"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Brasil: E agora, "companheiro"?

03/jul/2006  

A autora faz uma retrospectiva histórica da política brasileira, restaura o conteúdo e importância do tema patriotismo. Tecendo comentários sobre o cenário da atual política nacional, finaliza com uma indagação oportuna ao atual governo.

Iniciamos este nosso trabalho rememorando uma frase da grande escritora Clarice Lispector: "Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever”. Os rumos do Brasil hoje, nos parecem infrenes; as informações obtidas são desordenadas, as “verdades” se sustentam dentro de uma suspeita normalidade, embora, sob um olhar um pouco mais observador, seja possível avistar, sem muito esforço, o mais cínico embuste.

Tentamos construir um Estado Democrático de Direito, e, talvez, sequer chegamos a sê-lo. Saímos de uma ferrenha ditadura, e o país teve seu viés de esquerda, embora, repouse agora, tranqüilo em zona de conforto, que é a situação. E ao que nos parece, a situação é apolítica, e não sendo de direita, tampouco, de esquerda, sequer centrista, é tão-somente favorável, objeto de fruição, torna-se isenta de ideais verdadeiramente políticos.

Nós, o povo, elementos da nação, e o somos no sentido mais substancial e autêntico da palavra, pois, nação não traduz uma idéia cujo sentido tende a ser abstrato, porque os laços que nos unem são comuns, assim como também o são os ideais e aspirações, da mesma forma que se edificam como concretas e reais as necessidades sociais, o interesse no bem comum. E, este conjunto constituído por elementos humanos, ultrapassa os limites da família, do grupo ou da comunidade, e, por isto, forma o Estado. Darcy Azambuja nos coloca esta questão da seguinte forma: “Nação é muita coisa mais do que o povo, é uma comunidade de consciências, unidas por um sentimento complexo, indefinível e poderosíssimo: o patriotismo”. 

E, é justamente o tal “patriotismo”  que nos infere às dores e angústias do Estado, quando este nos descortina o caos. O resultado desta constatação, é a perda da identidade. O povo forma a nação, a nação forma o Estado, e se o Estado não possui seus elementos essenciais, não é Estado, e, conseqüentemente, deixamos de ser cidadãos.

Ao silenciarmos diante destas evidências, estaremos anuindo àqueles que nos roubam os princípios da cidadania, e numa mesma proporção deixaremos de ser sujeitos de direito diante do Estado; para assumirmos a posição de súditos de determinado governo, por simplesmente constituir um conjunto de indivíduos sujeitos às mesmas leis.

Os estudiosos do direito, ou seja, os jurisconsultos propagam que o exercício do “Direito” é um estado de luta, nunca de paz. Tanto que, as grandes conquistas humanas neste sentido advieram sempre pós-guerra. E, aqui, atribuímos à palavra “guerra” um caráter genérico, donde deriva todas as suas espécies: revoluções, insurreições, levantes e movimentos sócio-políticos, e porque não dizer, literários.

E, embora, o Brasil tenha se mantido essencialmente distante dos conflitos armados, outrora, já enfrentamos “politicamente” circunstâncias que descreviam uma legalidade “extraordinária”, onde os direitos individuais foram suspensos, as garantias cassadas, tornaram-se inexercitáveis, inexequíveis e a autoridade política do país revelou-se ditatorial. Foi em 13 de dezembro de 1968, que o Marechal e presidente Artur da Costa e Silva, promulgou o Ato Institucional nº 5 (AI-5).

Igualizado à Constituição, o AI-5 foi capaz de atribuir poderes questionáveis ao Presidente, tais como: Decretar o fechamento do Congresso Nacional. Todavia, inicia-se a abertura política, é o Presidente Emílio Garrastazu Médici , afeito aos slogans, lança um que retrata um ufanismo necessário e, que seria a face escusa de seu governo: "Brasil, ame-o ou deixe-o", esta era a fachada dos anos mais duros do governo militar, onde e quando, qualquer manifestação contrária ao governo era considerada perigosa.

Tempos depois, Médici é sucedido por Ernesto Geisel, que ciente de que já não havia mais possibilidade de saída sem crise, resolve iniciar uma “abertura política institucional” - “lenta, gradual e segura”, segundo suas próprias palavras, proferidas em seu discurso de posse. Enfim, foram quatro décadas gestando a tão esperada “democracia”, daí porque, não nos parece justo deixa-la falecer por inanição.

Sim, estamos famintos da real democracia, democracia que encerra em si o exercício verdadeiro da cidadania, donde cidadania está além do ‘vago direito’ de eleger quem nos faz promessas, e eqüidistante da faculdade de ser mais um promissor entre os eleitos; deve sim corresponder à contrapartida de desconstituir a autoridade daquele que não se compromete com o ideal comum, que lança mão da “coisa pública” e, que se caracteriza, a posteriori, como mero descumpridor de promessas, sem que haja qualquer sanção, como se o engodo eleitoral estivesse caracterizado tão-só como falta moral, e estando a moral na ordem intrínseca, não sujeita à ordem jurídica, torna seu compromisso facultativo, como se a dignidade política fosse uma opção pessoal, não um requisito necessário e elementar aos cargos ou funções representativas de governo.

O povo brasileiro tem sido vítima daquele sentimento indefinível, ouso dizer, inapartável, que Darcy Azambuja define como “patriotismo”, e, desde de há muito tempo tem sido credor de obrigações assumidas, porém, nunca satisfeitas.

Já tivemos campanhas homéricas, em que todos participamos incondicionalmente, sem restrições ou questionamentos, tais como: a campanha promovida pelos “Diários Associados”, sob o título de vigília cívica, que foi lançada nos primeiros anos dos governos militares, quando o governo federal lançou-se em uma cruzada pela arrecadação de fundos, referida campanha denominou-se singelamente: “Ouro para o bem do Brasil". Iniciada aos 13 de junho de 1964, assim, há exatamente 42 anos atrás, foram recolhidos e doados ao Brasil, só em São Paulo, cerca de 400 quilos de ouro e meio bilhão de cruzeiros à época.

Momento em que a comoção geral angariava fundos; os populares doaram objetos de ouro de uso pessoal, tais como alianças, anéis e outros, e receberam em troca uma aliança de metal, com os dizeres: “Legionários da Democracia”.  Os fatos demonstram que talvez, todo este ‘ouro’ não tenha feito bem para o Brasil, posto que, a nossa situação atual permanece precária, mas, com toda certeza, fizemos um bem enorme a alguns brasileiros.

Mas, nem tudo foi submissão ou ilusionismo em terras Tupiniquins. Houveram conquistas factuais, “lutamos” bravamente pela Democracia e heroicamente por nossa liberdade; fomos às ruas num movimento cívico de reivindicação por eleições presidenciais diretas no Brasil, em 1984,chamado: “Diretas já!”.

Embora desacreditado, e, pela primeira vez partindo do nordeste do país, nasce o movimento que mudaria a “cara”, e, aparentemente, a índole do Brasil. Em 31 de março de 1983, no Município de Abreu Lima, em Pernambuco, surge aquela que seria a ação inaugural deste movimento; que mais tarde, passo a passo e, dia por dia, iria tomando conta e maior fôlego no resto do país. E, um ano mais tarde, se enceraria com uma concentração de aproximadamente 1,5 de pessoas, no Vale do Anhangabaú em São Paulo. Enfim, o povo foi às ruas, foi dizer não à ditadura, “não” ao governo militar de João Batista Figueiredo, foi dizer “sim” à democracia, e mais que tudo, consolidar a soberania da vontade popular.

Afinal, éramos nós, agora, conscientes de nossa cidadania. Éramos os mesmos, aqueles enfrentaram o Estado Novo instituído por Getúlio Vargas em 10 de novembro de 1937, que ao fechar o Congresso Nacional, impôs ao país uma nova Constituição, conhecida como: "Polaca", por ter se inspirado na Constituição da Polônia, de tendência fascista; éramos aqueles que em 1964 sentiu pungir o golpe militar, e agonizou por 20 anos os venenos amargos da ditadura, em um silêncio que vinha do exílio, à vista de uma verdade crivada pela censura.

Nossos passos de retomada à democracia foram lentos, não acovardados, porém, temerosos. Contudo, não mais que repente, surge neste cenário histórico Tancredo de Almeida Neves, que, embora eleito por via indireta, representava o primeiro presidente civil, e isto naquele momento nos bastava, estar à distância das forças e longínquos das armas. Todavia, pouco durou nossa alegria, em linguagem popular: ‘Tancredo deixava a vida, e nem sabemos ao certo, se de morte matada ou de morte morrida’. A comoção geral assolou o Brasil, desta feita, éramos nós enlutados, órfãos pai, sem lenço, documento ou cidadania.

Finalmente, em 1990, os “bons” ventos sopraram, e sobe a rampa do Planalto Fernando Collor de Mello, primeiro presidente civil eleito por via direita, desde 1960, nos termos da Constituição de 1988, e que derrotou no segundo turno da eleição, Luiz Inácio "Lula" da Silva. Tendo como bandeira uma tal modernização econômica e a uma entusiasta reforma administrativa, trouxe à baila o neologismo da recessão ao lançar seu programa de estabilização, inaugurando no Brasil o “confisco monetário” . O governo Collor trouxe não só esta, como outras “boas novas”, nos tornamos um povo politizado, pois, antes dele, não conhecíamos ou havíamos experimentado o Impeachment.

O governo Collor foi um episódio inusitado na historia do Brasil, foi marcado por situações que até então, achávamos que eram escândalos políticos inadmissíveis, quando não, intoleráveis (tráfico de influência, irregularidades financeiras, corrupção).Posto que, não havíamos adentrado à “Era Lula” de governo.

Lula, eleito em 2003, por maioria absoluta dos votos, numa das eleições que decididamente marcaria a história política não só do Brasil e da América Latina, como também, universal. Era finalmente alguém do povo, governando o povo. Sentíamo-nos como se, derradeiramente, conseguíssemos saber qual era o rumo do barco na tempestade, porque conhecíamos o timoneiro, sabemos quem ele era. A vitória de Lula em 2003; foi a festa cívica mais exuberante do país, o eleitorado em peso nas ruas, em todos os cantos e recantos do Brasil, em qualquer que fosse o “cafundó”, havia lá, um cidadão, um brasileiro, orgulhoso de haver contribuído “democraticamente” para com aquele êxtase de alegria e fé.

Mas, porém, as coisas não continuaram ‘tudo como d’antes no quartel de Abrantes’, tampouco, foram melhores, do que se viu no percurso da historia ou nos arredores de escorços governos. A agora, a festa acabou, e advieram os escândalos, e, estes são tantos quantos os de uma dama desvairada. E nada mais nos deixa atônitos, e o sonho político tomou feição de emboscada.

Em tempo “Record” tivemos um “mix” de usurpação, seus ingredientes [?]: um punhado de propina; uma farta dose de corrupção; um Dirceu que não é dócil como o de Marília, mas, que em contrapartida, conhece bem certas medidas: provisórias, imediatas, urgentes ou definitivas, e com raspas dos cofres público, doou dinheiro todos os dias, sob o título de ‘mensalão’. Tivemos grandes obras, passarela de dinheiro intruso, bolsas, malas, e cuecas, transitavam no Valerioduto. Cartões de crédito corporativos, fundo de pensões que restaram quase sem fundos. E sem contar o “Severino” que não montou uma “butique”, mas, com certeza, viu a vida melhorar.

Diante de tanta indignação, pouco há o que se falar. Onde está o presidente [?], cujo slogan era: Lula lá! E agora, sem medo de ser feliz... parafraseando o grande poeta, Carlos Drummond de Andrade, ouso perguntar: “E agora, José? , E agora, Luiz? E agora, Companheiro? Brasil, no que isto vai dar!?


Suzana J. de Oliveira Carmo

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