"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Princípios republicanos


Já está mais do que passada a hora de o Brasil se organizar segundo princípios e valores republicanos, que se situam acima das disputas partidárias. 

Uma sociedade democrática não pode estar constantemente submetida a disputas entre partidos que chegam a atingir esses mesmos princípios e valores.

Talvez se possa dizer que o País atravessa um momento particularmente propício à afirmação desses princípios. Dentre eles, gostaria de ressaltar a ética na política, pois a moralização da vida pública é uma condição das democracias desenvolvidas. 

Nelas os cidadãos percebem a coisa pública como deles, e não como a coisa privada de alguns.

Os cidadãos podem, então, constatar que os infratores serão punidos, de tal maneira que haja um espelhamento moralmente positivo de todos nos seus representantes. Se isso não ocorrer, teremos, em seu lugar, o descolamento dos representantes em relação aos representados, em que os privilégios de alguns aparecerão como uma injustiça cometida contra todos. 

Sem comportamentos moralmente exemplares a política se torna um mero jogo de todos contra todos, sem nenhum princípio a norteá-la.

A presidente Dilma Rousseff partiu, com decisão, para uma faxina ética em diferentes ministérios, dentre os quais se destacam, por enquanto, Transportes, Agricultura e Turismo. Os números não deixam de ser impressionantes, pois, por exemplo, no Ministério dos Transportes mais de 20 pessoas foram demitidas ou exoneradas. 


E no Ministério do Turismo 35 pessoas foram presas. Sem nenhuma dúvida, trata-se de uma grande novidade, sobretudo se compararmos o atual governo com o anterior, pois neste infratores eram tratados com afago.

Nesse sentido, pode-se dizer que ela está conduzindo uma política republicana, situada acima dos partidos políticos. Observe-se que a faxina está atingindo os mais diferentes partidos políticos, tendo tudo começado com o PR, porém já alcançando o PMDB, o PTB e o próprio PT. 


Não se pode, portanto, dizer que ela não esteja seguindo a aplicação de um princípio. Ressalte-se, igualmente, a conduta impecável do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na condução da Polícia Federal.

O "argumento" de que a presidente estaria pondo em perigo a "governabilidade" não deixa de ser um "pseudoargumento", pois ele expressa o descontentamento dos que foram atingidos ou dos que temem ser atingidos em futuro próximo. 

Ou seja, o dito argumento da governabilidade está sendo utilizado para a mera conservação do status quo, herdado do governo anterior.

A questão é bem outra. Trata-se de uma tentativa de instaurar uma nova forma de governabilidade, que possa seguir precisamente princípios republicanos, como o de que os recursos dos contribuintes não serão dilapidados ou desviados para os bolsos de alguns. 

O caminho que se está abrindo, e que será certamente espinhoso, é o de que a Nação possa trilhar o percurso do amadurecimento da democracia.

Corrupção e malversação de recursos públicos são extremamente nocivas para a democracia, pois degradam valores e corroem instituições. Se os valores morais não são seguidos pelos dirigentes, o exemplo dado à Nação é o de que ninguém a eles precisa obedecer. 

Se as instituições não são respeitadas, a própria organização social, institucional e política se torna precária. O recado seria, então, o seguinte: as regras nada valem.

No entanto, tal transformação política e institucional não pode ser levada a cabo por simples vontade presidencial se ela não vier acompanhada pelo apoio da opinião pública e, também, das oposições.

A opinião pública está sendo mobilizada pela ampla repercussão que a faxina vem tendo, atraindo setores que eram e são refratários ao PT e à falta de princípios e valores do governo anterior. 

Tampouco se deve descartar a hipótese de que boa parte dessas denúncias tenha tido origem no próprio Palácio do Planalto, com o intuito de que a ação de moralização pública fosse bem acolhida. O procedimento adotado foi o de formar a opinião pública.

Isso, porém, exige das oposições uma conduta responsável. Devem fazer frente comum com o governo, não procurando fustigá-lo partidariamente. 

As oposições não deveriam fazer oposição como têm feito durante os últimos nove anos, imitando o que o PT tinha de pior.

Aliás, para o PT daquele então, o que defendia a "ética na política" contra "tudo aquilo que estava aí", tal bandeira era ainda eficaz, pois ele não tinha, na esfera federal, a experiência de governar. 

Se hoje adotasse tal bandeira, depois dos descalabros éticos dos últimos anos, ninguém mais a tomaria a sério, nem os próprios militantes.

As oposições, por seu lado, nada aprenderam. Ao imitarem o PT, não se deram conta das limitações desse tipo de comportamento, além de se pautarem por uma forma de ação em franca contradição com o que faziam enquanto governo. 

O descrédito é a consequência inevitável. O resultado concreto é a sucessão de derrotas na esfera federal e a queda da representação parlamentar.

Isso significa que, no caso em questão, as oposições deveriam partir para um apoio ao governo Dilma em torno de princípios, abandonando até mesmo a ideia de CPI. Para que uma CPI, se os responsáveis foram punidos e as maiores falcatruas já apareceram? 

Na situação atual, trata-se apenas de uma forma partidária de fustigar o governo, fazendo o jogo dos descontentes com a faxina, o dos infratores. Apenas estes poderiam tornar viável uma CPI.

O jogo agora é outro: separar os interesses partidários dos republicanos, obrigando todos os atores, por convicção ou não, a atuar segundo uma noção suprapartidária de vida pública. 

O desafio é certamente enorme, mas não será enfrentado se não for tentado. A consolidação de nossas instituições democráticas disso depende.

 Denis Lerrer Rosenfield  PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Falta estratégia no ''Brasil Maior''


O Plano Brasil Maior, divulgado no dia 2 de agosto de 2011, pretende dotar o País de uma nova política industrial, tecnológica, de serviços e de comércio exterior para o período de 2011 a 2014. 

De acordo com o documento de divulgação, o plano foca "no estímulo à inovação e à produção nacional para alavancar a competitividade da indústria nos mercados interno e externo".

Ainda segundo o documento, "o Plano Brasil Maior organiza-se em ações transversais e setoriais. As transversais são voltadas para o aumento da eficiência produtiva da economia como um todo. 

As ações setoriais, definidas a partir de características, desafios e oportunidades dos principais setores produtivos, estão organizadas em cinco blocos que ordenam a formulação e implementação de programas e projetos".

Apesar da roupagem metodológica que precede a apresentação das medidas, sugerindo rigor e visão estratégica, é exatamente esse tipo de visão que falta à nova política industrial.

A leitura das 35 medidas anunciadas leva à percepção de que foram reunidas, sob um único guarda-chuva, diversas iniciativas que vinham sendo discutidas em diferentes áreas do governo e que respondem a demandas e preocupações diversas.

O Plano não aponta para a indústria que se pretende ter no futuro. O horizonte temporal é curto para transformações relevantes e os instrumentos têm efeitos potenciais contraditórios entre si.

Os mecanismos anunciados indicam que o governo parte de um diagnóstico geral correto - o de que a indústria brasileira sofre com a deterioração das condições de competitividade e de que é preciso desonerar a produção industrial, as exportações e os investimentos, além de incentivar a inovação e a participação das pequenas e das médias empresas no comércio exterior. 

Entretanto, particularmente no que se refere ao comércio exterior, os instrumentos incorporados ao programa são tímidos e contraditórios: enquanto alguns buscam aumentar a competitividade das manufaturas brasileiras no mercado internacional, outros, voltados à proteção da indústria doméstica, tendem a resultar em perda de eficiência e aumento de custos no processo produtivo.

Diante da dificuldade de enfrentar a conhecida agenda de competitividade - desoneração tributária das exportações e dos investimentos; desoneração da folha de pagamentos; melhoria das condições de infraestrutura e logística; e redução da burocracia e dos custos acessórios no processo exportador -, o governo adota medidas parciais e pontuais.

Diante da incapacidade de lidar com os problemas sistêmicos, as autoridades optam por mecanismos pontuais, alguns voltados para o aumento da proteção. Mas, ao fazê-lo, vão de encontro com os objetivos de aumento de competitividade.

Alguns traços vão se consolidando na política industrial e de comércio exterior brasileira a partir de 2008:recuperação do corte setorial dos instrumentos de política industrial;

intensificação do uso de mecanismos direcionados ao aumento do conteúdo nacional dos produtos industriais;

e reforço do viés discricionário na aplicação dos instrumentos, mesmo daqueles que podem ser considerados como transversais.

No que se refere à recuperação do corte setorial, chama a atenção o fato de que, também nesse caso não se apresentam escolhas definidas. 

Há instrumentos específicos para diferentes setores, dando a impressão de que as diversas demandas foram atendidas: redução dos custos tributários para bens de capital, novo regime especial para o setor automotivo, desoneração da folha para setores intensivos em trabalho, preferências nas compras governamentais para setores e atividades elegíveis e novos programas de financiamento para um conjunto variado de atividades industriais.

Além dos traços mais gerais, dois aspectos chamam a atenção na condução da política de comércio exterior recente no Brasil e que tendem a se perpetuar com a nova política: déficit de implementação e transitoriedade dos mecanismos.

Os agentes econômicos que atuam no comércio exterior brasileiro sofrem com as dificuldades de operacionalização de instrumentos que são anunciados, mas não são implementados. Muitas vezes é difícil, inclusive, identificar se os instrumentos estão ou não em vigência. 

Dentre as medidas incluídas no anúncio do Plano Brasil Maior, algumas já foram divulgadas anteriormente - é o caso da preferência para produtos e serviços nacionais nas compras do setor público, incluída no "Pacote de Competitividade" de maio de 2010 e que continua em processo de regulamentação.

Além disso, muitos dos mecanismos têm caráter transitório. No plano divulgado, diversos benefícios têm prazo de vigência previsto para terminar em dezembro de 2012. Essa transitoriedade gera incertezas e desestimula a adoção pelas empresas de estratégias exportadoras mais duradouras.

Diante das dificuldades para promover reformas de caráter horizontal que eliminem as distorções do regime tributário brasileiro, reduzam os custos assessórios com a burocracia e enfrentem as graves deficiências de transporte e logística, vai-se costurando uma colcha de retalhos com medidas muitas vezes incoerentes entre si.

por: Sandra Polónia Rios É DIRETORA DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (CINDES)




O Estado do Brasil


O governo é pródigo na construção de versões. Nos primeiros meses do ano, a presidente Dilma Rousseff foi transformada, da noite para o dia, em uma genial gestora pública. Falava-se que ela não aparecia em público porque priorizava o trabalho administrativo. 
Era uma devoradora de relatórios. Exigia o máximo dos seus ministros. Conhecia detalhadamente os principais projetos do país. Era tão diferente de Lula…
O impressionismo político, típico do Brasil, vigorou por três meses. Foi o prazo de validade dado pela realidade. Viu-se que administrativamente o governo ia mal. Nenhum programa do PAC estava com o cronograma em dia. As obras em andamento não tinham o acompanhamento devido. Faltava coordenação entre os ministérios. Em suma, o governo estava sem rumo. 
Ou melhor, estava em um movimento inercial, dentro daquela lógica nacional de que é melhor deixar como está, para ver como é que fica.
Vieram as crises políticas. Uma atrás da outra. Atingiram o coração do governo. E foram caindo os ministros, sempre devido às denúncias da imprensa ou por alguma operação da Polícia Federal. Nunca por iniciativa da presidente. Foram defenestrados ministros considerados fortes, como Antonio Palocci, e outros pouco conhecidos, como Alfredo Nascimento. 
As retiradas sempre foram penosas e só ocorreram depois de muita pressão da imprensa. Seguindo um velho roteiro, até o último momento o governo tentou abafar as denúncias, desqualificando as acusações e acusadores. Quando não encontrou mais saída, restou a demissão.
A repetição dos fatos, em tão curto espaço de tempo, demonstrou que o governo estava apresado pela corrupção. O loteamento dos ministérios e a inépcia dos órgãos de vigilância permitiram que milhões de reais fossem desviados. As denúncias foram pipocando e as acusações eram de que tudo não passava de “fogo amigo”. 
Ou seja, era uma guerra entre os partidos da base governamental, uma luta interna pelo poder (e pelo dinheiro). Como se fosse absolutamente natural saquear o Erário.
Em meio à crise, os partidos continuaram exigindo cargos e favores. Sabiam que a apuração era para inglês ver. Trocavam-se os nomes mas não as práticas; como no Ministério da Agricultura, onde saiu um ministro do PMDB e entrou outro do… PMDB. 
As denúncias de desvio de milhões de reais não foram apuradas, sequer internamente, em um processo administrativo. Muito menos na esfera judicial.
Herdeira e partícipe ativa do presidencialismo de transação, a presidente acabou prisioneira deste sistema. Não sabe o que fazer. Lula conseguia ocultar os escândalos graças ao seu prestígio popular. Aproveitava qualquer cerimônia para desqualificar os acusadores. 
E convencia, graças ao seu poder de comunicação. Com Dilma é muito diferente. Ela pouco fala. Quando quer seguir a cartilha lulista, fracassa. Se esforça, tenta retomar a iniciativa, mas, sem agenda política própria, movimenta-se como um zumbi. Transformou em rotina ter de responder, toda segunda-feira, às acusações de corrupção que cercam o governo. Passa a semana tratando do desfecho do problema. Posterga as soluções. 
No sábado, fica aguardando as revistas e jornais de domingo com mais denúncias. E o processo recomeça.
Em meio ao desgaste, o governo foi obrigado a substituir o figurino da presidente: trocou a fantasia, já gasta, de eficaz gestora, por outra, novinha em folha, a de moralizadora da administração pública, que vem acompanhada de uma vassoura. E, por incrível que pareça, já está colhendo os primeiros frutos. Todos estão elogiando a “faxina”. Não foi visto nenhum resultado prático. 
Para o governo, isto é o que menos importa. Vale a aparência, não a ação, mas a palavra. E, principalmente, a repetição pela imprensa que a presidente está enfrentando a corrupção. Isto “pega bem”, a população simpatiza (e como!) com a ideia. 
Além do que, no ano que vem, tem eleição e nada pior do que a pecha de corrupto para um partido.
A oposição – com raríssimas exceções – continua tão perdida como o governo. Não sabe como agir. Quando encontra um caminho parlamentar – uma CPI no Senado – acaba sendo bombardeada também por “fogo amigo”. O argumento é que é necessário dar apoio à presidente para que faça a “faxina”. 
Ela estaria se distanciando do seu partido e, principalmente, do seu criador, o ex-presidente Lula, identificado como o gestor deste presidencialismo de transação. É uma leitura fantasiosa, que impede o embate com o governo e desmobiliza uma oposição já numericamente no Congresso Nacional. 
Lembra, guardadas as devidas proporções, a estratégia estabelecida durante o mensalão. No ápice da crise, ao invés de avançar e solicitar a abertura de um processo contra o presidente, a oposição apequenou-se. 
Temeu a vitória. Buscou justificativa na “governabilidade”. Optou por levar – expressão da época – Lula sangrando até 2006, para daí vencê-lo facilmente nas urnas. Deu no que deu.
É inegável que a situação atual é muito distinta de 2005. Hoje, vivemos um momento político pior. A oposição é mais frágil, perdeu duas eleições presidenciais, e a impunidade dos mensaleiros deu salvo conduto aos corruptos. Nesta situação adversa, imaginar um antagonismo entre Dilma e Lula não passa de um logro. 
Esta tática já fracassou no início do ano. E pior: confunde a sociedade. Dá asas à falácia de que a presidente quer fazer a “limpeza” mas não pode. Como se não fosse responsável pelas mazelas do seu governo. Entrega a bandeira da ética e da moralidade aos que a desprezam.

Autor: Marco Antonio Villa

Elogio ao sociólogo que virou tese


Fernando Henrique Cardoso era um militante celebrado e respeitado cientista social quando entrou na vida pública como assessor direto do representante máximo da resistência civil à ditadura militar, Ulysses Guimarães, presidente nacional do MDB e, depois, do PMDB. 


Candidatou-se ao Senado por uma sublegenda, apoiado pelos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, liderados por Luiz Inácio da Silva, o Lula. Aproveitou-se da renúncia de Franco Montoro, eleito governador de São Paulo, para ocupar a vaga deste no Senado. 


Consta que só não foi ministro de Fernando Collor de Mello porque o ranzinza Mário Covas, líder da dissidência que se tornou PSDB, não o permitiu. Um observador realista duvidaria de sua eleição até para a Câmara dos Deputados quando Collor caiu. 


Mas, tendo sido o principal artífice da tentativa de impedimento que deu em renúncia, e passado pela Chancelaria e pelo Ministério da Fazenda no mandato-tampão de Itamar Franco, do qual foi um dos articuladores mais notórios e importantes, venceu a eleição presidencial.


A alavanca de Arquimedes que o levou de uma cadeira incerta no Congresso ao principal gabinete do Palácio do Planalto foi o Plano Real. Na chefia de Pedro Malan, Pérsio Arida, Edmar Bacha e Gustavo Franco, ele desistiu de pôr o ovo de Colombo de pé e, em vez disso, fritou uma suculenta omelete. Hoje tudo isso parece óbvio. 


Mas, à época, não o era. 


O confronto entre desenvolvimentistas e heterodoxos (mais tarde satanizados como "neoliberais") atiçava o fogo que tecia a cortina de fumaça que impedia a visão do óbvio: a redenção do assalariado passava forçosamente pelo fim da febre inflacionária, causa da doença econômica que enriquecia os ricos e empobrecia os pobres com a perda do valor de compra da moeda. 


A familiaridade do professor Aloizio Mercadante Oliva com a teoria econômica não evitou que ele cometesse uma das mais célebres batatadas da política econômica no Brasil: garantiu a seu líder e candidato à Presidência Luiz Inácio Lula da Silva que a moeda forte era um estelionato eleitoral. 


E, no Ministério da Fazenda de Itamar, seu colega professor promoveu a maior revolução social da História do Brasil. Com isso, tornou-se o caso raro de sociólogo que virou tese e político que saiu do zero para o infinito num átimo.


Da mesma forma, contudo, que disparou do anonimato para a glória, mergulhou no ostracismo em idêntica velocidade com que escalou até o topo. Patrono da reeleição, instituto incomum e renegado na política brasileira, aposentou-se como o alvo preferencial dos adversários e a companhia mais indesejável dos companheiros de jornada. 


De posse do sucesso da estabilidade monetária, que antes rejeitavam, os petistas apedrejaram sua herança, dada como maldita, e com esse refrão Luiz Inácio Lula da Silva se elegeu duas vezes consecutivas e fez sucessora uma candidata improvável, tirada da cartola de mágico, Dilma Rousseff, provando, na prática, que na política, ao contrário do que reza o bom senso comum, nem sempre fatos se impõem a argumentos enganosos.


Se os fados são caprichosos com qualquer um, mostraram sê-lo mais no que se refere ao filho de general que se tornou figadal inimigo do regime militar e ao mero assessor que chegou ao posto que caciques como Ulysses Guimarães, Miguel Arraes e Leonel Brizola almejaram, mas nunca alcançaram. 


Agora, ao atingir, serelepe, o oitavo decênio de existência, viu-se subitamente reconhecido pela adversária da qual menos podia esperar um gesto amistoso. E esse inesperado reconhecimento foi lavrado em documento em papel timbrado da Presidência na elogiosa carta que Dilma Rousseff lhe enviou cumprimentando-o pela efeméride. 


No texto, reproduzido no site do ex-presidente e nos jornais, Dilma elogiou o "acadêmico inovador", "político habilidoso" e "presidente que contribuiu decisivamente para a consolidação da estabilidade econômica", jogando no lixo o discurso da "herança maldita", repetido ad nauseam nos próprios palanques.


Dilma constatou que o antecessor apostou no "diálogo como força motriz da política" e "foi essencial para a consolidação da democracia brasileira". 


E acrescentou: "Não escondo que nos últimos anos tivemos e mantemos opiniões diferentes, mas justamente por isso maior é a minha admiração por sua abertura ao confronto franco e respeitoso de ideias". 


Os correligionários do elogiado comemoraram o fato como se fosse um triunfo eleitoral, esquecendo-se de que nunca nenhum deles teve humildade e tirocínio para reconhecer os feitos de Fernando Henrique como a adversária o fez.


O oportuno reconhecimento, antecipando o registro histórico desapaixonado que resgatará o papel do acadêmico no exercício da Presidência, está obviamente acima das querelas do cotidiano do poder e da política. 


Embora tenha sido divulgado dias depois da ida de Lula a Brasília, onde ele foi buscar lã e saiu tosquiado no episódio que terminou com a defenestração de dois protegidos do ex-presidente, Antônio Palocci e Luiz Sérgio, o documento não deve ser reduzido a um movimento do minueto da relação entre padrinho e afilhada. 


Demonstrando que até pode ter perdido o pelo, mas nunca a manha, o lobo de Garanhuns arreganhou os dentes, exigindo da companheirada fidelidade à sucessora que elegeu, dando a entender que não saiu da sintonia da presidente.


De qualquer maneira, Dilma saiu bem na foto ao perceber que o poder, mesmo quando conquistado com as notórias falsificações do marketing político, permite a quem o conquista tornar-se maior ao reconhecer o mérito alheio. 


Com isso, mesmo que essa não tenha sido sua intenção, ministrou uma lição a seu professor, que perdeu uma oportunidade de se mostrar à altura da veneração popular que conquistou, e a seus opositores, incapazes de perceber o óbvio até quando este vem se manifestar ao alcance do nariz. 



por: José Nêumanne

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Sarney pode receber até R$ 62 mil mensais.


A decisão do presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF-1) que derrubou a liminar que determinava que os salários dos servidores dos três poderes não podem ultrapassar o teto constitucional beneficiou o próprio presidente do Senado, José Sarney.
Sarney chega a receber, com acúcmulos, R$ 62 mil, quase o dobro dos R$ 26,7 mil que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal – teto determinado pela Constituição para o funcionalismo público.
O supersalário do presidente do Senado se deve aos R$ 26.700 que ele recebe pela Casa e mais duas aposentadorias acumuladas. O site afirma que, segundo o Ministério Público, o presidente do Senado recebe as aposentadorias como ex-governador do Maranhão e como servidor do Tribunal de Justiça do estado. Em 2009, a Folha de São Paulo mostrou que as duas aposentadorias rendiam a Sarney R$ 35.560,98 por mês, em valores de 2007. 
Como hoje o salário de senador é de R$ R$ 26.723,13, a remuneração de Sarney seria agora de pelo menos R$ 62.284,11, afirma o Congresso em Foco.
O Tribunal de Contas da União (TCU) estima que a administração pública federal tenha tido prejuízo de R$ 157 milhões em 2009 com os supersalários, sendo que R$ 11 milhões teriam sido pagos para 464 servidores do Senado.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Política e políticos




Nossa presidenta vem enfrentando com firmeza a crise aberta no Ministério dos Transportes. Seja para agradar à classe média, como dizem alguns críticos, seja para aprimorar a sua gestão, como parece ser, ela está muito correta em sanear a administração. 


O problema é que nem bem se começa a equacionar um Ministério apodrecido e já surgem denúncias de corrupção na Agência Nacional de Petróleo. E antes de qualquer desses dois fatos um ministro importante foi obrigado a deixar o cargo por não ter como explicar o crescimento gigantesco do seu patrimônio. 


Esperamos que Dilma Rousseff continue em sua cruzada moralizadora, pois é disso que o Brasil precisa. Mas devemos aprofundar a análise dos fatos e procurar as origens mais remotas de tanta deterioração. 


A classe política tem a pior reputação dentre todas as atividades no País, e não é sem motivo. O sistema que se criou de preenchimento de cargos em troca de apoio político, nos chamados governos de coalizão, destina posições estratégicas da administração aos indicados pelos partidos da base aliada, a fim de que a governabilidade se torne viável. 




Tal prática dificulta a aplicação de critérios de competência nas nomeações para os cargos de confiança. 




Assim, pessoas sem o menor preparo técnico acabam assumindo responsabilidades para as quais não se encontram preparadas. O País sofre com a inoperância da máquina, em total prejuízo do interesse público, enquanto os gestores da vez usam do poder para enriquecer a si mesmos e a seus padrinhos. 


O mais incrível é que a sociedade esclarecida não reage. Não exige respeito ao erário, não sai às ruas para mostrar a sua indignação, não pressiona pela investigação dos suspeitos, não reclama os seus direitos na Justiça. 




Nosso povo, quando se manifesta, é para o vizinho, para o companheiro na fila do banco, para os amigos num encontro social. 




Aí é capaz de se revoltar, de vituperar, de desprezar, até de ameaçar, mas, na verdade, não faz nada se utilizando dos canais competentes, como as controladorias, as corregedorias, as ouvidorias, o Ministério Público (MP), os Tribunais de Contas e as organizações não governamentais (ONGs) que atuam em defesa da transparência, além do Poder Judiciário, por meio de ação popular, e dos organismos internacionais. 


O preço da omissão é a eterna corrupção. E a população se justifica dizendo que o Brasil não tem jeito, que é assim mesmo. Com isso todo mundo vai virando ladrão, o mau exemplo se enraíza nas indistintas camadas da população e leva os valores morais para o ralo. Essa forma de indução ao crime é epidêmica. 




Contagia todas as classes sociais, as instituições, as organizações. 


Quando uma pessoa preparada e disposta a lutar pelos valores inerentes ao bem comum se candidata a um cargo eletivo, por vezes sofre resistência até de amigos e familiares. A concepção de que a política é um meio deteriorado e suspeito configura um desestímulo, um desprestígio ao postulante. Essa concepção da política é equivocada. 




Como a sociedade brasileira avalia poder mudar a situação atual senão votando em pessoas realmente comprometidas com o interesse público? A atitude de alienação é um salvo-conduto para os corruptos. 


A sempre falada reforma política precisa ser feita de verdade, começando pelos partidos. É dentro de suas estruturas viciadas que prosperam aqueles que buscam no cargo público um meio de enriquecer. 




Falta democracia interna, falta seriedade nas filiações, falta compromisso com o ideário político. A reforma deveria começar regulando as atividades internas das agremiações e estabelecendo limites éticos que vão muito além da mera fidelidade partidária. 


Em vez de dar prioridade a vantagens pessoais, nossos administradores precisam elaborar e pôr em prática propostas para um País melhor. 




E essas propostas devem começar pelos municípios, a fim de que sejam agradáveis, saudáveis, limpos, belos, organizados. O aperfeiçoamento da segurança pública somente pode prosperar em cidades planejadas e bem cuidadas. 




Onde reinam o caos urbano, a sujeira, a confusão, as enchentes, a poluição, a falta de saneamento e de moradias, a terra de ninguém, ali prospera o crime. Para que possamos ter uma vida tranquila e sem medo temos de estar num espaço público bem cuidado e no qual prevaleça a ordem. Isso depende da ação das prefeituras e das Câmaras Municipais. 


A reforma política, atualmente em gestação no Congresso Nacional, poderia contemplar o voto distrital, ou o distrital misto, a fim de aproximar os eleitores dos eleitos e facilitar a cobrança das promessas de campanha, além de várias outras vantagens. 




O voto em lista fechada também está sendo estudado e, se for aprovado, deverá estipular alternância de gênero, ou seja, um nome de homem seguido de um nome de mulher, conforme constou do relatório no Senado. 




Esse avanço seria muito importante para corrigir a disparidade na representação feminina e masculina no Poder Legislativo. Não há dúvida de que, com chances reais de serem eleitas, haverá muitas mulheres pleiteando legenda nos partidos. 


O debate político não se pode restringir às épocas de eleições. Afinal, os políticos são uma coisa e a política é outra. A sociedade tem de estar permanentemente mobilizada para discutir seus destinos, cobrando dos governantes o cumprimento de seus programas e a lisura administrativa. 




Para tanto é imprescindível que a sociedade tenha acesso às informações sobre as práticas administrativas, uma vez que a transparência é um direito da cidadania. 


A política é importante para cada um de nós e nada vai melhorar sem a participação de todos. 



por Luiza Nagib Eluf


PROCURADORA DE JUSTIÇA DO MP-SP, EX-SECRETÁRIA NACIONAL DOS DIREITOS DA CIDADANIA E EX-SUBPREFEITA DA LAPA, É AUTORA DE VÁRIOS LIVROS, DENTRE OS QUAIS "A PAIXÃO NO BANCO DOS RÉUS" E "MATAR OU MORRER - O CASO EUCLIDES DA CUNHA"

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Deveres políticos




O período eleitoral é sempre muito movimentado no Brasil e suscita debates sobre os problemas que atingem o nosso país. E nesse momento que nos perguntamos:Porque somos obrigados a votar?

VOTO: Modo de manifestar a vontade ou opinião num ato eleitoral ou numa assembléia.

OBRIGAÇÃO: Imposição; preceito; dever; encargo; compromisso; tarefa.

Como pode um país que se denomina democrático, ser tão atrasado no que diz respeito à consciência política. Sim, pois o voto obrigatório nada mais é do que um freio na melhoria da qualidade dos eleitores. Explico, o processo eleitoral deve ser um momento para o povo refletir e analisar com cuidado o que vem sendo feito no seu país. 

Mas para isso é necessário que a população entenda o valor de uma eleição. Infelizmente, a irresponsabilidade com que os eleitores tratam as eleições e um simples e óbvio reflexo da ineficácia da educação de base brasileira.

A prática do voto obrigatório remonta à Grécia Antiga, quando o legislador ateniense Sólon fez aprovar uma lei específica obrigando os cidadãos a escolher um dos partidos, caso não quisessem perder seus direitos de cidadãos. A medida foi parte de uma reforma política que visava conter a radicalização das disputas entre facções que dividiam a pólis. 

Além de abolir a escravidão por dívidas e redistribuir a população de acordo com a renda, criou também uma lei que impedia os cidadãos de se absterem nas votações da assembléia, sob risco de perderem seus direitos.

O voto obrigatório foi implantado no Brasil com o Código Eleitoral de 1932 e transformado em norma constitucional a partir de 1934. Regulamentado em um período de transformações institucionais que objetivavam dar credibilidade ao processo eleitoral, foi justificado como uma necessidade para garantir a presença dos eleitores nas eleições. Foi pensada, junto com outras medidas, para também acabar com as fraudes eleitorais que caracterizaram a República Velha.

No Congresso já foram propostos 24 projetos para acabar com a obrigatoriedade, mas com a protelação interminável da reforma política qualquer movimento nesse sentido é logo esquecido. É possível concluir que por não se tratar de uma questão que beneficie os políticos – como fundo partidário, fidelidade etc - mas sim os eleitores, ela nunca vai suscitar pressa ou vontade no Congresso.

A obrigatoriedade do voto agride a essência da democracia, dá suporte às formas arcaicas de dominação política - os currais eleitorais -, e turva a prática política, uma vez que nivela por baixo a qualidade do voto. 

Se analisarmos, o Brasil é um dos 3º países que o voto nacional é obrigatório, e para piorar, a maioria faz parte do terceiro mundo, e ainda cultivam ditaduras, segue alguns que fazem parte da lista: Peru, Paraguai, Chile, Moçambique, Venezuela, Uruguai, México, Angola, Filipinas, Costa Rica, Honduras, Argentina, Grécia, Guatemala e Brasil…

Além disso, as represálias para os que não votam são muito duras. Se o eleitor não votar no primeiro turno e/ou segundo turno nem se justificar perante o Juiz Eleitoral até a data limite deverá pagar uma multa. 

Sem a prova de que votou na última eleição, ou de que pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, o eleitor fica sujeito a uma série de penalidades: - não poderá se inscrever em concurso ou prova para cargo ou função pública, nem assumir tal cargo ou função; - não poderá receber vencimentos ou salário de função ou emprego público, autárquico ou de alguma forma ligado ao governo, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição; - não poderá participar de concorrências públicas ou administrativas do governo; - não poderá obter passaporte ou carteira de identidade ou renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo; - não conseguirá empréstimo nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo ou de cuja administração esse participe e com essas entidades celebre contratos. 

O eleitor em situação irregular ficará ainda impedido de praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda.

Outro elemento nesta discussão é a observação empírica de que o grau de motivação e interesse político relaciona-se à estrutura econômica da sociedade. É sabido que fatores culturais e socioeconômicos interferem no grau de interesse dos cidadãos pela política. 

Conforme a literatura, as taxas de abstencionismo crescem no momento em que o corpo eleitoral é ampliado. O nível de renda é outro fator ponderável: entre os mais pobres encontram-se os indivíduos menos informados, menos politizados e, conseqüentemente, menos motivados a participar do processo eleitoral.

A educação, em primeiro lugar, e o nível de renda, em segundo lugar, atua como desestimuladores da participação, uma vez que isolam o indivíduo da vida pública. Como um país democrata obriga o povo a votar e ainda pune com multas e bloqueia acesso a concursos, etc... 

Se nós cidadãos brasileiros somos obrigados a votar, isso significa que não temos o direito do voto e sim a obrigação de votar. E ainda defendemos a democracia! Que neste caso está muito longe de ser algo democrático, quando nos é imposto a ação de votar.

por: Gustavo Luís Lapa Silva

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Seis meses de esperanças levadas pelas águas da corrupção


No último dia 12 de julho, completou-se seis meses do maior desastre natural ocorrido no país: as chuvas da região serrana, no estado do Rio de Janeiro.

Após seis meses, deparamo-nos com os sinais da tragédia por todos os lados. Bairros completamente destruídos, onde ainda repousam muitos corpos, continuam sem sinal algum de reconstrução. Pessoas solidárias, mas indignadas com as autoridades municipais, manifestam-se nas ruas exigindo que algo seja feito. 

Não se fala em outra coisa em ambas as cidades mais afetadas, Nova Friburgo e Teresópolis, e a pergunta que não quer calar ecoa pelos belos vales e montanhas: onde foi parar o dinheiro que deveria estar sendo utilizado na reconstrução de ambas?

Em seis meses, muito pouco foi realizado, e os recursos disponibilizados não foram utilizados corretamente. Políticos, sem cerimônia alguma, contrataram obras sem licitação, inclusive de empresas de fachada, aproveitando-se do estado de calamidade pública decretado na ocasião.

Quando da tragédia, a população se uniu e foi à luta, ajudando na limpeza, no amparo aos vizinhos que tiveram suas famílias destroçadas pelas águas, que perderam entes queridos, que perderam tudo, mas não a esperança por dias melhores. A esperança, essa os políticos estão tratando de enterrar.

Ao chegar a Nova Friburgo, já nos deparamos com as fendas de terra vermelha nos morros que circundam o centro da cidade, um dos lugares mais afetados. Na praça do Suspiro, a igreja de Santo Antônio está sendo lentamente restaurada. Localizada bem ao lado do que um dia foi um dos pontos turísticos mais procurados, o teleférico, a igreja ficou parcialmente destruída! 

Nada comparado ao estrago daquele ponto da cidade, onde a água chegou a cinco metros de altura, e a lama desceu, levando e destruindo o que havia pela frente. Meia dúzia de profissionais podem ser vistos na encosta, cavando canaletas, e uma malha de aço será colocada para a contenção da mesma. Se chovesse forte hoje, toda a obra seria perdida, visto que, certamente, tudo viria abaixo.

Converso com um garçom de uma choperia, que não quis se identificar, localizada em frente ao que um dia foi o teleférico. Ele tem as imagens muito vivas em sua memória. A tragédia ocorreu às 1h. e 30 min. e ele estava lá. Seus colegas e ele tiveram que literalmente escalar o prédio localizado em cima do estabelecimento para escaparem da água vinda do rio que corta a cidade e da lama que desceu do morro. Perderam, todos, cinco veículos estacionados nas proximidades. 

Conta, com muita tristeza, a história de um médico da cidade, que perdeu a família toda na tragédia, e virou um mendigo que perambula pelas ruas. Sobre as autoridades, se revolta: “não estão fazendo nada. Tudo o que você vê são pequenas obras, mas no centro. E os bairros, e as pessoas que continuam em abrigos? O que esperar se o dinheiro sum iu?”, pergunta, desolado.

No mesmo dia 12 de julho, o Ministério Público Federal, pediu o afastamento do prefeito Demerval Barbosa Moreira Neto (PMDB-RJ) e do procurador geral do município, Hamilton Sampaio da Silva, mas a Justiça negou. O MPF com a ajuda da Polícia Federal, vasculhou as secretarias municipais, todas localizadas no prédio da prefeitura e retiraram pilhas de documentos e ao todo, foram expedidos 40 mandados de busca e apreensão. 

Onde estava o prefeito nesse dia? Viajando, diz uma nota da Secretaria de Comunicação do município e retornaria naquele mesmo dia. Se retornou, ninguém sabe, ninguém viu. 

Onde foram parar os R$10 milhões de reais doados para as vítimas? O prefeito, seus secretários e o procurador devem muitas explicações à população desrespeitada em hora de tanta dor. 

O prefeito Moreira Neto, é neto de u m dos maiores médicos de Nova Friburgo, Demerval Barbosa Moreira, cujo o nome está gravado na principal praça da cidade. Que bela retribuição está sendo dada a um dos mais conceituados cidadãos da cidade. 

A população, cansada, está se manisfestando nas ruas, e promete exigir que recursos supostamente desviados sejam retornados aos cofres públicos e aplicados na reconstrução da cidade! Enquanto nada é feito, trabalham e a vida vai voltando à rotina, mas o trauma está ali, estampado em cada cantinho da cidade.

Quem chega à Teresópolis, vindo de Nova Friburgo, ao mesmo tempo que fica encantado com as belas paisagens, observa estupefato, a força das águas e a lama que invadiram o cinturão verde localizado naquela área, que hoje se encontra verde novamente, graças aos agricultores que o restauraram. 

Percebe-se que o curso de um rio foi desviado por pedras que rolaram do alto de morros, mas ao entrar na cidade, parece que nada aconteceu! Deparamo-nos com uma grande avenida, dividida por um canteiro, e que tem como cenário ao fundo o “Dedo de Deus”, um dos picos mais alto da serra. 

A única obra em andamento que se nota é a reforma do canteiro central, na reta da avenida. Munícipes contam que o que fazem é desconstruir o que já estava construído, trocando tijolos da cor cinza e marrom, por outros de cor marrom e cinz a, enquanto milhares de pessoas da própria cidade choram seus mortos, desgraças e a irresponsabilidade de suas autoridades. Nos bairros mais devastados, nada!

Converso com Leda, moradora de bairro próximo ao centro turístico da cidade. Ela me diz que só foi saber da tragédia por volta das 11 hs da manhã: “aqui, no centro, não aconteceu nada. Só quando comecei a ouvir as sirenes e entrei na internet, soube. A cidade estava estranha, vazia. Eu jamais imaginei que isso pudesse acontecer”.

Por sua vez, os munícipes não se esquecem da onda de solidariedade que se viu na cidade, quando empresários e moradores se uniram e ainda puderam contar com entidades de classe e os motociclistas - trilheiros, que chegaram primeiro aos locais arrasados e distantes, onde as pessoas padeciam de todas as necessidades: água, por exemplo.

Converso com Rafael, morador do bairro do Feu, e uma vítima da tragédia: “cheguei do trabalho à meia noite e 50 min. Fui dormir. À 1:30, fui acordado com a voz de minha sogra, aos gritos, pedindo que saíssemos pois estava tudo cheio d'água. Minha esposa e eu corremos para cima, pois morávamos no andar debaixo da casa de meus sogros, e vi que meu sogro estava tentando tirar a água que vinha de todos os lados. De repente, as casas, ao lado da nossa, começaram a cair. 

Casas, lama, tudo misturado de um lado e do outro. Corremos para a rua, onde outros moradores se encontravam, com suas roupas de dormir, todos assustados e sem saber o que fazer. Nossa casa foi a única que não caiu. As promessas foram muitas, inclusive o auxílio aluguel, afinal, não podíamos continuar em área de risco. 

No dia marcado para o cada stramento, encontrei uma fila muito grande. Meu sogro estava nela já fazia tempo e olha que cheguei às 8 hs da manhã. Fizemos o cadastramento mas nunca recebemos nada. Meus sogros retornaram para a casa deles, e estão em área de risco e eu e minha esposa estamos pagando aluguel. O que fizeram pelo bairro? Simplesmente nada”, conclui desanimado.

O bairro de Campos, um dos mais atingidos, é uma tumba a céu aberto. Pedras enormes soterram os moradores. Quantos? Ninguém sabe dizer ao certo. O cheiro da decomposição dos corpos pode ser sentido à quilômetros, e o “cemitério” natural lá está, intacto.

O prefeito Jorge Mário (PT-RJ), acusado de receber propina, nega as acusações. No dia 17 de julho, a CGU – Controladoria Geral da União – apontou desvios em obras de reconstrução da cidade. Os recursos destinados ao município pelo Ministério da Integração Nacional, no valor de R$ 7 milhões teriam sido usados por empresas de fachada ou fantasmas. Uma das empresas, a RW Construtora, que antes era uma vídeo-locadora, é uma delas. Ao tentarem entrevistar os responsáveis pela empresa, os repórteres encontram a porta fechada.

A partir dos indícios, as contas do município foram bloqueadas pelo Ministério Público. Praticamente todos os repasses federais não foram comprovados pela Prefeitura de Teresópolis.

A pergunta continua ecoando: onde foi parar o dinheiro?

Esperanças enterradas nas denúncias de corrupção. Presente nos olhares, o desalento, ao ver que seis meses depois, continuam sem nada, precisando de abrigos e da solidariedade da população. Por não serem respeitados pelos representantes que eles mesmo elegeram: os larápios, que não respeitam a dor de centenas de pessoas e que se aproveitam da situação para enriquecer.

Mas o povo é guerreiro, e não vai desistir. A única coisa que precisam, e aliás, o Brasil precisa, é aprender a votar!

Lígia Bittencourt é jornalista e tradutora técnica