"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Supremo Tribunal, supremos problemas



Antes da posse, o ministro vai ao Senado. Só elogios. Une-se aí ao empreguista STF, com 235 recepcionistas, vira celebridade. E “lê” milhares de casos ao ano.

Ao longo da história republicana, a atuação do Supremo Tribunal Federal esteve, quase sempre, em desacordo com valores democráticos.

Em um país como o nosso, de uma enraizada cultura autoritária, a omissão do STF foi perversa. Basta recordar o silêncio cúmplice com relação às graves violações dos direitos humanos durante o Estado Novo e durante a ditadura militar.

Em vez de o STF ser uma espécie de tribunal da cidadania, ele foi, neste mais de um século de vida, um instrumento de desprezo da ordem democrática. Fui também um elemento de reforço da impunidade, doença maligna que permeia o cotidiano brasileiro.

A Constituição de 1988 atribuiu ao STF um conjunto de competências. Ele foi transformado, na prática, em um tribunal de última instância, quando a sua função deveria ser estritamente interpretar o texto constitucional.

Assim, só em 2011 a Corte teve 102 mil decisões, das quais 89 mil foram monocráticas, ou seja, tomadas por apenas um ministro. Dentre essas, 36.754 foram exclusivamente do presidente do STF.

Mesmo com a existência da súmula vinculante, causa estranheza que um só ministro tenha proferido tantas decisões.

Imagine o leitor que se um processo tenha, em média, cem folhas -algo que, para os nossos padrões, caracterizado pela prolixidade, é considerado curto- e que o presidente tenha julgado originalmente somente um terço dos processos, cerca de dez mil, para facilitar as contas. Ele teria de ler 1 milhão de folhas. Será que leu?

O STF tem muitos outros problemas. Um deles é a escolha dos ministros, uma prerrogativa constitucional do presidente da República.

Cabe ao Senado aprová-la. As sabatinas exemplificam muito bem o descaso com a nomeação. Todos são aprovados sem que se conheça o que pensam. São elogiados de tal forma pelos senadores que fica a impressão que estão, com antecedência, desejando obter a simpatia dos futuros ministros frente a um eventual processo. Em síntese: as sabatinas são uma farsa e desmoralizam tanto o Senado como o STF.
No Brasil, estranhamente, os ministros acabaram virando celebridades. Dão entrevistas a toda hora e sobre qualquer assunto.

Um deles chegou a “abrir sua casa” para uma reportagem e tirou uma foto deitado na cama ao lado da sua esposa! Tem ministro poeta, outro é empresário de ensino, tem ministro que foi reprovado em concurso para juiz -duas vezes, e mesmo assim foi alçado ao posto maior da carreira, mas sem concurso, claro-, tem ministro que chegou lá devido à sorte de quem era vizinho da sua mãe. Pior ainda são aqueles que ficam alguns anos como ministros e retornam à advocacia, usando como grife a passagem pelo Supremo.

O STF padece também de um velha doença nacional: o empreguismo. São quase 3.000 funcionários, entre efetivos e terceirizados. Não é improvável que, se todos comparecerem no mesmo dia ao trabalho, as instalações da Corte não sejam suficientes para abrigá-los.

Como são 11 ministros, a média é de 272 funcionários para cada um. E o mais estranho são funcionários que não estão diretamente vinculados à função precípua de julgar, como as 235 recepcionistas e os 403 seguranças -deve ser a Corte mais segura do mundo.

Essa estrutura custa para a União uma bagatela da ordem de R$ 500 milhões ao ano.

Um bom momento para o STF reencontrar a cidadania é o julgamento do mensalão. Poderemos assistir como cada um dos 11 ministros vai agir. Pode ser que, finalmente, a Corte rompa com seu triste passado de conluio com o Executivo e seja um instrumento de defesa dos valores democráticos.


Marco Antonio Villa

As monarquias planejam seus Chefes de Estado



A EDUCAÇÃO DE DOM PEDRO II

Todos sabem que a vida do Imperador Dom Pedro II, deixada de lado qualquer consideração favorável ou desfavorável à Monarquia, foi marcada pelos bons exemplos, a ponto de afirmar-se ter sido ele "o sucessor de Marco Aurélio". O que poucos sabem é que Dom Pedro tornou-se órfão com poucos anos de vida, sendo criado por tutores designados pela Assembléia brasileira - José Bonifácio de Andrada e Silva e pelo Marquês de Itanhaém -, os quais imprimiram ao jovem príncipe a melhor educação humanista possível de ser ministrada na época, o início do Século XIX. Coube ao segundo dos tutores, Manoel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho, fixar em "Instrucções" os princípios a observar na educação do príncipe, o que ele fez a 2 de dezembro de 1838, redigindo um texto ainda hoje um modelo a observar para quantos desejam cercar a formação dos jovens dos cuidados que asseguram a maturidade e seu perfeito desenvolvimento. Resumindo as "Instrucções" do Marquês de Itanhaém, e modernizando a grafia do Português da época, eis as recomendações que a História prova terem sido observadas à risca, porque a vida de Dom Pedro II foi a própria comprovação de que aprendeu as lições.
Deputado Cunha Bueno



"Instruções para serem observadas pelos Mestres do Imperador na Educação Literária e Moral do Mesmo Augusto Senhor. ".

Artigo 1.
Conhece-te a ti mesmo. Esta máxima... servirá de base ao sistema de educação do Imperador, e uma base da qual os Mestres deverão tirar precisamente todos os corolários, que formem um corpo completo de doutrinas, cujo estudo possa dar ao Imperador idéias exatas de todas as coisas, a fim de que Ele, discernindo sempre do falso o verdadeiro, venha em último resultado a compreender bem o que é a dignidade da espécie humana, ante a qual o Monarca é sempre homem, sem diferença natural de qualquer outro indivíduo humano, posto que sua categoria civil o eleve acima de todas as condições sociais.

Artigo 2.
Em seguimento, os Mestres, apresentando ao Seu Augusto Discípulo este planeta que se chama terra, onde nasce, vive e morre o homem, lhe irão indicando ao mesmo tempo as relações que existem entre a humanidade e a natureza em geral, para que o Imperador, conhecendo perfeitamente a força da natureza social, venha a sentir, sem o querer mesmo, aquela necessidade absoluta de ser um Monarca bom, sábio e justo, fazendo-se garbo de ser o amigo fiel dos Representantes da Nação e o companheiro de todas as influências e homens de bem do Pais.

Artigo 3. Farão igualmente os Mestres ver ao Imperador que a tirania, a violência da espada e o derramamento de sangue nunca fizeram bem a pessoa alguma...

Artigo 4.
Aqui deverão os Mestres se desvelar para mostrarem ao Imperador palpavelmente o acordo e harmonia da Religião com a Política, e de ambas com todas as ciências; porquanto, se a física estabelece a famosa lei da resistência na impenetrabilidade dos corpos, é verdade também que a moral funda ao mesmo tempo a tolerância e o mútuo perdão das injúrias, defeitos e erros; essa tolerância ou mútuo perdão, sobre revelar a perfeição do Cristianismo, revela também os quilates das almas boas nas relações de civilidade entre todos os povos, seja qual for sua religião e a forma do seu governo...

Artigo 5.
Lembrem-se pois os Mestres que o Imperador é homem; e partindo sempre dessa idéia fixa, tratem de lhe dar conhecimentos exatos e reais das coisas, sem gastarem o tempo com palavras e palavrões que ostentam uma erudição estéril e prejudicial, pois de outra forma virá o seu discípulo a cair no vicio que o Nosso Divino Redentor tanto combateu no Evangelho, quando clamava contra os doutores que invertiam e desfiguravam a lei, enganando as viúvas e aos homens ignorantes com discursos compridos e longas orações, e se impondo de sábios, embora sendo apenas uns pedantes faladores.

Artigo 6.
Em conseqüência os Mestres não façam o Imperador decorar um montão de palavras ou um dicionário de vocábulos sem significação, porque a educação literária não consiste decerto nas regras da gramática nem na arte de saber por meio das letras; em conseqüência os Mestres devem limitar-se a fazer com que o Imperador conheça perfeitamente cada objeto de qualquer idéia enunciada na pronunciação de cada vocábulo...

Artigo 7.
Julgo portanto inútil dizer que as preliminares de qualquer ciência devem conter-se em muito poucas regras, assim como os axiomas e doutrinas gerais. Os Mestres não gastem o tempo com teses nem mortifiquem a memória do seu discípulo com sentenças abstratas; mas descendo logo às hipóteses, classifiquem as coisas e idéias, de maneira que o Imperador, sem abraçar nunca a nuvem por Juno, compreenda bem que o pão é pão e o queijo é queijo.

Assim, por exemplo, tratando das virtudes e vícios, o Mestre de Ciências Morais deverá classificar todas as ações filhas da soberba distinguindo-as sempre de todas as ações opostas que são filhas da humildade. E não basta ensinar ao Imperador que ohomem não deve ser soberbo, mas é preciso indicar-lhe cada ação, onda exista a soberba, pois se assim não o fizer, bem pode acontecer que o Monarca venha para o futuro a praticar muitos atos de arrogância e altivez, supondo mesmo que tenha feito ações meritórias e dignas de louvor, e isto por não ter, em tempo, sabido conhecer a diferença entre a soberba e a humildade.

Artigo 8.
Da mesma sorte, tratando-se das potências e das forças delas, o Mestre de ciências físicas fará uma resenha de todos os corpos computando os grãos de força que tem cada um deles, para que venha o Imperador a compreender que o poder monárquico se limita ao estudo e observância das leis da Natureza... e que o Monarca é sempre homem e um homem tão sujeito, que nada pode contra as leis da Natureza feitas por Deus em todos os corpos, e em todos os espíritos.

Artigo 9.
Em seguimento ensinarão os Mestres ao Imperador que todos os deveres do Monarca se reduzem a sempre animar a Indústria, a Agricultura, o Comércio e as Artes; e que tudo isto só se pode conseguir estudando o mesmo Imperador, de dia e de noite, as ciências todas, das quais o primeiro e principal objeto é sempre o corpo e a alma do homem; vindo portanto a achar-se a Política e a Religião no amor dos homens. E o amor dos homens é que é o fim de todas as ciências; pois sem elas, em vez de promoverem a existência feliz da humanidade, ao contrário promovem a morte.

Artigo 10.
Entendam-me porém os Mestres do Imperador. Eu quero que o meu Augusto Pupilo seja um sábio consumado e profundamente versado em todas as ciências e artes e até mesmo nos ofícios mecânicos, para que ele saiba amar o trabalho como principio de todas as virtudes, e saiba igualmente honrar os homens laboriosos e úteis ao Estado. Mas não quererei decerto que Ele se faça um literato supersticioso para não gastar o tempo em discussões teológicas como o Imperador Justiniano; nem que seja um político frenético para não prodigalizar o dinheiro e o sangue dos brasileiros em conquistas e guerras e construção de edifícios de luxo, como fazia Luís XIV na França, todo absorvido nas idéias de grandeza; pois bem pode ser um grande Monarca o Senhor D. Pedro II sendo justo, sábio, honrado e virtuoso e amante da felicidade de seus súditos, sem ter precisão alguma de vexar os povos com tiranias e violentas extorsões de dinheiro e sangue.

Artigo 11.
Sobretudo, recomendo muito aos Mestres do Imperador, hajam de observar quanto Ele é talentoso e dócil de gênio e de muita boa índole. Assim não custa nada encaminhar-lhe o entendimento sempre para o bem e verdade, uma vez que os Mestres em suas classes respectivas tenham com efeito idéias exatas da verdade e do bem, para que as possam transmitir e inspirar ao seu Augusto Discípulo.

Eu não cessarei de repetir aos Mestres que não olhem para os livros das Escolas, mas tão somente para o livro da Natureza, corpo e alma do homem; porque fora disto só pode haver ciência de papagaio ou de menino de escola, mas não verdade nem conhecimento exato das coisas, dos homens, e de Deus.

Artigo 12.
Finalmente, não deixarão os Mestres do Imperador de lhe repetir todos os dias que um Monarca, toda a vez que não cuida seriamente dos deveres do trono, vem sempre a ser vitima dos erros, caprichos e iniqüidades dos seus ministros, cujos erros, caprichos e iniqüidades são sempre a origem das revoluções e guerras civis; e então paga o justo pelos pecadores, e o Monarca é que padece, enquanto que seus ministros sempre ficam rindo-se e cheios de dinheiro e de toda sorte de comodidades. Por isso cumpre absolutamente ao Monarca ler com atenção todos os jornais e periódicos da Corte e das Províncias e, além disto, receber com atenção todas as queixas e representações que qualquer pessoa lhe fizer contra os ministros de Estado, pois só tendo conhecimento da vida pública e privada de cada um dos seus ministros e Agentes é que cuidará da Nação. Eu cuido que não é necessário desenvolver mais amplamente estas Instruções na certeza de que cada um dos Mestres do Imperador lhe adicionará tudo quanto lhe ditarem as circunstâncias à proporção das doutrinas que no momento ensinarem. E confio grandemente na sabedoria e prudência do Muito Respeitável Senhor Padre Mestre Frei Pedro de Santa Mariana, que devendo ele presidir sempre a todos os atos letivos de Imperador como seu Aio e Primeiro Preceptor, seja o encarregado de pôr em prática estas Instruções, uniformizando o sistema da educação do Senhor Dom Pedro II, de acordo com todos os outros Mestres do Mesmo Augusto Senhor".

Paço da Boa Vista no Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1838

Marquês de Itanhaém - Tutor da Família Imperial

Gastão Reis

terça-feira, 10 de julho de 2012

Por que a rainha é importante?


Por seis décadas, coube a Elizabeth II influenciar sem governar; enquanto Thatcher se negava a condenar o apartheid, por exemplo, a monarca defendia um mundo multirracial

Um reinado de 60 anos: período que incluiu 12 presidentes americanos, 6 papas, 12 primeiros-ministros britânicos - começando com Winston Churchill -, a queda do muro de Berlim, a dissolução da União Soviética, a formação da União Europeia, o fim do Império Britânico e o crescimento de uma Comunidade Britânica multirracial.

O que a Rainha Elizabeth II fez, entretanto, foi reinar, não governar: a marca estabelecida por ela não está na esfera do governo. A monarquia moderna não dá início a guerras nem molda as políticas domésticas. Assim, enquanto a Grã-Bretanha e a Comunidade Britânica celebram seu jubileu de diamante, as pessoas começam a pensar nas perguntas inevitáveis: quais foram os feitos dela, afinal? Que diferença ela fez? Como devemos avaliar os anos dela no trono? Durante décadas do reinado da rainha, os governos britânicos se viram ocupados com a "gestão do declínio" - do império e da vitória na 2.ª Guerra para o status de potência intermediária. Neste período, a influência e o simbolismo da coroa se fizeram presentes em tudo. A rainha não se opôs a mudanças nem ajudou a Grã-Bretanha a evitá-las. Em vez disso, ela possibilitou a mudança sem desespero.

Sua permanência conferiu aos britânicos a confiança em si mesmos de que necessitaram. O poeta Philip Larkin disse-o bem: Numa época em que nada resistiu / Em que tudo piorou ou estranho se tornou / A bondade dela nunca nos traiu / A rainha jamais mudou.

Tudo isso é mesmo ótimo. Mas, depois de 60 anos, seria de se esperar mais. Houve alguma mudança que possa ser atribuída diretamente a ela? Em se tratando das monarquias modernas, a influência é mais facilmente detectada do que a ação - mas seu poder às vezes dura muito mais, especialmente diante da transição de império colonial para Comunidade Britânica cosmopolita. Como Princesa Elizabeth, ela visitou a Cidade do Cabo com os pais em 1947, pouco antes de o império se desfazer e a Comunidade Britânica moderna e multirracial vir à tona. Depois da viagem dela, num famoso discurso transmitido, ela anunciou o compromisso de sua vida, "seja ela curta ou longa", à família de países conhecida hoje como Comunidade Britânica.

Um ano mais tarde, o Partido Nacional Africâner chegou ao poder e os anos do apartheid tiveram início. É sabido que, durante a visita de 1947, o pai dela, George VI, ficou indignado diante da oposição das autoridades ao desejo dele de condecorar sul-africanos negros (ou não brancos, nos termos da época) pelo serviço prestado durante a guerra. Parece claro que a filha dele compreendeu sua atitude e concordou com ela.

Esse compromisso primário com a natureza multirracial do contexto da Comunidade Britânica emergente - em vez de uma tentativa revanchista por parte dos brancos para reafirmar sua mão firme no controle, por exemplo - foi mantido na consciência e no coração dela durante todo o seu reinado.

Sem ambiguidades. Não houve nenhum tipo de ambiguidade na contribuição dela para a transformação de um Império Britânico relativamente racista numa Comunidade sólida e multirracial.

A fotografia dela dançando com o presidente negro de Gana, Kwame Nkrumah, durante a celebração de independência daquele país em 1961, indignou os brancos sul-africanos. Não se tratou de uma afirmação de suas políticas, mas nem por isso a mensagem contida nesse gesto perdeu sua força diante dos milhões de cidadãos da Comunidade: a rainha estaria ao lado deles, independentemente de sua raça, etnia e nacionalidade.

Em outros momentos, a rainha telegrafou sua posição de maneiras menos públicas, mas não menos óbvias. Poucos sabem, por exemplo, o que a rainha diz nas audiências particulares semanais com seus primeiros-ministros, nem o que estes dizem a ela - nem mesmo o gabinete sabe isso. Mas havia uma diferença inegável entre a atitude dela e a de Margaret Thatcher com relação ao apartheid.

A primeira-ministra se opôs às sanções contra a África do Sul e recebeu uma condecoração do governo sul-africano, enquanto a rainha claramente esperava que uma África do Sul multirracial pudesse voltar para a Comunidade Britânica. Por mais que a rainha não pudesse ditar a conduta de Thatcher enquanto primeira-ministra, seu claro apoio ao movimento antiapartheid ajudou a relativizar - sem enfraquecer - a posição da primeira-ministra aos olhos do mundo.

Em nenhum momento o apoio dela foi mais claro do que na sua manifestação de júbilo diante da libertação de Nelson Mandela em 1990.

Três anos antes de Mandela ser eleito presidente, a Elizabeth II não hesitou em convidá-lo para uma reunião do grupo dos Chefes de Governo da Comunidade Britânica, indicando sua crença de que ele já era o líder do país - ao menos do ponto de vista moral.

E ela não demorou em fazer uma visita de Estado à África do Sul após a eleição dele, em 1994 - parabenizando o Parlamento sul-africano pela transformação do país e felicitando Mandela pelo papel desempenhado nessa mudança. Para tornar sua admiração e apoio ainda mais claros, ela concedeu posteriormente a Mandela a mais elevada honraria do país, a Ordem do Mérito.

Os mesmos valores que definiram a posição da rainha em relação à África do Sul também nortearam o "relacionamento especial" da Grã-Bretanha com os Estados Unidos. Este relacionamento não consiste numa aliança igualitária com base no poder duro, embora o relacionamento entre os Exércitos e serviços de informações seja de grande proximidade. No fim, trata-se de uma aliança alicerçada na afinidade: os dois países são unidos por crenças partilhadas no respeito aos direitos humanos, no estado de direito, no governo democrático, na liberdade de empreendimento e na diversidade - valores que a rainha simboliza tanto institucional quanto pessoalmente.

Quando ela esteve em Jamestown, Virgínia, em 2007, para comemorar o 400.º aniversário da primeira colônia inglesa permanente no Novo Mundo, ela celebrou o idioma hoje partilhado por quase todo o mundo, que encontrou seu primeiro abrigo do outro lado do Atlântico naquele momento. Mas, com o maior dos cuidados, ela também cumprimentou os líderes indígenas que representavam as tribos que tiveram o primeiro contato com os ingleses naquela época - gesto que só teria ocorrido a uma pessoa dotada de grande sensibilidade e conhecimento da história americana, comprometida com a democracia multirracial.

O respeito dela pelas tribos e sua afeição pelos EUA e os americanos são fundamentais para o presente e o futuro do relacionamento entre os dois países.

Essas qualidades refletem com precisão a política do governo, mas, diferentemente da arte de governar, a atitude dela emana do coração. A rainha não é uma líder política, mas, de maneiras profundas, ela liderou a política de sua era. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL