O debate em torno da integração dos povos da América Latina vem se expandindo, nas últimas duas décadas, em todos os setores do pensamento geopolítico e econômico e estabelecendo laços de convergência que se refletem em compromissos e intenções que extrapolam decisões ou iniciativas do poder central.
É muito, mas ainda não o suficiente. Na prática, ainda há muito a fazer. A América Latina passa por um processo de cicatrização das sequelas sociais remanescentes dos regimes totalitários em alguns países - desemprego, violência urbana, drogas e fome.
Recém-chegado à presidência da Fundação Memorial da América Latina, trago na bagagem a experiência como integrante da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados e também do Parlamento do Mercosul.
Como motivação, o legado do mestre Franco Montoro, sintetizado na declaração que deixou para a posteridade: "Para a América Latina, a opção é clara: integração ou atraso".
O Brasil, gravou o nosso estadista na Constituição, buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, para a formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Um ano depois, caíam o Muro de Berlim e os regimes ditatoriais no Chile e no Paraguai, a internet e o celular davam seus primeiros passos rumo ao mundo globalizado, o Brasil realizaria sua primeira eleição direta e também surgia o Memorial da América Latina.
Vendo pelo retrovisor da História, tenho a clareza de que o saldo de realizações ao longo dos 22 anos de sua existência confere ao Memorial a credibilidade que o credencia a empreender voos mais ousados como agente proativo no debate das questões mais latentes que afligem os países emergentes da América Latina.
Assim, é preocupante a informação divulgada nos mais importantes veículos de comunicação do mundo de que a América Latina deixou de ser prioridade na divisão do bolo de recursos oriundos de fundos públicos e privados internacionais destinados aos países pobres, em razão da adoção do critério de renda média, desconsiderando que a América Latina abriga 41% da população mundial que vive com menos de US$ 2 diários.
Mais grave ainda, segundo os analistas, são as projeções negativas de que esse quadro possa ser revertido, num contexto agravado pela atual crise do sistema econômico e financeiro mundial.
É triste e paradoxal ver a América Latina relegada a segundo plano, quando todos sabemos que a região tem muito a contribuir para o debate global dos problemas e soluções do combate à pobreza e à desigualdade e também sobre o meio ambiente, apenas para ficar nas questões mais candentes.
Quero, aqui, firmar o compromisso moral, sem açodamento nem deslumbramento, de trazer essas discussões para dentro da Fundação Memorial da América Latina. Precisamos ir além das manifestações de apoio à identidade latino-americana, o que já não é pouco.
Temos, com o respaldo do governo do Estado de São Paulo, total autonomia para implementar e agregar à missão do Memorial o perfil de protagonista, mais combativo e influenciador dessas questões políticas e sociais.
Certamente, esse é um papel na medida para os temas do nosso Foro Permanente de Reflexão sobre a América Latina. Queremos, sim, reforçar os laços de cooperação com embaixadas e consulados, envolver a sociedade civil organizada, sem distinção de cor política, num grande debate que abrace as questões sociais de relevância para os povos menos favorecidos da América Latina.
Na prática, já ensaiamos os primeiros passos em direção a essa simbiose de atitudes, firmando acordos com o Consulado Geral da Colômbia que vão além da oferta pontual de eventos artísticos e de lazer.
Um deles cria o fórum para o ensino da língua portuguesa aos colombianos aqui residentes - já em desenvolvimento - e, em outra instância, pretendemos oferecer cursos de cidadania que deem aos imigrantes a possibilidade de conhecer os seus direitos e deveres e outras informações sobre o funcionamento da legislação brasileira.
As carências regionais envolvem alto grau de complexidade. Como, por exemplo, negar ou minimizar a pobreza e a fome, que ainda são o calcanhar de Aquiles da humanidade? Só na América Latina e no Caribe são 53 milhões de famintos e desnutridos, segundo estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) - o organismo que combate a fome no mundo e, na virada do século, previa reduzir esses índices à metade em 2015, expectativa agora reformulada para 2025.
Por que manter a cooperação com a América Latina? Segundo Jorge Balbis e Rubén Fernandez, autores do texto que enseja a pergunta, publicado na edição de agosto do Le Monde Diplomatique, se o papel da Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) for entendido como alavanca para a solução de problemas como a pobreza extrema, exclusão e discriminação, "fica claro que em todos os países da América Latina há razões mais que suficientes para justificar a continuidade da cooperação, em função de seus objetivos tradicionais de contribuição à luta contra a pobreza e as desigualdades". O problema, então, seria político?
Visto por esse ângulo, nem tudo está perdido, a se considerarem os avanços dos modelos de cooperação Sul-Sul e a Triangular, das quais o Brasil é um dos principais atores. E se quisermos mais um sopro de otimismo, a América Latina ganha um aliado de peso nessa empreitada a partir do ano que vem, quando o Brasil assume o comando-geral da FAO.
Reitero: o Memorial da América Latina quer fazer parte da solução e reafirmar sua vocação de catalisador social, cultural e político dos países da região.
PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO MEMORIAL DA AMÉRICA LATINA
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