Em artigo publicado em 18 de maio passado, tive a oportunidade de analisar os limite tradicionalmente reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal à interpretação conforme a Constituição: o sentido literal do texto e a vontade do legislador. A partir dessa análise, foi possível constatar que não há um uso uniforme e consolidado da técnica na jurisprudência da Corte, que muitas vezes acaba por proceder a revisões ou mesmo integrações normativas nos preceitos legais interpretados.
Ainda que essa postura “ativista” deva ser vista com muita cautela, ela não deve ser rechaçada em toda e qualquer hipótese. Há casos em que a atuação positiva da Corte é imposta pelo próprio papel de guardião da Constituição. Nesse contexto, a interpretação conforme surge como importante mecanismo concretizador dos preceitos constitucionais. Para diferenciar do uso tradicional que se faz do instituto, e por melhor designar o emprego da técnica, sugere-se, nessas situações, seja adotada a denominação integração conforme a Constituição ou correção conforme a Constituição.
É importante destacar que a exposição que se segue parte da premissa de que o ordenamento brasileiro não constitui um sistema completo, mas sim completável, nos termos do que sustentado por Bobbio. Ainda assim, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ao juiz não é dado negar-se a decidir controvérsia alguma sob o argumento de antinomia ou de ausência de norma a respeito do tema. Há, para casos tais, autorização constitucional para utilização da analogia, dos princípios gerais do Direito e dos costumes. Nesse contexto, a integração conforme a Constituição surge como mecanismo por meio do qual o juiz pode proceder à correção judicial.
Entre os casos que reclamam uma tal atuação por parte da Suprema Corte são frequentes aqueles em que impugnado preceito legal genérico que deixa ao regulamento a definição de questões relevantes da matéria discutida. Nesses casos, a constitucionalidade do enunciado contestado fica a depender do viés adotado pelo legislador quando da regulamentação. E, quando tal regulamentação é inexistente, resta à Corte preencher parcialmente a lacuna deixada pelo legislador ordinário para que seja possível efetuar um juízo acerca da constitucionalidade da disposição normativa e, assim, fornecer uma resposta adequada ao caso, em consonância com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Veja-se, por exemplo, a decisão proferida na ADI-MC 4.178, em que impugnados incisos do artigo 16 da Lei 13.136/1997, do estado de Goiás, que traz os títulos que devem ser considerados nas provas de concursos de ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro, deixando ao edital a fixação dos respectivos critérios de valoração.
Entre os dispositivos impugnados figura o inciso V, segundo o qual é considerada título a “aprovação em concurso de ingresso e remoção em serviço notarial e registral”. Na concepção da Corte, a constitucionalidade dessa disposição, no que diz respeito aos concursos de ingresso, depende do valor a ser atribuído ao título pela regulamentação.
Assim, entendeu-se que a aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial e de registro pode ser computada como título nos concursos de ingresso, desde que não seja sobrevalorizada (ou seja, desde que a ela seja atribuída pontuação inferior àquela concedida para a aprovação em concurso público para carreiras jurídicas).
Por essa razão, emprestou-se ao enunciado interpretação conforme “no sentido de constituir título válido, desde que não sobrevalorizado nem equiparado ao das aprovações em concurso para os cargos de carreiras jurídicas”. Substituindo-se ao legislador ordinário, a Corte criou norma inexistente na lei, segundo a qual, no concurso para ingresso no serviço de notas ou de registro, o valor do título referente à aprovação anterior em concurso para os mesmos fins deve ser inferior àquele referente à aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica, já que não configura preenchimento de cargo público e não se trata de atividade privativa de bacharel em Direito. Baseou-se, para tanto, no princípio da isonomia.
Perceba-se que, no caso, a adoção da declaração de inconstitucionalidade do preceito impugnado não figurava como opção, já que resultaria, ela também, em violação ao princípio da isonomia, consistente na exclusão da possibilidade de consideração, como título, da aprovação em concurso para ingresso nos serviços notariais e de registro.
Estando a constitucionalidade da disposição questionada a depender da sua regulamentação, e ante a inexistência de tal regramento, coube ao Supremo proceder à sua integração conforme a Constituição, mais precisamente conforme o princípio da isonomia.
Situação semelhante é encontrada na ADI 3.463, em que impugnado o artigo 51 do ADCT da Constituição do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de disposição que, ao criar o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, garantiu a participação, em sua estrutura, de representantes do Ministério Público. Ocorre que os termos em que tal participação deveria se dar foram deixados à definição do legislador ordinário, a quem caberia a regulamentação da organização, composição e funcionamento do novo órgão.
Ante a ausência de regulamentação do preceito contestado, a Corte vislumbrou a possibilidade da superveniência de norma que admitisse a atuação ativa dos membros do parquet no Conselho criado, o que violaria a proibição constitucional de que o Ministério Público atue como órgão de consulta de entidades públicas (artigo 129, inciso IX, da Constituição). Por essa razão, procedeu-se à integração conforme do dispositivo para consignar que “a participação do Ministério Público no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente deve se dar na condição de membro convidado sem direito a voto”.
É importante ressaltar que, em tais situações, é justamente esse o papel do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição. Não sendo possível sanar a inconstitucionalidade por meio da declaração da nulidade do preceito impugnado, não pode o julgador agravar o quadro de contrariedade aos preceitos constitucionais, mormente havendo instrumentos que lhe possibilitem solucionar a controvérsia de maneira mais efetiva. Não se trata de uma faculdade, e sim de um dever poder. E, como todo dever imposto ao Poder Público, a correção judicial do Direito deve ser exercida com estrita observância dos limites que lhe são impostos.
Em ordenamentos marcados pela constitucionalização rígida e formal, como o brasileiro, é intuitivo que toda produção jurídica deva orientar-se pelas balizas constitucionais. Em se tratando de correção e integração judicial do Direito, com mais razão devem ser observados os ditames constitucionais. Daí a afirmação de Hespanha de que, em razão do “crescente impacto da ideia do primado da Constituição, (...) justamente quando o espaço de criatividade do julgador seja maior, este deva operar tendo em vista o espírito da Constituição como ponto de referência de toda a ordem jurídica (integração conforme a Constituição)”. No mesmo sentido, Jorge Miranda assevera que “é olhando ao sistema de normas da Constituição formal, como expressão da Constituição material, que o agente da integração deve raciocinar quer procure a analogia (legis ou juris) quer atenda aos princípios gerais”.
Assim, ao aplicar a correção conforme a Constituição, o julgador deve não apenas assegurar que a norma elaborada não seja incompatível com algum dos preceitos constitucionais, mas também buscar concretizá-los no maior grau possível.
Ressalte-se, por fim, que há matérias em que a própria Constituição veda o emprego da integração conforme. Trata-se dos temas submetidos à reserva absoluta de lei, cuja regulação cabe exclusivamente ao legislador, sendo vedado “à doutrina ou à jurisprudência a tal possibilidade de desenvolver o direito nestas zonas”. Citem-se como exemplos o Direito penal e o Direito tributário, campos nos quais o constituinte reservou para a lei a incriminação, a definição das penas e a imposição de tributos.
A despeito da proibição constitucional, não se percebe haver, por parte da Suprema Corte, uma maior cautela no emprego da integração conforme nesses campos. É exemplar, nesse ponto, o julgamento da ADI-MC 4.389, em que o Tribunal criou nova hipótese de incidência do ICMS e, ao mesmo tempo, afastou, indevidamente, a incidência do ISS.
Na ocasião, eram impugnados o artigo 1º, caput e parágrafo 2º, da LC 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços do ISS. A partir do disposto nos arts. 155, II; e 156, III, da Constituição, a Corte conferiu aos dispositivos questionados integração conforme para “reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS”.
Ao assim proceder, criou norma segundo a qual, ainda que se trate de serviço constante da lista do ISS, sobre a impressão gráfica, quando realizada em embalagens vendidas por encomenda que se destinem a armazenar mercadorias que serão colocadas em circulação, incide o ICMS e não o ISS.
Ocorre que a norma criada não pode ser extraída nem dos preceitos constitucionais utilizados como parâmetro nem das disposições objeto da ação direta, inclusive por contrariá-los. Explica-se.
A Constituição é clara ao atribuir aos municípios a instituição do imposto sobre serviços de qualquer natureza, desde que (a) não compreendidos no artigo 155, II, e (b) definidos em lei complementar. Em relação ao ponto (a), o artigo 155, II, refere-se apenas aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Quanto ao ponto (b), a União editou a Lei Complementar 116/2003, que lista os serviços sujeitos ao ISS, e entre eles está a composição gráfica. A Constituição define, ainda, em seu artigo 146, I, que cabe a lei complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre os entes federados.
Em cumprimento ao preceito, a LC 116/2003 dispõe em seu artigo 1º, parágrafo 2º, que, para evitar conflitos, os serviços constantes da lista, salvo exceções expressas, não se sujeitam ao ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. É justamente esse o caso da impressão gráfica em embalagens produzidas sob encomenda para posterior comercialização de outros produtos. Vê-se, portanto, que o novo comando cria hipótese de incidência do ICMS e afasta a incidência do ISS, contrariando a reserva legal a que submetidas a criação e majoração de tributos.
É imprescindível, portanto, que o Supremo redobre a cautela na utilização da integração conforme a Constituição. Como se viu, a técnica está inserida em um campo delicado da atuação da Corte, e chama a atenção para a necessidade de se rediscutir os limites da atividade jurisdicional nesses casos, bem como de se repensar, como já vem sendo feito por parte da doutrina, o modelo atual de diálogo institucional entre os Poderes constituídos.
Marina Corrêa Xavier
Ainda que essa postura “ativista” deva ser vista com muita cautela, ela não deve ser rechaçada em toda e qualquer hipótese. Há casos em que a atuação positiva da Corte é imposta pelo próprio papel de guardião da Constituição. Nesse contexto, a interpretação conforme surge como importante mecanismo concretizador dos preceitos constitucionais. Para diferenciar do uso tradicional que se faz do instituto, e por melhor designar o emprego da técnica, sugere-se, nessas situações, seja adotada a denominação integração conforme a Constituição ou correção conforme a Constituição.
É importante destacar que a exposição que se segue parte da premissa de que o ordenamento brasileiro não constitui um sistema completo, mas sim completável, nos termos do que sustentado por Bobbio. Ainda assim, por força do princípio da inafastabilidade da jurisdição, ao juiz não é dado negar-se a decidir controvérsia alguma sob o argumento de antinomia ou de ausência de norma a respeito do tema. Há, para casos tais, autorização constitucional para utilização da analogia, dos princípios gerais do Direito e dos costumes. Nesse contexto, a integração conforme a Constituição surge como mecanismo por meio do qual o juiz pode proceder à correção judicial.
Entre os casos que reclamam uma tal atuação por parte da Suprema Corte são frequentes aqueles em que impugnado preceito legal genérico que deixa ao regulamento a definição de questões relevantes da matéria discutida. Nesses casos, a constitucionalidade do enunciado contestado fica a depender do viés adotado pelo legislador quando da regulamentação. E, quando tal regulamentação é inexistente, resta à Corte preencher parcialmente a lacuna deixada pelo legislador ordinário para que seja possível efetuar um juízo acerca da constitucionalidade da disposição normativa e, assim, fornecer uma resposta adequada ao caso, em consonância com o princípio da inafastabilidade da jurisdição.
Veja-se, por exemplo, a decisão proferida na ADI-MC 4.178, em que impugnados incisos do artigo 16 da Lei 13.136/1997, do estado de Goiás, que traz os títulos que devem ser considerados nas provas de concursos de ingresso e remoção nos serviços notariais e de registro, deixando ao edital a fixação dos respectivos critérios de valoração.
Entre os dispositivos impugnados figura o inciso V, segundo o qual é considerada título a “aprovação em concurso de ingresso e remoção em serviço notarial e registral”. Na concepção da Corte, a constitucionalidade dessa disposição, no que diz respeito aos concursos de ingresso, depende do valor a ser atribuído ao título pela regulamentação.
Assim, entendeu-se que a aprovação em concurso de ingresso no serviço notarial e de registro pode ser computada como título nos concursos de ingresso, desde que não seja sobrevalorizada (ou seja, desde que a ela seja atribuída pontuação inferior àquela concedida para a aprovação em concurso público para carreiras jurídicas).
Por essa razão, emprestou-se ao enunciado interpretação conforme “no sentido de constituir título válido, desde que não sobrevalorizado nem equiparado ao das aprovações em concurso para os cargos de carreiras jurídicas”. Substituindo-se ao legislador ordinário, a Corte criou norma inexistente na lei, segundo a qual, no concurso para ingresso no serviço de notas ou de registro, o valor do título referente à aprovação anterior em concurso para os mesmos fins deve ser inferior àquele referente à aprovação em concurso para cargo de carreira jurídica, já que não configura preenchimento de cargo público e não se trata de atividade privativa de bacharel em Direito. Baseou-se, para tanto, no princípio da isonomia.
Perceba-se que, no caso, a adoção da declaração de inconstitucionalidade do preceito impugnado não figurava como opção, já que resultaria, ela também, em violação ao princípio da isonomia, consistente na exclusão da possibilidade de consideração, como título, da aprovação em concurso para ingresso nos serviços notariais e de registro.
Estando a constitucionalidade da disposição questionada a depender da sua regulamentação, e ante a inexistência de tal regramento, coube ao Supremo proceder à sua integração conforme a Constituição, mais precisamente conforme o princípio da isonomia.
Situação semelhante é encontrada na ADI 3.463, em que impugnado o artigo 51 do ADCT da Constituição do estado do Rio de Janeiro. Trata-se de disposição que, ao criar o Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente, garantiu a participação, em sua estrutura, de representantes do Ministério Público. Ocorre que os termos em que tal participação deveria se dar foram deixados à definição do legislador ordinário, a quem caberia a regulamentação da organização, composição e funcionamento do novo órgão.
Ante a ausência de regulamentação do preceito contestado, a Corte vislumbrou a possibilidade da superveniência de norma que admitisse a atuação ativa dos membros do parquet no Conselho criado, o que violaria a proibição constitucional de que o Ministério Público atue como órgão de consulta de entidades públicas (artigo 129, inciso IX, da Constituição). Por essa razão, procedeu-se à integração conforme do dispositivo para consignar que “a participação do Ministério Público no Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente deve se dar na condição de membro convidado sem direito a voto”.
É importante ressaltar que, em tais situações, é justamente esse o papel do Supremo Tribunal Federal, enquanto guardião da Constituição. Não sendo possível sanar a inconstitucionalidade por meio da declaração da nulidade do preceito impugnado, não pode o julgador agravar o quadro de contrariedade aos preceitos constitucionais, mormente havendo instrumentos que lhe possibilitem solucionar a controvérsia de maneira mais efetiva. Não se trata de uma faculdade, e sim de um dever poder. E, como todo dever imposto ao Poder Público, a correção judicial do Direito deve ser exercida com estrita observância dos limites que lhe são impostos.
Em ordenamentos marcados pela constitucionalização rígida e formal, como o brasileiro, é intuitivo que toda produção jurídica deva orientar-se pelas balizas constitucionais. Em se tratando de correção e integração judicial do Direito, com mais razão devem ser observados os ditames constitucionais. Daí a afirmação de Hespanha de que, em razão do “crescente impacto da ideia do primado da Constituição, (...) justamente quando o espaço de criatividade do julgador seja maior, este deva operar tendo em vista o espírito da Constituição como ponto de referência de toda a ordem jurídica (integração conforme a Constituição)”. No mesmo sentido, Jorge Miranda assevera que “é olhando ao sistema de normas da Constituição formal, como expressão da Constituição material, que o agente da integração deve raciocinar quer procure a analogia (legis ou juris) quer atenda aos princípios gerais”.
Assim, ao aplicar a correção conforme a Constituição, o julgador deve não apenas assegurar que a norma elaborada não seja incompatível com algum dos preceitos constitucionais, mas também buscar concretizá-los no maior grau possível.
Ressalte-se, por fim, que há matérias em que a própria Constituição veda o emprego da integração conforme. Trata-se dos temas submetidos à reserva absoluta de lei, cuja regulação cabe exclusivamente ao legislador, sendo vedado “à doutrina ou à jurisprudência a tal possibilidade de desenvolver o direito nestas zonas”. Citem-se como exemplos o Direito penal e o Direito tributário, campos nos quais o constituinte reservou para a lei a incriminação, a definição das penas e a imposição de tributos.
A despeito da proibição constitucional, não se percebe haver, por parte da Suprema Corte, uma maior cautela no emprego da integração conforme nesses campos. É exemplar, nesse ponto, o julgamento da ADI-MC 4.389, em que o Tribunal criou nova hipótese de incidência do ICMS e, ao mesmo tempo, afastou, indevidamente, a incidência do ISS.
Na ocasião, eram impugnados o artigo 1º, caput e parágrafo 2º, da LC 116/2003 e o subitem 13.05 da lista de serviços do ISS. A partir do disposto nos arts. 155, II; e 156, III, da Constituição, a Corte conferiu aos dispositivos questionados integração conforme para “reconhecer que o ISS não incide sobre operações de industrialização por encomenda de embalagens, destinadas à integração ou utilização direta em processo subsequente de industrialização ou de circulação de mercadoria. Presentes os requisitos constitucionais e legais, incidirá o ICMS”.
Ao assim proceder, criou norma segundo a qual, ainda que se trate de serviço constante da lista do ISS, sobre a impressão gráfica, quando realizada em embalagens vendidas por encomenda que se destinem a armazenar mercadorias que serão colocadas em circulação, incide o ICMS e não o ISS.
Ocorre que a norma criada não pode ser extraída nem dos preceitos constitucionais utilizados como parâmetro nem das disposições objeto da ação direta, inclusive por contrariá-los. Explica-se.
A Constituição é clara ao atribuir aos municípios a instituição do imposto sobre serviços de qualquer natureza, desde que (a) não compreendidos no artigo 155, II, e (b) definidos em lei complementar. Em relação ao ponto (a), o artigo 155, II, refere-se apenas aos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Quanto ao ponto (b), a União editou a Lei Complementar 116/2003, que lista os serviços sujeitos ao ISS, e entre eles está a composição gráfica. A Constituição define, ainda, em seu artigo 146, I, que cabe a lei complementar dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre os entes federados.
Em cumprimento ao preceito, a LC 116/2003 dispõe em seu artigo 1º, parágrafo 2º, que, para evitar conflitos, os serviços constantes da lista, salvo exceções expressas, não se sujeitam ao ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias. É justamente esse o caso da impressão gráfica em embalagens produzidas sob encomenda para posterior comercialização de outros produtos. Vê-se, portanto, que o novo comando cria hipótese de incidência do ICMS e afasta a incidência do ISS, contrariando a reserva legal a que submetidas a criação e majoração de tributos.
É imprescindível, portanto, que o Supremo redobre a cautela na utilização da integração conforme a Constituição. Como se viu, a técnica está inserida em um campo delicado da atuação da Corte, e chama a atenção para a necessidade de se rediscutir os limites da atividade jurisdicional nesses casos, bem como de se repensar, como já vem sendo feito por parte da doutrina, o modelo atual de diálogo institucional entre os Poderes constituídos.
Marina Corrêa Xavier
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