“São reformas com viés fiscal e liberal, que prejudicam os mais pobres – ou os que dependem de salário ou de benefícios previdenciário ou assistencial – preservando de qualquer sacrifício daqueles que vivem de renda. Aliás se tira daqueles para favorecer estes”
ANTÔNIO AUGUSTO DE QUEIROZ
As reformas trabalhista e da Previdência, que estão sob
exame do Congresso Nacional, podem até ser necessárias, mas no formato proposto
são uma ameaça ao estado de proteção social e significarão um enorme retrocesso
civilizatório, conforme veremos a seguir.
A trabalhista, já aprovada na Câmara e sob exame do Senado,
tramita sob o número de PLC (Projeto de Lei da Câmara) nº 38/17. O texto
representa a mais abrangente investida sobre os direitos dos trabalhadores,
desde a promulgação da CLT, em 1943.
O PLC 38/17 promove um verdadeiro desmonte da legislação
trabalhista, atacando as três fontes do Direito do Trabalho:
1) a lei, em sentido amplo, que inclui a Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias e os tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
2) a Sentença Normativa, que são as decisões em sede de Poder Normativo adotadas pelos Tribunais do Trabalho; e
3) a negociação coletiva.
1) a lei, em sentido amplo, que inclui a Constituição, as leis complementares, as leis ordinárias e os tratados internacionais subscritos pelo Brasil, como as Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT);
2) a Sentença Normativa, que são as decisões em sede de Poder Normativo adotadas pelos Tribunais do Trabalho; e
3) a negociação coletiva.
No primeiro caso estabelece a prevalência do negociado sobre
o legislado, retirando da lei sua condição de norma de ordem pública e caráter
irrenunciável, autorizando a transação de todo e qualquer direito assegurado,
mesmo que em prejuízo da parte mais fraca econômica, social e politicamente na
relação de negociação.
No segundo, restringe o acesso do trabalhador à Justiça do
Trabalho, inclusive limitando a prescrição constitucional, e impede que a
Justiça do Trabalho possa fazer uso de seu poder normativo para impor normas e
condições ao empregador, além de onerar o empregado que resolver demandar
judicialmente.
E, no terceiro, debilita, política e financeiramente, o
movimento sindical, retirando dele recursos e prerrogativas de representação, e
autoriza a negociação coletiva para reduzir direitos, inclusive com o acordo se
sobrepondo à convenção, mesmo que menos vantajoso. Além disso, permite a
negociação direta entre patrões e empregados, desde que o trabalhador tenha
nível superior e tenha ganho dois tetos do Instituto Nacional do Seguro Social
(INSS), algo como R$ 11.000,00.
Os trabalhadores e suas entidades, conforme documenta o
Dieese, não se opõem à atualização e modernização do sistema de relações de
trabalho brasileiras, mas exigem que sejam observados os seguintes princípios e
adotadas regras de combate a práticas antissindicais, sem o cumprimento dos
quais, qualquer mudança poderá resultar em precarização:
1. incentivar o diálogo e soluções compartilhadas;
2. valorizar e incentivar a negociação coletiva em todos os
níveis (chão da fábrica, local, setorial e nacional);
3. fortalecer a representatividade sindical desde o local de
trabalho;
4. promover a solução ágil de conflitos;
5. assegurar segurança jurídica aos trabalhadores e
empregadores (públicos e privados);
6. orientar a harmonia e complementariedade entre o
legislado e o negociado; e
7. favorecer aprimoramento e/ou mudanças de processos,
procedimentos e organização com caráter voluntário e incentivo para a adesão
das partes.
A reforma da previdência, por sua vez, está aguardando
votação em dois turnos no plenário da Câmara, após ter sido aprovada na
comissão especial. O texto, que tramita sob a forma da Proposta de Emenda à
Constituição – PEC 287/16, ataca, em prejuízo do segurado, os três fundamentos
do benefício previdenciário:
a) a idade mínima, que é aumentada;
b) o tempo de contribuição e a carência, que também são aumentados; e,
c) o valor do benefício, que é drasticamente reduzido.
a) a idade mínima, que é aumentada;
b) o tempo de contribuição e a carência, que também são aumentados; e,
c) o valor do benefício, que é drasticamente reduzido.
A reforma da previdência, se aprovada no formato proposto,
será a responsável por uma possível quebra da paz social no Brasil, em face da
quase impossibilidade, por força da ampliação das exigências, de acesso a
benefícios de importante contingente de segurados e idosos.
Apenas a título de ilustração, podemos mencionar quatro
situações:
1) ampliação do prazo de carência para acesso a benefício previdenciário, de 15 para 25 anos,
2) instituição de idade mínima para efeito de aposentadoria,
3) aposentadoria com integralidade da média apenas após 40 anos de contribuição, e
4) redução do acesso ao benefício de prestação continuada pelo idoso.
1) ampliação do prazo de carência para acesso a benefício previdenciário, de 15 para 25 anos,
2) instituição de idade mínima para efeito de aposentadoria,
3) aposentadoria com integralidade da média apenas após 40 anos de contribuição, e
4) redução do acesso ao benefício de prestação continuada pelo idoso.
A ampliação do prazo
de carência, de 180 meses (15 anos) para 300 meses (25 anos), caso já estivesse
em vigor, segundo as estatísticas do Instituto Nacional de Seguro Social
(INSS), apenas 24% dos atuais aposentados por idade estariam em gozo de
benefício, porque 76% do total de aposentados por idade não teriam comprovado
os 25 anos de carência.
Ainda em relação à carência, registre-se que pelo menos um
terço dos atuais segurados do INSS com idade igual ou superior a 55 não
atingiriam os 25 anos de contribuição ao completarem 65 anos de idade, levando
ao adiamento de suas aposentadorias para além dessa idade, comprometendo a
sobrevivência desse importante contingente de brasileiros.
A instituição de uma idade mínima – é mínima porque será
aumentada automaticamente sempre que houver aumento da expectativa de vida após
os 65 anos de idade – em respectivamente 65 para homens e 62 para mulheres, é
fundamentada no fato de que tem havido aumento da expectativa de sobrevida no
Brasil e que os países desenvolvidos já adotam idades semelhantes para efeito
de aposentadoria.
Essas mudanças, nos países desenvolvidos, foram antecedidas
de políticas pública, que possibilitam o trabalho do idoso em condições dignas,
com políticas públicas de capacitação continuada, de saúde ocupacional, de
melhoria no transporte público, entre outras, diferentemente do Brasil. Além
disso, nesses países a expectativa de vida é maior que a brasileira e a
expectativa de sobrevida com saúde é, igualmente, bem maior que no Brasil. A expectativa de vida com saúde no Brasil,
segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), é de 65,6, enquanto na Europa e nos países Nórdicos é,
em média, superior à brasileira em nove anos.
A exigência de 40 anos de contribuição efetiva para fazer
jus à integralidade da média de contribuição excluiria desse direito a
esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros, porque, também segundo
estatísticas do INSS, para cada doze meses, o segurado do INSS comprova 9,1 (em
razão do desemprego e da informalidade) e para comprovar 40 anos de
contribuição teria que estar em atividade pelo menos 54 anos, só garantindo o
direito a esse benéfico aos 72 anos, e, ainda assim, se começasse a trabalhar
aos 18.
Quanto aos Benefícios de Prestação Continuada (BPC),
propõe-se o aumento de 65 para 68 anos de idade para acesso ao benefício, no
valor de um salário mínimo, para idosos cuja renda média per capita seja
inferior a um quarto de salário mínimo, considerando todos os rendimentos
brutos auferidos por todos os membros da família, inclusive o próprio BPC. O
aumento da idade, combinado com a inclusão de benefício de outro idoso na
renda, irá excluir milhares de idosos do acesso ao BPC.
Além disso, a reforma da previdência também dá uma mãozinha
para os patrões, permitindo que os aposentados que continuaram trabalhando
possam ser demitidos sem recebimento da multa do FGTS. Altera o artigo 10 das
Disposições Gerais da Constituição para dar esse presente aos patrões.
São reformas com viés fiscal e liberal, que prejudicam os
mais pobres – ou os que dependem de salário ou de benefícios previdenciário ou
assistencial – preservando de qualquer sacrifício daqueles que vivem de renda.
Aliás se tira daqueles para favorecer estes. Se há necessidade de ajustes, que
os sacrifícios deles decorrentes sejam distribuídos de forma proporcional à
capacidade contributiva de cada brasileiro. Escolher como variável de ajuste
apenas os que dependem de salário, de aposentadoria ou de prestação do Estado
não é uma medida de justiça. Isso os parlamentares precisam saber!
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