A PEC 241 Esconde um grande segredo, e um enorme perigo
André Forastieri 7/10/16
O Brasil gasta muito mais do que arrecada. Por isso nosso
país está sempre endividado. Para fechar a conta, o governo tem que tomar
dinheiro emprestado, pagando juros gigantes. Aí a dívida só aumenta. E por
causa disso falta dinheiro para investir no que é fundamental. E como os juros
são altos, as empresas também não investem, e o desemprego só aumenta. É um
círculo vicioso, de que o Brasil precisa escapar.
Fácil concordar com isso tudo. E fácil concordar que a
solução é uma lei que proíba o governo de gastar demais. Essa é a premissa da
Proposta de Emenda Constitucional 241, a PEC 241. É o grande projeto do governo
no momento. Muita gente respeitável garante que se ela não for aprovada, o país
quebra. É o que o ministro da fazenda, Henrique Meirelles, falou na TV. Temer
não está poupando esforços para aprovar a PEC. E ela tem de fato grande chance
de ser aprovada.
O que exatamente diz a PEC 241? Que nos próximos 20 anos,
até 2036, o governo do Brasil só poderá gastar exatamente o que gasta hoje. O
único ajuste permitido será o da inflação anual. É isso que vai ser votado, e
provavelmente aprovado, pelo Congresso.
Só tem um probleminha. Que vai virar um problemão.
O Brasil é um dos países que menos investe em saúde. O gasto
do poder público em saúde por habitante é mais ou menos R$ 1400 por ano - dá
menos de quatro reais por dia. Nos EUA é o equivalente a R$ 15 mil. Na Noruega,
o país com melhor padrão de saúde do planeta, o governo investe R$ 28 mil por
ano, por cidadão. Abaixo do Brasil, só os países mais miseráveis da África.
E o Brasil é um dos países que menos investe em educação. O
gasto anual do poder público com educação é de aproximadamente R$ 10 mil por
aluno do ensino básico. Quanto é nos países mais desenvolvidos? Três vezes
mais. Por isso é que eles são desenvolvidos... e a gente não.
Ou seja: se a gente aprovar a PEC 241, e continuar
investindo essa mesma miséria, o Brasil não vai pra frente. Aliás, vamos piorar
muito.
Porque a população continua crescendo. Hoje somos 206
milhões de brasileiros. Em 2036 seremos quase 240 milhões de pessoas. Mais
gente dividindo o mesmo investimento em saúde e educação. Então, na prática, o
investimento por pessoa vai cair.
Vai piorar porque a população do Brasil está envelhecendo. E
quanto mais velho, maior o custo com saúde.
Vai piorar porque a tendência global para as próximas
décadas é de criação de empregos muito menor. Os empregos tradicionais estão
cada vez mais sendo substituídos pelas máquinas e computadores. No Brasil,
situação ainda mais grave, porque temos milhões de jovens com uma educação tão
ruim que literalmente não servem para nada. Hoje o Brasil já é campeão de
"nem-nem", jovens de 15 a 24 anos que largaram de estudar, e não
trabalham, porque não têm qualificação nenhuma...
Então teremos uma porcentagem muito maior de brasileiros que
não terão condição de pagar seguro saúde, nem escola particular, o que vai
sobrecarregar ainda mais os sistemas públicos. E inevitavelmente as cadeias.
Não vamos nem citar outras questões prementes do país. Por
exemplo, o fato de termos apenas metade das casas do país ligadas à rede de
esgoto. A situação caótica dos transportes, a situação assustadora da
violência. Não vamos nem citar os desafios cada vez mais presentes na área de
meio-ambiente, de poluição, de mudança climática...
Vamos ficar só em saúde e educação. É muito claro, os
números não mentem. O Brasil precisará investir muito, muito mais nas próximas
décadas, para diminuir o descalabro atual. E não investir menos, que é o que a
PEC 241 propõe.
Mas se é assim, porque essa campanha tão forte a favor da
PEC 241? E porque ela tem grande chance de ser aprovada?
Porque para o Brasil fechar as contas, ou se arrocha os
pobres, que é o que a PEC 241 propõe. Ou se cobra impostos dos ricos. Que é o
que os outros países fazem.
No Brasil, pobre paga muito imposto, cobrado de maneira
indireta em cada produto que compra. Classe Média paga muito imposto, muito
imposto de renda, e ainda se aperta para bancar do bolso seguro saúde e escola
particular. Tanto pobres quanto classe média pagam também um mundo de juros,
embutidos em tudo que consumimos
E os ricos pagam pouquíssimo imposto. Tanto na pessoa
física, como na jurídica. No Brasil os ricos pagam pouquíssimo imposto sobre
suas propriedades, suas fazendas, seus investimentos financeiros. Pagam
pouquíssimo imposto sobre as heranças que deixam. Muito, mas muito menos que
nos outros países.
E as grandes empresas também pagam pouquíssimo imposto.
Existem mil maneiras de escapar, se você tem recursos suficientes. Fora que as
grandes empresas no Brasil se financiam como? Pegando dinheiro emprestado do
BNDES, ou seja, dinheiro público, a juros bem suaves.
Os ricos brasileiros têm uma vantagem dupla. Eles pagam
pouquíssimo imposto. E têm os maiores rendimentos financeiros do planeta Terra,
sem risco nenhum. Como? Justamente emprestando dinheiro para o próprio
governo...
É importantíssimo para os ricos brasileiros que a PEC 241
seja aprovada. Para que a conta desse ajuste seja pago pela classe média e
pelos pobres, e não por eles, os grandes empresários, grandes banqueiros,
grandes fazendeiros. Que é, claro, o grupo que tem mais poder. E mais poder tem
para eleger políticos e influenciar a opinião pública. Em qualquer época, em
qualquer governo, de qualquer partido.
O resultado da aprovação da PEC 241 será aumentar a
transferência dos recursos de 99% da população para os bolsos de 1% de
milionários. Espremer ainda mais o povo, para que os super ricos ganhem ainda
mais, e sigam pagando pouquíssimo imposto. Esse é o perigo que corremos:
condenar nosso país, nosso povo a um atraso infinitamente maior que o atual.
O Brasil precisa fechar as contas, sim. Mas temos que fazer
como fazem os países que se desenvolvem. Precisamos investir na educação, na
saúde, na segurança, na infraestrutura. Para isso é preciso dinheiro. E para
isso é preciso taxar com justiça todas as faixas da população. Proteger ao
máximo os mais necessitados. Cobrar moderadamente a classe média. E taxar com
vontade os milionários.
Isso faz sentido em outros países. Faria sentido no Brasil.
E mais que isso: faria justiça. O que não faz nem sentido, nem justiça, é a PEC
241.
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