O Supremo Tribunal Federal tem se limitado a zelar pelo o
devido processo legal do impeachment, abstendo-se de adentrar no mérito da
decisão final, reservada, constitucionalmente, ao Senado Federal. A
manifestação da maioria dos ministros não aponta para a mudança desse rumo.
O impeachment é um instituto com previsão na Constituição
desde a proclamação da independência. A Constituição Imperial previa a
responsabilização de ministros “por traição, peita, suborno ou concussão, abuso
de poder e falta de observância da lei” (artigo 133), mas reservou à lei a
regulamentação do processo (artigo 134).
A Constituição Republicana de 1891 deu os contornos do
instituto, vigentes até hoje. Competia à Câmara dos Deputados a aceitação da
acusação contra o presidente da República por crimes de responsabilidade,
definidos na Constituição (artigos 29, 53 e 54). Recebida a acusação pela
Câmara, o presidente seria suspenso de suas funções e julgado pelo Senado
Federal, sob a presidência do presidente do Supremo Tribunal Federal, e com o
quórum de deliberação qualificado de dois terços dos membros (artigos 33 e 53).
Rui Barbosa, o principal redator da Constituição Republicana, buscou inspiração
no modelo norte-americano.
A sintética Constituição Americana de 1787 contém apenas
dois dispositivos sobre o impeachment. O primeiro reserva à Câmara dos
Representantes o poder de dar início ao impeachment (Artigo 1º, Seção 2, item
5), enquanto o segundo fixa a competência do Senado para julgar o presidente,
em julgamento presidido pelo presidente da Suprema Corte, com um quórum
qualificado de dois terços dos membros (Artigo 1º, Seção 3, item 6). Nos
Estados Unidos, o presidente, mesmo sendo processado no Senado, não fica
suspenso de suas funções. O afastamento só se dá com a condenação definitiva
pelo Senado.
Na história americana, apenas dois presidentes eleitos
enfrentaram o processo de impeachment perante o Senado. Em 1974, o presidente
Richard Nixon, sabedor que não teria apoio no Legislativo, renunciou, pouco
antes da deliberação da Câmara dos Representantes sobre a abertura do processo.
Já os presidentes Andrew Johnson e Bill Clinton chegaram a ser efetivamente
processados no Senado.
Impeachment de Andrew Johnson
Ainda nos estertores da Guerra Civil, Abraham Lincoln
alcançou a reeleição com uma composição política, tendo como vice-presidente
Andrew Johnson. O presidente era do estado nortista de Illinois e filiado ao
Partido Republicano e o vice-presidente era do estado sulista do Tennessee e
filiado ao Partido Democrata. A composição visava à reconciliação e
reconstrução do país após quatro anos de guerra civil.
Menos de dois meses depois do início do segundo mandato,
Lincoln foi assassinado quando assistia a uma peça de teatro em Washington e a
presidência caiu no colo de Johnson, um democrata sulista, com um Legislativo
amplamente dominado pelo Partido Republicano.
Os Estados Unidos enfrentavam o desafio da reconstrução do
país no pós-guerra civil. O Partido Republicano, ainda que tivesse
representação majoritária, estava profundamente dividido entre moderados e
radicais, estes favoráveis a uma severa punição aos líderes dos confederados
derrotados na guerra civil e à imediata integração dos escravos
recém-libertados. Johnson aliou-se aos moderados favoráveis a uma reintegração
sem retaliação aos estados sulistas rebelados.
Ao romper a aliança com o Partido Republicano, dominado pela
ala radical, Johnson perdeu o apoio da maioria do Legislativo e passou a sofrer
sucessivas derrotas nas votações de interesse do governo, que foram reduzindo o
seu poder.
O impeachment teve início em 1868, sob a acusação de
violação ao Tenure of Office Act, que condicionava a demissão de certos cargos
no gabinete à aprovação prévia do Senado. Johnson havia demitido o secretário
de Defesa Edwin M. Stanton, um republicano radical, sem consulta prévia ao
Senado. O demitido simplesmente se recusou a deixar o cargo.
Admitida a acusação na Câmara dos Deputados por 126 votos a
47, Johnson foi submetido ao julgamento pelo Senado, presidido pelo presidente
da Suprema Corte. A maioria dos senadores votou pela condenação. O resultado,
de 35 votos favoráveis ao impeachment e 19 votos contrários, foi, contudo,
insuficiente para a condenação e consequente perda do cargo, por não ter sido
atingido o quórum qualificado de dois terços. Faltou apenas um voto para o
afastamento definitivo do presidente. Johnson conseguira apoio da minoria do
Partido Democrata e atraiu os votos de 10 senadores da ala moderada do Partido
Republicano.
Andrew Johnson cumpriu seu mandato até o fim, com poderes
cada vez mais reduzidos e assistiu à eleição do sucessor, seu desafeto Ulysses
S. Grant. Voltou ao Tennessee, que ainda o elegeu senador, e passou para a
história como o presidente que não deixou de ser afastado pelo impeachment por
apenas um voto.
Todo o processo de impeachment do presidente Andrew Johnson
pode ser facilmente pesquisado na internet. Há sites com todas as principais
peças processuais. Basta procurar em aqui ou aqui.
Mais de um século se passou, até que outro presidente
americano tivesse de enfrentar um processo de impeachment.
Impeachment de Bill Clinton
Eleito em 1992, o 42º presidente dos Estados Unidos, Bill
Clinton, viu seu Partido Democrata tornar-se minoritário tanto na Câmara dos
Representantes como no Senado, logo após as eleições legislativas de 1994. O
republicado conservador Newt Gingrich foi eleito speaker (presidente) da Câmara
dos Representantes, dando início a uma agenda conservadora conhecida como
Contract with America.
Clinton teve de conviver com uma maioria parlamentar
oposicionista durante os dois mandatos e lidar com acusações de desvio de
recursos públicos (escândalo Whitewater) e no campo pessoal (escândalos do
assédio sexual a Paula Jones e Monica Lewinski).
Mesmo cercado pela onda conservadora, Clinton obteve novo
êxito nas eleições presidenciais de 1996. O povo americano optou novamente por
um Executivo democrata e um Legislativo dominado pelos republicanos. Poderíamos
citar inúmeras justificativas para o resultado eleitoral, mas uma foi a
principal: a economia americana ia bem.
O segundo mandato presidencial foi marcado pelo caso Monica
Lewinsky, uma estagiária da Casa Branca com a qual o presidente foi acusado de
ter tido relações sexuais na própria Casa Branca. Clinton negou o fato
publicamente, mas sua versão foi sendo desconstruída pelas evidências vindas a
público.
Somadas à acusação anterior de assédio sexual à Paula Jones,
as tentativas frustradas do presidente Clinton de negar o envolvimento com Monica
Lewinsky complicaram sua vida ética e politicamente. Assim como o presidente, a
própria Lewinsky negou, sob juramento, terem eles tido relações sexuais, mas
teve de se desmentir. Por fim, Clinton veio a público confessar que tinha tido
relações impróprias com a ex-estagiária e pedir desculpas à nação.
Baseada na apuração levada a cabo pelo promotor independente
Ken Star, a maioria republicana na Câmara dos Representantes admitiu o processo
de impeachment sob a acusação de perjúrio, por ter mentido sob juramento sobre
o envolvimento com Monica Lewinsky (228 votos a 206), e de obstrução de justiça
em relação à investigação (221 votos a 212).
Mesmo com a maioria republicana, Clinton foi absolvido pelo
Senado graças à ala moderada dos republicanos. Dos 100 senadores, 50 votaram
pela condenação por obstrução da justiça e 45 pela acusação de perjúrio.
Clinton conseguiu atrair 5 votos de republicanos moderados na primeira votação
e 10 votos na segunda, conseguindo salvar o mandato. Mas a manobra presidencial
na conquista dos votos pode ser explicada por duas razões: a economia
continuava a ir bem e a maior parte da opinião pública era contra o
impeachment.
Absolvido pelo Senado, Clinton terminou o seu segundo
mandato ainda jovem, com apenas 54 anos, com o maior índice de aprovação de um
presidente desde a 2ª Guerra Mundial. Atualmente, viaja o mundo dando palestras
e sua esposa Hillary Clinton tem fortes chances de ser a primeira mulher eleita
presidenta dos Estados Unidos.
Conclusão
Andrew Johnson, Bill Clinton e Dilma Rousseff tinham perdido
a maioria nas duas casas legislativas, o que os expôs ao sério risco do
impeachment. Mas a política é muito mais do que uma eventual maioria no
Legislativo. A economia e o índice de aprovação do presidente contam, e muito.
A maioria republicana fragmentou-se na votação do impeachment de um presidente
popular em pleno boom econômico, como Clinton. No caso brasileiro, estes
fatores estão contra a presidenta.
O fundamento jurídico do processo de impeachment não pode
ser desconsiderado. Sem ele, a destituição do presidente eleito perde o
respaldo constitucional e configura quebra da ordem jurídica. É uma série de
fatores políticos e jurídicos conjugados que contribuem para o êxito ou
fracasso de um impeachment.
Mas, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a avaliação
final da proporcionalidade entre a falta imputada e a pena a ser aplicada é do
Senado, uma casa essencialmente política, e não do Poder Judiciário.
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