A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde se registra o caso, tem caráter meramente simbólico, já que o Judiciário entrou em recesso. Tudo indica que a liminar tem o objetivo de marcar uma posição enquanto o plenário do STF não julga o mérito da ação. Por coincidência, a decisão do ministro foi divulgada uma semana depois que o CNJ mandou investigar nada menos que 23 tribunais regionais.
Não há indicações de que a posição de Marco Aurélio seja majoritária, mas o fato de o STF não ter conseguido julgar o caso até hoje deixa na opinião pública uma insegurança quanto aos reais interesses de se alcançar um sistema judiciário que inspire confiança aos cidadãos. A defesa da corporação está com os que querem um CNJ mais ativo, refletindo os anseios da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos. Foi justamente esse sentimento que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa, depois de anos de negociação.
Invertendo a judicialização da política, comum nos últimos tempos, o senador Demóstenes Torres (DEM) apresentou emenda constitucional que garante ao CNJ o direito de julgar e punir juízes. Na verdade, essa emenda remete ao espírito da lei que criou o CNJ e seria dispensável se não fosse a reação corporativa que levou a Associação dos Magistradosdo Brasil a entrar com ação no Supremo contra o conselho.
O CNJ não foi criado como um órgão revisor e tem amplos poderes para receber denúncias contra juízes, mesmo diretamente, sem a necessidade de que a reclamação passe pelos tribunais locais. Os poderes são tão amplos que ele pode agir por conta própria, e ele vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.
Recebi do presidente do STF, Cezar Peluso, uma mensagem a respeito da coluna de sábado, “Pressão política”, onde criticava o que julgava ser mudança de posição do ministro quanto ao exercício do “voto de qualidade”, prerrogativa do presidente pelo regimento interno do STF que ele utilizou para desempatar o julgamento a favor de Jader Barbalho depois de ter se recusado a fazêlo em julgamento anterior, alegando que não tinha vocação para déspota.
Embora Cezar Peluso não peça “desmentido ou retificação”, sinto-me na obrigação de registrar que fui injusto com ele, pois sugeri que a mudança se devesse a “pressões políticas” do PMDB, e ele demonstrou que ela se deveu a fatores meramente técnicos do julgamento.
O ministro ressalta que na primeira sessão de julgamento sobre a chamada “Ficha Limpa”, quando se recusou a desempatar o julgamento, fez isso “simplesmente porque, apaixonada pela discussão, a maioria dos ministros presentes não concordou com a aplicação da regra regimental!”.
“Se a maioria decide — e esse é o verbo juridicamente correto — que não pode ser aplicada certa norma, eu só poderia aplicá-la por ato de força, em verdadeiro despotismo e mediante pronúncia contestável de todos os pontos de vista, senão também ineficaz. O respeito aos colegas e à própria instituição, que também me anima a estes esclarecimentos, não me pedia outra coisa”, ressalta Peluso.
No caso de Jader Barbalho, porém, “todos os ministros presentes, todos, inclusive os que tinham votado em sentido contrário, decidiram aplicar a regra regimental, permitindo fosse ultimado o julgamento segundo o teor do voto de qualidade do presidente, e concordaram, alto e bom som, com a proposta de deferir o requerimento formal do interessado”.
E fizeram-no, frisa Peluso, “não porque eu, como presidente, tivesse o dom de mudar, drástica e rapidamente, o convencimento dos meus pares, induzidos pela suposta ‘consultoria’ a parlamentares, mas — e a verdade é, deveras, quase sempre, muito mais simples do que a julgam as pessoas — porque já estavam de todo convencidos da legitimidade e da justiça da decisão adotada, como, aliás, V. Sa. bem observou no artigo de hoje”.
“Eles já haviam percebido, tal como o percebeu e escreveu V. Sa., que não seria justo que ‘a lei deva valer mais para uns do que para outros’. Simples e verdadeiro, não é? Nada por estranhar, pois.”
Quanto às pressões políticas sugeridas por mim na coluna, Peluso destaca que, em 44 anos de “magistratura impoluta”,amais cedeu à “pressão de quem quer que seja, pela boa razão de que jamais alguém ousou fazer-me, de modo direto ou indireto, pressão em julgamento, nem sequer o presidente da República que me nomeou, como ficou claríssimo no julgamento do famoso caso ‘Battisti’. Por que iriam fazê-lo parlamentares com os quais não tenho intimidade alguma, e num caso em que já nem era preciso tentar convencer os ministros?”.
Após lembrar que também recebeu em seu gabinete representantes do PSB do senador João Capiberibe, Peluso explica que “todos os presidentes e ministros recebem advogados e parlamentares a respeito de causas pendentes, em prática tradicional e equânime, que, embora não me agrade, como já assentei em entrevista à ‘Veja’, não consigo mudar. Mas daí a supor que cedam a pressões, vai, desculpe-me, uma distância intransponível de boa-fé”.
Se não pelo aspecto moral, até mesmo na parte jurídica é imprópria a fala da presidente Dilma quando ela insiste em que Fernando Pimentel não era ministro por ocasião dos fatos denunciados na imprensa.
A circunstância de o atual ministro do Desenvolvimento ter dado as “palestras” e prestado “assessoria” antes de sua nomeação no cargo de ministro não afasta, em tese, o crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, redigido nos seguintes termos:
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas, em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.”
Merval Pereira
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