Já está mais do que passada a hora de o Brasil se organizar segundo princípios e valores republicanos, que se situam acima das disputas partidárias.
Uma sociedade democrática não pode estar constantemente submetida a disputas entre partidos que chegam a atingir esses mesmos princípios e valores.
Talvez se possa dizer que o País atravessa um momento particularmente propício à afirmação desses princípios. Dentre eles, gostaria de ressaltar a ética na política, pois a moralização da vida pública é uma condição das democracias desenvolvidas.
Nelas os cidadãos percebem a coisa pública como deles, e não como a coisa privada de alguns.
Os cidadãos podem, então, constatar que os infratores serão punidos, de tal maneira que haja um espelhamento moralmente positivo de todos nos seus representantes. Se isso não ocorrer, teremos, em seu lugar, o descolamento dos representantes em relação aos representados, em que os privilégios de alguns aparecerão como uma injustiça cometida contra todos.
Sem comportamentos moralmente exemplares a política se torna um mero jogo de todos contra todos, sem nenhum princípio a norteá-la.
A presidente Dilma Rousseff partiu, com decisão, para uma faxina ética em diferentes ministérios, dentre os quais se destacam, por enquanto, Transportes, Agricultura e Turismo. Os números não deixam de ser impressionantes, pois, por exemplo, no Ministério dos Transportes mais de 20 pessoas foram demitidas ou exoneradas.
E no Ministério do Turismo 35 pessoas foram presas. Sem nenhuma dúvida, trata-se de uma grande novidade, sobretudo se compararmos o atual governo com o anterior, pois neste infratores eram tratados com afago.
Nesse sentido, pode-se dizer que ela está conduzindo uma política republicana, situada acima dos partidos políticos. Observe-se que a faxina está atingindo os mais diferentes partidos políticos, tendo tudo começado com o PR, porém já alcançando o PMDB, o PTB e o próprio PT.
Não se pode, portanto, dizer que ela não esteja seguindo a aplicação de um princípio. Ressalte-se, igualmente, a conduta impecável do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na condução da Polícia Federal.
O "argumento" de que a presidente estaria pondo em perigo a "governabilidade" não deixa de ser um "pseudoargumento", pois ele expressa o descontentamento dos que foram atingidos ou dos que temem ser atingidos em futuro próximo.
Ou seja, o dito argumento da governabilidade está sendo utilizado para a mera conservação do status quo, herdado do governo anterior.
A questão é bem outra. Trata-se de uma tentativa de instaurar uma nova forma de governabilidade, que possa seguir precisamente princípios republicanos, como o de que os recursos dos contribuintes não serão dilapidados ou desviados para os bolsos de alguns.
O caminho que se está abrindo, e que será certamente espinhoso, é o de que a Nação possa trilhar o percurso do amadurecimento da democracia.
Corrupção e malversação de recursos públicos são extremamente nocivas para a democracia, pois degradam valores e corroem instituições. Se os valores morais não são seguidos pelos dirigentes, o exemplo dado à Nação é o de que ninguém a eles precisa obedecer.
Se as instituições não são respeitadas, a própria organização social, institucional e política se torna precária. O recado seria, então, o seguinte: as regras nada valem.
No entanto, tal transformação política e institucional não pode ser levada a cabo por simples vontade presidencial se ela não vier acompanhada pelo apoio da opinião pública e, também, das oposições.
A opinião pública está sendo mobilizada pela ampla repercussão que a faxina vem tendo, atraindo setores que eram e são refratários ao PT e à falta de princípios e valores do governo anterior.
Tampouco se deve descartar a hipótese de que boa parte dessas denúncias tenha tido origem no próprio Palácio do Planalto, com o intuito de que a ação de moralização pública fosse bem acolhida. O procedimento adotado foi o de formar a opinião pública.
Isso, porém, exige das oposições uma conduta responsável. Devem fazer frente comum com o governo, não procurando fustigá-lo partidariamente.
As oposições não deveriam fazer oposição como têm feito durante os últimos nove anos, imitando o que o PT tinha de pior.
Aliás, para o PT daquele então, o que defendia a "ética na política" contra "tudo aquilo que estava aí", tal bandeira era ainda eficaz, pois ele não tinha, na esfera federal, a experiência de governar.
Se hoje adotasse tal bandeira, depois dos descalabros éticos dos últimos anos, ninguém mais a tomaria a sério, nem os próprios militantes.
As oposições, por seu lado, nada aprenderam. Ao imitarem o PT, não se deram conta das limitações desse tipo de comportamento, além de se pautarem por uma forma de ação em franca contradição com o que faziam enquanto governo.
O descrédito é a consequência inevitável. O resultado concreto é a sucessão de derrotas na esfera federal e a queda da representação parlamentar.
Isso significa que, no caso em questão, as oposições deveriam partir para um apoio ao governo Dilma em torno de princípios, abandonando até mesmo a ideia de CPI. Para que uma CPI, se os responsáveis foram punidos e as maiores falcatruas já apareceram?
Na situação atual, trata-se apenas de uma forma partidária de fustigar o governo, fazendo o jogo dos descontentes com a faxina, o dos infratores. Apenas estes poderiam tornar viável uma CPI.
O jogo agora é outro: separar os interesses partidários dos republicanos, obrigando todos os atores, por convicção ou não, a atuar segundo uma noção suprapartidária de vida pública.
O desafio é certamente enorme, mas não será enfrentado se não for tentado. A consolidação de nossas instituições democráticas disso depende.
Denis Lerrer Rosenfield PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS