“O sistema alemão, que junta eleições majoritárias e
proporcionais para compor um Parlamento em que os partidos têm representação
ajustada aos votos que receberam, pode ser adaptado ao Brasil, mantendo sua
essência”
As discussões sobre a reforma política e eleitoral deveriam
ser feitas em bloco, sem fatiar os temas como se fossem independentes. O debate
segmentado fica capenga e é prejudicado quando, por exemplo, discute-se
financiamento de campanha ou o tempo de televisão sem considerar se as eleições
para deputados serão proporcionais ou majoritárias e, nesse caso, qual o
tamanho do distrito. Nem mesmo financiamento da campanha e tempo de TV deveriam
ser assuntos discutidos separadamente.
Há uma forte relação entre os temas da reforma política, em
vários outros aspectos. Se as eleições são simultâneas ou de dois em dois anos,
isso se reflete no financiamento, no tempo de televisão, na lista aberta ou
fechada e por aí adiante. Muitas outras escolhas acerca da reforma política e
eleitoral deveriam estar submetidas à definição sobre o modelo para eleger
deputados e vereadores.
A eleição de deputados e vereadores pode ser proporcional,
como no Brasil, ou majoritária, como nos Estados Unidos, na Inglaterra e no
Canadá. No primeiro caso, a votação que cada partido ou coligação obtém define
o número de candidatos que elegerá. Na eleição majoritária, são eleitos os mais
votados em cada circunscrição, independentemente de proporcionalidade na
composição da casa parlamentar.
O voto majoritário, conhecido como distrital, distorce a
representação popular, pois o número de votos que cada partido recebe não se
reflete na composição do Parlamento. O resultado disso é que os partidos
maiores são beneficiados e os menores são prejudicados, levando a que na
prática haja apenas dois partidos, como nos Estados Unidos, ou apenas três ou
quatro, como em outros países que adotam o sistema distrital. Os partidos que
não conseguem ser majoritários em nenhum distrito desaparecem, mesmo que
representem parcelas significativas, mas minoritárias, do eleitorado.
É fácil entender a distorção provocada pelo voto distrital:
o candidato A, do Partido Y, tem 50 mil votos no distrito Amarelo, derrotando o
candidato B, do Partido Z, que obtém 49 mil votos. No distrito Azul, o
candidato C, do Partido Y, recebe 45 mil votos e o candidato D, do Partido Z,
tem 44 mil votos. O Partido Z perde nos dois distritos por dois mil votos apenas.
O Partido Y, assim, teve 95 mil votos (50,53%) e o Partido Z
teve 93 mil (49,47%) nos dois distritos, praticamente empatados. Mas o Partido
Y elege dois deputados e o Partido Z não elege ninguém. Em um sistema de
eleição proporcional, cada partido elegeria um deputado. O segundo colocado em
todos os distritos pode ficar sem representação mesmo se somar 49,9% dos votos
no país.
Para simplificar, vale o exemplo das últimas eleições
parlamentares no Canadá, em que foram eleitos 308 deputados em 308 distritos
eleitorais, cada um com cerca de 110 mil habitantes. O Partido Conservador teve
39,62% dos votos e elegeu 54% dos deputados (166). O Novo Partido Democrático,
social-democrata, recebeu 30,62% dos votos e elegeu 33% dos deputados (102). No
sistema proporcional, o Partido Conservador elegeria 122 deputados e o NPD
elegeria 94 parlamentares.
Esses dois partidos ganharam deputados à custa do Partido
Liberal, que elegeu 35, mas deveria ter 58 cadeiras, do Bloco de Quebec, que
elegeu quatro quando deveria ter elegido 18 e do Partido Verde, que elegeu
apenas um deputado, mas que pelo sistema proporcional teria 12.
O sistema distrital tem vantagens: os eleitos estão mais
próximos de seus eleitores, quando o distrito eleitoral não é muito grande, e
as campanhas são mais baratas, pois o território a ser abrangido pelos
candidatos é menor do que todo um município ou todo um estado. Como cada
partido apresenta um candidato por distrito, há também maior identificação
entre os eleitores e os partidos
O sistema proporcional tem a vantagem de assegurar a
representação de cada partido de acordo com a votação obtida (desde que
superada a cláusula de barreira, onde ela existe), mas também tem desvantagens:
com a lista aberta, o eleitor vota em um candidato e pode eleger outro e não há
relação próxima entre quem vota e quem é eleito. No sistema de lista fechada, a
não ser onde é possível ao eleitor reordená-la, vota-se no partido e não nos
candidatos.
Com a lista aberta, cada candidato disputa o voto com
colegas do mesmo partido, pois são eleitos os mais votados de cada chapa. Com a
lista fechada, o voto é no partido, que define previamente a ordem de
colocação. A campanha é mais dispendiosa no processo de lista aberta, pois cada
candidato disputa o voto do eleitor. Na campanha com lista fechada, é o partido
que faz campanha e não cada candidato. A lista fechada é mais coerente com o
financiamento público e por pessoas físicas.
Os alemães conseguiram juntar os dois sistemas, majoritário
e proporcional, em um que é conhecido no Brasil como “distrital misto”, mas que
na verdade é proporcional com eleição parcialmente majoritária. Não é perfeito,
como nenhum é, mas tem mais vantagens que desvantagens e poderia ser aplicado
no Brasil. Na Alemanha funciona com o voto em lista fechada, mas há países em
que o eleitor pode mudar a ordem definida por cada partido e há outros em que
essa ordem é decidida em eleições prévias partidárias, e não pelos caciques de
cada organização.
O sistema alemão, que junta eleições majoritárias e
proporcionais para compor um Parlamento em que os partidos têm representação
ajustada aos votos que receberam, pode ser adaptado ao Brasil, mantendo sua
essência. Aqui a lista pode ser aberta, ou reordenada, por exemplo. Ou os
distritos podem ser maiores e podem ser eleitos mais deputados em cada um
deles.
Nenhum comentário:
Postar um comentário