O conceito de participação é intrínseco à construção do Estado Democrático de Direito e sua evolução pode ser constatada como uma formulação histórica.
Gabriela Finotti
FORMULAÇÃO DO CONCEITO DE PARTICIPAÇÃO
À palavra “participação”, dentro da seara do Direito Público
e em especial do Direito Constitucional, deve-se atribuir um sentido técnico.
Esta tarefa, porém, corresponde a árduo trabalho, fato este que se verifica em
qualquer outra tentativa de definição de um instituto jurídico, e por que não
dizer, em qualquer área do conhecimento humano.
Nesta linha e atento à problemática do conhecimento, Antonio
G. Penna fornece um pequeno roteiro para
a tarefa e ressalta que “vários são os problemas que se propõem à nossa
reflexão no domínio da Epistemologia. O primeiro refere-se à natureza do
conhecimento, ou seja, à detecção de sua essência; o segundo diz respeito à
questão de seu valor ou de suas possibilidades; o terceiro aponta para as
formas por ele assumidas; o quarto centra-se na questão da verdade; o quinto
volta-se para o problema de suas origens; finalmente, como sexto tema,
ressalta-se o tipo de abordagem adotado na investigação, valendo exemplificar
este tema, com referências às posições assumidas, por exemplo, por Kant, por
Bérgson, por James, por Popper etc.
Assim, com as luzes das ponderações acima, para uma melhor
configuração da essência da participação, mister aprofundarmos na lição exposta
por Bobbio , que coloca um ponto de partida para a delimitação final do
instituto:
“ Parto de uma constatação sobre a qual podemos estar todos
de acordo: a exigência, tão freqüente nos últimos anos, de maior democracia
exprime-se como exigência de que a democracia representativa seja ladeada ou
mesmo substituída pela democracia direta. Tal exigência não é nova: já a havia
feito, como se sabe, o pai da democracia moderna, Jean Jacques Rosseau, quando
afirmou que “ a soberania não pode ser representada” e, portanto, o “povo
inglês acredita ser livre, mas se engana redondamente; só o é durante a eleição
dos membros do parlamento; uma vez eleitos estes, ele volta a ser escravo, não
é mais nada”.
E socorrendo-se uma vez mais de Sartori , podemos colacionar
que:
“o status de teoria e novidade derivam, por conseguinte, da
centralidade que ao conceito de participação e, assim, à participação entendida
de acordo com um sentimento forte e não diluído da palavra. Concordo outra vez.
Própria e significativamente entendida, a participação é um tomar parte
pessoalmente, e um tomar parte desejado, auto-ativado. Ou seja, participação não é um simples “fazer
parte de” (um simples envolvimento em alguma ocorrência), e menos ainda um
“tornado parte de” involuntário. Participação é movimento próprio e, assim, o
exato inverso de ser posto em movimento (por outra vontade), isto é, o oposto de
mobilização. Que isso seja o que o participativista queira dizer é salientado
pelo fato de que todas as virtudes que atribui à participação – autocontrole,
auto-realização e auto-instrução – dizem respeito ao sentido da palavra e não a
seu sentido diluído”.
Com estas lições, pensamos que a essência da participação
está demonstrada, não sendo despiciendo colacionar o significado que o vocábulo
“participação” encontra no vernáculo pátrio : s.f. Ato ou efeito de participar;
e para o verbete “participar”, encontramos o seguinte: v. tr. dir. e tr. dr. e
ind. Fazer saber; anunciar; comunicar; ter ou tomar parte (em alguma coisa);
associar-se pelo pensamento ou pelo sentimento.
Salta deste significado que a interpretação do significante
“participação” corresponde a tomar parte de algum processo. Claro fica também
que a significação técnica que se pretende atingir dependerá, como o verbo
“participar”, oriundo do substantivo feminino “participação”, é transitivo, do
complemento verbal que se apor ao verbete participação. E nesta linha, o refinamento se faz no
sentido de apontar qual o processo em que se dará a participação. E outra não pode ser a resposta, em nosso
trabalho, a não ser o processo de decisão política.
Trilhando esta linha e buscando uma vez mais a significação
dos vocábulos dentro do vernáculo, agora para o verbete “decisão” ,
encontramos: s.f. Ato de decidir;
sentença; resolução; coragem; firmeza. E
para término, colacionamos o significado de “política”: s.f. Ciência do governo
dos povos; arte de governar um Estado e regular suas relações com outros;
princípios políticos.
Tem-se destarte o formato do conceito a que se deseja
chegar. A participação na tomada da decisão política deve obrigatoriamente
corresponder a “tomar parte” no “ato de decidir” em relação à “arte de governar
um Estado “.
Não há como negar que maior será o poder da comunidade se
organizada em entidades, que devem atuar próximo ao setor público, acompanhando
ações de governo, visando a maior eficiência e transparência, contribuindo para
que sejam elevados os padrões de organização e de melhoria de desempenho da
gestão pública, propondo, inclusive, formas mais eficazes de intervenção
governamental e o consequente aprimoramento das suas práticas.
Neste feixe, ainda podem as entidades da sociedade civil
organizada fiscalizar e avaliar o comportamento e a atuação dos poderes,
cobrando das autoridades públicas eficiência, lógica, ética e transparência,
sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições
e ao decoro, promovendo divulgação da atuação e do processo legislativo, de
projetos de alteração da lei, suas emendas, andamento, encaminhamento para
votação e seus resultados, emitindo opiniões, pareceres e sugestões sobre
questões conjunturais, contribuindo com propostas de políticas efetivas para o
setor público.
Ainda no importante campo da formação da opinião pública, a
sociedade civil, através de suas entidades, pode e deve prospectar e analisar
vocações e tendências, promover seminários, debates, simpósios e cursos sobre
assuntos econômicos, políticos, culturais e de cidadania. Formular estudos,
pesquisas e levantamentos quantitativos e qualitativos, destinados à apuração
estatística sobre nível e padrão de vida e emprego, ou relacionados a questões
específicas, gerando base de dados, administrando acervos de documentos e
registros, promovendo a divulgação, difusão e publicação de conhecimentos
técnicos desenvolvidos e acumulados.
Não se pode esquecer, relembrando a lição de Tocqueville ,
onde muito bem exprime a base do sentimento comunitário que envolve o povo
norte-americano, que a opinião pública deve fomentar projetos e atividades que
digam respeito à capacitação, formação e qualificação profissional, a
cidadania, o combate ao preconceito e direitos humanos, como maneiras efetivas
de se melhorar as condições e a qualidade de vida do indivíduo e da população e
de promover o desenvolvimento.
E mais, sem querer espaçar o rol de oportunidade que a
sociedade civil organizada pode participar, sobretudo porque não atrelada aos
formalismos de contratação do setor público, pode celebrar e manter acordos,
convênios, intercâmbios e parcerias com organizações e instituições públicas ou
privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais.
Assim, como resposta à procura da definição técnico-jurídica
do termo participação, temos que este é instituto do ramo do Direito Público,
abarcado pelo Direito Constitucional, que estuda o instrumental jurídico apto
para satisfazer e garantir a necessidade, e direito, da comunidade tomar parte
e concorrer para a ampliação da capacidade de proposição e ingerência nas
instituições do poder constituído, através de seu potencial humano e recursos
operacionais, materializando-os na apresentação de alternativas e soluções de problemas
através da formatação da opinião pública.
A EVOLUÇÃO DA PARTICIPAÇÃO NO ESTADO MODERNO
Com vistas no método empregado para a perquirição da
definição do termo “participação”, relembrando o roteiro exposto por Penna ,
foi vencido o primeiro e segundo momento do processo do conhecimento, ou seja,
à detecção da essência do objeto de estudo e à questão de seu valor.
Mister agora apontar a evolução do instituto estudado.
Assim, faremos uma digressão à evolução do próprio Estado, tentando pontuar os
momentos de participação na decisão política.
A PARTICIPAÇÃO
NO ESTADO LIBERAL DE DIREITO.
Após o reinado absoluto e inconteste do monarca,
instauraram-se nas sociedades modernas, através de uma intensa participação do
povo nos movimentos revolucionários , o que se convencionou chamar de Estado
Liberal de Direito. Nesta época, sobressaiu-se o princípio basilar do
constitucionalismo, já que este, até os dias de hoje, é garantia da liberdade
dos homens, impondo severas limitações aos governantes.
Claramente, nestes tempos, através da participação política
e da construção da opinião pública, substitui-se a idéia dominante do “the king
can do no wrong” (o rei não pode errar) , pela prioridade das liberdades
individuais dos concidadãos. Assim, institui-se que o poder é limitado por um
outro poder. Em última análise, portanto, entendeu-se que o poder deve ser
exercido em nome da lei e apenas quando decorrente desta. É exatamente esta a
idéia passada na Constituição Francesa de 1791.
E não somente nas lições da Revolução Francesa se encontram
os pilares do Estado Liberal de Direito, sendo necessário citar “Os Artigos
Federalistas” , de onde extrai-se o seguinte trecho:
“Pode-se sem dúvida perguntar se estas cláusulas têm ou não
o mesmo valor das que se encontram na constituição deste Estado. O
estabelecimento do mandado de habeas corpus, a proibição de leis ex post facto
e de títulos de nobreza, para os quais não há dispositivos correspondentes em
nossa constituição, talvez sejam garantias mais efetivas para a liberdade e o
republicanismo que qualquer um dos nela contidos.”
Assim, os Estados
Modernos, cada um a seu modo, desenvolveram o Direito Constitucional com suas
próprias experiências políticas-jurídicas. Do direito inglês recebeu-se a
clássica concepção da necessidade da separação dos poderes estatais . Ainda da
Inglaterra, recebemos a ideia da impossibilidade do livre arbítrio do poder
público, do qual deriva diretamente o princípio da legalidade, ou seja, da
supremacia da lei sobre tudo e todos.
Importante anotar que a natureza da participação do povo,
desenvolvida nesta época, lugar primeiro na submissão do monarca ao primado da
lei, dando início à abertura da participação do indivíduo na condução dos
destinos da nação, se fez, no mais das vezes, pela via de revolução, o que não
é de se estranhar, face a velada orientação dos doutrinadores da época.
Confira-se a lição de Hobbes :
“Por defeito de raciocínio (quer dizer, por erro), os homens
são capazes de violar as leis de três maneiras. Em primeiro lugar por presunção
de falsos princípios. Por exemplo,
quando depois de observar que em todos os lugares e em todas as épocas foram
autorizadas ações injustas, pela força e as vitórias dos que as cometeram; e
também que quando os poderosos conseguem manejar as sutilezas das leis de seu
país são só os mais fracos, ou os que falharam em seus empreendimentos, que são
considerados criminosos; observado isso, forem aceitos, nenhum ato poderá ser
por si mesmo um crime, mas terá passam a basear
seu raciocínio nos seguintes princípios e fundamentos: que a justiça não
passa de uma palavra vã, que tudo o que um homem consiga adquirir por sua
indústria ou pela sorte lhe pertence;
que a prática de todas as nações não pode se injusta; que os exemplos de épocas
anteriores são bons argumentos a favor de voltar a fazer o mesmo; e muitos
outros da mesma espécie. Se tais princípios que ser tornado tal, não pela lei,
mas pelo sucesso de quem o comete.”
O povo não tinha à sua disposição um instrumental jurídico
para arrostar o monarca e exigir o respeito à sua participação na condução dos destinos
da sociedade, motivo pelo que se observou, assim, na esteira da lição de Robbes
acima exposta, a participação popular revolucionária.
A PARTICIPAÇÃO NO ESTADO SOCIAL DE DIREITO
Passada a euforia do aparecimento do Estado Liberal, reações
começaram a ecoar por toda a Europa contra o liberalismo. A ausência do Estado
gerou na economia grandes monopólios que esmagavam a pequena iniciativa.
A despeito das preocupações liberais com a liberdade e a
igualdade dos homens, a nova classe que surge nesta época, o proletariado, traz
consigo também profundas desigualdades, além da miséria e dos grandes surtos
epidêmicos. A renúncia do Estado, antes de ajudar, só prejudicava.
Este cenário propicia
a retomada da participação popular de
cunho revolucionário, agora em favor do discurso Social. Importante para a
detecção da natureza deste novo discurso, a lição de Spindel , na tentativa de
expor o sentido de Socialismo, termo que hoje em dia, não constitui tarefa das
mais simples.
Na lição de Spindel,
essa dificuldade pode ser creditada à utilização ampla e diversificada deste
termo, que acabou por gerar um terreno bastante propício a confusões, apontando
que:
“Constantemente
encontramos afirmações de que os comunistas lutam pelo socialismo, assim como
também o fazem os anarquistas, os anarco-sindicalistas, os sociais-democratas e
até mesmo os próprios socialistas. A leitura de jornais vai nos informar que os
governos Cubano, Chinês, Vietnamita, Alemão, Austríaco, Inglês, Francês, Sueco
entre outros, proclamam-se socialistas. Caberia então perguntar o que é que vem
a ser este conceito, tão vasto, que consegue englobar coisas tão dispares. A
História das Idéias Socialistas possui alguns cortes de importância. O primeiro
deles é entre os socialistas Utópicos e os socialistas Científicos, marcado
pela introdução das idéias de Marx e Engels no universo das propostas de
construção da nova sociedade. O avanço das idéias marxistas consegue dar maior
homogenidade ao movimento socialista internacional. Pela primeira vez, trabalhadores de países
diferentes, quando pensavam em socialismo, estavam pensando numa mesma
sociedade - aquela preconizada por Marx - e numa mesma maneira de chegar ao
poder. “
Neste ambiente, podemos pontuar o surgimento do
proletariado, o que acarretou em novas ideologias voltadas para a redenção da
classe, como o anarquismo e o socialismo. Os socialistas desenvolveram várias
teorias sobre como chegar ao poder através da participação em movimentos
populares, realçando o embate de duas novas classes - a burguesia, dona dos
meios de produção e capital e o proletariado, responsável pelo funcionamento
das máquinas, donos de sua força de trabalho, o que, ao contrário das outras
classes marginalizadas ao longo da história, garantiu a este proletariado o
poder de parar a produção, ao cruzar os braços, em greve. Foram dois teóricos
alemães, Karl Marx e Friedrich Engels , que formularam uma proposta mais
acabada de socialismo, no fim do século XIX.
Para Marx, o proletariado aparecia como a única classe
social capaz de destruir de uma vez por todas a exploração do homem pelo homem,
ao destruir o capitalismo, chegando ao poder pelo caminho da revolução. No
poder, os trabalhadores se encarregariam de eliminar as diferenças sociais, o
que assinalaria a passagem do socialismo ao comunismo.
Na outra ponta do fenômeno da participação, alinharam-se
países que aderiram a um regime mais liberal, arrimado no regime democrático.
Após a segunda guerra mundial, desenvolvem, propriamente dito, a teoria que
culminou no chamado Estado Social de Direito. Nesta forma de pensamento, cabe
ao Estado a eterna busca da igualdade entre os homens. Assim, sua mais
importante missão é o estabelecimento de meios para que tal objetivo fosse
finalmente atingido, sendo digno de referência o trabalho de Léon Duguit: .
“ São assim qualificadas todas as doutrinas que partem da
sociedade para chegar ao indivíduo, do direito objetivo para o direito
subjetivo, da norma para o direito individual. E, ainda, todas as doutrinas que
consideram a validade da norma que se impõe ao homem enquanto ser social,
derivando os seus direitos subjetivos das suas obrigações sociais. Enfim, todas
as doutrinas que concebem o homem como um ser social exatamente por estar
submetido a uma regra social que lhe impõe obrigações com relação aos outros
homens e cujos direitos derivam das mesmas obrigações, isto é, dos poderes que
possui para realizar livre e plenamente seus deveres sociais.”(1996:19)
Importante se faz ressaltar que, deste modo, não há mais
espaço privado totalmente protegido das ingerências estatais. Incumbe-se o
Estado de regulamentar absolutamente todas as relações sociais, não havendo
mais espaço para o individualismo, que reinava absoluto no Estado Liberal de
Direito.
Aqui claramente começou a se formar uma proeminência do
Poder Executivo sobre os demais poderes e um processo de afastamento do povo do
centro de decisões. Isto se deu em
conseqüência das inúmeras atividades que o Estado reservou para si, o que
inclusive foi alvo de inúmeras críticas por parte de alguns pensadores da
época.
A PARTICIPAÇÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO.
Em consequência do negativismo produzido pelo Estado que
vivia sob um intenso positivismo formalista, os indivíduos buscaram uma nova
forma de se conquistar a tão almejada justiça social. Entre elas, os cientistas
do direito passaram a mencionar expressamente o que se convencionou chamar de
participação popular.
A partir daí, se verifica que o povo reunido deve participar de modo firme
e efetivo no processo político, nas decisões de Estado e no controle dos atos
da Administração Pública.
As reivindicações em torno da volta do ideário da justiça
cresceram, já que a opinião pública não poderia mais aceitar que os conteúdos
normativos estivessem longe da promoção da justiça, preocupação esta que
sacudiu a comunidade jurídica, dando-se vulto à participação e à missão do
jurista, como salientado por Cláudio Lembo :
“É claro que a democracia, na constante mutabilidade social
que possibilita, permite a prevalência de seus valores básicos. É preciso
apenas que a sociedade, por si e por seus agentes, atue constantemente, sem
esmorecimento, na salvaguarda da essência da própria democracia. Essa tarefa
exige extenuante análise da sociedade e de suas instituições. Tudo que estiver
equivocado necessita ser realinhado.”
Foi assim na Constituição que a participação popular
consagrou a busca pelo bem estar social. As sociedades reconheceram que a Lei
Fundamental não é apenas mais uma dos ordenamentos a mercê dos cidadãos, ainda
que o maior.
A Magna Carta de um povo deve prezar como seu mais elevado
bem jurídico a defesa das liberdades e da dignidade humana. É preciso falar
ainda que, a partir do Estado Democrático de Direito, o próprio homem passa a
ser encarado como parte de uma comunidade, que interage com esta de inúmeras
formas.
É forçoso reconhecer que num país onde a sociedade civil
nunca se organizou efetivamente, a ação afirmativa do regime democrático não
será possível ou será em muito minimizada.
As demandas da sociedade têm que reverberar no Estado, assim como a ação
do mesmo deve ser feita sem distorções no sentido de responder aos anseios
democráticos do povo. A cristalização das instituições democráticas e seu
amadurecimento só se farão quando a sociedade civil e o Estado caminharem “pari
passo” e quando a participação popular se fizer ação afirmativa da própria
democracia.
Destarte, a participação na democracia passou a possibilitar
um alto nível de engajamento e participação cívica – eliminando os resultados
negativos do controle social, que surgem onde os níveis de participação são
baixos ou quase inexistentes. Para garantirem uma participação saudável, os
sistemas cívicos precisam aderir ao valor básico da transparência e do acesso
significativo e apropriado.
A democracia é o modelo que melhor aponta para a teoria da
participação, integrando os determinantes sociais, ambientais e econômicos.
Esse equilíbrio só pode ser estabelecido através da participação de todos os
setores implicados. Diferentes mecanismos de engajamento dos cidadãos devem ser
implementados com o fim de garantir a concretização dessa participação, sendo
que a palavra cidadão deve ser entendida no seu sentido mais amplo, incluindo
não só indivíduos, mas também os grupos, as associações e organizações que
representam os interesses comuns.
Neste regime é possível descrever as relações existentes
entre quem vive na sociedade e quem a governa. Elas incluem:
• Engajamento
cidadão
• Democracia cívica
• Participação
pública
• Engajamento
cívico
• Democracia local
• Participação
comunitária
• Organização de
moradores, de bairros etc.
• Sociedade civil
Este pois o atual estágio do instituto da participação, que
a sociedade civil, através da formatação da opinião popular e das entidades
constituídas, lutam por aprimorar, agora já não mais pela via revolucionária,
mas sim pelo primado da lei e da justiça.
PARTICIPAÇÃO NO DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO
TITULARIDADE DO
PODER NA ATUAL CONSTITUIÇÃO.
Tal é a importância
da participação no Estado Democrático de Direito, que inúmeros países fizeram
constar esta posição em suas Constituições, entre eles o Brasil, em nossa lei
maior promulgada em 1988. Chega-se a esta conclusão pela simples observância do
artigo 1º de nossa Constituição, que expressamente tabula como fundamentos de
nosso Estado a cidadania, que em conjunto com a livre iniciativa e o pluralismo
político, aponta elevado grau de possibilidade de participação da comunidade nos destinos da nação, senão vejamos:
Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela
união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se
em “Estado Democrático de Direito” e tem como fundamentos:
I: a soberania;
II: a cidadania;
III: a dignidade da
pessoa humana;
IV: os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V: o pluralismo
político
O preâmbulo de nossa Constituição é também claro, ao se
referir que estamos em um “Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia
social e comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica
de controvérsias(...)”
Esta enorme preocupação com tais princípios faz com que o
Estado não mais esteja apenas compromissado com a lei, mas com todos esses
fundamentos basilares consagrados. Qualquer lei ou norma que eventualmente diga
contra qualquer um destes valores, por exemplo, será automaticamente
inconstitucional.
E a participação não é favor do governante escolhido, sendo
espancada qualquer dúvida pelo parágrafo primeiro do artigo que inaugura a
Constituição, atribuindo que todo o poder emana do povo e em seu nome é
exercido, por representantes ou diretamente.
Assim, o atual Estado brasileiro não se trata de uma
plutocracia, posto que o poder político não esta obrigatoriamente situado no
poder da riqueza, ou preponderantemente na classe dos mais abastados, não sendo
deste único grupo que o poder emana.
Também não é o Estado brasileiro uma teocracia, visto que a
classe sacerdotal brasileira não administra o poder, aliás não sendo
despiciendo lembrar que pela nova constituição, a religião católica não é mais
a religião oficial do pais, como ainda ditam alguns, pois cuidou nossa magna
lei de assegurar a inviolabilidade da liberdade de consciência e crença, sendo
assegurado o libre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias .
Por final, não existe entre nós a prática da aristocracia,
sistema político em que o governo é exercido por pessoas da nobreza ou classe
social superior .
É sem sombra de dúvida o Brasil um Estado Democrático de
Direito, como assentado no artigo inaugural da Constituição.
DIREITO DE
EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA
Importante notar que nesta linha, a comunicação, para a
participação democrática, deve ser utilizada como ferramenta fundamental para o
trabalho e a articulação entre entidades do movimento social e a sociedade. É
com esta perspectiva que o direito à informação ganha, no Estado Democrático,
maior vulto, pois sem esta base, não poderá haver formatação da opinião
pública, instrumental primeiro para a participação.
Nossa constituição não descurou do direito de informação e
liberdade de expressão, quando em seu artigo 5º, IX, disciplinou que é livre a
expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença.
Na mesma senda, o texto constitucional, em seu artigo 220,
dispõe que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
informação, sob qualquer forma, processo ou veiculo não sofrerão qualquer
restrição, observado o disposto nesta Constituição."; e arremata com seus
parágrafos que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço
para a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de
comunicação social, observado o disposto no Art. 5º IV, V, X, XII e XIV",
e que “ é vedada toda e qualquer censura
de natureza política, ideológica e artística.
Assim, a liberdade de expressão, em todas as suas formas e
manifestações, deve ser reconhecida como essencial para a efetivação de uma
sociedade democrática e participativa, sendo um direito fundamental e intransferível,
inerente a todas as pessoas.
Não há como não reconhecer que a todos os membros da
comunidade seja lícito buscar, receber e difundir informações e opiniões
livremente, sob pena de vulneração do princípio de que toda pessoa tem direito
a oportunidades iguais, sem qualquer tipo de discriminação por raça, cor,
religião, sexo, opiniões políticas, origem social, posição econômica etc.
Dentro ainda desta matiz do direito à informação, não se
pode olvidar que toda pessoa tem direito a ter acesso, de forma rápida e
atualizada, às informações a seu respeito, contidas em bancos de dados,
registros públicos ou privados, e de atualizá-las ou modificá-las caso seja
necessário, nos moldes do garantido pelo direito de Habeas Data reconhecido em
nossa constituição no pétreo artigo 5º, LXXII ,
O acesso às informações em poder do Estado é um direito
fundamental dos indivíduos. Os Estados são obrigados a garantir o exercício
desse direito e eventuais limitações devem ser estabelecidas previamente por
leis.
Entre nós, nossa constituição cuidou de, além de prever o
instituto do Habeas Data, de garantir sua efetividade pela via do estatuído no
artigo 5º, LXXVII, in verbis:
“São gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e,
na forma da lei, os atos necessários ao
exercício da cidadania.”
DIREITO DE
ASSOCIAÇÃO
Como corolário da participação, também nossa constituição
cuidou de garantir o livre direito de ir e vir , outorgando expressamente à
comunidade o direito de reunião em locais públicos .
Porém acreditamos que somente estes direitos não seriam
suficientes para a garantia da participação, se não houvesse o constituinte
garantido a plena liberdade de associação e a criação de cooperativas e
associações independentemente de autorização, nos temos do já citado artigo 5º,
XVII e XVIII da C.F., in literris:
“ XVII – é plena a liberdade de associação para fins
lícitos, vedada a de caráter paramilitar.
XVIII – a criação de associações e, na forma da lei, a de
cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em
seu funcionamento”
Sem possibilidade de associação, os benefícios disponíveis
para um indivíduo, através de qualquer instituição social não poderiam ser
realizados. O homem tem o direito de não ser excluído de participar dessas
instituições, pugnando pelo aperfeiçoamento e satisfação das necessidades da
pessoa humana.
Este princípio se aplica de um modo especial às condições
associadas ao trabalho. Importante o ensinamento de Siqueira Neto , quando
discorre sobre a liberdade sindical, onde preleciona que “ conforme sensível
constatação, a liberdade sindical se concilia com a tradição dos direitos
fundamentais dos homens. A liberdade sindical, é, na verdade, um dos direitos
fundamentais do homem, integrante dos direitos sociais, componente essencial das
sociedades democrático-pluralista.”
Entendemos que é no Trabalho que o homem encontra o modo de
viver e é uma forma de participação contínua no aprimoramento da sociedade. Se
a dignidade do trabalho é protegida e os direitos básicos dos trabalhadores são
respeitados e fiscalizados através de uma pronta participação da comunidade,
mais próximos estaremos da efetividade do bem comum.
DIREITO DE GREVE
Neste ponto também devemos colacionar que nosso legislador
constituinte garantiu um grande poder de pressão para o trabalhador, adquirindo
vulto as associações de classe e sindicatos, no tocando ao direito de greve.
A Constituição Federal, em seu artigo 9º assegura o direito
de greve a todo trabalhador , competindo-lhe a oportunidade de exercê-lo sobre
os interesses que devam por meio dele defender.
Considera-se legítimo o exercício de greve, com a suspensão
coletiva temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação de serviços,
quando o empregador, ou a entidade patronal correspondente, tiverem sido
anteriormente avisadas, com lapso temporal de setenta e duas horas nas
atividades essenciais e quarenta e oito horas para as demais, sendo assegurado
ao grevistas:
- o emprego de meios
pacíficos tendentes a persuadir ou aliciar os trabalhadores a aderirem a greve;
- a arrecadação de fundos e a livre divulgação do movimento.
Outrossim, apesar de parecer irrestrito o direito de greve,
este sofre alguns óbices, sendo que os meios adotados por empregados e
empregadores, em nenhuma hipótese, poderão violar ou constranger os direitos e
garantias fundamentais, não podendo a manifestação e atos de persuasão
utilizados pelos grevistas impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou
dano à propriedade ou pessoa.
Fica também vedada a paralisação das atividades, por
iniciativa do empregador, com o objetivo de frustrar negociação ou dificultar o
atendimento de reivindicações dos respectivos empregados (lockout). É
assegurado, neste caso, aos trabalhadores o direito à percepção dos salários
durante o período de paralisação.
Não há dúvida pois que o Direito de Greve é uma ferramenta
de grande impacto social, muito utilizada pelas entidades de classe e
sindicatos.
Sua evolução está atrelada com a Revolução Industrial
surgida do liberalismo econômico. Historicamente, a paralisação de atividades
ou serviços é um dos recursos mais eficazes, à disposição dos trabalhadores ou
do povo em geral, como meio de pressão para se obter determinada reivindicação.
Sendo assim, ela se desencadeia e se desenvolve sob a égide
do poder de representação quase sempre através dos sindicatos, pois é um
instrumento dos trabalhadores coletivamente organizados para a realização de
melhores condições de trabalho.
A força da greve é inegável. No Brasil, em menos de cem anos
a greve que era considerada crime, converteu-se em direito esculpido na Lei
Fundamental.
Os regimes totalitários proíbem as greves, pois não admitem
este tipo de participação oposicionista. Todo o direito provém do Estado. Os
opositores são considerados traidores.
Já as democracias liberais consideram a greve um direito e inclusive a
constitucionalizaram.
Entre nós, no século passado, em 1858, os tipógrafos do Rio
de Janeiro entraram em greve, por motivo de melhoria salarial. A partir daí,
surgiram outras greves como: a dos ferroviários da Central do Brasil em 1891 e
a greve dos Colonifícios Crespi de São Paulo que abrange várias cidades do
interior do Estado, envolvendo cerca de 75.000 operários.
Na época as greves representavam uma ameaça aos governos
totalitários que insistiam em exercer seu poder através de sanções. Porém, a
partir de 1900, quando o sistema político caracterizou-se pela idéia liberal
que defendia a confiança no indivíduo e não no Estado, a greve exerceu-se com
uma liberdade dos trabalhadores, sem leis que a restringissem ou a
disciplinassem.
Em 1937, com a implantação do Estado Novo, a greve voltou a
ser encarada como um delito e considerada como um recurso anti-social e
prejudicial à economia.
Na década de 80, os movimentos sindicalistas recrudesceram,
com a chamada abertura política e recomeçaram as paralisações com destaque para
o chamado centro industrial paulista. Os metalúrgicos paralisaram o trabalho
durante 30 dias. Seguiram-se muitos conflitos de caráter violento,
manifestações de rua e confrontos com tropas policiais. Esse período foi um
marco para as conquistas trabalhistas. A forte influência sindical dos anos 80,
culminou inclusive, na criação de um partido político que mais tarde se
tornaria um dos mais importantes partidos, o atual partido dos trabalhadores (PT).
Sob o ponto de vista Constitucional, nossas Cartas Políticas
de 1824, 1891 e 1934 se omitiram acerca do direito de greve; a Constituição de
1937, porém declarou a greve e o “locaute” como recursos anti-sociais.
A Constituição de 1946 reconheceu como direito dos
trabalhadores, mas com amplas restrições aos chamados serviços essenciais e
industriais básicos.
As Constituições de 1967 e 1969 reproduziram tais
restrições, especificadas na legislação ordinária.
A atual Constituição assegurou amplo exercício do direito de
greve, estabelecendo que a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e
disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, sendo
que os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei, como já
sobredito.
Tem-se assim, por final, que a greve não é um simples
direito fundamental dos trabalhadores, mas um direito fundamental de natureza
instrumental e desse modo se insere no conceito de garantia constitucional. A
greve é um recurso legítimo a que se pode recorrer, sempre que houver impasse
nas negociações coletivas. Porém, mesmo que legal, não poderá ser indefinida,
mas temporária, posto que não é um fim em si mesma, mas uma forma de pressão.
JUDICIALIZAÇÃO DO PROCESSO POLÍTICO E AÇÃO POPULAR
Compreendida como um instrumento posto a serviço de cada
membro da coletividade no sentido do controle e da revisão da legitimidade dos
atos administrativos, a ação popular foi introduzida em nosso ordenamento
jurídico através do inciso 38 do art. 113 da Constituição Federal de 1934, o
qual assim dispunha,verbis:
"Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a
declaração de nulidade ou a anulação dos atos lesivos do patrimônio da União,
dos Estados ou dos Municípios".
Consagrou-se o instituto dentre os direitos públicos
subjetivos do indivíduo, dando eficaz instrumento para a participação popular
no rumo do Estado, podendo o cidadão,
com este instrumental jurídico, além do poder de escolher seus
governantes, fiscalizar-lhes os atos.
Com o advento do regime do Estado Novo, terminou a ação
popular suprimida da Carta de 1937, sendo posteriormente introduzida na Carta
de 1946 (Art. 141, §38) - passando também a abranger a administração indireta
(autarquia e sociedade de economia mista ) - e mantida na Constituição Federal
de 1967 (art. 150, §31), a qual empobreceu o seu espectro subjetivo, no uso da
rubrica "entidades públicas".
A Lei nº 4.717, de 20 de junho de 1965, veio regular o
procedimento da ação, e finalmente a Constituição de 1988 emprestou maior
abrangência ao seu objeto e alcance, como se vê no art. 5º, LXXIII:
"Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação
popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de
que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio-ambiente, e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência."
Encarregou-se a vigente Constituição em dilatar o campo de
atuação da ação popular, de modo a contemplar a proteção da moralidade
administrativa, bem como a guarida dos interesses difusos, não sendo
despiciendo dizer que Alexandre de Moraes
apresenta a definição deste instituto citando Hely Lopes Meirelles,
colacionando que a Ação Popular “é o meio constitucional posto à disposição de
qualquer cidadão para obter a invalidação de atos ou contratos administrativos
- ou a estes equiparados - ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e
municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas
subvencionadas com dinheiros públicos."
Importante ainda apontar que se encontra superada a
discussão sobre poder ou não o Ministério Público ajuizar ação popular. A
doutrina era unânime em dizer que não, salvo na hipótese de o membro da
Instituição propô-la na qualidade de cidadão comum, sem estar investido em suas
funções institucionais.
Hoje em dia, essa questão tem apenas valor histórico. É
certo que o Ministério Público não é ente legitimado à propositura de ação
popular; para chegar a esta conclusão basta a simples leitura do inciso LXXIII
do art. 5º da Constituição da República e do art. 1º da Lei nº 4.717/65.
Entretanto, poderá o Parquet propor ação civil pública com o mesmo objeto da
ação popular. Isso se dá por expressa autorização legal, consubstanciada no
artigo 25, inciso IV, alínea "b" da Lei nº 8.625/93, verbis:
"Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições
Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao
Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na
forma da lei:
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos
ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município,
de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de
que participem."
Por final e por todo o que foi exposto é forçoso reconhecer
que a ação popular é um grande instrumento de participação da comunidade nos
destinos do Estado, sendo que a sua utilização provoca, sem sombra de dúvida a
judicialização do processo político, dando azo para a participação judicial na
decisão estatal.
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