A
história política brasileira é marcada por sucessivas e graves rupturas
democráticas, por ações militares e civis contrárias às instituições políticas
vigentes, assim como pelos esforços jurídicos imediatamente posteriores para
recomposição do regular exercício da cidadania e das liberdades individuais.
Foi
assim quando da instituição da Monarquia e da criação do Império do Brasil,
através da primeira dissolução parlamentar de nossa história, quando da
transição imposta da Monarquia para a República, quando do golpe de Getúlio
Vargas que instituiu o Estado Novo e, por derradeiro, quando da revolução
militar de 1964. Todas estas crises tiveram reflexos diretos nas sete
Constituições que vigoraram desde 1824 no Brasil, com a limitação e extensão
dos direitos e garantias individuais em cada período, com a manipulação dos
sistemas e formas de governo direto permitidos, pelas limitações ao exercício
de direitos políticos, em especial no que diz com o voto e a participação
popular no processo legislativo e deliberativo de Estado.
Serão
analisadas, separadamente, cada uma das constituições que já vigoraram no
Brasil, bem como os contextos históricos de suas vigências, com a contemplação
das previsões normativas existentes sobre sistema de governo e sua
representatividade, controle parlamentar dos atos dos Ministros de Estado,
cidadania, iniciativa popular para apresentação de projetos de leis,
plebiscitos e referendos, formas clássicas de exercício do denominado
"governo direto".
É
justamente esta evolução história, política e jurídica que se pretende estudar
neste artigo, para chegarmos a uma identificação atual de expressões e
conceitos, na vigente Constituição, denominada de "Cidadã".
A Constituição de 1824: de colônia de Portugal a Império do Brasil
No
período compreendido entre 1500 e 1808, o Brasil foi uma mera colônia do
Império de Portugal, fracionada administrativamente em denominadas “capitanias
hereditárias”, com um "elemento unitário na organização",
qual seja o sistema dos governadores-gerais.
Em
1808, quando de grande instabilidade na Europa, o imperador D. João VI chega ao
Brasil, deflagrando a fase monárquica.
Em
1815, o Brasil passa a figurar como "Reino Unido a Portugal", por
determinação de D. João VI, o que faz cessar o monopólio da metrópole e, por
conseguinte, o sistema colonial. O Imperador retorna para Portugal e deixa no
Brasil seu filho, Dom Pedro de Alcântara.
Em
1822, Dom João VI exige a volta do filho para Portugal. Instado, o príncipe
regente, Dom Pedro de Alcântara, negou-se a seguir tal determinação (fato esse
ocorrido no dia 09 de janeiro daquele ano, conhecido como "Dia do
Fico").
A vontade real de se tornar independente e, mais que isso, a de
constituir um novo Estado, ocorreu somente com a Proclamação da Independência,
em 7 de setembro de 1822, instituída sob a forma de monarquia, a qual perdurou
até 15 de novembro de 1889.
José
Afonso da Silva ensina que, transferida a sede da Família Reinante para o Rio
de Janeiro, era preciso instalar repartições, os tribunais e as comodidades
necessárias à organização do governo; cumpria estabelecer a ordem, com a
polícia, a justiça superior, os órgãos administrativos, que tinham até aí
faltado à colônia.
Dita forma de organização político-administrativa do governo imperial ficou
adstrita somente às imediações do Rio de Janeiro, sendo certo que pouca
influência exerceu no restante do interior do país, onde a fragmentação e
diferenciação do poder real e efetivo perduravam, sedimentadas nos três séculos
da vida colonial.
Assim,
estabeleceram-se a nobreza brasileira e a aristocracia intelectual, na época,
influenciada por ideais liberalistas que agitavam toda a Europa, motivadas
especialmente pelo Liberalismo e pelo Constitucionalismo.
Surge
o movimento constitucional no Brasil, reclamando uma unidade nacional, uma
organização central a fim de romper com os governículos regionais. A conjuntura
política brasileira era propícia para que aqui se instalassem as idéias
inovadoras e universais embandeiradas pela Revolução Francesa. Afinal, segundo
proclamado no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789, "não tem constituição a sociedade onde não é assegurada a garantia
dos direitos nem determinada a separação dos poderes".
Em
03 de junho de 1822, o Príncipe regente publicou decreto convocando eleições
para uma Assembléia Constituinte, a qual, eleita, deu início a seus trabalhos e
discussões em 03 de maio de 1823. Em 11 de novembro de 1823, poucos meses após
o início de seu funcionamento, discordando das propostas firmadas e debatidas,
Dom Pedro mandou cercar o prédio onde funcionava a assembleia, dissolvendo-a e
prendendo vários de seus parlamentares, iniciando a triste história de golpes
de Estado no Brasil. Em 25 de março de 1824, o Imperador outorgou a primeira
Constituição brasileira de sua história, restando esta imposta, ou melhor,
"oferecida e jurada por sua Majestade o Imperador", "em nome da
Santíssima Trindade", conforme disposição dela constante.
Da
análise da Constituição do Império do Brasil de 1824, podemos aferir que o
Império Brasileiro era uma nação livre e independente que constituía uma
associação política de todos os cidadãos brasileiros. As capitanias existentes
foram transformadas em províncias, sendo essa a forma de divisão do território
nacional, que organizava-se em forma unitária, sem características de
federação. O governo era monárquico do tipo hereditário, constitucional e
representativo.
Aos
moldes da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, o preceito da separação
dos poderes fora introjetado na Constituição do Império, contudo, na fórmula
quadripartida que, além do Poder Legislativo, Executivo e Judiciário, concebia
o "Poder Moderador", criação esta de Benjamim Constant para
fortalecer os poderes do Imperador.
O
Poder Moderador, considerado a chave de toda a organização política, era
exercido privativamente pelo Imperador, como chefe supremo da nação e seu
primeiro representante, para que incessantemente sua vontade velasse sobre a
manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes
políticos.
No
aparelho político do poder central, dois órgãos concorriam para reforçar a ação
do poder soberano: o Senado e o Conselho de Estado. Aquele, essencialmente
conservador, funcionava como órgão de reação contra movimentos liberais da
Câmara dos Deputados. O Conselho de Estado era órgão consultivo, que tinha
enormes atribuições, sendo quem aconselhava o Imperador nas medidas
administrativas e políticas e era o supremo intérprete da Constituição.
O
exercício do Poder Legislativo era conferido à Assembleia-Geral, composta da
Câmara dos Deputados, com a nota da eletividade e transitoriedade, e a dos
Senadores, composta por membros vitalícios nomeados pelo Imperador (arts. 13,
35, 40 e 43 da Constituição). As eleições ocorriam na forma indireta e o voto
era censitário, somente sendo deferido o direito ao voto aos homens, com mais
de 25 anos de idade, e que comprovassem renda anual mínima prevista na própria
Constituição.
O
Chefe do Poder Executivo era o Imperador, que o exercia com o auxílio dos
Ministros de Estado, que eram livremente nomeados e destituíveis pelo Imperador
e a quem cabia referendar ou assinar todos os atos do poder executivo, sob pena
de não poderem ser executados (arts. 131 a 136). Não havia a previsão
constitucional de que os Ministros de Estado poderiam ser convocados pelo Poder
Legislativo para prestar esclarecimentos, o que é compreensível em face da
estrutura monárquica de governo. Durante o Império do Brasil, o Imperador
reinava, governava e administrava, sendo chefe de Estado e de governo
efetivamente.
O
Poder Judiciário era independente dos demais poderes e composto de juízes e
jurados (art. 151).
Inspirados
nos princípios do constitucionalismo inglês, segundo o qual é constitucional
apenas aquilo que diz respeito aos poderes do Estado e aos direitos e garantias
individuais, os autores do texto outorgado por Dom Pedro I transplantaram para
o art. 178 o que seguramente constitui a chave do êxito e da duração da Carta
Imperial, que prescrevia expressamente que:
“É
só constitucional o que diz respeito aos limites e atribuições respectivas dos
poderes políticos, e aos direitos políticos e individuais dos cidadãos; tudo o
que não é constitucional pode ser alterado, sem formalidades referidas, pelas
legislaturas ordinárias.”
Tal
previsão é suficiente para classificar a Constituição de 1824 como semirrígida.
A
Constituição do Império carregava em seu bojo um rol de garantias individuais
que, nos seus fundamentos, permaneceu nas constituições posteriores, mas,
curiosamente, não tratava sobre a escravidão, que era a principal força de
trabalho em atividade no Brasil. Trata da proibição dos açoites, da tortura, da
marca de ferro e de outras penas cruéis, que, no entanto, continuavam a existir
de fato, mas não dispunha rigorosamente nada sobre a escravidão.
Não
havia nenhuma previsão de formas de exercício de governo direto. O sistema de
governo era representativo exclusivamente.
A
Constituição brasileira de 1824 foi a de maior duração das sete que o Brasil já
teve. Ao ser revogada pelo governo republicano, em 1889, depois de 65 anos, era
a segunda Constituição escrita mais antiga do mundo, superada apenas pela dos
Estados Unidos.
Ressalte-se, no entanto, que a única alteração àquele texto constitucional foi
o Ato Adicional de 1834, que tratou do período regencial, que se estendeu de
1831 até a maioridade do imperador Dom Pedro II, em 1840.
Interessante
registrar que foi sob esse mesmo texto, emendado apenas uma vez, que se
processou, sem riscos de graves rupturas, a evolução histórica de toda a experiência
monárquica brasileira. Essa evolução inclui fatos de enorme relevância e
significação tanto política quanto econômica e social. As intervenções no Prata
e a Guerra do Paraguai; o fim da tarifa preferencial da Inglaterra e o início
do protecionismo econômico, com a tarifa Alves Branco, de 1844; a supressão do
tráfico de escravos, o início da industrialização e a própria abolição da
escravatura, em 1888, são alguns desses exemplos.
A Constituição de 1891: a República dos Estados Unidos do Brasil
A
despeito da imposição de subordinação ao poder central, a realidade dos poderes
locais, sedimentadas durante a colônia, ainda permanecia regurgitante sob o
peso da monarquia centralizante.
José
Afonso da Silva preleciona que a ideia descentralizadora como a republicana
despontara desde cedo na história político-constitucional do Império. Os
federalistas surgem no âmago da Constituinte de 1823, e permanecem durante todo
o Império, provocando rebeliões como as Balaiadas, as Cabanadas, as Sabinadas e
a República de Piratini. Tenta-se implantar, por várias vezes, a monarquia
federalista do Brasil, mediante processo constitucional (1823, 1831), e
chega-se a razoável descentralização com o Ato Adicional de 1834, esvaziado
pela lei de interpretação de 1840. O republicanismo irrompe com a Inconfidência
Mineira e com a revolução pernambucana de 1817; em 1823, reaparece na
constituinte, despontando outra vez em 1831, e brilha com a República de
Piratini, para ressurgir com mais ímpeto em 1870 e desenvolver-se até 1889.
Em
15 de novembro de 1889, houve a queda de um Império imensamente desgastado e
vencido pela ideologia liberal, instaurando-se um governo provisório, presidido
pelo Marechal Deodoro da Fonseca, como resultado do combate iniciado no dia
anterior. Cedeu, pois, lugar à República Federativa, influenciada pelo
federalismo, como princípio constitucional de estruturação do Estado e pela
democracia, como regime político que melhor assegura o exercício dos direitos
fundamentais.
Foi
através do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, redigido por Rui Barbosa,
que, histórica e provisoriamente, surgiu no Brasil a Federação como forma de
Estado e a República como forma de governo. No art. 7º deste decreto, ficou
estabelecido que a forma republicana ficaria aguardando o "pronunciamento
definitivo do voto da nação, livremente expressado pelo sufrágio popular",
na primeira previsão normativa brasileira de exercício de governo direto da
cidadania. A vontade popular, no entanto, teve de esperar por mais de um século
para manifestar-se efetivamente, sendo que, somente em 1993, foi realizado o
plebiscito sobre os regimes e formas de governo.
Não
tardou para que o governo provisório tratasse de organizar o novo Estado que se
formara, anunciando as liberdades democráticas. Presidida por Prudente de
Moraes, foi eleita a Assembleia-Geral Constituinte, em 15 de setembro de 1890.
Como produto de sua elaboração, a Constituição da República dos Estados Unidos
do Brasil terminou promulgada no dia 24 de fevereiro de 1891, que ratificou as
disposições estruturais lançadas no Decreto nº 1.
O
artigo 1º da Constituição da República de 1891 trazia as mudanças sofridas pela
Nação brasileira e tinha a seguinte redação:
“A
Nação brasileira adota como forma de governo, sob o regime representativo, a
República Federativa Proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui-se, por
união perpétua e indissolúvel das suas antigas províncias, em Estados Unidos do
Brasil.”
A
nova República que se erguia desfez-se do Poder Moderador, traço pernicioso de
inconfundível ingerência nos demais poderes. Adotou-se, então, o critério
tripartido de Montesquieu, no qual os poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário eram, sim, harmônicos e independentes entre si, conforme redação
expressa do artigo 15 daquela Carta Política.
Adotou
o sistema representativo de governo, através do presidencialismo, à moda
norte-americana. O Presidente da República, neste contexto, era o chefe de
Estado e de governo, auxiliado pelos Ministros de Estado, agentes de sua
confiança que lhe subscrevem os atos, e que, curiosamente, eram proibidos
constitucionalmente de comparecer às sessões do Congresso, e só podiam com este
se comunicar por escrito ou pessoalmente em conferência com as Comissões das
Câmaras (arts. 49 a 52).
Fato
relevante diz com a eleição do Presidente e do Vice Presidente da República, os
quais seriam eleitos por sufrágio direto da Nação e por maioria absoluta de
votos. Se nenhum candidato alcançasse a maioria absoluta de votos, caberia ao
Congresso a eleição (art. 47), transformando a eleição em indireta.
Além
disso, passou a constar daquela Carta Política que o Poder Executivo seria
exercido pelo Presidente da República, na qualidade de "chefe eletivo da
nação" (art. 41). Como substituto, no caso de impedimento, o
Vice-Presidente assumiria o poder, "eleito simultaneamente com ele"
(parágrafo 1o do artigo 41). Os primeiros Presidente e Vice Presidentes da
República seriam eleitos pela própria Assembléia Constituinte, tendo sido
eleito o Presidente Deodoro da Fonseca e figurado como Vice-presidente Floriano
Peixoto que, curiosamente, eram de chapas opostas.
As
eleições eram diretas, porém os votos não eram secretos. Colocou-se fim ao voto
censitário, sendo conferido direito político aos homens com mais de 21 anos de
idade, devidamente alistados, sem mais exigir-se capacidade financeira mínima
para a habilitação eleitoral. Não era prevista forma de iniciativa popular para
apresentação direta de projetos de leis e atos normativos, sendo que cabia aos
senadores e deputados a iniciativa para apresentação de tais proposições (art.
36). Igualmente, não havia previsão constitucional alguma sobre plebiscitos ou
referendos como formas de exercício de governo direto.
Todas
as normas previstas no texto constitucionais passaram a ser consideradas
efetivamente constitucionais, exigindo processo árduo para sua mudança,
inaugurando um definitivo período de "rigidez constitucional" em
nosso sistema, o que será marcante em todas as demais Cartas que a sucederam.
Outra
inovação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil foi a
atribuição de autonomia aos Estados-Membros e aos Municípios, o que se pode
extrair da expressão constante do artigo 68 do mesmo documento: "Os
Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos
municípios, em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse".
Quanto
a declaração de direitos, houve o suprimento das penas de galés, de banimento
judicial e de morte. O Habeas Corpus, que já era previsto no Código
Criminal de 1830, oi elevado a garantia constitucional pela primeira vez em
nossa história, para tutela de direitos muito além da liberdade física.
Historicamente,
o conflito de interesses passou a permear as relações de poder, já antes das
eleições para a primeira Presidência da República.
Como
a recém-proclamada Constituição não estava sendo seguida pelo Presidente
eleito, Deodoro da Fonseca, logo a oposição pretendeu derrubá-lo pelo impeachment, providenciando sua regulamentação por meio de um
projeto de lei que definisse os crimes de responsabilidade do Presidente da
República. O Poder Executivo o vetou. Este veto foi submetido ao Senado e à
Câmara e, em ambas as casas, foi derrubado. Deodoro da Fonseca, para manter-se
no poder, em 3 de novembro de 1891, dissolveu todo o Parlamento. Houve
instantânea reação das Forças Armadas, no comando do almirante José Custódio
José Mello. Deodoro da Fonseca, sob fortíssima pressão, renunciou à Presidência
da República.
Em
seu lugar, tomou o poder o Vice-Presidente, Floriano Peixoto. Preferiu desatar
os nós estabelecidos entre seu antecessor e os governadores dos
estados-membros, destituindo-os, o que se deu provocando a revolta de todos.
Era o começo de mais uma guerra civil.
Entretanto,
Floriano Peixoto manteve-se firme no poder e, apesar das intempéries, entregou
o mandato somente ao novo Presidente eleito: Prudente de Moraes, o qual deu
suporte aos governos dos Estados-Membros e com eles passou a brindar interesses
oligárquicos. Campos Salles, a seu tempo, foi o responsável pela firmeza da
"política dos Governadores", vilipendiando os partidos políticos.
O
poder dos governadores, por sua vez, sustentava-se no coronelismo, fenômeno em
que se transmudaram a fragmentação e a disseminação do poder durante a colônia,
contido no Império pelo Poder Moderador. O coronelismo foi o poder real e
efetivo, a despeito das normas constitucionais traçarem esquemas formais de
organização nacional com teoria da divisão de poderes. A relação de forças dos
governadores impunham o Presidente da República, enfraquecendo a eficácia de
fato do esquema formal estabelecido na constituição.
Todavia,
aos poucos, as bases do coronelismo foram se tornando vazias e enfraquecidas.
Era tempo de nova aliança. Assinala Aliomar Baleeiro que a política do
“café-com-leite” era a alcunha que davam, antes de 1930, ao pacto silencioso
entre Minas e São Paulo, pelo qual os dois mais populosos e fortes Estados se
revezavam por seus filhos na Presidência da República.
Com
a Revolução de 1930, Getúlio Vargas toma o poder e rompe com a "política
de governadores", deixando para trás a primeira República, a denominada
"República Velha". A desmoralização das eleições, sabidamente
fraudulentas, ao lado da “política de governadores” foi, talvez, a causa
principal do malogro da 1ª República e da sua condenação pela opinião pública.
A Constituição "Social" de 1934
Nesse
momento histórico, a economia brasileira despontava em vertiginosa ascensão,
até que os efeitos da crise da Bolsa de Valores de Nova Iorque se irradiaram
para o Brasil, onde o preço do café para exportação caiu à metade.
Diante
desse terrível cenário, Getúlio passou a se preocupar sensivelmente com a
questão social. Foi o grande mentor e criador do Ministério do Trabalho. Outro
feito importante de Getúlio foi a elaboração do Código Eleitoral, oportunidade
na qual editou o decreto de 3 de fevereiro de 1932. Convocou eleições à
Assembléia Constituinte, também por decreto, em 3 de maio de 1932.
Logo
após, exatamente dois meses depois, eclodiu a Revolução Constitucionalista em
São Paulo. Venceu Getúlio e as eleições que haviam sido convocadas restaram
mantidas para o ano seguinte, sendo concluída a Constituição de 1934, também
dos "Estados Unidos do Brasil", agora sob a invocação em preâmbulo da
confiança de Deus.
Na
Constituição de 1934, foram mantidos os mesmos princípios fundamentais, quais
sejam, a república, a federação, a divisão de Poderes, o presidencialismo e o
regime representativo. Mas é de se considerar que inovou em vários aspectos,
inclusive com a extinção da figura do Vice-Presidente da República, no aumento
de poderes atribuídos à União (arts. 5º e 6o); atribuiu alguns poderes aos
Estados-Membros e entregou-lhes poderes remanescentes (arts. 7º e 8o); também
tratou de competências concorrentes entre a União e os Estados-Membros (art.
10), tornando mais claro e preciso o pacto federativo.
Destaque-se
que o exercício do Poder Legislativo foi conferido à Câmara dos Deputados que
contava com a "colaboração" do Senado Federal (arts. 22, 88 e
seguintes), rompendo com o modelo bicameral antes em vigor. Ao Senado Federal
competia, com exclusividade, a iniciativa de leis sobre a intervenção federal
e, em geral, das que interessem determinadamente a um ou mais Estados (art. 41,
§ 3º), fortalecendo, ainda mais, a Federação.
A
Constituição de 1934 consagrou os direitos políticos das mulheres e
o voto secreto, e delineou as Justiças Eleitoral e Militar, vinculando-as ao
Poder Judiciário (artigos, 109, 63, "d", e 82).
Pela
primeira vez em nossa história constitucional, foi previsto que os Ministros de
Estado, com responsabilidade pessoal e solidária com o Presidente da República,
seriam obrigados a comparecer ao Congresso para prestarem esclarecimentos ou
pleitearem medidas legislativas, contudo não se admitia a possibilidade de
censura parlamentar.
Continuava
sem previsão constitucional a iniciativa popular para a apresentação de
projetos de leis e atos normativos, sendo que dita atribuição era conferida a
qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, ao Plenário do Senado
Federal e ao Presidente da República (art. 41). Plebiscito e referendo
continuavam sem contemplação constitucional.
Além
disso, adotou, ao lado da representação política tradicional, a representação
corporativa de influência fascista, a sindicalização.
Ao lado da clássica
declaração de direitos e garantias individuais, com a introdução da ação
popular e do mandado de segurança, inscreveu um título sobre a ordem econômica
e social e outros sobre a família, a educação e a cultura, com normas quase
todas programáticas, sob a influência da Constituição alemã de Weimar. Pela
primeira vez na história constitucional brasileira, foi tratada a questão
indígena, denominados como "silvícolas" (arts. 5º e 129).
Por fim,
insta mencionar que a Constituição de 1934 cuidou da regulamentação da segurança
nacional e estabeleceu princípios sobre o funcionalismo público (arts. 159 e
172).
José
Afonso da Silva entende que "fora, enfim, um documento de compromisso
entre o liberalismo e intervencionismo".
A Constituição “Polaca” de 1937
Na
época, as ideologias do mundo pós-guerra já haviam se difundido amplamente no
Brasil. Tanto que os partidos políticos posicionavam-se a favor ou contra
aquelas ideologias. Organizou-se o Partido Comunista, liderado por Luís Carlos
Prestes. De outra banda, Plínio Salgado liderou a Ação Integralista Brasileira.
Receoso,
Getúlio, que havia sido eleito pela Assembléia Constituinte, tal como ocorrera
anteriormente com Deodoro da Fonseca, também reproduziu com fidelidade o gesto
deste, na tentativa de restabelecer o poder central. Desse modo, adotou, a uma
só penada, três atitudes de extrema relevância para o futuro político da nação
brasileira: dissolveu a Câmara e o Senado, revogou a Constituição de 1934 e
outorgou a Carta de 1937, cujo anteprojeto foi de autoria do jurista Francisco
Campos.
Getúlio
prometeu a convocação de futuro plebiscito (art. 187 daquela Constituição).
Nunca o fez. Nascia oEstado Novo, período esse denominado "hiato
autoritário" pelos constitucionalistas.
Teve
a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1937, como principais
preocupações: fortalecer o Poder Executivo, a exemplo do que ocorria em quase
todos os outros países, julgando-se o chefe do governo em dificuldade para
combater pronta e eficientemente as agitações internas; atribuir ao Poder
Executivo uma intervenção mais direta e eficaz na elaboração das leis,
cabendo-lhe, em princípio, a iniciativa e, em certos casos, podendo expedir
decretos-leis; reduzir o papel do parlamento nacional, em sua função
legislativa, não somente quanto a sua atividade e funcionamento, mas ainda
quanto à própria elaboração da lei; eliminar as causas determinantes das lutas
e dissídios de partidos, reformando o processo representativo, não somente na
eleição do parlamento, como principalmente em matéria de sucessão presidencial;
conferir ao Estado a função de orientador e coordenador da economia nacional,
declarando, entretanto, ser predominante o papel da iniciativa individual e
reconhecendo o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo;
reconhecer e assegurar os direitos de liberdade, de segurança e de propriedade
do indivíduo, acentuando, porém, que devem ser exercidos nos limites do bem
público; a nacionalização de certas atividades e fontes de riqueza, proteção ao
trabalho nacional, defesa dos interesses nacionais em face do elemento
alienígena.
A
Constituição (que teve como parâmetro a experiência da Polônia, que logrou
sucesso ao formar um Estado Social) dava destaque à proeminência do Poder
Executivo. O art. 73 da Constituição do Brasil de 1937 é idêntico ao art. 2o da
Constituição Polonesa de 1935:
“O
Presidente da República, autoridade suprema do Estado, coordena a atividade dos
órgãos representativos, de grau superior, dirige a política interna e externa,
promove ou orienta a política legislativa de interesse nacional, e superintende
a administração do País.”
Durante
este período, apesar de formalmente mantida a Federação, o Estado brasileiro
foi, realmente, unitário. Pouca obediência prestava-se à Constituição no que
concerne ao federalismo, sendo que os Estados regiam-se pelo Decreto-lei 1.202,
de 08 de abril de 1939, verdadeira "lei orgânica" dos entes federados, que eram governados por
interventores nomeados pelo Presidente da República. O culto ao poder central
alcançou até os símbolos nacionais, sendo proibidos outras bandeiras, hinos,
escudos e armas, inclusive as estaduais, os quais assim permaneceram por oito
anos.
As
eleições para o Parlamento Nacional, novamente previsto na forma bicameral,
jamais foram realizadas neste período, assim como as para as Assembléia Legislativas estaduais.
A
iniciativa para apresentação de projetos de leis era, em princípio, de
competência do Governo. A nenhum membro de quaisquer das Câmaras caberia a
iniciativa de projetos de lei, o que somente poderia ser tomada por um terço de
Deputados ou de membros do Conselho Federal (artigo 64). Não havia previsão de
iniciativa popular para apresentação de projetos de lei.
Walter
Costa Porto observa uma aparente incongruência: um aspecto que diferencia a
Carta de 1937 é que, sendo a segunda Constituição outorgada do Brasil, foi, no
entanto, a que mais largo espaço abriu às práticas plebiscitárias,
no exercício da denominada “democracia direta”, ao menos no que diz com o
aspecto formal do texto. Nenhuma das Constituições anteriores fizeram
referência a plebiscitos ou outras formas de consulta popular.
Esta, por sua
vez, empregou este termo por nove vezes, entre as quais podem ser destacadas as
seguintes disposições: possibilidade de realização de plebiscito para a
deliberação popular sobre a criação, fusão, desmembramento e subdivisão dos
Estados (art. 5º); necessidade de realização de plebiscito para atribuição de
poderes e competências legislativas ao Conselho de Economia Nacional (art. 63);
no caso de ser rejeitado um projeto de emenda à Constituição de iniciativa do
Presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente,
apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o
Presidente da República tinha a possibilidade de, dentro em trinta dias,
resolver que um ou outro projeto seria submetido ao plebiscito nacional (art.
174); era prevista a realização de plebiscito como condição de validade e
permanência da própria Constituição (art. 187), registrando-se que o mandado do
Presidente da República, Getúlio Vargas, seria renovado até a realização deste
mesmo plebiscito (art. 175).
No
entanto, não foi realizado nenhum plebiscito no período de vigência da
Constituição de 1937.
Apesar
de ser uma novidade no sistema jurídico brasileiro, na Europa o uso do
plebiscito foi uma das características das ditaduras nazista e fascista nas
décadas de 1920 e 1930, sempre como o objetivo de buscar o apoio popular a uma
medida pouco democrática já em curso.
Como
é possível perceber, o que de fato ocorreu, foi a imposição da mais execrável
ditadura a qual, sob o pretexto de expurgar da Nação facções antidemocráticas,
acabando por aniquilar direitos, liberdades e garantias fundamentais.
A Constituição de 1946: retorno à democracia
Após
a Segunda Grande Guerra, iniciou-se a redemocratização do Brasil. Foi publicada
a lei constitucional nº 9, de 28 de fevereiro de 1945, cuja finalidade
principal foi convocar eleições diretas para o Chefe do Executivo e membros do Congresso
Nacional. Esperou-se pela convocação de uma nova Assembléia Geral Constituinte,
em vão.
Desse
modo, emergiram poderosos grupos de opositores, dentre os quais o liderado pelo
Brigadeiro Eduardo Gomes, representante da Força Aérea Brasileira e o General
Eurico Gaspar Dutra, ex-Ministro de Guerra do próprio Getúlio Vargas. Venceu o
segundo, o qual recebeu a faixa presidencial do então Ministro do Supremo
Tribunal Federal, de vez que Getúlio Vargas havia sido deposto pouco antes, em
29 de outubro daquele mesmo ano. Era o fim do "hiato autoritário".
Estabeleceu-se,
então, nova Assembléia Constituinte, marcada pela diversidade de ideologia
representada pelos mais diversos partidos políticos, o que certamente ficou
estampado na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de
setembro de 1946, com a retomada efetiva e concreta da Federação.
Foi
a Carta que mais fortaleceu os municípios na Federação, prestigiando suas
definições em matérias e interesses locais. Tratou como constitucional o direito
ao pleno e incondicional acesso ao Judiciário, a liberdade de organização
partidária e afastou a pena de confisco.
O
sistema representativo de governo continuava sendo o presidencialista, com suas
características fundamentais, cabendo este exercício ao Presidente, ao recriado
Vice Presidente e a seus Ministros de Estado, os quais eram obrigados a
comparecer perante a Câmara dos Deputados, o Senado Federal ou qualquer das
suas Comissões, quando uma ou outra Câmara os convocasse para, pessoalmente, prestar
informações acerca de assunto previamente determinado, sendo que a falta de
comparecimento, não justificada, importava em crime de responsabilidade (art.
54). Porém, perceba-se, não havia o instituto da censura parlamentar na
espécie.
A
iniciativa das leis, ressalvados os casos de competência exclusiva, eram de
competência do Presidente da República e a qualquer membro ou Comissão da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal (artigo 67), não havendo previsão para
proposições de iniciativas populares.
O
plebiscito, por sua vez, passou a ser limitado como condição essencial e de
validade para a incorporação, subdivisão e desmembramento de Estados (artigo
2º), não sendo prevista qualquer outra forma ou hipótese de sua aplicação.
Mesmo assim, foi realizado em 06 de janeiro de 1963 o único plebiscito sob a
égide dessa Constituição.
Em
agosto de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, houve uma grave crise
política, sendo que os militares não aceitavam a posse do vice-presidente João
Goulart. A solução conciliatória encontrada foi a aprovação da Emenda
Constitucional nº 4, em 02 de setembro de 1961, que instituiu o sistema
parlamentar de governo e a extinção do cargo de vice-presidente, bem como fez
previsão da realização de plebiscito para definição popular sobre o sistema de
governo a ser definitivamente adotado no Brasil. Houve uma derrota esmagadora
dos parlamentaristas na consulta popular realizada, retomando-se o sistema
presidencialista.
Com
o resultado plebiscitário, houve a aprovação da Emenda Constitucional nº 6, de
23 de janeiro de 1963, revogando o diploma parlamentarista anterior. João
Goulart conservou-se no poder por razoável período e terminou deposto pelo
golpe militar no dia primeiro de abril de 1964.
José
Afonso da Silva ensina que a nova Carta Política baseou-se nas Constituições
anteriores "que nem sempre estiveram conformes à história real, o que
constituiu o maior erro daquela Carta magna, que nasceu de costas para o
futuro, fitando saudosamente os regimes anteriores." Talvez isso explique o fato de não ter conseguido
realizar-se plenamente. Mas, assim mesmo, não deixou de cumprir sua tarefa de
redemocratização, propiciando condições para o desenvolvimento do país durante
os vinte anos em que o regeu.
A Constituição "Militar" de 1967
Com
o Ato Institucional nº 1 de 1964, e efetivação do golpe civil-militar, a ordem
jurídica foi "mantida", mantendo-se em vigor a Constituição de 1946,
com a especialíssima ressalva de "suspensão dos direitos civis
políticos". Castelo Branco foi eleito e orientou-se em todo o período de
seu mandato pelo indigitado Ato Institucional. Após, seguiram-se os Atos
Institucionais nº 2, 3 e 4. O último serviu para estabelecer procedimento de
votação da nova Constituição pelo Congresso Nacional.
Enfim,
a Constituição de 1967 foi outorgada, em 24 de janeiro de 1967; espelhou-se
totalmente na Carta de 1937 e passou a produzir efeitos somente em 15 de março de
1967, momento no qual o Presidente Marechal Arthur da Costa e Silva tomou
posse. Não mais tratava-se dos "Estados Unidos do Brasil", mas apenas
de "Brasil".
O
Poder Executivo foi novamente fortalecido, passando a centralizar a gestão do
Estado. Adotou-se uma solução em que existe uma nítida separação entre poderes.
Mas destaca-se dos demais, um Executivo forte, que se organiza por si mesmo,
sem interferência do Legislativo e que se enquadra em uma estrutura
administrativa poderosa, sob o comando direto do Presidente da República.
Acabou a eleição direta presidencial, passando esta a dar-se por meio indireto
do Congresso Nacional, pelo sufrágio de um Colégio Eleitoral especialmente
constituído para tanto (art. 9º).
Themístocles
Cavalcanti, Luiz Navarro de Brito e Aliomar Baleeiro, em análise à Constituição
de 1967, concluem ter havido os seguintes reforços ao Poder Executivo:
"
a) ampliação da iniciativa;
b) limites no tempo da aprovação dos projetos do
governo;
c) delegação legislativa;
d) restrição a emenda dos projetos
governamentais;
e) faculdade ao Executivo de expedir decretos-leis".
São instrumentos que importam o fortalecimento do Poder Executivo, no comando
não só da política administrativa e financeira, mas também do mecanismo
parlamentar, que fica condicionado, na maioria das suas atividades, à
participação do Poder Executivo.
O
sistema de governo adotado era o presidencialista, cabendo registrar que
manteve-se inalterada a previsão constitucional de obrigação dos Ministros de
Estado em comparecer ao Parlamento quando convocados para esclarecimentos,
sendo que a falta não justificada ao ato importaria em crime de
responsabilidade. No entanto, constitucionalmente, passou-se a prever a
possibilidade de solicitação dos próprios Ministros para comparecimento ao
Parlamento para discussão de assuntos de seus interesses (art. 40).
Plebiscito
e referendo não foram conhecidos como institutos jurídicos constitucionais. Há,
no entanto, a previsão de uma possibilidade de consulta prévia à população
interessada para a criação de novos municípios (art. 14), porém sem a mesma
eficácia e vinculação obrigatória do exercício de governo direto.
Não havia
previsão de iniciativa popular para apresentação de projetos de lei, sendo que
esta cabia a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados ou do Senado
Federal, ao Presidente da República, e aos Tribunais Federais com jurisdição em
todo o território nacional (art. 59), sendo esta legitimação do Poder
Judiciário uma inovação bastante interessante na história constitucional
brasileira.
Dentro
dessa análise jurídica, ainda convém mencionar que na Constituição de 1967
houve fixação, com maior precisão, dos direitos trabalhistas, bem como foi
criada a autorização de desapropriação para fins de reforma agrária, mediante o
pagamento de indenização por títulos da dívida pública.
Diante
das diversas manifestações estudantis e populares de inconformidade com o
sistema ditatorial iniciado, o Presidente Costa e Silva decretou o Ato
Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, um dos atos mais arbitrários da
história republicana. O recrudescimento do autoritarismo foi tal, que o
Congresso Nacional foi fechado e os direitos e as garantias individuais foram
suspensos.
Acometido
de uma enfermidade, Costa e Silva foi impedido de exercer o poder pelo Ato
Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, o qual conferiu o poder aos
Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Por meio
de uma "emenda" (a Emenda Constitucional nº 1, à Constituição de
1967), trataram de outorgar nova Constituição, a de 17 de outubro de 1969, cuja
vigência foi postergada para o dia 30 daquele mesmo mês, que continuou a sofrer
os reflexos dos Atos Institucionais, cada vez mais autoritários.
Por exemplo,
interessante consignar os Atos Institucionais nº 13 (instituiu o banimento
daquele brasileiro que "comprovadamente se tornar inconveniente, nocivo ou
perigoso à segurança nacional") e 14 (alterou o artigo 150 da Constituição
e introduziu as penas de morte, perpétua e o banimento para os crimes de "guerra
externa, psicológica adversa, revolucionária ou subversiva").
A
Constituição da República Federativa do Brasil de 1969 (denominação inovadora
constitucionalmente) foi alterada por 26 emendas, sendo a última de 27 de
novembro de 1985, a qual se manifestou, em essência, como verdadeiro ato
político ao transmitir a ordem de convocação da Assembléia Nacional
Constituinte. Ora, se convocava a Constituinte para elaborar Constituição nova
que substituiria a que estava em vigor, por certo não tem a natureza de emenda
constitucional, pois esta tem precisamente sentido de manter a Constituição
emendada; se visava destruir esta, não pode ser tida como emenda, mas como ato
político.
A
Emenda Constitucional nº 11, de 13 de outubro de 1978, revogou os Atos
Institucionais "no que contrariem a Constituição Federal" (art. 3º da
Emenda), mas não afastou o fenômeno centralizador que marcou o período. De
qualquer sorte, as chamadas salvaguardas do Estado foram incorporadas à
Constituição e o Ato Institucional nº 5, símbolo maior do autoritarismo, foi
revogado. Foram restabelecidas as imunidades parlamentares (art. 32) e
iniciou-se a reforma política, assim como extinguiu-se a pena de morte e foi
regulamentado os estados de sítio e de emergência, oportunizando-se a
redemocratização, que somente foi ultimadas seis anos mais tarde.
A Constituição “Cidadã” de 1988
O
clamor popular para restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da
República foi fundamental para tornar irreversível a saída dos militares do
poder. Tancredo Neves, eleito Presidente em 1985, fez nascer uma República a
ser materializada por meio de uma nova Constituição. Porém, enfermo, veio a
óbito, sem ver a tão almejada obra. A intranqüilidade voltou a reinar absoluta.
Assumiu seu Vice, José Sarney, fiel a ideologias autoritárias e anacrônicas.
A
Constituição em construção era objeto de esmerosos debates. Esclareça-se que,
na verdade, não foi convocada uma genuína Assembléia Nacional Constituinte.
Convocou-se, sim, um "Congresso Constituinte".
No
dia 5 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição Federal de 1988,
denominada "Constituição Cidadã" porque teve ampla participação
popular em sua elaboração e especialmente porque se volta decididamente para a
plena realização da cidadania. Passava-se, definitivamente, a tratar da
"República Federativa do Brasil".
É
a Constituição mais longa de todas as anteriores: são 250 artigos e mais 70 nas
disposições transitórias, perfazendo um total de 320 artigos. Acabou até sendo
enxuta, pois na primeira versão eram 501 artigos, depois
"sintetizados" em 334, até chegar quando da votação em 250.
Interessante registrar que a palavra "garantia" aparece 46 vezes no
texto constitucional, já "direitos", 16, mas "deveres" é
citada somente quatro, revelando sua grande preocupação com as garantias
individuais frente a ação do Estado, em manifesta reação ao longo período
anterior de ditadura.
Caio
Tácito registra que a Constituição brasileira de 1988, fiel às tradições
nacionais, reafirma, como fundamento da ordem jurídica, o princípio da
legalidade, fonte de direitos e deveres e limite ao poder do Estado e à
autonomia da vontade, considerando-se lei como sendo, por excelência, ato que
incumbe ao Poder Legislativo. O Parlamento bicameral, investido da
representação popular e federativa, emite, no âmbito traçado pela Constituição,
os comandos que estruturam a ordem jurídica. O poder de legislar é atividade
precípua do Parlamento que, até mesmo etimologicamente, ‘fala’ em nome do povo.
O
princípio democrático ficou cravado no texto constitucional de 1988 de tal modo
que, logo no preâmbulo, o constituinte anunciou:
“Nós,
representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte
para instituir um Estado Democrático de Direito, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais [...]”
Da
mesma forma, ficou gravado no artigo 1º o "republicanismo", doutrina
política que prega a honestidade cívica. No parágrafo único do mesmo
dispositivo, o constituinte estabeleceu que "todo poder emana do povo, que
o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição", admitindo expressamente a possibilidade de inclusão no
sistema jurídico pátrio de modalidades de governo direto.
No
que se refere aos objetivos da República Federativa do Brasil de 1988, o
constituinte estabeleceu: construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação (art. 3º).
Convém
salientar que o princípio adotado pela Constituição Federal de 1988, no que
tange à distribuição de competências federativas, foi o postulado da
predominância de interesses, segundo o qual à União caberá aquelas matérias e
questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados
referem-se às matérias de predominante interesse regional e aos municípios
concernem os assuntos de interesse local.
Há
a manutenção do presidencialismo como sistema de governo representativo
vigente, cabendo ao Presidente da República a chefia de Estado e de Governo (art.
76), auxiliado pelos Ministros de Estado, que não são responsáveis perante o
Legislativo, que não os pode destituir, como ocorre no parlamentarismo. Não
obstante, o Parlamento poderá convocar a presença de Ministros de Estado para
prestarem, pessoalmente, informações sobre assuntos determinados, sob pela de
crime de responsabilidade sua ausência sem justificação adequada, bem como
poderão os Ministros de Estado comparecer ao Parlamento, por sua iniciativa,
para expor assunto de relevância de seu Ministério (art. 50). Os Ministros,
atualmente, são meros auxiliares do Presidente, por ele nomeados e demissíveis ad nutum,
responsáveis pela direção da parcela da Administração Pública colocada sob sua
competência, bem como cabe aos Ministros referendar os atos do Presidente, sob
pena de imperfeição do ato e sua inexistência jurídica (art. 87, parágrafo
único, I).
No
que tange ao denominado exercício de governo direto, pela cidadania, importante
registrar que a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto secreto e direto, com igual valor para todos, e mediante plebiscito,
referendo e iniciativa popular (art. 14, "caput"). Há a previsão
constitucional do plebiscito e, pela primeira vez na história constitucional,
do referendo e da iniciativa popular para apresentação de projetos de lei, que
foram posteriormente regulamentados pela Lei Federal nº 9.709, de 18 de
novembro de 1998.
Quanto à iniciativa popular, esta será exercida através da
apresentação à Câmara de Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo,
um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados,
com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (art.
61, § 2º). O plebiscito é concebido como uma etapa preliminar no processo
decisório e de aprovação de uma determinada lei, sendo condição para entrada em
vigor do ato. Já o referendo, por sua vez, é uma instância posterior à vigência
do ato, um expediente para ratificação ou cancelamento daquilo já em vigor.
No
que tange a este tema, uma das deliberações mais controversas da Constituinte
foi o art. 2º das Disposições Transitórias, que dispunha que, no dia 7 de
setembro de 1993, haveria um plebiscito para definir a forma (república ou
monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou
presidencialismo) a vigorar no Brasil.
Esta data foi antecipada para o dia 21
de abril, sob o argumento de que a primeira data escolhida mantinha estreito
vínculo com a história monárquica e poderia ser indutiva do voto dos cidadãos.
Interessante registrar que, durante a Constituinte, o parlamentarismo já havia
sido derrotado, recebendo 213 votos, contra 343 favoráveis ao presidencialismo.
Quando do plebiscito, o parlamentarismo foi novamente derrotado, na terceira
oportunidade histórica de seu debate, assim como mantida a forma republicana.
No
que tange ainda à cidadania, a Constituição permitiu aos analfabetos (e também
aos maiores de 16 e menores de 18 anos de idade) votar nas eleições, não como
um dever obrigatório, mas como um direito facultativo (art. 14, § 1º). Para os
analfabetos, foi o retorno à participação nas eleições, direito que tinha sido
retirado desde a reforma eleitoral de 1881, a Lei Saraiva, ainda no final do
Segundo Reinado. No entanto, os analfabetos continuam sem poder ser eleitos,
sendo considerados inelegíveis (art. 14, § 4º).
A
Constituição Federal de 1988 pode ser classificada como uma Constituição
promulgada, escrita, analítica, dogmática, rígida e dirigente.
CONCLUSÃO
A
análise da história constitucional brasileira revela uma grande luta entre
Estado e cidadãos, na difícil e árdua tarefa de fixar os perfeitos limites do
poder e das liberdades individuais.
De
qualquer sorte, é plenamente possível aferir-se uma significativa evolução
democrática, mesmo que paulatina e gradativa. Pouco a pouco, os indivíduos
tiveram assegurados direitos que lhe asseguram, hoje, o pleno exercício das
garantias e prerrogativas democráticas, com significativa estrutura normativa
de participação direta, inclusive, no processo governamental.
O
Brasil convive há pouco mais de 20 anos com uma realidade democrática, com uma
estrutura de normais constitucionais e infraconstitucionais destinadas a
propiciar-lhes o direto exercício do poder. Somente após a Constituição de 1988
pode a cidadania formular e apresentar projetos de lei, diretamente, por
iniciativa sua e exclusiva, sem a necessidade de intervenção de terceiros que a
representem. Há lei regulamentadora do direito ao plebiscito e ao referendo,
algo impensável anteriormente, e não no pretexto de justificação já esposado na
década de 30, no Estado Novo.
Após
turbulentos "hiatos autoritários", o atual regime político brasileiro
fundou um Estado Democrático de Direito que, apesar de todas as adversidades,
vem lutando para sedimentar seus valores e princípios, de forma clara e sólida,
rogando-se não permita o futuro que se repitam os golpes e as imposições
forçadas de sistemas e de governantes.
Antonio
Carlos Pontes Borges
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