"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Corrupção, cassações e partidos


A corrupção é um risco inerente da democracia. Não há sistema, regime ou instrumento político perfeito que seja capaz de conter, a priori, o ímpeto dos corruptos. 


Após a investidura no poder, os acenos da sereia da promiscuidade política são frequentes e reiterados; para não cair em tentação, é preciso o respeito a duas regras básicas comportamentais: decência e correção. Nada mais. Para os honestos, isso não passa de absoluta normalidade, algo corriqueiro e cotidiano. 


Afinal, quem é decente não se mete em negócios escusos; e, quem é correto bem sabe que a desonestidade é um caminho sem volta. Mas por que será que tanta gente insiste em vestir o véu queimado da corrupção?


Vamos iniciar com um dado singular e não menos importante. Em recente matéria jornalística, foi apurado que, desde de 2008, já houve a cassação de 274 prefeitos, o equivalente a praticamente 5% das municipalidades brasileiras. Acredita-se que até o fim da atual legislatura, o número de cassações irá substancialmente aumentar. 


Das condenações computadas, 38,1% se referem a casos de improbidade administrativa, ou seja, situações em que moralidade pública foi transformada em simples ornamento de decoração para a festa do ilícito enriquecimento pessoal, direto ou indireto. 


Em outras palavras, a lei, que deve ser alta e cogente, foi colocada de joelhos, humilhada em sua forma, subjugada em seu conteúdo. Por que e para quê?


Ora, não se trata apenas de uma crença na impunidade de políticos que pensam que são deuses; a origem do problema é outra e mais profunda. O fato é que inexiste política digna com partidos frágeis. A tibieza partidária é a raiz da corrupção. 


Se as agremiações políticas fossem instituições sérias, com princípios firmes, programas definidos e com uma visão comprometida de bem-comum, bem saberiam que tais desideratos públicos somente podem ser alcançados com homens e mulheres fielmente engajados em tal linha de ação. 


Ocorre que a vocação política foi substituída pelo profissionalismo de interesses que veio a transformar o jogo do poder em um lucrativo negócio em favor de maiorias parlamentares eventuais. 


E aí, vale tudo e mais um pouco: alianças espúrias, favorecimentos, fraudes, mentiras e a mais absoluta falta de vergonha na cara. Infelizmente, isso só é possível porque os partidos abandonaram seu papel fundamental de filtrar a honra dos aspirantes à vida pública; hoje em dia, o que importa é apenas a capacidade do camarada atrair dinheiro e, com isso, patrocinar o espetáculo da busca desenfreada por votos. 


E, nesse teatro do poder, o ocaso político brasileiro é resultado direto e imediato do empobrecimento institucional dos partidos.


Por outro lado, não há dúvida de que a publicidade das cassações é um sinal de que o sistema está a se depurar. Se a desonestidade é lamentável, seria muito pior se o pus da infecção ficasse instalado, irradiando suas consequências deletérias. 


É claro que mudanças ainda haverão de ocorrer, especialmente no que tange ao sistema recursal que permite ao acusado subverter as instituições processuais para ganhar tempo e ficar no poder no curso do processo. 


Para tanto, talvez seja preciso garantir, após o julgamento de 2º grau, o imediato cumprimento das decisões; assim fazendo, prestigiaríamos o judicioso trabalho das Cortes ordinárias e evitaríamos que o hiato intertemporal servisse de prêmio à protelação e à chicana processual. 


Em outras palavras, se não quisermos reduzir os recursos, em face dos riscos potenciais de lesão à ampla defesa, será preciso garantir a eficácia das decisões dos juízes de origem que, após o conhecimento dos fatos e das provas, firmaram soberanamente sua convicção.


Aliás, será que uma decisão condenatória, confirmada pelo órgão colegiado respectivo, não geraria uma firme presunção de que a improbidade existiu e que deve ser exemplarmente punida? 


Até que o ponto, portanto, o imediato afastamento do cargo não seria a medida que melhor preservaria o interesse público da moralidade e o próprio interesse privado do acusado, que teve oportunidade de defesa e viu sua tese ruir duplamente? 


Não seria esse o melhor equilíbrio normativo constitucional? Primeiro, enalteceríamos a presunção de inocência; depois, a dignidade das decisões da Justiça. Afinal, se não pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado, também não se pode dizer que o já condenado em duplo grau seja um anjo e que as decisões já proferidas sejam um nada. Ou será que pode?


Olha, no Brasil de hoje, pode tudo. E, quando tudo pode, não se pode esperar muita coisa.

Sebastião Ventura Pereira da Paixão Jr

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