
inspiração' para as decisões, uma vez que 'fazer justiça' é, de certo modo,
exercer um atributo divino. A justiça humana será tanto menos falha quanto mais
se inspirar na justiça divina”.
Para Daniel Sarmento, o crucifixo
não é um mero adorno, utilizado apenas para embelezar o ambiente. Pelo
contrário, ele é portador de um forte sentido religioso, associado ao
cristianismo e à sua figura sagrada - Jesus Cristo.
Por isso, é óbvio que quem
luta pela manutenção dos crucifixos em espaços públicos, não o faz por razões estéticas,
mas pela sua identificação com os valores religiosos que este símbolo encarna,
e pela sua crença, refletida ou não, sobre a legitimidade de o Estado tornar-se
um porta-voz destes mesmos valores.
Da mesma maneira, quem se insurge contra a
sua presença em tais locais não é movido preocupações estéticas ou artísticas,
mas sim por acreditar que os poderes públicos, numa democracia, não devem se
identificar com qualquer credo religioso.
Na verdade, a presença deste símbolo
religioso em espaços como a sala de sessão de um tribunal ou sala de audiência
de juízos monocráticos - via de regra em posição de absoluto destaque, atrás e
acima da cadeira do presidente do órgão colegiado ou do juiz - transmite uma
mensagem que nada tem de neutra, associando a prestação jurisdicional à
religião majoritária, o que é francamente incompatível com o princípio da
laicidade do Estado, o qual demanda a neutralidade estatal em questões
religiosas.
Portanto,
a questão posta em debate não é fútil, já que não versa sobre a melhor forma de
se decorar certos ambientes formais do Poder Judiciário, mas sim sobre o modelo
de relação entre Estado e religião mais compatível com o ideário republicano,
democrático e inclusivo, adotado pela Constituição de
88. Trata-se, em suma, de uma questão de princípios, e não de uma discussão
sobre meras preferências estéticas.
Ensino Religioso nas
Escolas Públicas
A Constituição da
República estabelece em seu artigo 210,parágrafo 1º que
as escolas públicas de ensino fundamental deverão ter, obrigatoriamente, em seu curriculum, como matrícula
facultativa, porém dentro do horário normal de aulas, uma cadeira relacionada
ao ensino religioso:
Art. 210, § 1º: O ensino religioso, de
matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.
A Constituição Federal de
1988 estabeleceu a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas de
ensino fundamental. A matrícula na disciplina, no entanto, deve ser
facultativa: cada estudante deve informar se quer ou não assistir às aulas. A Lei
de Diretrizes e Bases da
Educação, de 1997, que regulamentou a oferta desse ensino, delegou aos estados
autonomia para definir o conteúdo e os critérios de habilitação de professores.
Lei
nº 9.394,
que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (LDB) em
seu art. 33 assim
determina:
Art. 33. O ensino religioso,
de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino
regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino
religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos
professores.
§ 2º Os sistemas de ensino
ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas,
para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
O ensino religioso nas escolas públicas
está previsto constitucionalmente no Brasil. Sua justificativa se ampara na
ideia de que à escola cabe o ensino da diversidade religiosa.
Nesse contexto,
não há como sustentar a constitucionalidade de legislações ou regulamentações
que prevejam o ensino religioso em uma matriz confessional, pois o próprio
espírito da democracia expresso na liberdade de consciência e na igualdade
estaria sendo ameaçado.
A previsão constitucional do ensino religioso não deve,
portanto, ser entendida como a mera inserção de uma disciplina no currículo
escolar. Trata-sede questões relacionadas à liberdade religiosa e à garantia de
igualdade de representação das diversas comunidades religiosas no espaço
escolar, além da própria proteção do caráter laico do Estado.
Há
uma diversidade de interpretações no art. 33 da LDB,
expressas nas regulamentações estaduais sobre o ensino religioso:
a) Pelo tipo de regulamentação, com
preponderância de documentos de autoria dos conselhos estaduais de educação;
b) Pela diversidade e pouca clareza da
modalidade de ensino adotada, havendo espaço para o ensino confessional;
c) O critério de habilitação e admissão
dos professores, havendo uma sobreposição entre conhecimento iniciático e
adquirido;
d) No delineamento dos conteúdos, em que
alguns estados delegam essa responsabilidade a instituições religiosas.
É a
própria redação pouco clara da LDB que cria situações diversas de
operacionalização do ensino religioso nos estados, algumas delas considerada
desafiadoras para a garantia da laicidade. Isso porque, com a ausência de delineamentos
claros quanto ao ensino, à escola pode ser utilizada como espaço para o
proselitismo religioso.
Porém, dada a previsão constitucional do ensino
religioso nas escolas públicas, o desafio quanto ao seu conteúdo é reconhecer
que a escola não é espaço de proselitismo, cabendo ao Estado o controle de
constitucionalidade das legislações estaduais e, em particular, ao Ministério
da Educação a determinação do conteúdo a ser ministrado e dos critérios de
cadastramento dos professores habilitados.
A garantia da justiça religiosa,
representada pelo dever do Estado em promover a igualdade e o respeito às
tradições sociais brasileiras no campo religioso, não permite a hegemonia de
algumas crenças em detrimento de outras.
O
Conselho Nacional de Educação, através do Parecer 05/97, baseado nesta
versão original da LDB,
assim se manifestou:
“A Constituição apenas
reconhece a importância do ensino religioso para a formação básica comum no
período de maturação da criança e do adolescente que coincide com o ensino
fundamental e permite uma colaboração entre as partes, desde que estabelecida
em vista do interesse público e respeitando – pela matrícula facultativa –
opções religiosas diferenciadas ou mesmo a dispensa de tal ensino na escola.
Por ensino religioso se entende o espaço que a escola pública abre para que
estudantes, facultativamente, se iniciem ou se aperfeiçoem numa determinada
religião.
Desse ponto de vista, somente as igrejas, individualmente ou
associadas, poderão credenciar seus representantes para ocupar o espaço como
resposta à demanda dos alunos de uma determinada escola. Foi a interpretação que
a nova LDB adotou no já citado art. 33.
Para Roseli Fischmann, "Escola
pública não é lugar de religião", e misturar escola com religião é ilegal:
No
artigo 19 da Constituição, há dois incisos claros. O primeiro afirma
ser vedado à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal
"estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes
o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse
público".
O outro proíbe "criar distinções entre brasileiros ou preferências
entre si". Ambos são os responsáveis pela definição do Estado laico,
deixando-o imparcial e evitando privilegiar uma ou outra religião, para que não
haja diferenças entre os brasileiros. Ora, se o Estado é laico, a escola
pública - que é parte desse Estado - também deve sê-lo.
Com
o objetivo de dar a interpretação conforme a Constituição Federal sobre
o ensino religioso nas escolas públicas, a Procuradoria-Geral da República
(PGR) propôs no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) 4439, com pedido liminar. O ensino religioso está previsto no artigo 33, parágrafos 1º e 2º, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional (LBD - Lei nº 9.394/96),
e no artigo 11 do
Anexo do Decreto nº7.107/2010.
A
procuradora-geral em exercício, Deborah Duprat, argumenta na ADI que a Constituição Federal estabelece
o princípio de laicidade do Estado e a previsão de oferta de ensino religioso,
de matrícula facultativa, pelas escolas públicas de ensino fundamental, no
horário normal de aula. Desse modo, ela afirma que: “em face da unicidade da Constituição, não é viável a adoção de uma perspectiva
que, em nome da laicidade do Estado, negue qualquer possibilidade de ensino de
religião nas escolas públicas”.
Dentre
os dispositivos questionados, temos o acima já mencionado, o art. 33, §§ 1º e 2ª da Lei
de Diretrizes e Bases da Educacao Nacional, e o mais novo ato do
então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acordado com o Vaticano, o Decreto
nº 7.107/2010:
promulga o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa
Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, firmado na
Cidade do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.
Artigo 11 - A República
Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da
diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a
importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§ 1º
- O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula
facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de
ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do
Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem
qualquer forma de discriminação.
A tese defendida pela PGR é a de que a
compatibilização do ensino religioso nas escolas públicos e o estado laico
correspondem à oferta de um conteúdo programático em que ocorra a exposição das
doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes
religiões, incluindo as posições não religiosas, “sem qualquer tomada de
partido por parte dos educadores”.
Deborah
Duprat sustenta, ainda, que o princípio do estado laico está relacionado aos
princípios constitucionais da igualdade e da liberdade de religião. Ao expor
que “há fortes razões para se velar atentamente pelo respeito ao princípio da
laicidade estatal no ensino público fundamental”, a procuradora-geral defende
que uma das finalidades essenciais do ensino público, previsto no artigo 205 da CF, é a formação de pessoas autônomas, com capacidade
de reflexão crítica.
Na visão de Roseli Fischmann
obrigatoriedade “do ensino religioso católico e de outras confissões
religiosas”, como está no texto. Mesmo fazendo menção a outras crenças, o acordo
manifesta uma clara preferência por uma religião, o que obriga as escolas a
adotar uma determinada confissão, e isso é inconstitucional. O Ministério das
Relações Exteriores defende a iniciativa dizendo que não há problema, já que
ela apenas reúne aquilo que já existe. Mas isso não é verdade.
A Constituição não
traça no mencionado dispositivo, nenhum padrão de conduta para o Administrador
ou para os educadores com relação à forma que se dará o ensino religioso, muito
menos qual o seu conteúdo ou ainda, por ser facultativa a matrícula, não dá
nenhuma dica sobre o que farão as crianças que não optarem pelo ensino
religioso durante o período em que estiverem sendo ministradas as aulas
relacionadas à matéria. Tais indagações ficaram sem resposta imediata devendo
ser feita uma exegese de todo o texto constitucional para
que se consiga dar a aplicação correta ao artigo.
Pelos
argumentos colacionados cremos que foi infeliz o legislador constituinte ao
determinar que o ensino religioso deva ser ministrado dentro do horário normal
das escolas públicas, devendo, portanto, ser revisto este dispositivo, pois
está em contradição com o bojo da Constituição Federal no
tocante à separação obrigatória entre o Estado e os entes religiosos, sob pena
do Estado vir a patrocinar o proselitismo.
Soluções em um Estado Democrático de Direito
Igualdade Material
Embora a crença e a descrença em Deus
sejam inteiramente protegidas, em nome da autonomia, integridade e
autenticidade do ser humano, o Estado Constitucional não consegue garantir, em
termos absolutos uma igual liberdade e tolerância a todas as diferentes visões
do mundo religioso e não religioso. Se o fizesse acabaria, de forma duplamente
paradoxal, por comprometer os seus próprios princípios de igualdade e liberdade
de todos e por ser intolerante para com as perspectivas que entendem existir
uma verdade objetiva.
Por exemplo, não lhe cabem proteger, na
sua plenitude, religiões ou perspectivas religiosas que defendam práticas de
bruxaria e ocultismo ou concepções satânicas que se revelam contrárias à
primazia e à universalidade dos valores da dignidade humana, bondade,
racionalidade e justiça.
Não cabe ao Estado Constitucional garantir a presença
destas e doutras práticas nas escolas públicas, nos estabelecimentos
prisionais, instituições militares, instituições de solidariedade ou nos
hospitais. Não cabe às autoridades policiais ou aos tribunais, numa lógica
paranormal, espírita ou de reencarnação, admitir a intervenção de médiuns na
investigação criminal ou a sua presença nos tribunais para ouvir os mortos como
testemunhas, no processo penal, como aqui e ali já têm sido solicitadas. Também
não cabe ao Estado Constitucional ficar indiferente a doutrinas religiosas que
tenham como objetivo último à destruição dos direitos humanos, na democracia e
do Estado de direito.
Semelhantes perspectivas cedo se
revelariam contrárias à antropologia, aos valores e princípios fundamentais do
Estado Constitucional, atentando contra a respectiva natureza. Este nunca
poderia ser deduzido a partir de axiomas ou pressuposições da generalidade
dessas perspectivas.
Assim sendo, os valores que são ínsitos, e a sua defesa,
permitem justificar a restrição de concepções que diminuam ou degradem a
dignidade de homens, mulheres e crianças ou que defendam a primazia e ódio, do
mal e da injustiça. Embora os direitos fundamentais devam ser protegidos tanto
quanto possível, como decorre do respectivo âmbito
normativo alargado, as ponderações de bens jurídicos em colisão não são
levadas a cabo num vácuo mundividencial, histórico, cultural e axiológico.
Por postular a falibilidade dos seres
humanos, o Estado Constitucional deve permanecer aberto à discussão contínua,
nos planos teológicos, filosófico, político, jurídico, científico,
epistemológico, econômico, social e cultural, sobre o sentido, o conteúdo e as
implicações normativas e socioais desses valores. Isso deve levá-lo a garantir
uma liberdade religiosa, ideológica e de expressão tão ampla quanto à
fidelidade às suas pressuposições e aos seus valores o exigem e permitem.
Tratando-se aqui de um conceito indeterminado, ele deve ser interpretado de
forma generosa e protetora dos direitos humanos. Hoje, como sempre, muitas
questões políticas, econômicas, sociais e culturais colocam importantes
questões de valor. A neutralidade ideológica do Estado Constitucional assenta
na afirmação de alguns valores como axiomas objetivos indisponíveis, que
admitem apenas controvérsia relativamente ao seu conteúdo, às modalidades da
sua concretização e ao modo de harmonia.
Nas suas raízes profundas, o Estado
Constitucional terá mais dificuldade em acomodar algumas concepções que
decorrem de determinadas visões religiosas do mundo. Pense-se, por exemplo, de
que os seres humanos pertencem naturalmente a diferentes castas. Idêntica
dificuldade se verifica relativamente à concepção, que decorre logicamente de
uma visão naturalista do mundo, de que os mais fortes ou mais aptos têm um
direito natural de explorar ou oprimir os mais fracos ou menos aptos.
Ainda
assim, os seus princípios de igualdade e inclusão obrigam a que a estas
concepções seja dada ampla liberdade, mesmo envoltas em forte controvérsia. Em
todo o caso, o simples fato de existir discordância quanto a resposta a dar a
estas e outras questões só tem sentido para quem partir do princípio de que há
respostas objetivamente corretas para as mesmas. E isso, por sua vez, só tem
sentido se existir uma ordem de valores objetivas de origem transcendente,
acima das preferências dos indivíduos e das comunidades. O Estado
Constitucional adéqua-se inteiramente a estas pressuposições.
Controle da
Constitucionalidade
A
ideia de controle de constitucionalidade está ligada à Supremacia da Constituição sobre
todo o ordenamento jurídico e, também, à rigidez constitucional e proteção dos
direitos fundamentais.
O
controle de constitucionalidade configura-se, portanto, como garantia de
supremacia dos direitos e garantias constitucionais previstos na Constituição que,
além de configurarem limites ao Poder do Estado, são também uma parte da
legitimação do próprio Estado, determinando seus deveres e tornando possível o
processo democrático em um Estado de Direito.
Controlar
a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma
lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e
materiais.
Como
anota Jorge Miranda, constitucionalidade e inconstitucionalidade designam
conceitos de relação, isto é, "a relação que se estabelece entre uma coisa
- a Constituição -
e outra coisa - um comportamento - que lhe está ou não conforme, que com ela é
ou não compatível, que cabe ou não no seu sentido”.
Em
verdade, é essa relação de índole normativa que qualifica a
inconstitucionalidade, pois somente assim logra-se afirmar a obrigatoriedade do texto constitucional e
a ineficácia de todo e qualquer ato normativo contravencional.
Dessa forma, no sistema constitucional
brasileiro somente as normas constitucionais positivadas podem ser utilizadas
como paradigma para análise da constitucionalidade de leis ou atos normativos
estatais.
Na interpretação de José Afonso Silva,
ele declara:
“O
princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem
com os princípios e preceitos da Constituição. Essa conformidade com os ditames
constitucionais, agora, não se satisfaz apenas com a atuação positiva de acordo
com a Constituição. Exige mais, por omitir a aplicação de
normas constitucionais, quando a Constituição assim a determina, também constitui conduta
inconstitucional”.
A Constituição de
1988 reconhece duas formas de inconstitucionalidade: a inconstitucionalidade por ação(atuação)
e a inconstitucionalidade por
omissão (silêncio
legislativo).
A
inconstitucionalidade por ação ocorre com a produção de atos legislativos ou
administrativos que contrariem normas ou princípios da Constituição. O fundamento dessa inconstitucionalidade
está no fato de que do princípio da supremacia da Constituição resulta
o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um
país, no sentido de que as normas de grau inferior valerão somente se forem
compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são
inválidas, pois a incompatibilidade
vertical resolve-se em favor
das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das
inferiores.
Essa incompatibilidade não pode
perdurar, porque contrasta com o princípio da coerência e harmonia das normas
do ordenamento jurídico, entendido, por isso mesmo, como reunião de normas
vinculadas entre si por uma fundamentação unitária.
A
inconstitucionalidade por omissão verifica-se nos casos em que não sejam
praticados atos legislativos ou administrativos requeridos para tornar
plenamente aplicáveis normas constitucionais. Muitas destas, de fato, requerem
uma lei ou uma providência administrativa ulterior para que os direitos ou
situações nelas previstos se efetivem na prática.
A Constituição, por exemplo, reconhece que a saúde e a
educação são direitos de todos e dever do Estado (arts , 196 e 205), mas, se
não se produzirem os atos legislativos e administrativos indispensáveis para
que se efetivem tais direitos em favor dos interessados, aí teremos uma omissão
inconstitucional do Poder Público que possibilita a interposição da ação de
inconstitucionalidade por omissão (art. 103)
Para Canotilho, enquanto a inconstitucionalidade por ação pressupõe
a existência de normas inconstitucionais, a inconstitucionalidade por omissão pressupõe a “violação da lei
constitucional pelo silêncio legislativo”.
É
inegável, todavia, que a ausência de sanção retira o conteúdo obrigatório da Constituição, convertendo o conceito de
inconstitucionalidade em simples manifestação de censura ou crítica.
Nessa
linha de entendimento, assenta Kelsen que uma Constituição que
não dispõe de garantia para anulação dos atos inconstitucionais não é,
propriamente, obrigatória. E não se afigura suficiente uma sanção direta ao
órgão ou agente que promulgou o ato inconstitucional, porquanto tal providência
não o retira do ordenamento jurídico. Faz-se mister a existência de órgão
incumbido de zelar pela anulação dos atos incompatíveis com a Constituição. Convém registrar o seu magistério:
"Embora
não se tenha plena consciência disso — porque uma teoria jurídica dominada pela
política não lhe dá ensejo é certo que uma Constituição que,
por não dispor de mecanismos de anulação, tolera a subsistência de atos e,
sobretudo, de leis com ela incompatíveis, não passa de uma vontade despida de
qualquer força vinculante. Qualquer lei, simples regulamento ou todo negócio
jurídico geral praticado por entes privados têm uma força jurídica superior à Constituição, a que estão subordinados e que lhes
outorga validade.
É que a ordem jurídica zela para que todo ato que contraria
uma norma superior diversa da Constituição possa
ser anulado. Assim, essa carência de força obrigatória contrasta radicalmente
com a aparência de rigidez outorgada à Constituição através
da fixação de requisitos especiais de revisão. Por que tanta precaução se as
normas da Constituição, ainda que quase imutável, são, em
verdade, desprovidas de força obrigatória? Certo é, também, que uma Constituição, que não institui uma Corte Constitucional
ou órgão análogo para anulação de atos inconstitucionais, não se afigura de
todo desprovida de sentido jurídico.
A sua violação pode dar ensejo a sanções
onde exista pelo menos o instituto da responsabilidade ministerial contra os
órgãos que participaram da formação do ato, desde que admita sua culpa. Mas,
além do fato de que, como ressaltado, essa garantia não se mostra muito eficaz,
uma vez que deixa íntegra a lei inconstitucional, não se há de admitir que a Constituição estabeleça uma única via possível para a
edição de leis. O texto constitucional explicita,
consoante o seu sentido literal e subjetivo, que as leis devem ser elaboradas
de um certo modo e que hão de ter, ou não, determinado conteúdo. Mas no seu
sentido objetivo, admite a Constituição que
a lei é válida, mesmo em caso de inobservância de regras de índole
procedimental ou material".
Arguição do
Descumprimento do Preceito Fundamental
A Constituição de
1988 estabeleceu, no parágrafo único do
art. 102,
depois transformado em § 1º, pela EC 3/93, que acrescentou o § 2º, a arguição
de descumprimento de preceito fundamental decorrente da Constituição, a ser apreciada pelo Supremo Tribunal
Federal, na forma da lei.
Regulada
pela Lei n. 9.882/99,
tem como principal objetivo, assim como todas as ações de controle de
constitucionalidade, a prevalência da rigidez constitucional e a segurança
jurídica.
Os
preceitos constitucionais fundamentais não são apenas os princípios
fundamentais inscritos nos artigos 1º a 4º da Constituição Federal. Assim, nos ensina José Afonso da
Silva:
“Preceitos fundamentais” não
é expressão sinônima de “princípios fundamentais. É mais ampla, abrange a estes
e a todas as prescrições que dão o sentido básico do regime constitucional,
como são, por exemplo, as que apontam para a autonomia dos Estados, do Distrito
Federal e especialmente as designativas de direitos e garantias fundamentais
(tít. II)”.
Nos
termos da Lei n. 9.882/99,
cabe à arguição de descumprimento de preceito fundamental para evitar ou
reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público (art.
1º, caput). O parágrafo único do art. 1º explicita
que caberá também a arguição de descumprimento quando for relevante o
fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal,
estadual ou municipal, inclusive anteriores à Constituição (leis
pré-constitucionais).
Ve-se, assim, que a arguição de descumprimento poderá ser
utilizada para solver controvérsias constitucionais sobre a constitucionalidade
do direito federal, do direito estadual e também do direito municipal.
Como típico instrumento do modelo
concentrado de controle de constitucionalidade, a ADPF tanto pode dar ensejo à
impugnação ou questionamento direto de lei ou ato normativo federal, estadual
ou municipal, como pode acarretar uma provocação a partir de situações
concretas, que levem à impugnação de lei ou ato normativo.
No primeiro caso, tem-se um tipo de
controle de normas emcaráter principal, opera-se
de forma direta e imediata em relação à lei ou ao ato normativo. No segundo,
questiona-se a legitimidade da lei tendo em vista a sua aplicaçãoem uma dada
situação concreta (caráter
incidental). Aqui a
instauraçãodo controle de legitimidade da norma na ADPF repercutirá diretamente
sobreos casos submetidos à jurisdição ordinária, uma vez que a questão
prejudicial aser dirimida nesses processos será elevada à apreciação do Supremo
Tribunal Federal.
Poderão propor arguição de
descumprimento de preceito fundamental o Presidente da República, as Mesas da
Câmara e do Senado Federal, os Governadores dos Estados e o Governador do
Distrito Federal, as Mesas das Assembleias Legislativas e a Mesa da Câmara
Distrital, o Procurador-Geral da República, o Conselho Federal da OAB, partido
político com representação no Congresso Nacional, as confederações sindicais e
entidades de classe de âmbito nacional. Aplicam-se, aqui, fundamentalmente, as orientações
desenvolvidas a propósito da ação direta de inconstitucionalidade.
No que tange os feriados religiosos, há
de se cogitar a inconstitucionalidade pelo Descumprimento do Preceito
Fundamental. Para Oto de
Quadros, Promotor de Justiça do
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios:
Não
se deve falar em" tradição "como se legitimasse a existência de
feriados de cunho religioso. Quando a Constituição estabelece
a laicidade do Estado, obviamente se considera que a religião é algo que faz
parte das"tradições"de um povo. O constituinte abriu mão
expressamente dessa espécie de" tradição ", justamente em favor da
liberdade, da igualdade e da proibição de desproporcionalidades ou preferências
no que diz respeito às religiões. Assim, a inclusão de datas religiosas no
calendário oficial do País padece de grave vício de inconstitucionalidade.
Mas
qual é o caminho para que esses feriados religiosos sejam excluídos do
ordenamento jurídico? Talvez um bom meio seja a Arguição de descumprimento de
preceito fundamental, a ser ajuizada no Supremo Tribunal Federal por um dos
legitimados. Está sendo descumprido pelo menos um dos fundamentos do Estado
brasileiro, a dignidade da pessoa humana, assim como um dos objetivos
fundamentais, que é o de promover o bem de todos, sem preconceitos e quaisquer formas
de discriminação.
Descumprem-se os princípios da igualdade e da proibição
genérica de distinção de qualquer natureza, assim como o da inviolabilidade da
liberdade de consciência e de crença e o da proibição de privação de direitos
por motivo de crença religiosa, já que, havendo um feriado religioso, privam-se
de direitos de quem não professa essa religião. Também se descumpre o preceito
fundamental que proíbe à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos
municípios a criação de distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Cada dia mais aumenta na sociedade o
questionamento com relação a estes dias de feriados, seja com relação ao
respeito à expressão de espiritualidade do povo, seja também na visão comercial
e da prestação dos serviços públicos, que, em função dos feriados religiosos
deixam de funcionar, causando prejuízos tanto aos empresários e consumidores
como à população em geral, que fica impedida de usufruir a utilização dos
serviços nas repartições públicas. Sendo concepção de Gilberto Garcia, que
complementa:
“Nesse momento surge um
questionamento entre a população, Como é que esses feriados poderiam ser
extintos? Na realidade a pergunta é outra: Existe interesse em acabar com todos
os feriados religiosos? Na medida em que esse é um questionamento que deve ser
feito a população brasileira, através de seus representantes no parlamento, em
todos os níveis, visando o pleno exercício do amplo direito a liberdade
religiosa, num estado democrático de direito”.
Para
ele, o caminho é a provocação, por parte dos interessados, ao judiciário
brasileiro, via Supremo Tribunal Federal, numa Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental - ADPF, eis que as leis dos feriados já existiam antes
da Carta Magna de
1988, que os recepcionou, e aí com base na Constituição da Republica Federativa do Brasil, o STF
estabeleça qual o limite da separação Igreja-Estado, no que concerne a
comemoração de feriados religiosos oficiais num país laico, onde não existe uma
religião oficial, e estas convivem harmônica e pacificamente, graças a Deus,
brasileiros de todos os matizes de fé.
Na mesma linha de julgamento, podemos
inserir a ostentação de símbolos religiosos nas repartições públicas, tais como
crucifixos, também como um ato de descumprimento do preceito fundamental, pois
tal conduta pode ser arguida na mesma forma de inconstitucionalidade.
No Supremo Tribunal Federal, dois
ministros já se manifestaram contra a manutenção do crucifixo localizado no
plenário: Celso de Mello e Marco Aurélio. Significa dizer que as salas de
audiência e Tribunais não são locais de culto, assim como nenhum outro órgão
estatal. De fato, a Cruz afigura-se, desde sempre, um símbolo religioso
específico da fé cristã, não podendo dissociar-se desse seu significado, o que
afronta a opção constitucional pelo Estado laico que já se esperava ver
consolidada.
Ação Direta de
Inconstitucionalidade
Compete ao Supremo Tribunal Federal
processar e julgar, originariamente, ação direta de inconstitucionalidade de
lei ou ato normativo federal ou estadual.
O autor da ação pede ao STF que examine
a lei ou ato normativo federal ou estadual em
tese (não existe caso
concreto a ser solucionado). Visa-se, pois, obter a invalidação da lei, a fim
de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas
em normas inconstitucionais.
Devemos
entender como leis e atos normativos federais passíveis de ser objeto de ação
direta de inconstitucionalidade: disposições da Constituição propriamente ditas; leis de todas as formas
e conteúdos (observada à especificidade dos atos de efeito concreto), uma vez
que o constituinte se vinculou à forma legal.
Nesse contexto hão de serem
contempladas as leis formais e materiais; as leis formais ou atos normativos
federais, dentre outros; as medidas provisórias, expedidas pelo Presidente da
República em caso de relevância ou urgência, com força de lei (art. 62 c/c o
art. 84, XXVI).
Essas
medidas perdem a eficácia se não aprovadas pelo Congresso Nacional no prazo de
sessenta dias, podendo ser prorrogadas uma única vez, por igual período (CF/88, art. 62,
§ 7e). Nenhuma dúvida subsiste sobre a admissibilidade do controle abstrato em
relação às medidas provisórias.
O Supremo Tribunal Federal tem concedido
inúmeras liminares com o propósito de suspender a eficácia dessas medidas como
ato dotado de força normativa, ressalvando, porém, a sua validade enquanto
proposição legislativa suscetível de ser convertida ou não em lei. Contudo, a
ação direta de inconstitucionalidade, impugnando norma constante em medida
provisória, precisa ser aditada se a medida for convertida em lei.
Não se questiona, diante da
jurisprudência tradicional do Tribunal, que, rejeitada expressamente a medida
provisória ou decorrido in
albis o prazo constitucional
para sua apreciação pelo Congresso Nacional, há de se ter por prejudicada a
ação direta de inconstitucionalidade.
Decreto
legislativo que contém a aprovação do Congresso aos tratados e autoriza o
Presidente da República a ratificá-los em nome do Brasil (CF/88, art. 49, 1). O decreto legislativo apenas formaliza, na ordem
jurídica brasileira, a concordância definitiva do Parlamento em relação ao
tratado.
A autorização para aplicação imperativa somente ocorre, após a sua
ratificação, com a promulgação através de decreto. O processo do controle
abstrato de normas poderia, todavia, ser instaurado após a promulgação do
decreto legislativo, uma vez que se trata de ato legislativo que produz
consequências para a ordem jurídica.
O
decreto do Chefe do Executivo que promulga os tratados e convenções. O decreto
legislativo do Congresso Nacional que suspende a execução de ato do Executivo,
em virtude de incompatibilidade com a lei regulamentada (CF, art. 49, V).
Os atos normativos editados por pessoas
jurídicas de direito público criadas pela União, bem como os regimentos dos
Tribunais Superiores, podem ser objeto do controle abstrato de normas se
configurado seu caráter autônomo, não meramente ancilar.
O
decreto legislativo aprovado pelo Congresso Nacional com o escopo de sustar os
atos normativos do Podei Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos
limites de delegação legislativa (CF, art. 49, V).
Também
outros atos do Poder Executivo com força normativa, como os pareceres da
Consultoria Geral da República, devidamente aprovados pelo Presidente da
República (Dec. N. 92.889,
de 7-7-1986) ou Decreto que assuma perfil autônomo ou exorbite flagrantemente
do âmbito do Poder Regulamentar.
Devem
sei considerados leis ou atos normativos estaduais, podendo ser objeto somente
de ação direta de inconstitucionalidade: disposições das Constituições
estaduais, que, embora tenham a mesma natureza das normas da Constituição Federal, devem ser compatíveis com
princípios específicos e regras gerais constantes do texto fundamental (CF, art. 25 c/c o art. 34, VII, princípios sensíveis); leis estaduais de qualquer
espécie ou natureza, independentemente de seu conteúdo; leis estaduais editadas
para regulamentar matéria de competência exclusiva da União (CF, art. 22, parágrafo único); decreto editado com força de lei;
regimentos internos dos tribunais estaduais, assim como os Regimentos das
Assembleias Legislativas; atos normativos expedidos por pessoas jurídicas de
direito público estadual podem, igualmente, ser objeto de controle abstrato de
normas.
Não
existia razão jurídica para afastar do controle abstrato de constitucionalidade
os órgãos superiores do Distrito Federal. Com a promulgação da EC n. 45/2004, a questão ficou definitivamente superada. A
nova redação conferida ao art.103 da CF incluiu
o Governador do Distrito Federal e a Mesa da Câmara Legislativa no elenco dos
entes e órgãos autorizados a propor a ação direta de inconstitucionalidade e a
ação declaratória de constitucionalidade. Razões semelhantes já militavam em
favor do controle de constitucionalidade na jurisprudência do STF, por via de
ação direta de inconstitucionalidade, de ato aprovado pelos Poderes distritais
no exercício da competência
tipicamente estadual.
A
finalidade da ação direta de inconstitucionalidade é retirar do ordenamento
jurídico lei ou ato normativo incompatível com a ordem constitucional,
constituindo-se, pois, uma finalidade de legislador
negativo do Supremo Tribunal
Federal, nunca de legislador positivo. Assim, não poderá a ação ultrapassar
seus fins de exclusão, do ordenamento jurídico, dos atos incompatíveis com o
texto da Constituição.
A ação direita de inconstitucionalidade,
em virtude de sua natureza e finalidade especial, não é suscetível de
desistência. Ressalte-se, ainda, que, em face do princípio da
indisponibilidade, o autor da ação direita de inconstitucionalidade também está
impedido de desistir do pedido de medida cautelar formulado.
Declarada a inconstitucionalidade da lei
ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex
tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato
declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele
derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto,
destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de
inconstitucionalidade da lei ou ato normativo, inclusive os atos pretéritos com
base nelas praticados (efeitos ex
tunc).
Ao que diz respeito às
inconstitucionalidades no Estado laico, em julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 3.510 – na qual se debateu a possibilidade de
realização de pesquisas científicas com células-tronco embrionárias –, o
Supremo, a uma só voz, primou pela laicidade do Estado sob tal ângulo,
assentada em que o decano do Tribunal, Ministro Celso de Mello, enfatizou de
forma precisa:
“nesta República laica, fundada em bases
democráticas, o Direito não se submete à religião, e as autoridades incumbidas
de aplicá-lo devem despojar-se de pré-compreensões em matéria confessional, em
ordem a não fazer repercutir, sobre o processo de poder, quando no exercício de
suas funções (qualquer que seja o domínio de sua incidência), as suas próprias
convicções religiosas”.
Ao Estado brasileiro é terminantemente
vedado promover qualquer religião. Todavia, como se vê, as garantias do Estado
secular e da liberdade religiosa não param aí – são mais extensas. Além de
impor postura de distanciamento quanto à religião, impedem que o Estado endosse
concepções morais religiosas, vindo a coagir, ainda que indiretamente, os
cidadãos a observá-las. Não se cuida apenas de ser tolerante com os adeptos de
diferentes credos pacíficos e com aqueles que não professam fé alguma. Não se
cuida apenas de assegurar a todos a liberdade de frequentar esse ou aquele
culto ou seita ou ainda de rejeitar todos eles.
Em fevereiro 2012, a Liga Brasileira de
Lésbicas protocolou na Presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
um pedido para a retirada de crucifixos das dependências do Tribunal de Justiça
e foros do interior do Estado. O processo administrativo foi movido em recurso
à decisão de dezembro do ano 2011, da antiga administração do TJRS. Na época, o
Judiciário não acolheu o pedido por entender que não havia postura
preconceituosa.
O relator da matéria foi o Desembargador
Cláudio Baldino Maciel, que afirmou em seu voto que o julgamento feito em uma
sala de tribunal sob um expressivo símbolo de uma Igreja e de sua doutrina não
parece a melhor forma de se mostrar o Estado-juiz equidistante dos valores em
conflito. Resguardar o espaço público do Judiciário para o uso somente de símbolos
oficiais do Estado é o único caminho que responde aos princípios
constitucionais republicanos de um estado laico, devendo ser vedada a
manutenção dos crucifixos e outros símbolos religiosos em ambientes públicos
dos prédios, explicou o magistrado. A sessão foi acompanhada por representantes
de religiões e de entidades sociais. Após o trânsito em julgado da decisão,
será expedido ato determinando a retirada dos crucifixos.
Ao comentar a decisão do Conselho da
Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul de retirar crucifixos
e demais símbolos dos espaços públicos dos prédios da Justiça estadual gaúcha,
o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, criticou o fato de o Supremo Tribunal
Federal (STF) ter o símbolo exibido em seu plenário."O crucifixo deixa de
expressar a separação entre igreja e Estado que é um princípio republicano
básico. Portanto, é in", argumentou.
"A República no Brasil proclamou o
Estado laico e reconheceu o direito de todos professarem a religião de sua
crença. Não cabe a qualquer órgão público de qualquer esfera impor esse ou
aquele símbolo religioso", completou destacando que a imposição
desrespeita aqueles que adotam crenças diferentes".
Como
já mencionado anteriormente, a Procuradoria-Geral da República (PGR) propôs no
Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 4439.
Pela relevância, complexidade e natureza interdisciplinar do tema, a
procuradora-geral requer, de acordo com o artigo 9º,parágrafo 1º da
Lei nº 9.868/99,
a realização de audiência pública no Supremo.
No
mérito, Procuradora-Geral em exercício Deborah Duprat requer a interpretação
conforme a Constituição do
artigo 33,parágrafos 1º e 2º da
LBD, para assentar que o ensino religioso em escolas públicas deve ser de natureza
não confessional.
Para Duprat, esse modelo de ensino
protegeria “o Estado de influências provenientes do campo religioso, impedindo
todo tipo de confusão entre o poder secular e democrático, de que estão
investidas as autoridades públicas, e qualquer confissão religiosa”. A
procuradora-geral argumenta que a laicidade do Estado brasileiro impõe a
neutralidade em relação às distintas opções religiosas presentes na sociedade,
de modo a vedar o favorecimento ou embaraço de qualquer crença ou grupo de crenças.
No
pedido liminar, a procuradora-geral pede a suspensão da eficácia de qualquer
interpretação do dispositivo questionado da LDB que autorize a prática do ensino
religioso em escolas públicas que se paute pelo modelo não confessional, bem
como se permita a admissão de professores da disciplina como representantes de
quaisquer confissões religiosas. Requer, também, a suspensão da eficácia do
Decreto nº7.107/2010
que autorize a prática do ensino religioso em escolas públicas que não se paute
pelo modelo não confessional.
Considerações finais
A inerência humana de acreditar baseado
na fé, ou de mesmo não acreditar, baseado na ciência, ou por si só, nas
próprias convicções. As inúmeras denominações de crenças, formas de rituais,
cultos, adorações, cerimônias, práticas, culturas religiosas, ou até mesmo o
ateísmo, várias maneiras de percepções, baseadas no intuito que algo além de
nossa realidade poderá conceder a felicidade eterna.
É comprovado que dentro deste perímetro
há um controle de pensamentos e atitudes, fundado que o ser humano pode ter um
comportamento mais digno e adequado para viver em sociedade. Evidentemente que
a filosofia Divina é perfeita e suas diretrizes é a pedra fundamental para a
formação dos preceitos de convivência e relações do homem. De modo que o
direito é a evolução de tais acontecimentos.
Nesta forma de ideologia, a religião em
sua forma primitiva, se utilizava de tais preceitos, mais em uma colocação de
medo a compreensão, para um total controle da vida coletiva, após então em uma
forma evolutiva, o Estado aproveitou-se, aparando as arestas em que lhe era
conveniente. Claro que gradualmente e confundindo com a vida social, política e
econômica dos indivíduos.
O Estado confundindo-se em religião
tornava-se um controle absoluto, não tendo a sociedade escapatória, já que a
dissimulação era o caminho da salvação. Na mesma esteira, a religião se vê
aliada nos mesmos interesses convenientes, e se perpetua a ligação, o elo ao
Divino. A contaminação é imperceptível, já que o medo é a única sensação para o
domínio.
Viver, baseado em medo, viver para sustentar
o poder e a riqueza de poucos, viver como escravo ou ser um escravo do sistema
que lhe impunha o que se deveria pensar, falar, fazer e não fazer. Apregoar que
uma existência miserável, indigna e ignorante era predestinação, poderia ser
até plausível se todos tivessem a mesma condição, não dois extremos, riqueza e
penúria. Era o que o Estado e a Religião submetiam (ou ainda submetem) aos seus
subordinados.
Não se tem positivas experiências, ou
boas recordações do que foi essa união no passado e tenta continuar no
presente, confundindo com argumentos que nunca se comprovaram, e que somente
amparam as ostentações e necessidades patrimoniais de um império que se
consolidou no tempo.
O Estado foi sufocado, esmagado,
comprimido, e na primeira oportunidade, se viu na eminência de excluir a igreja
do poder, já que a igreja, desfocado da sua essência controlou o Estado e seus
indivíduos como marionetes, exterminado e impondo doutrinas corrompidas e
coibindo a existência humana de sua evolução natural. Inconcebível olhar para
traz e aceitar o fato que os mesmos que destruíram com imoralidade querem
pregar a moralidade. Desejam o convencimento do que é justo e aceitável a
todos, mas de uma forma mais sutil, já que o medo não se tem mais atualmente.
Sucede-se na atual conjuntura o Estado
realmente se encontra separado da religião formalmente, o que não está separado
são os elementos que constituem o ordenamento e a instituição administrativa
estatal. De que vale alcançar mandamentos que concedam liberdades se tais não
são regidas por quem deva realiza-las de forma imparcial, equitativa e
isonômica, deixando fora convicções, crenças e vantagens. Notoriamente,
superado e vencido foram os princípios inquisitivos, o que resta são as suas
cicatrizes.
Somente um exame do caso concreto pelo
Poder Judiciário poderá definir o direitos fundamentais em evidência,
determinando o limite da liberdade de religião. E como referência para o
julgador, é apontado os diversos conflitos que tal liberdade ainda não
proporciona as diferentes crenças.
Nota-se que várias são as manifestações
de busca por um Estado laico, independentemente das convicções manifestadas,
dentro dos ritos formais, nas diferentes ideologias, busca-se
constitucionalmente os direitos atribuídos a elas, alterar a atual inquisição e
resistência do legislativo e judiciário em não efetivar a legalidade da
neutralidade laica.
Claro que em uma concepção lógica,
romper com tradições e fatos históricos, em uma nação miscigenada, de
diferentes credos, costumes, ritos religiosos e filosóficos, e até mesmo os
ateus e agnósticos, se transforma em uma utopia. Todos reclamam suas
convicções, rogam a manifestação do Estado em libertar-se do envolvimento com a
religião, mas em contra partida, o Estado está ainda envolvido.
Entretanto,
não há como negar que parte dos conflitos sociais provém da tentativa de alguns
em querer associar poder terreno e poder religioso e que, por isso, a separação
entre poder temporal e poder divino previsto pela Constituição Federal atual
não garante tranquilidade religiosa na sociedade laica.
No tocante à relação entre Estado e
religião, percebemos que ainda existem situações em evidente desrespeito ao
princípio da igualdade, da liberdade de pensamento, da liberdade de religião, e
do modelo de estado laico adotado em nosso país, resultado de uma longa conexão
entre o Estado e a Igreja, que mesmo rompida, se vê fragmentos dessa relação
impregnados no Estado.
Somente com a efetividade do direito
fundamental da liberdade de religião e todas as derivações jusfundamentais dele
decorrentes é que eliminaremos os resquícios ainda existentes entre o Estado e
a forma administrativa e jurídica balizada nos moldes da religião predominante
e também, alcançaremos, tanto constitucionalmente quanto na práxis da sociedade
o direito ao tratamento igualitário para todas as religiões.
Diante
de uma análise genérica, é evidenciado não se está buscando uma radicalidade do
laicismo, onde o Estado deve abster-se completamente de envolvimentos coma
religião, mas sim, um Estado democrático consagrado pela Constituição, onde a premissa é busca pela laicidade. Premissa
essa que não está sendo desenvolvida com perfeição, dando ao uma denominação
religiosa, privilégios, e sendo, por tanto, obrigado a satisfazer as outras
pelo encargo.
Um peso, duas medidas. Evidente que a
vontade da maioria não garante a verdadeira democracia, já que o direito na
minoria não está sendo assegurado de forma que respeite a legislação atual e
vigente. Dar com uma mão e tirar com a outra é manter-se estacionado em ditames
já superados. O verdadeiro Estado deve eximir-se de quaisquer formas de
convicções, seja no teísmo, ateísmo, deismo, agnosticismo, etc. Agrada-se a
todos ou agrada-se a nenhum.
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