"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

A história dos partidos políticos no Brasil - III



A Era Vargas (1930 - 1945)

Antes da Constituinte de 1934, o Governo Provisório tinha promulgado o decreto 21.076, em 1932, regulando as eleições. Esta lei reconhecia a existência jurídica dos partidos e regulava o seu funcionamento. Considerava duas espécies de partidos: os permanentes, que adquiriam personalidade jurídica nos termos do artigo 18 do Código Civil, e os provisórios, que não adquiriam aquela personalidade e se formavam transitoriamente à véspera dos pleitos, apenas para disputá-los. Também eram equiparadas a partidos “as associações de classe legitimamente constituídas”. Permitia-se também as candidaturas avulsas, isto é, aquele candidato que não constava na lista de partido algum desde que tal fosse requerido por um número mínimo de eleitores. Com esta lei de transição se chegou à Constituinte de 1934.


A Constituinte de 1934 embora tenha criticado muito a política dos governadores e o oficialismo partidário, manteve no texto positivo da Constituição de 1934 os partidos estaduais. Mas confirmou o sistema proporcional e a Justiça Eleitoral, duas conquistas memoráveis, preparatórias da organização partidária do futuro. Por outro lado, adotou o hibridismo da representação profissional dentro das Assembléias eleitas por sufrágio universal, traço tipicamente fascista, que importava a criação de uma grande bancada apartidária, a qual funcionava, dentro das Assembléias, como uma espécie de instrumento permanente dos Governos contra a livre ação dos partidos.


Fora das bancadas profissionais classistas, que mais não eram que instrumentos do Governo, havia representantes do chamado partido Socialista Brasileiro, o qual se distribuía por diferentes estados, adotando como complemento da denominação os nomes das unidades federais de onde provinham. O mais evoluído e caracterizado deles era o de São Paulo, que se proclamava marxista, filiado à orientação da Segunda Internacional.


O Golpe Comunista de 1935


Fundado em 1922, em seus primórdios o Partido Comunista do Brasil teve como inimigos os anarquistas, muito ativos na segunda década do século XX. Estes, no entanto, foram perdendo força, sobretudo após a implantação do regime comunista na Rússia. Os comunistas brasileiros recebiam de Moscou não só a orientação política a ser seguida como ajuda material e a colaboração de camaradas de outros países.


Ao final dos anos 20, o partido já estava estruturado e tinha penetração entre os operários urbanos. A partir da primeira metade da década de 30, quando Luís Carlos Prestes entrou no partido, a organização ampliou suas bases, pois o líder da Coluna que levou seu nome gozava de muito prestígio junto à classe média e aos militares. Os comunistas ficaram à margem dos principais fatos políticos da primeira metade da década, como a Revolução de 30 e a Revolução Constitucionalista de 32, que, para eles, resumiam-se a conflitos internos à classe dominante, meros choques entre o “imperialismo americano” e o “imperialismo inglês”.


Mesmo assim os comunistas foram violentamente perseguidos pelo regime, atuando em geral na clandestinidade. Em 1934, no entanto, foi lançada a Aliança Nacional Libertadora, com Prestes como presidente de honra e um programa de conteúdo nacionalista capaz de obter a adesão de outros setores. A ANL, que oscilava entre a insurreição armada e a consolidação de uma aliança de classes para a conquista do poder, agregou quase 100 mil membros nos poucos meses em que teve existência legal. Um discurso criticando o governo foi o pretexto que o governo queria para fechar a ANL, em 1935. A partir daí fortaleceu-se no partido a tendência insurrecional e, enquanto se multiplicavam as prisões de seus militantes, o PCB começou a se preparar para um levante armado.


Talvez embalados pelo clima de efervescência política, e a despeito de todos os indícios, os comunistas julgaram ter chegado o momento da revolução, e em novembro de 1935 desfecharam uma tentativa de revolta – não uma revolução popular com ampla participação de operários e camponeses, como ocorrera na Rússia e como pregava o credo comunista, mas um golpe militar a partir de quartéis do Exército no Rio Grande do Norte, Pernambuco e Rio de Janeiro.


Da revolta resultaram várias mortes de parte a parte, e o movimento foi sufocado pelo governo em poucos dias, com uma feroz perseguição aos militantes. Foram para a prisão e o exílio não só os revoltosos, mas também simpatizantes da Aliança Nacional Libertadora, além de indivíduos considerados inimigos do regime.


Mas a situação brasileira tinha características próprias: o pensamento conservador vitorioso não contava com um partido organizado que mobilizasse as massas, pois os donos do poder não confiavam nos integralistas. O grande agente da modernização conservadora acabou sendo o Estado: para o pensamento conservador, a sociedade brasileira era politicamente atrasada e desarticulada, e as necessárias transformações sociais e econômicas só poderiam ser feitas pelo Estado, única força social de âmbito nacional e capaz, ademais, de promover tal modernização de maneira técnica e racional. Desta forma, a solução encontrada não privilegiou um partido totalitário, e sim um Estado autoritário.


A fracassada revolta comunista de novembro de 1935 desencadeou uma forte repressão aos movimentos de esquerda. Dois fatores exaltaram os rancores: a “traição” dos militares comunistas, que atacaram colegas de farda, e a agressão aos brios nacionalistas, pois o golpe fora apoiado pela Internacional Comunista.
Esta organização, controlada pelos russos, havia enviado agentes para ajudar nos preparativos da insurreição. A tentativa de golpe custou muito caro aos comunistas e seus simpatizantes – muitos foram mortos, torturados, presos sem culpa formada –, mas sobretudo custou caro às liberdades democráticas.


O Congresso aprovou todas as medidas de exceção pedidas pelo Executivo, aceitando até mesmo a prisão de parlamentares, que tinham imunidade. Também o poder Judiciário foi ferido em sua autonomia, pois foram criados tribunais e comissões especiais para julgar os prisioneiros segundo normas que não obedeciam aos princípios jurídicos constantes da Constituição; o chefe de polícia da capital teve seus poderes muito ampliados, passando a prestar contas apenas ao presidente da República, Getúlio Vargas.


Neste clima de crescente violência, de redução dos poderes da sociedade civil e de crescimento dos poderes do Estado, é que foram se preparando as candidaturas presidenciais para as eleições que deveriam se realizar em 1938: havia um candidato oficial, José Américo de Almeida, um candidato paulista, Armando Salles de Oliveira, e o integralista Plínio Salgado. Mas havia já um ditador em potencial, o plenipotenciário Getúlio Vargas.


A Extinção dos Partidos Políticos

Pelo Decreto-lei n.º 37, de 2 de dezembro de 1937, o ditador extinguia os partidos, declarando: “todas as arregimentações partidárias registradas nos extintos Tribunal Superior e Tribunais Regionais da Justiça Eleitoral, assim como as que, embora não registradas em 10 de novembro do corrente ano, já tivessem requerido o seu registro”.


Na mesma sentada, atingiu em cheio a Ação Integralista, ao proibir “as milícias cívicas e organizações auxiliares dos partidos políticos, sejam quais forem os seus fins e denominações” e ao vedar “o uso de uniformes, estandartes, distintivos e outros símbolos dos partidos políticos e organizações auxiliares...”


O Partido Único

De acordo com o pensamento político soleriano (George Sorel), todos os partidos são corrompidos, inclusive os socialistas, por isso previa a destituição de todos os partidos e a transferência da representação popular para os sindicatos.


O fascismo triunfante na Alemanha e Itália não adotou propriamente a tese de Sorel, ao contrário, transformou os sindicatos em órgãos apolíticos de apoio ao Governo, mas limitou-se a fazer o que lhe convinha, isto é, a destruir todos os partidos com a exceção de um, que era o seu próprio. Daí a tese do partido nacional único, o que era até um contra-senso, dado o fato de que a palavra “partido” origina-se justamente de “partes”. Foi assim conseqüência natural da adaptação fascista do pensamento soreliano.


Em determinado momento, Getúlio Vargas e seus companheiros estado-novistas pensaram seriamente em criar o partido único, típico das ditaduras fascistas. Testemunha Afonso Arinos de Melo Franco: “Para isso empreenderam, em 1938, debaixo de grande propaganda, a fundação de um organismo denominado Legião Cívica Brasileira, núcleo do futuro partido totalitário. Mas as Forças Armadas, co-responsáveis pelo golpe de 10 de novembro, viram nessa manobra uma clara ameaça à sua autonomia e se opuseram ao prosseguimento do plano que, se executado, viria colocá-las na situação subordinada em que se encontravam nos países verdadeiramente fascistas”.


Criação dos Partidos políticos em 1945


Após o fim da Segunda Grande Guerra, embora com margem de manobra cada vez menor, Getúlio continuava tendo condições de manejar a vida política do país. Em 1945, publicou um decreto que obrigava os partidos políticos a se organizarem em âmbito nacional para o seu registro no TSE (Lei Agamenon) Com isso, conquistou uma grande vantagem sobre seus eventuais adversários, que tinham poucas possibilidades de fundar partidos que abrangessem todo o país.


Enquanto tentavam, o ditador fez do esquema de centralização em torno do Estado um elemento de sustentação política. Com habilidade, criou dois partidos políticos baseados em áreas que ainda controlava. O principal deles foi o Partido Social Democrático (PSD), que aglutinou interventores, encarregados das instituições públicas e boa parte dos que se beneficiavam com o centralismo (fazendeiros cuja produção era comprada pelo Estado, industriais com cargos no sistema de federações e acesso ao governo etc.). Isto resultou em um partido voltado para a continuidade do esquema estadonovista – e muito pragmático, que via na ocupação dos cargos que permitiam a continuidade do estatismo uma forte razão de existência.


O segundo partido criado por Vargas baseava-se no sindicalismo estadonovista: o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Seus líderes eram dirigentes sindicais que controlavam verbas previdenciárias, compartilhadas com o governo através dos institutos classistas, então autarquias.


Esta estrutura dava um caráter dúplice ao partido, que ganhava força com o atendimento de reivindicações trabalhistas, mas só podia atendê-las com ajuda do Estado. Por isso, atuava no sentido de canalizar pedidos para o governo – o que só reforçava o esquema montado na ditadura.


A formação desses dois partidos deixou pouco espaço para os opositores. Eles conseguiram formar um terceiro partido nacional, a União Democrática Nacional (UDN). Embora fosse o único partido sem vínculos com o Estado, encontrou grandes dificuldades para sobreviver. Sua grande força estava no fato de se opor à ditadura. Por isso, reuniu no início liberais, adversários do governo, sobreviventes da primeira república, socialistas democráticos. Logo surgiram divisões. Depois de um tempo, dois elementos contraditórios compunham sua base: liberais e militares centralizadores.


Nas primeiras eleições, em 1945, a vitória foi do PSD. O partido conseguiu eleger 61% dos senadores e 52% dos deputados constituintes. Em segundo lugar ficou a UDN, com 24% do Senado e 27% da Câmara. Em terceiro, o PTB, com 5% do Senado e 8% da Câmara.


A partir desta eleição articulou-se uma aliança nacional que duraria quinze anos, vencendo três eleições presidenciais e mantendo a maioria no Congresso: PSD e PTB. O apoio conseguido para a centralização do Estado Novo transformou-se, no período democrático, em poder estabelecido.

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