Como exigência para aderir à base aliada de
Michel Temer (PMDB) após o afastamento de Dilma Rousseff (PT), em maio, o PSDB
enviou carta pública ao interino pedindo que considerasse a implementação do
parlamentarismo no Brasil.
O parlamentarismo é um modelo em que o Congresso é o
responsável pelas decisões políticas do país, em vez do presidente, que se
torna apenas chefe de Estado (com controle das Forças Armadas e diplomacia, por
exemplo), cabendo ao primeiro-ministro a chefia de governo.
Está previsto, portanto, a deposição mais ágil do
primeiro-ministro que não atenda aos ensejos do Legislativo e até a dissolução
de todo o Congresso e novas eleições em casos mais graves.
Para defensores da proposta, a instituição dessa mudança é
uma solução razoável e rápida para crises institucionais e desgastes
semelhantes ao processo de impeachment que está prestes a terminar, depois de
quase 9 meses. O assunto voltou à pauta por representar uma redução dos poderes
do Executivo e que, teoricamente, dá reação mais rápida à opinião pública.
Escolhido novo líder do governo no Senado, Aloysio Nunes
Ferreira (PSDB-SP) já colocou em tramitação a Proposta de Emenda à Constituição
9/2016, que estabelece o sistema parlamentar no país. Para ser aprovado e dar
fim ao período de presidencialismo, seria necessário maioria de 3/5 de ambas as
casas do Congresso e um plebiscito para legitimação.
Seria essa, no entanto, a resposta para a melhoria na forma
de governar o Brasil?
Presidencialismo em xeque
Entre os grandes nomes da academia que defendem a mudança
está o jurista Ives Gandra Martins. Como membro do conselho de reformas
políticas da OAB de São Paulo e da Fecomércio, o professor emérito da
Universidade Presbiteriana Mackenzie é o organizador de um livro com 24 autores
que examinam as vantagens da instauração do parlamentarismo, a ser lançado em
19 de setembro.
Para Gandra Martins, do ponto de vista do retrato histórico,
o presidencialismo é um fracasso em toda a América Latina. “Torna-se um governo
de um homem só, em que o presidente é o dono do poder. O partido não existe.
Temos legendas, com pessoas se unindo e mudando de partido de acordo com
interesses”, diz o jurista.
No parlamentarismo, segundo ele, políticos só têm vida
“dentro do partido”. Gandra Martins cita as políticas econômicas tomadas pela
presidente Dilma Rousseff em relação à Petrobras e setor energético como
“impossíveis” em tal regime, já que seu partido não teria o poder de barganha
das coalizões feitas para aprová-las no Congresso.
“As práticas são efetivamente decididas de acordo com o
interesse nacional”, diz. “A Margaret Thatcher [primeira-ministra do Reino
Unido de 1979 a 1990, famosa por reformas liberais] era obrigada a dar
explicações quase diariamente ao Congresso”. O modelo de referência britânico é
defendido pelo jurista e proposto pelo senador Aloysio Nunes em sua PEC —
excetuando-se apenas o título monárquico ao chefe de Estado.
Para Gandra Martins, o parlamentarismo evita também as
uniões questionáveis de coligações de partidos e políticos sem qualquer
intimidade. O esquema de alianças, comuns no sistema atual, são motivação para
votações guiadas no Legislativo pelo interesse em cargos no alto escalão do
poder.
Em busca de tempo de TV durante a campanha, por exemplo, o jurista
cita a curiosa aliança de Marta Suplicy (PMDB-SP) e Andrea Matarazzo (PSD-SP)
em chapa única para a Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2016. Quando
prefeita da cidade, a antiga petista Marta enfrentou ampla oposição do então
tucano Matarazzo. “Hoje, ninguém se compromete com partidos”, diz Gandra
Martins.
Assim como as decisões políticas são mais dependentes de
aprovação de toda a base de governo, os erros também ganham linhas mais
coletivas. O parlamentarismo aproveita os sistemas de destituição mais
simplificados para tirar do poder o político que não esteja atendendo aos
interesses da maioria.
Para defensores do sistema parlamentarista, essa é uma forma
mais eficaz de botar o país no rumo desejado sem o desgaste de um processo de
impeachment.
“Nas investigações da Operação Lava Jato, em que todo o
governo foi contaminado, haveria base para levar ao parlamento o pedido de
escolha de um novo governante e até uma dissolução do Congresso e novas
eleições”, diz Gandra Martins.
Na mesma Lava Jato, porém, a recorrente troca de governantes
pode gerar sensação de instabilidade política. É o que acontece na Espanha, em
que, mesmo com dissolução do Legislativo e eleições, ainda há dificuldade de
formar maioria no parlamento e tomar as decisões que tirem o país da crise.
Gandra Martins concorda que a instabilidade é possível no
Brasil, mas “em menor grau que no presidencialismo” e “não é o que vem
acontecendo no mundo em geral”. Em virtude de novas denúncias de corrupção
aparecendo o tempo todo nos últimos dois anos, esse é o ponto mais sensível que
carece de estudo para aplicação.
Por outro lado...
O Brasil viveu dois momentos de parlamentarismo na história,
ambos em momentos de democracia frágil.
O primeiro, ainda no período de Império, ficou conhecido
como “parlamentarismo às avessas”, já que ministros eram nomeados por D. Pedro
II e, então, aprovados pela Câmara — o modelo tradicional prega o contrário.
Quando insatisfeito pela decisão do Legislativo, o imperador tinha o poder de
dissolver a Casa, fazendo com que ganhassem apenas os políticos simpáticos à
monarquia.
O segundo, em 1961, foi alternativa à renúncia de Jânio
Quadros. O então vice-presidente João Goulart só foi efetivado na presidência
ao abrir mão de poderes no Executivo, com previsão de plebiscito para decidir a
manutenção do sistema em 1965.
No período, não houve estabilidade e primeiros-ministros
foram trocados. Jango conseguiu articular uma antecipação e o presidencialismo
retornou em 1963. Suas propostas para a crise econômica da época geraram
articulações para o golpe militar de 1964, que o tirou do poder.
Sem grande sucesso com experiências passadas, o
parlamentarismo não teve força para ser implantado mesmo depois da
redemocratização. Tanto que, em 1993, o brasileiro decidiu em novo plebiscito
pela República presidencialista, vigente desde então.
Considerando esses fatores e somado ao fato de que uma
mudança brusca de sistema é mais custosa em termos de aprovação, há quem
defenda reformas graduais do presidencialismo.
Sérgio Abranches, cientista político e autor de famoso
artigo sobre o tema que trouxe à tona o termo “presidencialismo de coalizão”,
diz que, quando feitos devidos ajustes ao sistema vigente, é possível reverter
as crises políticas e de governabilidade.
Para o especialista, a principal chaga do sistema é a
flexibilização da legislação para criação de partidos políticos. O atual
ambiente tem, de acordo com ele, uma quantidade de interesses a serem atendidos
pelo presidente que ultrapassa o administrável, fazendo com que concessões cada
vez maiores sejam feitas para manter unida a base.
“Soma-se a isso a conivência com a corrupção e se cria um
ambiente de clientelismo que gera desesperança na política e afasta o
surgimento de novas lideranças”, diz Abranches. “É uma situação de barganha
constante, sem que os interesses da sociedade sejam atendidos”.
Segundo o cientista político, o primeiro passo para melhoria
está dado conforme se forma consenso com relação a proibição das coligações
para eleições proporcionais. Essas coligações somadas ao coeficiente eleitoral
gera muita sobra para eleição de deputados e vereadores com pouquíssimos votos.
“Pode juntar com a cláusula de barreira [norma que impede ou
restringe o funcionamento do partido que não alcançar mínimo percentual de
votos] com raiz na Constituição, mas só essa proibição já diminui a quantidade
de partidos com representação no Legislativo”, afirma. “Essas mudanças poderiam
derrubar de 28 para cerca de 8 partidos na Câmara, por exemplo”.
Para Abranches, o problema a ser resolvido a seguir seria a
formação de um sistema federativo entre os estados brasileiros. Hoje, a
formação sociocultural de cada um torna-se impasse nas negociações, pois cada
região do país tem carências muito particulares e cada deputado ou senador
precisa puxar para si a destinação das maiores verbas.
“Tem que ser uma mistura entre Estados Unidos e União
Europeia, em que há capacidade de atuação da União na redução de desequilíbrios
entre os estados”, diz Abranches. “Deve ter a autonomia estadual que os EUA
têm, com restrição de uso de recursos para financiar o básico dos estados e
municípios. O dinheiro federal seria para projetos específicos e dentro de um
projeto de equalização social dos estados”.
Segundo o especialista, itens como saúde, educação e
segurança devem ser responsabilidade do estado, não da União. Hoje, é o governo
federal que repassa verba recebida por impostos para os estados. No novo
modelo, o dinheiro iria direto para a administração estadual e cada uma
priorizaria suas necessidades mais urgentes, evitando mais permutas políticas.
“Sem considerar esses fatores, em um sistema
parlamentarista, podemos ter trocas de governo o tempo todo, já que as baixas
econômicas tendem a ser mais frequentes por causa da instabilidade global”,
diz.
O cientista político lembra que o processo de impeachment de
Dilma está sendo traumático porque ainda tem ampla resistência de setores
políticos. “No caso Collor, foi rápido e indolor”.
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