17/fev/2006
Determinadas questões relativas ao conhecimento humano precisam ser provocadas para existirem e produzirem os seus peculiares efeitos. Tratar do tema proposto trilhando caminhos antes já percorridos, sem buscar nas margens atalhos que nos levaram a uma nova realidade é negar a existência do homem e contrariar a sua natureza.
A proposta do presente artigo é levantar luzes sobre questões que podem alterar a condição do homem brasileiro. Não podemos ignorar a política como instrumento necessário para evolução do homem no que diz respeito a convivência mútua, que tem por objetivo coloca-lo em melhor condições de usufruir da liberdade.
Neste artigo será analisada a evolução do Direito no Brasil através das manifestações de Poder do Estado e dos cidadãos. Preliminarmente serão definidos os conceitos de Poder e Direito, desenvolvendo-se em seguida o quadro evolutivo do Direito no Brasil sob o matiz do Poder até os dias atuais.
Longe de esgotar o tema, tanto pela amplitude quanto pela complexidade dos assuntos aqui tratados, a finalidade deste artigo é dar destaque à questões da atual realidade brasileira, provocando a discussão de que muitos dos temas atuais tem origem na forma como o Poder Político permeia o quadro evolutivo do Direito no Brasil.
Poder: Binômio Ordem/Obediência
Longe de exaurir as diversas concepções de Poder, nem adentrar nas muitas divergências que cercam este fenômeno, sobre o qual durante séculos debruçaram ilustres pensadores. Serão abordados de forma sintética a principais linhas definidoras do que é o Poder.
Gerard Lebrum, “O que é o Poder?” da editora Brasiliense, acolhe a definição de Weber, entendido o Poder como Potência, definida está como “toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”. O Poder difere da Potência quando a potência, determinada por uma força específica, se manifesta de maneira muito precisa. “Não sob o modo da ameaça, da chantagem, etc..., mas sob o modo da ordem dirigida a alguém que, presume-se, deve cumpri-la”. Entendido o termo utilizado Weber, Herrschaft pela tradução de Raymond Aron como dominação, define-se o Poder como a “probabilidade de que uma ordem com um determinado conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas”.
Talcott Parsons, em observação feita por Raymond Aron, traduz o termo weberiano Herrschaft por imperative control. Parsons recusa-se a considerar o poder como sendo essencialmente, “uma ação imposta por um ator a um outro ator”, afastando do conceito de Poder a idéia de dominação. Segundo ele, o political power é “a aplicação de uma capacidade generalizada, que consiste em obter que os membros da coletividade cumpram obrigações legitimadas em nome de fins coletivos, e que eventualmente, permite forçar o recalcitrante por meio de sanções negativas”.
A intenção da definição adotada por Parsons é minimizar o papel da coerção e excluir qualquer idéia de desigualdade e conflito, que justificariam a natureza hierárquica do Poder. Afirma, ainda, que a obtenção do poder não significa reunir condições para impor a própria vontade contra qualquer resistência.
Apesar de Parsons descrever o exercício do Poder com muita precisão, carece de abrangência ao ignorar diversos sistemas e formas de governo que em épocas distintas e com características, muitas vezes, antagônicas exercitaram o Poder como forma de dominação. Esta é uma das principais críticas apresentadas por Gérard Lebrun que aponta ainda á idéia, rejeitada por Parsons de que o poder que alguém possui é contraposto ao poder que o outro não possui. Entendido assim pela sociologia norte-americana como teoria do “poder de soma zero”: o poder é uma soma fixa, tal que o poder de A implica o não-poder de B. Retirar a coerção da noção de Poder é esvaziar o fenômeno por completo, a coercitividade lhe é essencial.
Por outro lado, Foucault adverte que o poder não é uma substância, algo que se detém, mas uma relação. Trata-se de uma prática social e, como tal, constituída historicamente. O conjunto de relações que se enredam de forma entrelaçada por todo o corpo social.
Sem detalhar o conceito defendido por Foucault, isentando-o da análise crítica, apresentamos a advertência de Gérard Lebrun: “convém perguntar-nos se Foucault, ao enfocar em seu microscópio os mil pequenos poderes que nos prendem sem o sabermos, ele não está se precipitando em depreciar a matriz ordem/obediência (eu tenho poder, portanto você não o tem) fonte do poder político?”. Interessa-nos, aqui, portanto, esta espécie de Poder – o Poder Político enquanto organizador da coerção, dominação (ou controle) instituída.
Tão antigo quanto o homem o Poder na sua manifestação apresenta-se sempre em várias modalidades, o que a maioria dos estudiosos do tema concordam. Ficamos aqui com os sentidos apontados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
a) no antropológico, origina-se num diferencial de humano, diferencial que a vontade pode utilizar para produzir efeitos que não ocorreriam espontaneamente. Sua etiologia prende-se, portanto, à teoria das necessidades e se interpenetra na psicologia, com a teoria das atitudes.
b) No sociológico, o poder é o princípio motor da instituição, o acréscimo energético, o quantum que faz do costume uma instituição, tornando-a impositiva para organizar o meio social segundo uma idéia.
c) No político, é um elemento diferenciador caracterizado pela relação comando/obediência, a energia que move os indivíduos e as instituições e que, uma vez concentrado como poder estatal, passa a constituir a energia suprema que o Estado retira da sociedade nacional, para empregar na consecução de seus fins.
d) No jurídico, finalmente, o poder é a própria energia criadora do Direito, que contém, em si, a promessa da realização da idéia social que o representa. Calmon acrescenta,
e) o ideológico, como o que, mediante mecanismos de convencimento, legitima o próprio poder, em todas as suas manifestações. Pertinente ao conceito de Poder é a afirmativa de Calmon de Passos:
Dada uma relação interpessoal qualquer, existir identidade de poderes em cada pólo da relação social, resulta que uma das pessoas relacionadas terá sempre um diferencial de poder a seu favor. Conseqüentemente, em termos de poder, nenhuma relação é absolutamente equilibrada.
Concluindo esta parte, trataremos o Poder como forma de entender o Direito, que apesar de entrelaçados como se uma só matéria fosse não se confundem. Identificadas como lugares comuns, duas afirmações estão incutidas nos pensadores atuais quando debruçam em questões relativas a Poder e Direito: o homem é um animal social e o homem é o lobo do próprio homem.
No entendimento desta aparente contradição está encerrada a condição humana. Observado o indivíduo quando atua socialmente identificaremos quatro situações distintas:
a) o homem é visto como unidade formando com os outros homens a coletividade,
b) o homem como único, individualizado e identificado, dentro da coletividade,
c) o homem em oposição à coletividade,
d) o homem atuando em prol da coletividade.
Ainda com Calmon de Passos: a realidade é a do necessário viver convivendo, cooperando e conflitando. Nessa inevitável existência de conflitos e na imperiosa exigência de tê-los resolvido com efetividade está a raiz do jurídico.
Direito - Concepção Doutrinária
Bem apropriada é a declaração de Roberto Lyra Filho, no livro editado pela Brasiliense – O que é o Direito?:“A maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel”.
Da impossibilidade dos homens de viverem na anarquia, nasce a necessidade de existirem regras definidoras do relacionamento social. A delimitação da liberdade individual é feita pela enumeração e repúdio às condutas tidas como anti-social e através regulação de atividades que mormente geram conflitos, por exclusão todas as demais condutas são permitidas.Tudo que for conforme o modelo social vigente está ratificado.
Esclarecedora é a lição de Machado Netto: “O certo é, porém, que em qualquer grupo humano não pode faltar esse poder social que organize a sociedade, com o que fica, em grande parte, prejudicado aquele que foi o problema capital da sociologia política do século passado e do que em séculos anteriores constituiu a problemática do Estado”.
A diferenciação entre os campos da moralidade e da juridicidade, para Kelsen, decorre de uma preocupação excessiva com a autonomia da ciência jurídica. Argumenta Kelsen que, se se está diante de um determinado Direito Positivo, deve-se dizer que este pode ser um direito moral ou imoral. É certo que se prefere o Direito moral ao imoral, porém, há de se reconhecer que ambos são vinculativos da conduta.
Em poucas palavras, um direito positivo sempre pode contrariar algum mandamento de justiça, e nem por isso deixa de ser válido. Então, o direito positivo é o direito posto (positum – posto e positivo) pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a condições formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurídico. O direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito, para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico.
Então, direito e moral se separam. Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e justa; inválida e injusta).
Acolhendo os ensinamentos de Hans Kelsen e Norberto Bobbio, especialmente dos dois primeiros, a definição adotada para o Direito é o sistema de normas jurídicas postas em uma determinada comunidade. Nesse sentido, vale lembrar a afirmação lapidar do jurista alemão Norbert Hoerster, em ensaio sob o título “Em defesa do positivismo jurídico”, de que a expressão “direito positivo” é pleonástica. Todo Direito é positivo.
O Direito no Brasil
Seguindo metodologia adotada no artigo de Fernando de Azevedo Alves Brito, publicado no Jus Navigandi, elencamos sete momentos históricos, dotados de identidades históricas diferentes, capazes de compreender na seu estudo toda a evolução histórica brasileira desde o seu descobrimento.
São eles:
a) “Achamento” do Brasil.
b) Período da cana-de-açúcar.
c) Período da Mineração.
d) Independência Brasileira.
e) Proclamação da República.
f) Ditadura de Vargas.
g) Ditadura de 1964.
Sem perder de vista estes momentos históricos, podemos traçar a evolução histórica do Direito no Brasil em dois momentos distintos, o primeiro quando inexistentes os elementos formadores do Estado Brasileiro, sendo este uma colônia de Portugal, e tendo todo o seu ordenamento jurídico importado da metrópole lusitana, ao sabor dos interesses daqueles que tinham interesses econômicos diretos na colônia. O segundo momento se dá a partir da libertação do jugo de Portugal, liberdade jurídica e política com a produção de suas próprias leis.
A contribuição da primeira fase, apesar de ausente o caráter nacional brasileiro, se dá pela implantação de técnicas, surgimento de profissionais e estruturas de aplicação.
À medida que as matrizes étnico-culturais brasileiras formavam-se, desenvolviam-se, evoluíam-se, o Direito nacional sentia a necessidade de expressar-se, com as raízes que aqui se prendiam. Neste segundo momento, a sociedade brasileira deixa de importar material jurídico lusitano e passou, em um impulso contrário, a enviar, anticlonicamente, ao Direito, sua identidade, suas características próprias. A partir dessa nova desenvoltura nacional, o Brasil passou a produzir, internamente, seu próprio Direito. Este momento se dá com a Independência brasileira, diferente de outros modelos de Estado, no Brasil foi estabelecida uma monarquia constitucional, em que o respaldo do poder real deixou de ser a divindade e passou a ser a constituição, que se tornou símbolo de sua legalidade.
Os interesses mercantis, notadamente com a pressão da Inglaterra, para a abolição da escravatura e seus interesses pelos portos nacionais, as revoltas sociais internas e o afastamento paulatino entre a Igreja e o Estado, formaram o ambiente propício para a Proclamação da República e para a criação da constituição de 1891 que emanava de seu bojo o fim do Estado Teocrático, o conceito republicano, a concretização da Lei Áurea, pregando o conceito de liberdade, e criação do voto censitário.
Com a constituição de 1934, emergiu-se a instituição do voto feminino (o que antes era impraticável) e findou-se o voto censitário, acabando-se com a idéia capitalista que limitava o poder nas mãos de uma minoria rica. Apesar disso, o conceito de voto ainda não era universal, já que se excluía o analfabeto (maioria da população).
Apesar do Estado Novo criar um texto constitucional que nunca entrou em vigor, O governo Vargas ficou sendo um marco na história do trabalhismo brasileiro, afinal, foi ele o responsável pelas maiores conquistas nacionais neste setor. Neste período, no entanto, houve significativo retrocesso com a supressão de direitos fundamentais já conquistados, tendo como exemplo a liberdade de imprensa e a limitação do direito ao voto.
Apesar de todas as conquistas adquiridas no decorrer da historiografia jurídica nacional, ocorreu o golpe de 64 promovido pelos militares, apoiados pela direita. Este foi "legitimado" pela constituição de 67, que nada trouxe a acrescer no contexto cidadão. Esta, contrariando todo o decorrer histórico que se desenvolveu até esse momento, destrói, desumanamente, tudo aquilo que dizia respeito a Cidadania e Direitos Humanos, grande parte dos direitos individuais, sociais e políticos do Brasil.
As conseqüências dessas atitudes são as verdadeiras aberrações dessa redação constitucional, recheada pela insanidade e entreguismo dos governantes militares. Até mesmo a pena de morte não era necessária na prática, já que os mortos pelo regime, na verdade, eram apenas "desaparecidos". Todos os grandes pensadores nacionais ou foram presos e torturados, ou exilados, paralisando toda consciência-pensante brasileira. A liberdade havia se acabado, a igualdade havia se desintegrado e a fraternidade havia se afogado na falta de confiança entre familiares e amigos. Levado ao extremo da indignação, o brasileiro pleno de sede de mudança clamou os seus Direitos.
A indignação da população, proporcionada pela paulatina concessão de liberdades pelo governo militar, culminando com o movimento das "Diretas já", os militares estrategicamente fizeram uma transição sem traumas, impedindo, porém, apuração das responsabilidades pelos crimes praticados durante o regime, e abandonaram paulatinamente o poder.
Com constituição de 88 atendendo aos anseios sociais e individuais daquela época, criou-se sob a base da social-democracia, opondo-se, quase em totalidade, à chacina constitucional implantada na ditadura de 64, resgatando, dessa maneira, os direitos individuais, sociais, humanos e políticos, revitalizando, dessa forma, com todas às forças à cidadania. Tanto que ficou conhecida como a "constituição cidadã", por esta essência.
Conclusão
Diante do breve relato histórico da construção do Direito no Brasil, devemos fazer duas importantes observações: a) o progresso jurídico não é obra dos técnicos e operadores do direito, é resultado da sociedade em ebulição, que em seus movimentos e manifestações alteram o ordenamento jurídico, ora avançando em alguns pontos ora retrocedendo em outros, num movimento que se assemelha a uma espiral de mão dupla direcionada pro futuro. b) Segundo, em regra, a crise jurídica não exclui o progresso, neste sentido vejamos ensinamento de Paulo Nader, no seu livro Filosofia do Direito:
“A crise jurídica pode manifestar-se de diferentes modos: pela defasagem entre os institutos jurídicos e o avanço social; pela não efetividade das leis fundamentais. Ainda que padeça de alguma dessas deficiências, considerando-se os ordenamentos antigos, o sistema jurídico adotados pelos países civilizados revela-se Direito evoluído.”
Torna-se fundamental a sociedade, especificamente a brasileira, aperceber-se que o Poder outorgado ao Estado, dentro do sistema democrático atual, está em parte destinado a sua defesa e garantia. Erigida como cláusulas pétreas na Constituição Federal de 1988, isto é normas que não são passíveis de alteração nem por emenda constitucional, estão elencados os Direitos e Garantias Individuais e Sociais.
A constituição atual revela na sua inteireza um mecanismo robusto de Poder colocado a serviço do cidadão. É necessário conhecer, entender, respeitar e usar o texto constitucional na defesa e garantia dos direitos, bem como obrigar o Estado a cumprir suas obrigações constitucionais.
O Estado brasileiro é responsável pelos seus atos quando invade o universo jurídico do administrado, seja como estado-administração, seja como estado-juiz, seja das mais variadas formas de sua manifestação. O Estado pode e deve ser responsabilizado pelos atos judiciais. Estas afirmações têm como fonte a parcela de Poder que na construção do direito brasileiro ficou com o cidadão.
Finalizamos com a observação de Calmon de Passos:
“Só é Estado de Direito Democrático aquele em que todo e qualquer detentor de poder político só pode exercita-lo nos limites de sua competência, sujeitando-se à responsabilização social quando faltar a esse dever.
Outrossim, só é Estado de Direito Democrático aquele em que as entidades e órgãos responsáveis pelo exercício do poder político, nos limites de sua competência, submetem-se a recíprocos controles, com vistas à atuação tanto quanto possível harmônica, sem prejuízo de sua autonomia (ausência de vínculos hierárquicos) nunca independência (ausência de responsabilidade), o que também vale para o judiciário, não apenas para o legislativo e para o Executivo”.
Marisa Ribeiro Leite
Determinadas questões relativas ao conhecimento humano precisam ser provocadas para existirem e produzirem os seus peculiares efeitos. Tratar do tema proposto trilhando caminhos antes já percorridos, sem buscar nas margens atalhos que nos levaram a uma nova realidade é negar a existência do homem e contrariar a sua natureza.
A proposta do presente artigo é levantar luzes sobre questões que podem alterar a condição do homem brasileiro. Não podemos ignorar a política como instrumento necessário para evolução do homem no que diz respeito a convivência mútua, que tem por objetivo coloca-lo em melhor condições de usufruir da liberdade.
Neste artigo será analisada a evolução do Direito no Brasil através das manifestações de Poder do Estado e dos cidadãos. Preliminarmente serão definidos os conceitos de Poder e Direito, desenvolvendo-se em seguida o quadro evolutivo do Direito no Brasil sob o matiz do Poder até os dias atuais.
Longe de esgotar o tema, tanto pela amplitude quanto pela complexidade dos assuntos aqui tratados, a finalidade deste artigo é dar destaque à questões da atual realidade brasileira, provocando a discussão de que muitos dos temas atuais tem origem na forma como o Poder Político permeia o quadro evolutivo do Direito no Brasil.
Poder: Binômio Ordem/Obediência
Longe de exaurir as diversas concepções de Poder, nem adentrar nas muitas divergências que cercam este fenômeno, sobre o qual durante séculos debruçaram ilustres pensadores. Serão abordados de forma sintética a principais linhas definidoras do que é o Poder.
Gerard Lebrum, “O que é o Poder?” da editora Brasiliense, acolhe a definição de Weber, entendido o Poder como Potência, definida está como “toda oportunidade de impor a sua própria vontade, no interior de uma relação social até mesmo contra resistências, pouco importando em que repouse tal oportunidade”. O Poder difere da Potência quando a potência, determinada por uma força específica, se manifesta de maneira muito precisa. “Não sob o modo da ameaça, da chantagem, etc..., mas sob o modo da ordem dirigida a alguém que, presume-se, deve cumpri-la”. Entendido o termo utilizado Weber, Herrschaft pela tradução de Raymond Aron como dominação, define-se o Poder como a “probabilidade de que uma ordem com um determinado conteúdo específico seja seguida por um dado grupo de pessoas”.
Talcott Parsons, em observação feita por Raymond Aron, traduz o termo weberiano Herrschaft por imperative control. Parsons recusa-se a considerar o poder como sendo essencialmente, “uma ação imposta por um ator a um outro ator”, afastando do conceito de Poder a idéia de dominação. Segundo ele, o political power é “a aplicação de uma capacidade generalizada, que consiste em obter que os membros da coletividade cumpram obrigações legitimadas em nome de fins coletivos, e que eventualmente, permite forçar o recalcitrante por meio de sanções negativas”.
A intenção da definição adotada por Parsons é minimizar o papel da coerção e excluir qualquer idéia de desigualdade e conflito, que justificariam a natureza hierárquica do Poder. Afirma, ainda, que a obtenção do poder não significa reunir condições para impor a própria vontade contra qualquer resistência.
Apesar de Parsons descrever o exercício do Poder com muita precisão, carece de abrangência ao ignorar diversos sistemas e formas de governo que em épocas distintas e com características, muitas vezes, antagônicas exercitaram o Poder como forma de dominação. Esta é uma das principais críticas apresentadas por Gérard Lebrun que aponta ainda á idéia, rejeitada por Parsons de que o poder que alguém possui é contraposto ao poder que o outro não possui. Entendido assim pela sociologia norte-americana como teoria do “poder de soma zero”: o poder é uma soma fixa, tal que o poder de A implica o não-poder de B. Retirar a coerção da noção de Poder é esvaziar o fenômeno por completo, a coercitividade lhe é essencial.
Por outro lado, Foucault adverte que o poder não é uma substância, algo que se detém, mas uma relação. Trata-se de uma prática social e, como tal, constituída historicamente. O conjunto de relações que se enredam de forma entrelaçada por todo o corpo social.
Sem detalhar o conceito defendido por Foucault, isentando-o da análise crítica, apresentamos a advertência de Gérard Lebrun: “convém perguntar-nos se Foucault, ao enfocar em seu microscópio os mil pequenos poderes que nos prendem sem o sabermos, ele não está se precipitando em depreciar a matriz ordem/obediência (eu tenho poder, portanto você não o tem) fonte do poder político?”. Interessa-nos, aqui, portanto, esta espécie de Poder – o Poder Político enquanto organizador da coerção, dominação (ou controle) instituída.
Tão antigo quanto o homem o Poder na sua manifestação apresenta-se sempre em várias modalidades, o que a maioria dos estudiosos do tema concordam. Ficamos aqui com os sentidos apontados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
a) no antropológico, origina-se num diferencial de humano, diferencial que a vontade pode utilizar para produzir efeitos que não ocorreriam espontaneamente. Sua etiologia prende-se, portanto, à teoria das necessidades e se interpenetra na psicologia, com a teoria das atitudes.
b) No sociológico, o poder é o princípio motor da instituição, o acréscimo energético, o quantum que faz do costume uma instituição, tornando-a impositiva para organizar o meio social segundo uma idéia.
c) No político, é um elemento diferenciador caracterizado pela relação comando/obediência, a energia que move os indivíduos e as instituições e que, uma vez concentrado como poder estatal, passa a constituir a energia suprema que o Estado retira da sociedade nacional, para empregar na consecução de seus fins.
d) No jurídico, finalmente, o poder é a própria energia criadora do Direito, que contém, em si, a promessa da realização da idéia social que o representa. Calmon acrescenta,
e) o ideológico, como o que, mediante mecanismos de convencimento, legitima o próprio poder, em todas as suas manifestações. Pertinente ao conceito de Poder é a afirmativa de Calmon de Passos:
Dada uma relação interpessoal qualquer, existir identidade de poderes em cada pólo da relação social, resulta que uma das pessoas relacionadas terá sempre um diferencial de poder a seu favor. Conseqüentemente, em termos de poder, nenhuma relação é absolutamente equilibrada.
Concluindo esta parte, trataremos o Poder como forma de entender o Direito, que apesar de entrelaçados como se uma só matéria fosse não se confundem. Identificadas como lugares comuns, duas afirmações estão incutidas nos pensadores atuais quando debruçam em questões relativas a Poder e Direito: o homem é um animal social e o homem é o lobo do próprio homem.
No entendimento desta aparente contradição está encerrada a condição humana. Observado o indivíduo quando atua socialmente identificaremos quatro situações distintas:
a) o homem é visto como unidade formando com os outros homens a coletividade,
b) o homem como único, individualizado e identificado, dentro da coletividade,
c) o homem em oposição à coletividade,
d) o homem atuando em prol da coletividade.
Ainda com Calmon de Passos: a realidade é a do necessário viver convivendo, cooperando e conflitando. Nessa inevitável existência de conflitos e na imperiosa exigência de tê-los resolvido com efetividade está a raiz do jurídico.
Direito - Concepção Doutrinária
Bem apropriada é a declaração de Roberto Lyra Filho, no livro editado pela Brasiliense – O que é o Direito?:“A maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel”.
Da impossibilidade dos homens de viverem na anarquia, nasce a necessidade de existirem regras definidoras do relacionamento social. A delimitação da liberdade individual é feita pela enumeração e repúdio às condutas tidas como anti-social e através regulação de atividades que mormente geram conflitos, por exclusão todas as demais condutas são permitidas.Tudo que for conforme o modelo social vigente está ratificado.
Esclarecedora é a lição de Machado Netto: “O certo é, porém, que em qualquer grupo humano não pode faltar esse poder social que organize a sociedade, com o que fica, em grande parte, prejudicado aquele que foi o problema capital da sociologia política do século passado e do que em séculos anteriores constituiu a problemática do Estado”.
A diferenciação entre os campos da moralidade e da juridicidade, para Kelsen, decorre de uma preocupação excessiva com a autonomia da ciência jurídica. Argumenta Kelsen que, se se está diante de um determinado Direito Positivo, deve-se dizer que este pode ser um direito moral ou imoral. É certo que se prefere o Direito moral ao imoral, porém, há de se reconhecer que ambos são vinculativos da conduta.
Em poucas palavras, um direito positivo sempre pode contrariar algum mandamento de justiça, e nem por isso deixa de ser válido. Então, o direito positivo é o direito posto (positum – posto e positivo) pela autoridade do legislador, dotado de validade, por obedecer a condições formais para tanto, pertencente a um determinado sistema jurídico. O direito não precisa respeitar um mínimo moral para ser definido e aceito como tal, pois a natureza do direito, para ser garantida em sua construção, não requer nada além do valor jurídico.
Então, direito e moral se separam. Assim, é válida a ordem jurídica ainda que contrarie os alicerces morais. Validade e justiça de uma norma jurídica são juízos de valor diversos, portanto (uma norma pode ser válida e justa; válida e injusta; inválida e justa; inválida e injusta).
Acolhendo os ensinamentos de Hans Kelsen e Norberto Bobbio, especialmente dos dois primeiros, a definição adotada para o Direito é o sistema de normas jurídicas postas em uma determinada comunidade. Nesse sentido, vale lembrar a afirmação lapidar do jurista alemão Norbert Hoerster, em ensaio sob o título “Em defesa do positivismo jurídico”, de que a expressão “direito positivo” é pleonástica. Todo Direito é positivo.
O Direito no Brasil
Seguindo metodologia adotada no artigo de Fernando de Azevedo Alves Brito, publicado no Jus Navigandi, elencamos sete momentos históricos, dotados de identidades históricas diferentes, capazes de compreender na seu estudo toda a evolução histórica brasileira desde o seu descobrimento.
São eles:
a) “Achamento” do Brasil.
b) Período da cana-de-açúcar.
c) Período da Mineração.
d) Independência Brasileira.
e) Proclamação da República.
f) Ditadura de Vargas.
g) Ditadura de 1964.
Sem perder de vista estes momentos históricos, podemos traçar a evolução histórica do Direito no Brasil em dois momentos distintos, o primeiro quando inexistentes os elementos formadores do Estado Brasileiro, sendo este uma colônia de Portugal, e tendo todo o seu ordenamento jurídico importado da metrópole lusitana, ao sabor dos interesses daqueles que tinham interesses econômicos diretos na colônia. O segundo momento se dá a partir da libertação do jugo de Portugal, liberdade jurídica e política com a produção de suas próprias leis.
A contribuição da primeira fase, apesar de ausente o caráter nacional brasileiro, se dá pela implantação de técnicas, surgimento de profissionais e estruturas de aplicação.
À medida que as matrizes étnico-culturais brasileiras formavam-se, desenvolviam-se, evoluíam-se, o Direito nacional sentia a necessidade de expressar-se, com as raízes que aqui se prendiam. Neste segundo momento, a sociedade brasileira deixa de importar material jurídico lusitano e passou, em um impulso contrário, a enviar, anticlonicamente, ao Direito, sua identidade, suas características próprias. A partir dessa nova desenvoltura nacional, o Brasil passou a produzir, internamente, seu próprio Direito. Este momento se dá com a Independência brasileira, diferente de outros modelos de Estado, no Brasil foi estabelecida uma monarquia constitucional, em que o respaldo do poder real deixou de ser a divindade e passou a ser a constituição, que se tornou símbolo de sua legalidade.
Os interesses mercantis, notadamente com a pressão da Inglaterra, para a abolição da escravatura e seus interesses pelos portos nacionais, as revoltas sociais internas e o afastamento paulatino entre a Igreja e o Estado, formaram o ambiente propício para a Proclamação da República e para a criação da constituição de 1891 que emanava de seu bojo o fim do Estado Teocrático, o conceito republicano, a concretização da Lei Áurea, pregando o conceito de liberdade, e criação do voto censitário.
Com a constituição de 1934, emergiu-se a instituição do voto feminino (o que antes era impraticável) e findou-se o voto censitário, acabando-se com a idéia capitalista que limitava o poder nas mãos de uma minoria rica. Apesar disso, o conceito de voto ainda não era universal, já que se excluía o analfabeto (maioria da população).
Apesar do Estado Novo criar um texto constitucional que nunca entrou em vigor, O governo Vargas ficou sendo um marco na história do trabalhismo brasileiro, afinal, foi ele o responsável pelas maiores conquistas nacionais neste setor. Neste período, no entanto, houve significativo retrocesso com a supressão de direitos fundamentais já conquistados, tendo como exemplo a liberdade de imprensa e a limitação do direito ao voto.
Apesar de todas as conquistas adquiridas no decorrer da historiografia jurídica nacional, ocorreu o golpe de 64 promovido pelos militares, apoiados pela direita. Este foi "legitimado" pela constituição de 67, que nada trouxe a acrescer no contexto cidadão. Esta, contrariando todo o decorrer histórico que se desenvolveu até esse momento, destrói, desumanamente, tudo aquilo que dizia respeito a Cidadania e Direitos Humanos, grande parte dos direitos individuais, sociais e políticos do Brasil.
As conseqüências dessas atitudes são as verdadeiras aberrações dessa redação constitucional, recheada pela insanidade e entreguismo dos governantes militares. Até mesmo a pena de morte não era necessária na prática, já que os mortos pelo regime, na verdade, eram apenas "desaparecidos". Todos os grandes pensadores nacionais ou foram presos e torturados, ou exilados, paralisando toda consciência-pensante brasileira. A liberdade havia se acabado, a igualdade havia se desintegrado e a fraternidade havia se afogado na falta de confiança entre familiares e amigos. Levado ao extremo da indignação, o brasileiro pleno de sede de mudança clamou os seus Direitos.
A indignação da população, proporcionada pela paulatina concessão de liberdades pelo governo militar, culminando com o movimento das "Diretas já", os militares estrategicamente fizeram uma transição sem traumas, impedindo, porém, apuração das responsabilidades pelos crimes praticados durante o regime, e abandonaram paulatinamente o poder.
Com constituição de 88 atendendo aos anseios sociais e individuais daquela época, criou-se sob a base da social-democracia, opondo-se, quase em totalidade, à chacina constitucional implantada na ditadura de 64, resgatando, dessa maneira, os direitos individuais, sociais, humanos e políticos, revitalizando, dessa forma, com todas às forças à cidadania. Tanto que ficou conhecida como a "constituição cidadã", por esta essência.
Conclusão
Diante do breve relato histórico da construção do Direito no Brasil, devemos fazer duas importantes observações: a) o progresso jurídico não é obra dos técnicos e operadores do direito, é resultado da sociedade em ebulição, que em seus movimentos e manifestações alteram o ordenamento jurídico, ora avançando em alguns pontos ora retrocedendo em outros, num movimento que se assemelha a uma espiral de mão dupla direcionada pro futuro. b) Segundo, em regra, a crise jurídica não exclui o progresso, neste sentido vejamos ensinamento de Paulo Nader, no seu livro Filosofia do Direito:
“A crise jurídica pode manifestar-se de diferentes modos: pela defasagem entre os institutos jurídicos e o avanço social; pela não efetividade das leis fundamentais. Ainda que padeça de alguma dessas deficiências, considerando-se os ordenamentos antigos, o sistema jurídico adotados pelos países civilizados revela-se Direito evoluído.”
Torna-se fundamental a sociedade, especificamente a brasileira, aperceber-se que o Poder outorgado ao Estado, dentro do sistema democrático atual, está em parte destinado a sua defesa e garantia. Erigida como cláusulas pétreas na Constituição Federal de 1988, isto é normas que não são passíveis de alteração nem por emenda constitucional, estão elencados os Direitos e Garantias Individuais e Sociais.
A constituição atual revela na sua inteireza um mecanismo robusto de Poder colocado a serviço do cidadão. É necessário conhecer, entender, respeitar e usar o texto constitucional na defesa e garantia dos direitos, bem como obrigar o Estado a cumprir suas obrigações constitucionais.
O Estado brasileiro é responsável pelos seus atos quando invade o universo jurídico do administrado, seja como estado-administração, seja como estado-juiz, seja das mais variadas formas de sua manifestação. O Estado pode e deve ser responsabilizado pelos atos judiciais. Estas afirmações têm como fonte a parcela de Poder que na construção do direito brasileiro ficou com o cidadão.
Finalizamos com a observação de Calmon de Passos:
“Só é Estado de Direito Democrático aquele em que todo e qualquer detentor de poder político só pode exercita-lo nos limites de sua competência, sujeitando-se à responsabilização social quando faltar a esse dever.
Outrossim, só é Estado de Direito Democrático aquele em que as entidades e órgãos responsáveis pelo exercício do poder político, nos limites de sua competência, submetem-se a recíprocos controles, com vistas à atuação tanto quanto possível harmônica, sem prejuízo de sua autonomia (ausência de vínculos hierárquicos) nunca independência (ausência de responsabilidade), o que também vale para o judiciário, não apenas para o legislativo e para o Executivo”.
Marisa Ribeiro Leite
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