O voto compulsório ofende a liberdade individual do cidadão?
Escolher votar é tão importante quanto escolher em quem votar? A ponderação
desses princípios é o tema em debate que discute o voto facultativo.
Por: Leonardo Almeida
A presente pesquisa tem como escopo analisar o voto
compulsório no Brasil, tendo em vista que o presente instituto permanece em
vigência desde a sua instalação em meados de 1932, tornando-se alvo de
constante discussão legislativa, motivo pelo qual verificaremos sua aplicação
em contraposto ao atual conceito de democracia e liberdade.
Desta forma, tal discussão se faz necessária, considerando o
fato de que, a obrigatoriedade do voto, não abrange somente discussões
doutrinárias, sendo também alvo de discussão no âmbito legislativo, uma vez que
é objeto frequente de projetos de lei, as quais visam alterar o texto
constitucional.
O voto tem o poder de decidir quem serão os representantes
do povo, e é através do voto direto, secreto e universal que se obtém a
consolidação dos direitos do eleitor, o que nos faz duvidar se voto é realmente
um direito na medida em que é tratado como um dever. Atualmente o voto é
tratado como um dever cívico do cidadão, sendo ele, tanto uma obrigação para
com o Estado, como também um instrumento que garante a democracia, definição
constantemente discutida e não pacificada.
No Brasil o voto é obrigatório para os maiores de 18 anos e
menores de 70, conforme comando constitucional no artigo 14,§1º, sendo o mesmo
facultativo aos que tem idade entre 16 e 18 anos e maiores de 70.
Ressalta-se que é por meio do voto é que se da a
concretização do Estado Democrático de Direito, pois esta é a maneira pela qual
o povo exerce o seu poder, a soberania popular, razão pela qual entende-se que
o voto é obrigatório devido a sua natureza jurídica, sendo este um dever/poder,
e além disso, uma responsabilidade do cidadão, devendo exercer como manda a lei
a cada 2 anos.
Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivo analisar
de que maneira o voto obrigatório age sobre a liberdade individual do cidadão,
e suas consequentes restrições em relação a liberdade individual do povo, um
vez que aquele que não vota sofre sanções severas.
Outrossim, será feita análise a respeito das recentes
propostas de emenda a constituição, bem como a opinião pública: questões que
coadunam com a defesa do voto facultativo.
A metodologia utilizada é o método dedutivo, partindo dos
argumentos gerais para argumentos particulares, agregando a este, instrumentos
diversos, como pesquisa bibliográfica, pesquisa na internet , consulta a livros
de doutrina, bem como a consulta à legislação constitucional e
infraconstitucional.
O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO:
A PROBLEMÁTICA NA CONCEITUAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE
DIREITO
O Estado Democrático de Direito é de difícil conceituação,
uma vez que não se trata da simples fusão dos dois institutos, e sim uma
construção nova, o que pode ser observado na definição de Streck (2013) que
afirma que o conceito de Estado Democrático de Direito é uma inovação da
constituição do Brasil de 1988. Nas palavras do referido autor:
[...] na tentativa de conjugar o ideal democrático ao Estado
de Direito, não como uma aposição de conceitos, mas sob um conteúdo próprio
onde estão presentes as conquistas democráticas, as garantias jurídico-legais e
a preocupação social. (STRECK, 2013, p.
113)
Cumpre ressaltar que o Estado Democrático de Direito é
apresentado no artigo 1º na Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Nesse sentido, a respeito do que dispõe a Carta Magna,
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1997, p. 18) comenta: “Certamente a intenção
do constituinte ao referir-se a Estado Democrático de Direito foi a de mostrar
que ele não pretende que o Brasil seja regido por leis formais que violem
eventualmente os princípios fundamentais da democracia”.
Para melhor construção do conceito, faz-se necessário em um
primeiro momento, buscar entender o Estado Democrático e o Estado de Direito
separadamente.
a) Do Estado
Democrático
Dallari (2009) pontua a evolução temporal em três movimentos
político-sociais, determinando em quais pontos os princípios saíram do plano
teórico e entraram no plano pratico conduzindo ao Estado Democrático:
O primeiro desses movimentos foi o que muitos denominam de
Revolução Inglesa, fortemente influenciada por Locke e que teve sua expressão
mais significativa no Bill of Rights de 1689; o segundo foi a Revolução
Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das
treze colônias americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que
teve sobre os demais a virtude de dar universalidade aos seus princípios, os
quais foram expressos na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de
1789, sendo evidente nesta a influência direta de Rousseau. (DALLARI, 2009, p.
147)
Deste modo, é possível concluir que o Estado Democrático é
fruto de longa batalha pelos direitos fundamentais, luta reiterada que é
resultado positivado nos princípios fundamentais do Estado, nesse sentido
Vinício Carrilho Martinez (2004) complementa, que além de transformar os
direitos fundamentais em lei, colocou sob sua responsabilidade respeitar e
promover, ou seja, os representantes eleitos pelo povo devem atingir o objetivo
democrático, qual seja a garantia do bem comum.
b) Do Estado de
Direito
O Estado de Direito limita a arbitrariedade, de forma que o
poder é restringido pela lei, contudo, somente a implantação de um ordenamento
jurídico não implica na caracterização do Estado de Direito, por vezes que a
Lei pode ser injusta, então, as leis devem buscar a justiça.
Dimoulis (2007) em sua obra aduz:
O conceito de Estado de Direito apresenta utilidade se for
entendido no sentido formal da limitação do Estado por meio do direito. Nessa
perspectiva, o conceito permite avaliar se a atuação dos aparelhos estatais se
mantém dentro do quadro traçado pelas normas em vigor. Isso não garante o
caráter justo do ordenamento jurídico, mas preserva a segurança jurídica, isto
é, a previsibilidade das decisões estatais. (DIMOULIS, 2007, p.155)
Sendo a Constituição Federal a Lei hierarquicamente maior,
as normas decorrentes devem se adequar à Constituição, tendo em vista que esta
vai delimitar as arbitrariedades e proteger os cidadãos.
CONCEITOS DIFERENTES DE ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Após breve análise do Estado de Direito e do Estado
Democrático, encontra-se na doutrina diferentes conceitos para o Estado
Democrático de Direito, como será explorado a seguir.
Zulmar Fachin (2013) expõe em sua obra que o Estado de
Direito e o Estado Democrático formam o Estado Democrático de Direito, sendo
que o Estado de Direito é criado pelo liberalismo, tem-se:
O Estado Democrático de Direito formou-se a partir de dois
conteúdos: O Estado de Direito e o Estado Democrático. No Estado de Direito,
criado pelo liberalismo, tem-se o império da lei, a distribuição do poder
estatal, a previsão de direitos fundamentais e a garantia desses direitos. No
Estado Democrático, cujo fundamento é a soberania popular, o vocábulo
democrático aparece como um qualificativo do Estado. Tal conteúdo deve inspirar
não apenas os atos a serem praticados no âmbito do Estado, mas, inclusive, nas
relações entre particulares. (FACHIN, 2013, p. 201)
O referido autor trata o Estado Democrático de Direito como
uma fusão do Estado de Direito e o Estado Democrático, sendo a democracia uma
qualidade do Estado.
No entanto, José Afonso da Silva (2005) aponta em que a
configuração do Estado Democrático de Direito não é simplesmente unir os
conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito, e sim:
[...] na criação de um conceito novo, que leva em conta os
conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora
um componente revolucionário de transformação do status quo. E aí se
entremostra a extrema importância do art. 1º da Constituição de 1988, quando
afirma que a Republica Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático
de Direito, não como mera promessa de organizar tal Estado, pois a Constituição
aí já o está proclamando e fundando (SILVA, 2005, p.119).
Inocêncio Mártires Coelho (2010) coaduna com este
posicionamento:
Entende-se como Estado Democrático de Direito a organização
política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente ou por meio de
representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio
universal e voto direto e secreto, para o exercício de mandatos periódicos,
como proclama, entre outras, a Constituição Brasileira. Mais ainda, já agora no
plano das relações concretas entre o Poder e o individuo, considera-se
democrático aquele Estado de Direito que se empenha em assegurar aos seus cidadãos
o exercício efetivo dos direitos econômicos, sociais e culturais, sem os quais
de nada valeria a solene proclamação daqueles direitos. (COELHO, 2010, p.213)
Diante do exposto, verifica-se a diversidade de conceituação
do Estado Democrático de Direito, partindo destes conceitos, adotaremos o
entendimento demonstrado por último, pois coaduna com o nosso entendimento.
A DEMOCRACIA COMO FORMA DE GOVERNO
Bonavides (2012) em sua obra elenca que “nos dias correntes,
a palavra democracia domina com tal força a linguagem política deste século,
que raro o governo, a sociedade ou o Estado que se não proclamem
democráticos.”.
Partindo do trecho alhures o regime político nacional não
seria diferente, a constatação do regime democrático encontra-se previsto já no
preâmbulo constitucional:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em
Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça
como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional,
com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus,
a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Nesse sentido, Observa-se que o preâmbulo constitucional tem
em seu corpo um o conceito do Estado Democrático e suas finalidades.
O doutrinador Azambuja (2003), conceitua a Democracia como
sistema político:
Democracia é o sistema politico em que, para promover o bem
público, uma Constituição assegura os direitos individuais fundamentais, a
eleição periódica dos governantes por sufrágio universal, a divisão e limitação
dos poderes e a pluralidade dos partidos (AZAMBUJA, 2003, p.331).
Ramayana (2008) aduz sobre o Estado Democrático de Direito:
A democracia, em síntese conceitual, exprime-se como um
governo do povo, sendo um regime político que se finca substancialmente na
“soberania popular”, compreendendo-se os direitos e garantias eleitorais, as
condições de elegibilidade, as causas de inelegibilidade e os mecanismos de
proteção disciplinados em lei para impedir as candidaturas viciadas e que
atendem contra a moralidade pública eleitoral, exercendo-se a divisão das
funções e dos poderes com aceitação dos partidos políticos, dentro de critérios
legais preestabelecidos, com ampla valorização das igualdades e liberdades
públicas.” (RAMAYANA, 2008, p. 29).
Sendo a República Federativa do Brasil um Estado
Democrático, se faz necessário observar os pressupostos de existência da
Democracia, conforme será estudado a seguir.
Para a configuração de um Estado Democrático se faz
necessário a observância de dois princípios, quais sejam a liberdade e a
igualdade, pois em um Estado Democrático onde não se goze de liberdade –
qualquer natureza de liberdade – é um Estado “ditatorial”, onde o cidadão é
privado das suas liberdades, e em igual raciocínio tratamos a igualdade, pois,
a falta da isonomia resulta em diferenças arbitrárias e absurdas, o Estado ao
garantir ao cidadão será tratado de forma isonômica trás maior conforto à
sociedade em geral.
DOS DIREITOS POLÍTICOS NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Constituição de 1988 descreve em seu Capítulo IV, dos
artigos 14 aos 16, dos Direitos Políticos, sendo esta gama de direitos de
importância impar no nosso ordenamento jurídico, pois como afirma Mendes (2010,
p. 855) “Os direitos políticos formam a base do regime democrático”.
José Jairo Gomes (2008, p. 106) conceitua direitos políticos
da seguinte maneira: “Denominam-se direitos políticos ou cívicos as
prerrogativas e os deveres inerentes à cidadania. Englobam o direito de
participar direta ou indiretamente do governo, da organização e do
funcionamento do Estado”.
Ainda, acrescenta Pinto (2003, p. 68): “Os direitos
políticos são aqueles que credenciam o cidadão para exercer o poder ou
participar da escolha dos responsáveis pelo comando do grupo social”. A partir
do exposto, concluímos então que os direitos políticos são prerrogativas
inerentes ao cidadão, é a maneira como escolheremos os nossos representantes.
Nada obsta então afirmar que o exercício da cidadania é
vital para a Democracia como aponta Guedes (2013, p.67) “Assim, juridicamente,
há uma recíproca dependência conceitual entre os direitos políticos e a ideia
de Democracia concretamente conformada na Constituição”.
Sarlet coaduna com o autor supracitado:
Afinal, é mediante a fruição de direitos de participação
política (ativos e passivos) que o individuo não será reduzido à condição de
mero objeto da vontade estatal (mero súdito), mas terá assegurada a condição de
sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que
integra.” (SARLET, 2013, p. 658).
Observa-se o aparecimento do termo cidadão, Lenza (2013,
p.86) conceitua em sua obra: “Cidadão é o individuo dotado de capacidade
eleitoral ativa ou passiva, isto é, titular do direito de votar ou de ser
votado”.
A SOBERANIA POPULAR
A soberania popular está regulamentada pelo art. 14 da
Constituição Federal de 1988, que dispõe:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
[...]
A respeito, Gilmar Mendes (2010) aduz que, “nos termos da
Constituição, a soberania popular se exerce pelo sufrágio universal e pelo voto
direto e secreto, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e a
iniciativa popular”.
Ainda, acerca da Soberania Popular Ferreira Filho (1997, p.
118) acrescenta: “É este o principio fundamental da democracia. Significa que o
poder mais alto pertence ao povo”, nestas mesmas linhas escreve Pinto (2003, p.
70): “Significa que a titularidade do poder pertence aos cidadãos”.
Cumpre ressaltar que a manifestação da soberania popular é o
meio pelo qual se dá a democracia, pois bem, é através da soberania popular que
o povo elege seus representantes, existindo ainda a possibilidade deste povo
agir diretamente sobre as decisões do Estado.
Conclui-se então, ser a Soberania Popular o instrumento que
o povo dispõe para fazer valer a sua vontade, uma vez que é através deste que
manifesta a sua vontade, concretizando assim a democracia.
FORMAS DE DEMOCRACIA
A Democracia pode ser classificada em razão da forma pela
qual o cidadão manifesta a sua vontade, desta forma, a classificação se divide
em: democracia direta, democracia indireta, e ainda a democracia semidireta.
O modo como o cidadão manifesta sua vontade dentro do Estado
é o que, basicamente, estabelece qual o tipo de democracia daquele Estado.
A DEMOCRACIA DIRETA
A Democracia direta consiste na participação direta do povo
no exercício do poder, ou seja, o povo age diretamente sobre o Estado, impondo
assim, a vontade da maioria. Sistema que foi extinto há muito tempo, sendo
percebido apenas nas antigas democracias.
Nesse sentido, Lenza (2013, p. 75) conceitua de maneira
clara a democracia direta, dispondo que: “O povo exerce, por si, os poderes de
Governo, fazendo leis, administrando e julgando“.
As grandes populações inviabilizam a aplicação deste tipo de
democracia, pois seria impossível reunir os cidadãos em praça publica e
discutir sobre os assuntos de interesse público, razão pela qual deixou de
existir.
A DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA
A democracia indireta é aquela pela qual o povo elege seus representantes
os quais tem como compromisso decidir os assuntos inerentes ao interesse da
coletividade.
A fonte primária de poder (povo) não dirige diretamente os
negócios governamentais, em razão de diversos fatores (complexidade dos
problemas sociais, explosão demográfica, extensão territorial/geográfica), e
sim os outorga a seus representantes, eleitos periodicamente e com mandato
temporário. (LENZA, 2013, p.76)
Esta forma de democracia é exercida apenas pela escolha do
seu representante, ou seja, o cidadão não mais participa da vida politica do
Estado, pois cabe a ele somente eleger o seu representante, não existindo a possibilidade de uma
intervenção direta do cidadão.
A DEMOCRACIA SEMIDIRETA
O Brasil adota a democracia semidireta, pois ao lado da
natureza representativa, o ordenamento jurídico pátrio admite a utilização de
meios de intervenção direta dos governados, como por exemplo, o referendo e o
plebiscito, conforme se observa no parágrafo único do artigo 1º da Constituição
Federal de 1988, “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Ramayana (2008, p. 33), dispõe que “Na democracia
semidireta, mesclam-se institutos jurígenos concernentes a manifestações do
exercício do poder de decisão, onde a soberania popular exterioriza-se mediata
e imediatamente.” Lenza (2013, p. 76) coaduna com este conceito alegando que se
consubstancia na democracia representativa, com alguns institutos da democracia
direta, ou seja, um sistema eclético ou misto.
PLEBISCITO, REFERENDO E INICIATIVA POPULAR
Em suma o Plebiscito consiste na consulta prévia ao povo,
sobre a elaboração de uma lei, emenda constitucional ou até mesmo decisão
governamental. Importante notar que o plebiscito ocorre antes da elaboração da
lei. (SILVA, 2005)
Já o Referendo é uma consulta posterior, feita ao povo sobre
lei, emenda constitucional ou decisão governamental já elaborada, contudo,
ainda não vigente. Havendo a aprovação a medida entra em vigor. (SILVA, 2005)
Iniciativa popular é o processo de elaboração de uma lei
onde um projeto é apresentado pelo povo para ser votado e aprovado pelo
Legislativo. Faz-se necessário um número mínimo de eleitores. (SILVA, 2005)
Tais institutos estão previstos na Lei nº 9.709 de 18 de
novembro de 1998, regulamentando a realização de plebiscito, referendo e
projetos de iniciativa popular, elencados nos incisos I, II e III da
Constituição Federal de 1988:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos
termos da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
Entre outras formas de participação direta do povo, estas
são as consideradas mais importantes, contudo, não se pode esquecer que esse
rol não é taxativo, ou seja, existem outras maneiras do povo intervir
diretamente.
O SUFRÁGIO UNIVERSAL
O Sufrágio Universal implica dizer que a participação
eleitoral pelos cidadãos é universal, ou seja, sem restrições raciais,
econômica, sexual, entre outras. Desta forma, o cidadão que possui capacidade
eleitoral poderá exercer os seus direitos, sendo o sufrágio universal a modo
pelo qual a soberania popular é exercida, nesse sentido:
A soberania popular é exercida pelo sufrágio universal.
Literalmente, o vocábulo sufrágio significa aprovação, opinião favorável,
apoio, concordância, aclamação. Denota, pois, a manifestação de vontade de um
conjunto de pessoas para escolha de representantes políticos. (GOMES, 2008, p.
34)
Outrossim, o sufrágio universal significa atribuição do voto
aos nacionais em sua totalidade, sendo o voto o exercício, e o sufrágio um dos
instrumentos pelo qual o cidadão exerce sua soberania, de forma direta,
secreta, e sem distinção de valor. (LENZA, (2013), e FERREIRA FILHO (1997).
“No mundo moderno, porém, a democracia surgiu sob a forma
indireta ou representativa. Manteve-se o principio da soberania popular (todo
poder emana do povo e em seu nome será exercido), transferindo-se o exercício
das funções governamentais aos representantes ou mandatários do povo.” (MALUF,
2003, p. 279)
Desta forma, é possível concluir que perante a Constituição
Federal de 1988, nos termos do artigo 14, a soberania popular é exercida
através do sufrágio universal, sendo este o voto direito, secreto e com peso
igual para todos, podendo ainda ser exercido através do plebiscito, referendo e
iniciativa popular, de forma direta.
O VOTO E SEUS INSTITUTOS
“O voto é o ate politico que materializa, na pratica, o
direito publico subjetivo de sufrágio”. (SILVA, 2005, p. 358)
Partindo desta brilhante definição do que é o voto, iremos
estudar os seus institutos, ou seja, a maneira como se dá o voto. Sendo este o
instrumento pelo qual os eleitores escolhem os seus representantes de forma
direta, secreta e com peso igual para os votos.
“O voto é um dos mais importantes instrumentos democráticos,
pois enseja o exercício da soberania popular e do sufrágio. Cuida-se do ato
pelo qual os cidadãos escolhem os ocupantes dos cargos politico-eletivos. Por
ele, concretiza-se o processo de manifestação da vontade popular.” (GOMES,
2008, p.38)
Nas palavras do ilustre doutrinador resta claro a
enfatização da importância do instrumento do voto. Contudo, para o exercício do
voto é necessário que seja observado os seus valores, pois com o desrespeito
pelos atributos do voto comprometeriam a eleição dos representantes e desta
forma a Democracia estaria prejudicada.
O VOTO SECRETO, DIRETO E UNIVERSAL.
O voto direto, secreto, universal e periódico é de suma
importância na construção da Democracia no Estado Brasileiro, a Constituição
Federal de 1988 eleva a cláusula pétrea o voto secreto, direto e universal,
devido a sua importância na manutenção do Estado Democrático de Direito. Lenza
(2013, p. 43) em sua obra pontua “o sufrágio universal é um direito de voto
para todos os cidadãos, como principio da isonomia, garantido
constitucionalmente, ou seja, todos são iguais perante a lei”, acrescenta
Moraes (2010, p.37) que todos os cidadãos têm o mesmo valor no processo
eleitoral, independentemente de sexo, cor, credo, idade, posição intelectual,
social ou situação econômica. ONE MAN, ONE VOTE.
O voto não pode padecer de vícios, pois é através dele que
se dá a escolha dos representantes da população, corrompido o processo de
escolha se tem toda a democracia viciada, pois não estará caracterizada a vontade
da maioria, que é a característica primordial do nosso Estado.
O VOTO OBRIGATÓRIO EM CONTRAPOSTO A LIBERDADE INDIVIDUAL
NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Conforme o artigo 14, § 1º da Carta Magna o voto e o
alistamento eleitoral são obrigatórios para uma determinada faixa etária.
Existe atualmente uma grande discussão acerca do referido dispositivo legal,
por vezes que não se consegue definir a natureza jurídica do voto, seria ele um
direito, um dever para com o Estado, ou ainda um misto de direito e dever.
A presente discussão gera diferentes afrontamentos na
doutrina nacional, ainda sobre o voto obrigatório, estudaremos a possibilidade
de mudança através de projeto de emenda constitucional, por vezes que o artigo
60, §4º traz o voto como clausula pétrea e em consonância existem Projetos de
Emenda à Constituição tramitando no Congresso Nacional. Ainda discutiremos
acerca da ofensa a liberdade do cidadão ao ser constrangido a votar sob pena de
sanções previstas legalmente.
ANALISE ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DO VOTO
Seria o voto uma obrigação/dever do cidadão ou um direito
individual, tal indagação resta sem entendimento majoritário dentro da doutrina
pátria, o que se vê é um posicionamento misto, que trata o voto como uma
obrigação e ao mesmo tempo como um direito. Segue o que trás Gomes (2008, p.
38) na sua obra: “Embora expresse um direito público subjetivo, o voto é também
um dever cívico e, por isso, é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores
de 70 anos (CF, art. 14, §1º)”.
Maluf (2003) coaduna com este entendimento, conforme segue:
O voto é considerado como um direito individual e, ao mesmo
tempo, como função social. Como doutrinou Dugui, o eleitor, ao mesmo tempo em
que é titular de um direito é investido em uma função pública. O direito
decorre do poder de votar que assiste aos cidadãos, observadas as prescrições
legais. “O caráter de função social resulta, logicamente, da obrigatoriedade do
voto.” (MALUF, 2003, p.222)
Moraes (2010) também escreve nesse sentido:
O voto é um direito público subjetivo, sem, contudo, deixar
de ser uma função política e social de soberania popular na democracia
representativa. Além disso, aos maiores de 18 e menos de 70 é um dever,
portanto, obrigatório. “Assim, a natureza do voto também se caracteriza por ser
um dever sociopolítico, pois o cidadão tem o dever de manifestar sua vontade,
por meio do voto, para a escolha de governantes em um regime representativo.”
(MORAES, 2010, p.232).
Observa-se que o posicionamento é no sentido de que o voto é
um instituto misto, pois é um dever do cidadão, exercendo o seu cidadania
escolhendo seus representantes e ao mesmo tempo é um direito.
Nesse sentido, a obrigação então consiste no comparecimento
às eleições, não no ato de votar em si, vez que o cidadão poderá votar em
branco ou nulo e assim não interferindo nas eleições, ou seja, não participando
de fato na escolha dos representantes.
Sobre a natureza jurídica do voto José Jairo Gomes na sua
obra, ainda adiciona o seguinte:
Sua natureza jurídica deve ser bem explicitada, pois,
consoante adverte FERREIRA (1989, p.295), ele é “essencialmente um direito
publico subjetivo, é uma função da soberania popular na democracia
representativa e na democracia mista como um instrumento deste, e tal função
social justifica e legitima a sua imposição como um dever, posto que o cidadão
tenha o dever de manifestar sua vontade na democracia”.
“Argumenta-se, ainda, que a obrigatoriedade do voto faz que o cidadão se interesse mais pela vida politica, dela se aproximando, e que a “massa popular” não é preparada para o voto facultativo.” (FERREIRA, 1989 apud Gomes, 2008, p. 38)
“Argumenta-se, ainda, que a obrigatoriedade do voto faz que o cidadão se interesse mais pela vida politica, dela se aproximando, e que a “massa popular” não é preparada para o voto facultativo.” (FERREIRA, 1989 apud Gomes, 2008, p. 38)
No trecho alhures se fala que a função social do voto
justifica e legítima a sua imposição, sendo então o voto um dever do cidadão,
um dever de manifestar sua vontade na democracia, acreditamos que ai exista um
conflito de direitos, pois ocorre uma supressão da liberdade do cidadão em razão
da imposição de um dever/obrigação, ainda mais um dever disfarçado de direito.
Neste sentido José J. Gomes (2008) argumentar que, como o
direito, não é razoável que seja exercido compulsoriamente. Ademais, a
obrigatoriedade certifica a imaturidade do povo, ainda merecedor da tutela
estatal.
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os
brasileiros de um e outro sexo, salvo:
I - quanto ao alistamento:
a) os inválidos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os que se encontrem fora do país.
b) os maiores de setenta anos;
c) os que se encontrem fora do país.
II - quanto ao voto:
a) os enfermos;
b) os que se encontrem fora do seu domicílio;
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os
impossibilite de votar.
O artigo 6º do Código Eleitoral reforça a ideia de
obrigatoriedade, colocando apenas as situações que excluem a compulsoriedade do
cidadão para comparecer as urnas.
PORTELA (2008) em sua obra faz o seguinte apontamento:
“É certo que o Brasil de 1932, quando adotado o voto
obrigatório entre nós, era um país eminentemente rural, com pequeno número de
eleitores, muito diferente do país em que vivemos nos dias atuais."
(PORTELA, 2008, p. 3)
Diante disto é certo dizer que a natureza jurídica do voto
deve ser encarada de maneira diferente, pois, não podemos manter uma posição
que vem sendo mantida desde 1932 quando o voto foi positivado como obrigatório.
A constituição de 1934 ratificou o voto compulsório e trouxe
também várias reinvindicações como o voto feminino, o voto secreto, a idade de
18 anos para votar, que antes eram 21 anos.
Contudo, com o passar dos anos esse quadro mudou
completamente, de modo que:
[...] o Brasil tem hoje oitenta por cento de sua população
morando nas cidades, sendo significativa sua presença nos grandes centros
populacionais e regiões metropolitanas e, ainda, que o fácil acesso aos meios
de comunicação de massa permite a todos ter acesso fácil a informações do mundo
inteiro, influindo, assim, na consciência do cidadão mediante o conhecimento
sobre a vida de outros povos, ou mesmo de outras regiões brasileiras, mormente
sobre os aspectos de liberdade política, marginalidade social, racismo,
comportamento sexual, violência urbana, consumo de drogas pelos jovens,
desenvolvimento científico e tecnológico outros temas da atualidade. (SOARES,
2004, p. 9)
Isto posto, é possível observar com excerto acima, o fato de
que atualmente a maioria da população vivendo no meio urbano, com o acesso a
informação que a população tem hoje em dia, o Brasil passa a não ser mais o
mesmo de 80 anos atrás, permanecendo, contudo, o voto obrigatório:
Ressalta-se que atualmente o voto é obrigatório no
ordenamento jurídico pátrio, de valor igual para homens e mulheres, entre 18 e
70 anos e facultativo entre 16 e 18 e acima de 70 anos, havendo inclusive
sanção para ausência não justificada. O eleitor possui a liberdade de escolher
diante dos candidatos inscritos, ou votar em branco e até mesmo anular seu
voto. (VALVERDE, 2005)
Desta maneira, é visível a necessidade de reanalise da
natureza jurídica do voto, devendo não mais ser tratado como um dever do
cidadão e sim, ser tratado como direito político fundamental, facultando-se ao
titular o seu exercício.
Sob outro prisma acerca da natureza jurídica do voto Nelson
De Souza Sampaio afirma:
Do exposto conclui-se que o voto tem, primordialmente, o
caráter de uma função publica. Como componente do órgão eleitoral, o eleitor
concorre para compor outros órgãos do Estado também criados pela constituição.
Em geral, porém, as constituições têm deixado o exercício da função de votar a
critério do eleitor, não estabelecendo sanções para os que se omitem. Nessa
hipótese, as normas jurídicas sobre o voto pertenceriam à categoria das normas
imperfeitas, o que redundaria em fazer do sufrágio simples dever cívico ou
moral. Somente quando se torna obrigatório, o voto assumiria verdadeiro caráter
de dever jurídico. Tal obrigatoriedade foi estabelecida por alguns países,
menos pelos argumentos sobre a natureza do voto do que pelo fato da abstenção
de muitos eleitores, - fato prenhe de consequências políticas, inclusive no
sentido de desvirtuar o sistema democrático. Nos pleitos eleitorais com alta
porcentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os órgãos
dirigentes do Estado, ou seja, Governo e Parlamento. (SAMPAIO, 1981)
Nota-se que o entendimento exposto acima é ultrapassado,
pois atualmente se entende que o voto sendo imposto é um atentado à liberdade
do cidadão, não se pode mais sustentar a obrigatoriedade do voto sob argumento
da sua natureza jurídica, é extremamente necessário uma nova visão para
garantir a real função do Estado Democrático de Direito.
A LIBERDADE INDIVIDUAL
A declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, datado
de 1789, em seu artigo 4º, conceitua a liberdade:
Art. 4.º A liberdade consiste em poder fazer tudo que não
prejudique o próximo: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem
não tem por limites senão aqueles que asseguram aos outros membros da sociedade
o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela
lei.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, forjado no
cerne da Revolução Francesa, que trazia o lema “Liberté, égalité,
fraternité” foi o marco inicial da busca por uma democracia justa, pois se
deu inicio a luta pelos direitos fundamentais. Diante disto, o poder
constituinte garantiu estes direitos, observamos o que aduz o caput do artigo
5º da Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Desta forma, a inviolabilidade do direito à liberdade é
relativizada pelo Estado, posto que o cidadão abra mão da sua liberdade para
contar com a proteção fornecida pelo Ente Soberano. Mas até onde o Estado pode
intervir na liberdade do cidadão? Seria a imposição do voto um atentado à
liberdade individual?
Segundo o filósofo e pensador Montesquieu (2005, p. 166)
salienta em sua brilhante obra que:
Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a
liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser
forçado a fazer o que não se tem o direito de querer. Ademais, Montesquieu
define a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem, e se um
cidadão pudesse fazer o que elas proíbem ele já não teria liberdade, por que os
outros também teriam esse poder. (MONTESQUIEU, 2005)
Nas palavras do Ilustre Ministro Gilmar Mendes (1999):
Tal como observado por Hesse, a garantia de liberdade do
indivíduo que os direitos fundamentais pretendem assegurar somente é exitosa no
contexto de uma sociedade livre. Por outro lado, uma sociedade livre pressupõe
a liberdade dos indivíduos e cidadãos, aptos a decidir sobre as questões de seu
interesse e responsáveis pelas questões centrais de interesse da comunidade.
Essas características condicionam e tipificam, segundo Hesse, a estrutura e a
função dos direitos fundamentais. “Eles asseguram não apenas direitos
subjetivos, mas também os princípios objetivos da ordem constitucional e
democrática.” (MENDES, 1999)
Com base nas palavras do Ilustre Ministro conclui-se então
que a liberdade efetiva do cidadão assegura a presença dos direitos subjetivos
do mesmo e ainda, o respeito pelos princípios objetivos da ordem constitucional
e democrática.
Ainda, sobre a liberdade e o Estado o referido autor
acrescenta em sua obra:
Vinculados à concepção de que ao Estado incumbe, além da não
intervenção na esfera da liberdade pessoal dos indivíduos, garantida pelos
direitos de defesa, a tarefa de colocar à disposição os meios materiais e
implementar as condições fáticas que possibilitem o efetivo exercício das
liberdades fundamentais, os direitos fundamentais a prestações objetivam, em
última análise, a garantia não apenas da liberdade-autonomia (liberdade perante
o Estado), mas também da liberdade por intermédio do Estado, partindo da
premissa de que o indivíduo, no que concerne à conquista e manutenção de sua
liberdade, depende em muito de uma postura ativa dos poderes públicos.”
(MENDES, 1999)
Diante do exposto, o Estado deverá garantir ao cidadão o
exercício pleno da liberdade, além disso, observar a não intervenção estatal na
esfera particular do cidadão, devendo ademais garantir aos mesmos, métodos para
defender a sua liberdade.
O VOTO COMO CLAUSULA PÉTREA
Ainda, existem argumentos contrários à conversão do voto
obrigatório em voto compulsivo seria a impossibilidade de mudança do texto
constitucional, tendo em vista que é matéria prevista no art. 60, §4º da
Constituição Federal, como se segue:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
Trata-se então de limitação expressa material, pois “tais
matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado
tradicionalmente por “clausulas pétreas”. (MORAES, 2010 pg. 525)
Pois, sendo o voto clausula pétrea é necessário maior
aprofundamento ao assunto para que se verifique a possibilidade de aplicação da
vedação do referido artigo ao que tange a obrigatoriedade do voto, pois como
visto no inciso II o voto direto, secreto, universal e periódico não pode ser
alvo de deliberação.
A partir do previsto no texto constitucional observamos que
a obrigatoriedade do voto não é clausula pétrea, sendo assim poderá ser objeto
de deliberação pelo legislativo, mediante o procedimento previsto, sem prejuízo
a constitucionalidade da proposta de emenda à constituição.
Observando exposto alhures, poderia o Poder Constituinte
derivado reformador alterar o artigo 14, §1º, inciso I, que trata o voto e o
alistamento eleitoral como obrigatório aos maiores de dezoito anos, mediante
proposta de emenda a constituição.
A inalterabilidade da Constituição Federal seria considerada
um retrocesso à ordem legal constituinte, pois é necessário que o Direito se
adeque as mutações temporais, comportamentais e sociais da sociedade.
A imutabilidade constitucional, tese absurda, colide com a
vida, que é mudança, movimento, renovação, progresso, rotatividade. Adotá-la
equivaleria a cerrar todos os caminhos à reforma pacifica do sistema politico,
entregando à revolução e ao golpe de Estado a solução das crises. (BONAVIDES,
2012 pg. 173)
Assim sendo, o Direito não pode ser encarado como algo
imutável, pois é necessária a adequação da norma ao cotidiano do povo. De nada
adiantaria existir a Lei se ela não pode ter efetividade.
ANÁLISE ACERCA DAS SANÇÕES APLICADAS ÀQUELES QUE NÃO
EXCERCEM O VOTO
No Código Eleitoral, em seu artigo 7º, observam-se as
sanções impostas àqueles que não comparecem as urnas para votar, in verbis:
Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar
perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição,
incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da
região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367.
§ 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a
respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor:
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função
pública, investir-se ou empossar-se neles;
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos
de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações
governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza,
mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público
delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa
da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios,
ou das respectivas autarquias;
IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de
economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e
caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito
mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades
celebrar contratos;
V - obter passaporte ou carteira de identidade;
VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial
ou fiscalizado pelo governo;
VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do
serviço militar ou imposto de renda.
§ 2º Os brasileiros natos ou naturalizados, maiores de 18
anos, salvo os excetuados nos arts. 5º e 6º, nº 1, sem prova de estarem
alistados não poderão praticar os atos relacionados no parágrafo anterior.
§ 3º Realizado o alistamento eleitoral pelo processo
eletrônico de dados, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em 3
(três) eleições consecutivas, não pagar a multa ou não se justificar no prazo
de 6 (seis) meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter
comparecido.
Analisando o dispositivo legal observamos que as sanções
agem na esfera de liberdade do indivíduo, gerando um desconforto e até
constrangimento.
Os incisos trazem as proibições que são imputadas aos que
faltam com a obrigação de votar, existindo punições pesadas para aqueles que
não exercem sua cidadania da maneira como a lei impõe. Acredita-se que as
sanções são demasiadamente punitivas, e recentemente Projeto de Lei do
Senado pretendia retirar as sanções dos incisos, mantendo somente a multa,
contudo, o projeto que é datado de 2006, está em trâmite no Congresso Nacional
e por hora está esquecido.
Tendo em vista este tipo de arbitrariedade cometido pelo
Estado se questiona o valor democrático do nosso ordenamento jurídico, vez que
impõe ao eleitor o comparecimento às urnas para o exercício de um “direito”.
Ressaltando que o voto em si não é obrigatório, pois pode o
cidadão votar em branco ou nulo, o que é de fato obrigatório é o comparecimento
na sua zona eleitoral, como bem aponta Moraes (2010):
[...] em regra, existe a obrigatoriedade do voto, salvo aos
maiores de 70 anos e aos menores de 18 e maiores de 16. Consiste em obrigar o
cidadão ao comparecimento às eleições, assinando uma folha de presença e
depositando seu voto na urna, havendo inclusive uma sanção (multa) para sua
ausência. “Em virtude, porém, de sua característica de secreto, não se pode
exigir que o cidadão, efetivamente, vote.” (MORAES, 2010, p.232)
Desta forma, é necessário que o voto obrigatório, imposto
pela Constituição Federal de 1988, herança do Código Eleitora de 1932, seja
substituído, dando lugar ao voto facultativo, este que é adotado na maioria dos
Países Democráticos.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A OPINIÃO POPULAR SOBRE O
VOTO OBRIGATÓRIO E AS PROPOSTAS DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A opinião popular se mostra favorável à adoção do voto
facultativo, conforme pesquisa Datafolha foi constatada que 61% dos brasileiros
somos a favor do voto facultativo, sendo somente 34% a favor, sendo 5%
divididos entre indiferente e não souberam responder.
Partindo do exposto, podemos concluir que se o povo clama
pelo voto facultativo, por óbvio este pedido deve ser atendido, pois o Brasil é
um Estado Democrático de Direito, e por ser o Estado democrático, a maioria
prevalece sobre a minoria.
O Congresso Nacional recebe Projetos de Emenda à
Constituição que tem por objeto a retirada da imposição do voto de forma
reiterada, no ano de 2012, sob o nº 55, a PEC de autoria do Senador Ricardo
Ferraço e outros, tinha como proposta a alteração do parágrafo 1º do artigo 14
da Constituição Federal, o texto proposto é o seguinte: “§ 1º O alistamento
eleitoral é obrigatório para os maiores de dezoito anos e o voto é facultativo
para todos, a partir dos dezesseis anos de idade.”
O autor da PEC Senador Ricardo Ferraço (2012) em sua
justificativa para a proposta alegou que a previsão pelo voto facultativo teve
como justificativa que a ideologia da obrigatoriedade do voto, levou o Brasil a
transformar um direito político fundamental em uma obrigação legal. Não se pode
obrigar alguém que não se interessa pela coisa pública a escolher entre
candidatos sobre os quais nada sabe, e ainda pior, obrigar alguém, sob pena de
punição estatal, a ir uma sessão eleitoral manifestar a sua postura apolítica.
A proposta 55/2012 foi rejeitada pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, mas a ideia de abolir a obrigação do voto é
de longa data, e continuadamente surgem novas Propostas de Emenda à
Constituição que trazem no seu âmago a retirada do voto obrigatório.
No ano de 2013, a Proposta de Emenda à Constituição 352/13,
tratada como a PEC da reforma política, entre as suas propostas põe fim ao voto
obrigatório.
Diante do exposto, devemos ressaltar que o voto facultativo
é a maneira ideal de um povo democrático eleger os seus representantes, pois, o
Estado não pode intervir e constranger o cidadão para que o mesmo exerça a sua
cidadania, devendo o voto ser tratado como um direito.
Coaduna com esse pensamento Jacob (J.) Lumier (2008) em seu
livro, como segue:
[...] se constata que a tutela pelos aparelhos
administrativos sobre o ato de votar restringe a liberdade política na medida
em que esta pressupõe a realização das obras de civilização (Conhecimento,
Moral, Educação, Direito, Arte), reduzindo-se em decorrência dessa tutela
especial a possibilidade de aceder à desejável cidadania plena, como formação
pública onde as disputas de interesses ou as lutas pelo poder se subordinam às
plataformas de conjunto da sociedade – em pauta nas chamadas políticas
públicas. Vale dizer, na cidadania plena como regime de voto pelo
comparecimento desobrigado, a tendência política que surge desse voto delimita
o campo das barganhas e torna superada a crença na ordem do mais forte. Neste
sentido, o voto obrigatório praticado em cidadania tutelada mostra-se
prejudicial à Democracia porque desfavorece a ultrapassagem da situação em que
“o homem é o lobo do homem”, nada acrescentando para que as funções sociais
prevaleçam. (LUMIER, 2008)
Tornar o voto um instrumento para o exercício da cidadania
em consonância à liberdade individual com o fim de consolidar o Estado
Democrático de Direito no princípio da soberania popular, propulsiona o
questionamento acerca do voto facultativo e a natureza jurídica do voto,
devendo este ser declarado unicamente como direito político fundamental,
deixando de ser tratado como dever, é fundamental para a manutenção da
democracia nacional.
CONCLUSÃO
No presente artigo primeiramente se questiona o Estado
Democrático de Direito e seu conceito, pois, é necessário salientar a
importância de tal conceito vez que há na doutrina uma divergência doutrinaria.
Partindo da adoção do conceito foi analisada a Democracia como forma de
governo, e suas variantes, classificando o Brasil como uma Democracia
semidireta, pois o ordenamento pátrio conta com institutos de participação no
poder de forma direta, mas adota o modelo representativo.
Diante disto estudamos a Soberania Popular, determinando sua
importância na manutenção da Democracia. Exercício este que se dá através do
sufrágio, que se consubstancia particularmente no voto. O voto por ser então o
exercício da Soberania Popular é importante instituto na nossa ordem
Constitucional.
Por ser o voto instrumento tão importante, é de se
questionar a sua obrigatoriedade, pois é previsto pela Constituição Federal
como um Direito Político. Na tentativa de elucidação deste questionamento foi
necessário estudar a natureza política do voto. Entendimento este que decorre
de meados de 1930, quando o voto foi imposto como obrigatório, desde essa época
o voto sofreu continuas alterações, mas a sua obrigatoriedade permaneceu, e os
doutrinadores trazem a natureza jurídica do mesmo como um dever do cidadão para
o Estado, um Direito que deve ser exercido sob pena de prejudicar a real
Democracia.
Entendeu-se esse posicionamento como ultrapassado, por vezes que na maioria dos Estados estrangeiros democráticos o voto é facultativo, e ainda, a previsão de sanção para aquele que não vota é algo absurdo, pois, como um direito não exercido pode gerar ao titular um prejuízo tão grande quanto os impostos na legislação que trata das sanções, observa-se ai uma ofensa a Liberdade Individual, pois o cidadão tem o direito de votar, contudo, ele deverá obrigatoriamente votar.
Entendeu-se esse posicionamento como ultrapassado, por vezes que na maioria dos Estados estrangeiros democráticos o voto é facultativo, e ainda, a previsão de sanção para aquele que não vota é algo absurdo, pois, como um direito não exercido pode gerar ao titular um prejuízo tão grande quanto os impostos na legislação que trata das sanções, observa-se ai uma ofensa a Liberdade Individual, pois o cidadão tem o direito de votar, contudo, ele deverá obrigatoriamente votar.
Cumpre ressaltar que analisamos o voto enquanto clausula
pétrea, motivo pelo qual foi possível concluir que a imutabilidade do voto é
embasada em suas características, no sentido de que deve ser direto, secreto,
universal e periódica, e não acerca de sua obrigatoriedade, podendo assim ser
alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Diante disto, nada obsta aos projetos de emenda à
constituição que visam à alteração do artigo 14, da Constituição Federal de
1988.
Muito é questionado a respeito das sanções aplicadas aos
cidadãos que não comparecem às urnas e não justificam a sua ausência, pois são
sanções extremas, interferindo nas mais intimas esferas jurídicas do cidadão.
É notória a vontade manifesta da população acerca do voto
obrigatório, em recente pesquisa publicada foi possível verificar a vontade do
povo, sendo que 61% dos entrevistados preferem o voto facultativo ao
obrigatório.
Em consonância com a vontade do popular, eis que surge ano
pós ano, tentativa após tentativa, uma mudança no texto constitucional acerca
da obrigatoriedade do voto. De longa data vários políticos propuseram uma
emenda à Constituição, contudo, nenhuma logrou sucesso.
Desta forma, o presente trabalho concluiu que o voto
obrigatório age de maneira a constranger o cidadão, não somente pela
obrigatoriedade imposta, mas também pelas sanções previstas àqueles que não
cumprem o mandamento constitucional, atualmente é necessário que a natureza
jurídica do voto seja encarada de maneira diversa do entendimento vigente,
devendo ser observado à luz da liberdade individual, pressuposto mínimo de
existência da Democracia.
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