"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Forma de Estado e Sistema de Governo


Se entendermos o conceito de Estado frente a Governo, compreenderemos por que a Monarquia
dá melhor resultado. 
 
Sem dúvida, não há regime perfeito, entretanto alguns funcionam melhor do que outros. Olhando o mapa múndi verificaremos que, de forma geral, os regimes monárquicos funcionam melhor. Até em uma monarquia absolutista, como qualquer um dos Emirados Árabes, a qualidade de vida é bem superior a de seus vizinhos árabes republicanos (e os dois lados têm petróleo).

Anualmente, diversas entidades europeias, americanas e a própria Organização das Nações Unidas (ONU) divulgam o IDH - índice de qualidade de vida, de liberdade econômica, de liberdades democráticas, e desenvolvimento humano etc., onde dos dez primeiros invariavelmente sete são monarquia.

Se estendermos a lista para os vinte primeiros, onze são monarquia parlamentarista, quatro são parlamentarista, só cinco é república presidencialista. Ou seja, do vinte com melhor IDH, em quinze (monarquia e parlamentarismo) o poder é exercido pelo Chefe de Estado e o Chefe Governo, e somente cinco confiam todos os poderes a uma só pessoa o Presidente. Se entendermos o conceito Estado vis-à-vis Governo, compreenderemos por que a monarquia dá melhor resultado. O Estado, por sua natureza é perene.

Inversamente, governos são temporários. O Governo por ser temporário jamais deveria ficar "engessado" em períodos estanques de 4 ou 5 anos como o é no presidencialismo.

Esta temporalidade precisa de flexibilização. Se o Governo for bom, fica seis, oito, 10 ou mais anos [Os Conservadores do Reino Unido foram governo por 18 anos; os Sociais Democratas da Alemanha ficaram 22 anos e os Trabalhistas 13 anos na Espanha]. Se for ruim, precisa ser substituído. Razão pela qual o parlamentarismo, com a exceção dos Estados Unidos da América, é o regime adotado pelos países líderes mundiais.

O Estado, por sua vez, por ser perene jamais poderá se sujeitar aos humores e bel prazeres de um chefe de Estado político e temporário sem qualquer qualificação para o cargo para períodos estanques de quatro ou cinco anos. Enquanto a maior preocupação de qualquer Governo éa próxima eleição, o Estado está sempre voltado às próximas gerações, razão pela qual é essencial que a chefia de Estado seja exercida em caráter vitalício, e, hereditário por uma figura apartidária e apolítica, ou seja, o quarto poder – Poder Moderador.


Políticos necessitam de um freio aos seus desejos ignóbeis.

O regime republicano é incompatível com a plena democracia. Montesquieu (1689-1755), no papel, é lindo. Na prática, não funciona. Sem o Poder Moderador, imaginado pelo suíço Henri-Benjamin Constant de Rebecque (1767-1830) e brilhantemente incorporado na Constituição Imperial por D. Pedro I como o quarto Poder, de uma Chefia de Estado apolítico, apartidário, independente, hereditário e vitalício, capaz de manter o equilíbrio e harmonia entre os três poderes tradicionais – Judiciário, Executivo e Legislativo, a república jamais oferecerá total estabilidade institucional – estaremos sempre procurando o menos pior para nos governar, com as conseqüências já conhecidas.

Na Monarquia Constitucional Parlamentarista, há separação entre as funções de chefe de Estado e de Governo. O Chefe de Estado é um monarca hereditário.

A sucessão passa de pai/ mãe para filho/filha. Como Chefe de Estado, o Soberano representa a Nação, é Comandante-chefe das Forças Armadas, convoca eleições, indica o primeiro-ministro, dissolve o parlamento quando o governo perde a confiança, nomeia os Ministros da Suprema Corte e Embaixadores, sanciona as leis, é a fonte de honras e de perdão (comuta penas), declara a Guerra e estabelece a Paz. Em alguns casos participa da formulação da política Exterior. Enfim, exerce o Poder Moderador tal qual D. Pedro II. Mantém, sobretudo, o equilíbrio e harmonia entre os três
outros poderes – Judiciário, Executivo e Legislativo.

Em muitos casos, o Soberano preside, sem direito a voto, as reuniões mensais dos Conselhos de Ministros (o Governo) e o Conselho de Estado, órgão consultivo do Soberano, do Governo, do Parlamento e da Nação. Geralmente para que os atos assumidos pelo Soberano, conforme já delineados, tenham legal idade é sempre necessário ouvir, antes, o Conselho de Estado.

O Governo é exercido por um primeiro-ministro nomeado pelo Soberano. No parlamentarismo os eleitores elegem, especificamente, partidos através de seus representantes, os deputados, pelo voto distrital – puro ou misto. O partido, ou coligação, que tiver a maioria no parlamento forma o Governo. Enquanto tiver a maioria no parlamento, é Governo.

Geralmente o Soberano nomeia o líder to partido majoritário como primeiro-ministro. Há casos especiais em que o líder não é o mais indicado, especialmente quando há crises políticas, econômicas e institucionais.

Nesses casos o Soberano nomeia uma outra pessoa que demonstra mais capacidade para liderar um governo nestas situações. Durante a II Guerra Mundial, na Inglaterra, quando da renúncia de Neville Chamberlain do posto de primeiro- ministro em 1940, após o fracasso da campanha na Noruega, o natural sucessor seria o diplomata e Chanceler, Edward, Conde Halifax. Entretanto, o rei George VI convocou Winston Churchill, de quem não gostava, para formar um novo governo. O rei raciocinou, corretamente, que naquele momento o Reino Unido precisava um homem forte, e não um diplomata, para enfrentar Hitler.

Anos mais tarde, sua filha, a rainha Elizabeth II teve que intervir em mais ou menos nas mesmas circunstâncias. Em 1957, Anthony Eden, após o fracasso da campanha de Suez (os EUA havia retirado o tapete), renunciou como primeiro-ministro. Seu natural sucessor era R. A. Butler, líder do governo na Câmara dos Comuns, um político polêmico e combativo. A rainha, entretanto, achava, corretamente, que o momento necessitava de um negociador, uma pessoa com jogo de cintura e chamou Harold Macmillan, o Ministro da Fazenda que havia, há pouco, deixado o posto de Chanceler.

O primeiro-ministro forma o governo (Conselho de Ministros) e apresenta seu programa de governo para aprovação no Parlamento. Aprovado, passa a governar. Hoje em dia, o primeiro-ministro e os principais ministros (10 a 15) são oriundos do Parlamento e formam o Gabinete Executivo – aquele que realmente governa, coletivamente, reunindo-se quase diariamente. Ministérios menos importantes podem ter, como titulares, pessoas que não são necessariamente membros do Parlamento.

A reunião conjunta entre o Gabinete Executivo com os demais ministérios é geralmente denominado como o Gabinete Pleno. No parlamentarismo monárquico há mais harmonia e estabilidade política não só entre os três poderes

mas, também, no próprio Legislativo, pois lá encontramos: o Governo de Sua Majestade e a Leal Oposição de Sua Majestade. Este último é um enfoque que muda totalmente a natureza da oposição, que se torna mais construtiva, objetiva e responsável do que em qualquer regime republicano.

Por ser apolítico, apartidário e suprapartidário o Soberano se coloca acima das paixões políticas/partidárias. O fato de não ser um político dá ao Soberano uma independência total que permite sua plena interação com o chefe de Governo, de quem é um aliado e nunca um concorrente, adversário ou inimigo, não importando o partido que este representa. Desta forma, serve como um conselheiro de seu Primeiro-ministro e dos outros ministros que formam o Governo.

É no seu direito de ouvir, aconselhar e criticar que reside a sua grande força, pois o faz inspirando, orientando e coordenando o Governo que estiver no poder para melhor servir à Nação. Aqui, a res publica é exercida plenamente. Desaparece a mesquinhez político-partidária tão inconveniente, interesseira e deletéria, que nunca visa o bem comum.

República Parlamentarista

A República Parlamentarista tem as mesmas características da Monarquia Constitucional Parlamentarista, mas com as seguintes diferenças: O Chefe de Estado é eleito diretamente (França e Portugal) para um ou dois mandatos de cinco anos cada, ou indiretamente (pelo parlamento), como nas demais repúblicas parlamentaristas, também para um ou dois mandatos de quatro ou cinco anos.

Em ambos os casos, o chefe de Estado é uma figura política imbuídas das paixões políticas e partidárias. Se for eleito diretamente, goza de total influência política a tal ponto que ofusca o primeiro-ministro. Também exerce as mesmas funções do Soberano delineadas acima. Quando o primeiro-ministro é do mesmo partido, as duas figuras são concorrentes. Quando são de partidos diferentes, tornam-se inimigos. Em ambos os casos a convivência entre os dois é difícil.

O exercício do Poder Moderador fica totalmente comprometido pelas rivalidades políticas partidárias e há constantes conflitos de interesses entre o chefe de Estado e o chefe de Governo. Até sendo do mesmo partido, há pouca harmonia Se for eleito indiretamente, pelo Parlamento, geralmente é uma figura no ocaso de sua carreira política. Torna-se uma figura meramente decorativa sem qualquer influência. Neste caso, o primeiro-ministro mantém o poder total.

O Poder Moderador deixa de existir.

O conceito de Governo do Estado e Oposição do Estado deixa de existir devido a função política da chefia de Estado. O Gabinete e Parlamento na monarquia ou republica parlamentarista funcionam, mais ou menos, da mesma forma.

República presidencialista

Neste regime, os cargos de chefia de Estado e chefia de Governo são exercidos pela mesma pessoas, sem qualquer controle, pois não há o Poder Moderador cuja função é manter o equilíbrio e fiscalizar a atuação dos três poderes.

Geralmente, no presidencialismo é o Executivo que detém a hegemonia entre os poderes. A res publica tão intrínseca nos regimes monárquicos é substituída pela res propria tão comum nos regimes republicanos, onde o parlamento é transformado em uma praça de negócios. Impera como norma para aprovar qualquer medida, quer do Executivo como do Legislativo, a barganha.


Os alicerces da Monarquia 

Mas, voltando para o regime monárquico, o seu segredo reside nos seus seis alicerces que interagem, garantindo a estabilidade institucional, política, social e econômica dos países que mantêm a forma de estado e de governo monárquicos. São eles, também, que permitem a continuidade governamental com a execução de seus planos políticos. Os conservadores do Reino Unido foram governo durante 18 anos; os trabalhistas da Espanha lá ficaram 16 anos, os sociais democrata foram governo por 22 anos e os socialistas da Suécia lá estão por mais de 80 anos no poder, com pequenos hiatos, aqui e acolá. Quem sabe, esteja aí a chave do enigma e o caminho a ser seguido?

Didaticamente, por que esses regimes são superiores?

Vejamos:

1 - Por disporem de um funcionalismo público profissional, de carreira e bem pago conseguem manter a máquina estatal e institucional estável e funcionando. No entra-e-sai de governos, essa máquina continua operando normalmente, dando suporte aos novos titulares dos departamentos e dos ministérios, de tal forma que os projetos e atividades em andamento não sofrem paralisação.

Em qualquer troca de governo a estrutura de cada ministério permanece, mudando-se, apenas, poucos funcionários

2 - Por terem um judiciário independente e livre de nomeações políticas, garantem maior lisura e, com isso, agilidade nos processos e pareceres objetivos que refletem os anseios da nação, onde o Estado de Direito impera, deixando de lado as conveniências políticas.

3 - Porque o Parlamentarismo requer um alinhamento com os distritos eleitorais, permitindo assim um controle maior dos parlamentares por seus eleitores. Isto faz com que aqueles fiquem mais atentos aos anseios da população, o que, por sua vez, traduz-se em uma maior transparência na condução da res publica.

Por outro lado, pelo fato de haver um governo de gabinete, a interação executivo/legislativo é permanente, o que facilita uma ampla discussão das propostas e medidas a serem votadas, e faz com que os parlamentares se atenham a assuntos mais sérios e voltados para as necessidades do país, ao invés de questões meramente paroquiais.

Cabe lembrar que, semanalmente, cabe ao primeiro-ministro prestar contas, pessoalmente, no plenário do Parlamento.

4 - Um governo de gabinete implica tomadas de decisão de forma coletiva ou consensual, já que qualquer medida assumida dificilmente se restringe a um único ministério,

pois gera reflexos em vários setores. Desta maneira, há mais harmonia na condução da gestão sócio-econômica e política do Estado, diminuindo substancialmente os conflitos inter e intra-ministérios e departamentais.

5 - Um Conselho de Estado apolítico, apartidário, independente e de livre escolha do Monarca, formado por representantes das forças vivas da Nação, agindo como balizador entre a vontade política e o desejo social do País. Não tem poder formal, mas tem o peso de sua neutralidade e independência e, como tal, age dando apoio ao Monarca e ao Governo.

6 - A Chefia de Estado apolítica, apartidária, independente, hereditária e vitalícia fecha, com chave de ouro, os componentes da estrutura institucional do Estado. O fato de não ser um político e, conseqüentemente, de não ter qualquer vinculação partidária, dá ao Chefe de Estado - o Monarca - uma independência total, que permite sua interação com o Chefe de Governo (com quem despacha semanalmente), do qual é um aliado e nunca um concorrente, adversário ou inimigo, não importando o partido que este represente.


Desta forma, serve como um conselheiro de seu Primeiro-ministro e dos outros ministros que formam o Governo. É no seu direito de ouvir, aconselhar e criticar que reside sua grande força, pois o faz inspirando, orientando e coordenando o Governo que estiver no poder, para melhor servir à Nação. Desaparece a mesquinhez político-partidária tão inconveniente, interesseira e deletéria, que nunca visa o bem comum.

A hereditariedade e a vitaliciedade do Monarca abrem o caminho para a total identificação do Chefe de Estado com o próprio Estado, que ele simboliza. O que o Chefe de Estado faz não é tão importante quanto o que ele representa. Neste aspecto, o Monarca não só simboliza tudo o que é bom na Nação, mas também personifica (encarna) a sua história, a sua cultura, a sua moral e, acima de tudo, os anseios, virtudes, patriotismo e a honra da população, que fazem com que tenha orgulho de sua Pátria e de seus feitos.

A independência do Monarca permite-lhe livre trânsito em toda a malha sócio-econômica e política da Nação.

É em função dessa independência que o Chefe de Estado esculta todos os pensamentos e interesses, da mesma forma que a Nação tem acesso, por ele, ao Chefe de Governo. É por isso que o monarca encarna, talvez, uma das poucas pessoas que detêm uma visão tão clara das aspirações nacionais.

Esses são os fatores que fazem das nações monárquicas regimes política e economicamente estáveis, onde se pratica uma democracia plena, e onde governos têm todas as condições de executar os planos e programas pelos quais foram eleitos. A grande diferença é que, enquanto o Monarca foi treinado e educado, desde a infância, para exercer a Chefia de Estado, um Presidente jamais o foi. O acaso é que transforma, de repente, um cidadão em um Presidente, em geral sem qualquer preparo para assumir o cargo. Na realidade ele não deixa de ser um oportunista, aventureiro, medíocre e geralmente incompetente sem qualquer vínculo com o País. Que o digam os 50 Presidentes que o Brasil teve até hoje!

Em síntese, enquanto o Primeiro-ministro, Chefe de Governo, cuida do varejo, e com isso está mais preocupado com as próximas eleições, o Monarca, Chefe de Estado, está voltado para o atacado, preocupando-se com o futuro e com as próximas gerações.

Alan Assumpção Morgan

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Nobreza brasileira e sua formação

Visconde de Mauá

Ao contrário do que dizem os antimonarquistas, o título nobiliárquico não dava nenhum privilégio especial ao agraciado, além do status perante a sociedade

A Nobreza brasileira compreende os títulos nobiliárquicos agraciados durante o Império do Brasil. Sua formação teve como base a nobreza portuguesa, sendo constituída de príncipes, duques, marqueses, condes, viscondes e barões.

D. João VI ao se transferir para o Brasil, em 1808, continuou distribuindo títulos de nobreza, tendo, até 1821, agraciado 28 marqueses, 8 condes, 16 viscondes e 21 barões, quatro deles brasileiros natos: baronesa de São Salvador de Campos, barão de Santo Amaro, barão de São João Marcos e barão de Goiânia. Em seus primeiros oito anos no Brasil Dom João VI outorgou mais títulos de nobreza do que em todos os trezentos anos anteriores da história da monarquia portuguesa.

Para além desses títulos nobiliárquicos, a nobreza era formada por um grande número de aristocratas menores, que compunham a corte carioca exercendo, no mais das vezes, diferentes funções: camareirosmores, mordomos-mores, capitãesmores, fidalgos, damas-de-honra, vereadores etc. Pessoas que recebessem condecorações das imperiais ordens honoríficas também eram incluídas, em diferentes graus, à nobreza.

O título nobiliárquico não dava nenhum privilégio especial ao agraciado, além do status perante a sociedade. Os filhos de nobres, entretanto, tinham o direito de entrar na Marinha diretamente no posto de aspirante, no Exército como cadete; um privilégio concedido também aos filhos de oficiais da Guarda Nacional.

Os títulos nobiliárquicos serviam como ostentação de poder político entre a elite, notadamente os fazendeiros. Muitos dos nobilitados, entretanto, eram descendentes diretos da nobreza portuguesa, e até da alta nobreza, especialmente as famílias chegadas nos primeiros séculos da colonização na Bahia, em Sergipe, em Pernambuco, no Rio de Janeiro e em São Paulo, embora seja necessário apreciar a evolução dessas fmílias como integrantes da maior civilização mestiça nos trópicos. Casamentos foram feitos, entretanto, entre portugueses pertencentes à nobreza com esses descendentes brasileiros até o século XIX, sobretudo, e avaliando a lista de nobilitados há dezenas de casos em que coexiste a filiação com várias famílias portuguesas nobres entre os ascendentes de um único indivíduo.

Entre 1831 e 1840, não houve nomeação alguma a títulos e honrarias, por conta da Lei Regencial, emenda constitucional aprovada durante a Regência Trina Provisória do Período Regencial.A partir do Segundo Império, e o advento do ciclo comercial do café, foram os grandes cafeicultores que passaram a colecionar tais títulos, ficando conhecidos como os barões do café. Segundo o Afonso de Taunay, cerca de 300 titulares tinham sua renda vinculada ao café: fazendeiros, banqueiros e comerciantes.

O baronato acabava por ser uma espécie de legitimação de poder local, muito aos moldes dos coronéis da extinta Gurda Nacional, fazendoos intermediários entre o povo e o Governo.

Vale ressaltar que muitos barões apoiaram o golpe republicano, principalmente após a abolição da escravatura, sendo dois dos principais focos dessa insurgência Itu e Sorocaba. Os baronatos eram especialmente populares entre os fazendeiros do Vale do Paraíba e da região austral do Rio de Janeiro, não sendo matéria de muita importância entre os cafeicultores do Oeste paulista, considerados a geração posterior. Durante este período a coroa procurou amainar os sentimentos com uma ampla distribuição de títulos, foram 114 no ano de 1888, 123 em 1889.

Com a proclamação da república brasileira, em 1889, extinguiram-se os foros de nobreza brasileiros. Também, ficou proibida, sob pena de acusação de alta traição e a suspensão de direitos políticos, a aceitação de foros de nobreza e condecorações estrangeiras sem a devida permissão do Estado. Por respeito e tradição, especialmente aos nobres de maior destaque, foi permitido uso de seus títulos mesmo durante o regime republicano; exemplo notório é o barão do Rio Branco.

Maior repressão sofreu o grupo de ativistas monarquistas, que precisaram manter o diretório monárquico de maneira não-oficial. A família imperial também não pode retornar ao solo brasileiro até 1921.

Os títulos não eram hereditários, os candidatos não poderiam apresentar em sua árvore genealógica nenhum dos impedimentos: bastardia, crime de lesa majestade, ofício mecânico ou sangue infecto. Além disso, a maioria dos galardoados tinha de pagar uma vultosa monta pela honraria, mesmo se para seus filhos perpetuarem os títulos.

Para ser nobre, segundo a tabela de 2 de abril de 1860, custava, em contos de réis:

• Duque: 2:450$000 GRAO DUQUE

- NACIONAL

• Marquês: 2:020$000 REGIONAL

• Conde: 1:575$000 ESTADUAL

·Visconde: 1:025$000 VISCONDE

MUNICIPAL

• Barão: 750$000

ZONAL

Além desses valores, havia os seguintes custos:

• Papéis para a petição: 366$000

• Registro do brasão: 170$000

Uma lista dos possíveis agraciados era elaborada Ministério do Império, com sugestões de seus colegas, dos presidentes das províncias e de outras pessoas influentes. As listas eram enviadas à aprovação do Imperador, sendo apresentadas, duas vezes ao ano: 2 de dezembro, aniversário do Imperador; 14 ou 25 de março, respectivamente, aniversário da Imperatriz e aniversário do juramento da Constituição.

O alto custo é um dos motivos pelos quais os baronatos geralmente restringiam-se a uma pessoa, ou porque, no caso de haver mais de um nobre com o mesmo título, raramente eram da mesma família. Outra razão pela brevidade dos títulos é porque tal sistema nobiliárquico não durou mais do que três gerações, sendo logo derrubado pela República.

Alguns nobres brasileiros, recebiam a distinção "com grandeza", que os autorizava a usar em seu brasão de armas a coroa do título imediatamente superior – por exemplo, um barão poderia usar em seu brasão a coroa de visconde. Também, um "grande do Império" desfrutava de outros privilégios e precedências que o título imediatamente superior gozava.

A grandeza foi conferida a 135 barões, que usavam a coroa de visconde em seus brasões, e a 146 viscondes, que usavam a coroa de conde.Registros de nobreza.

Os registros eram feitos nos livros do antigo Cartório de Nobreza e Fidalguia. Porém, é possível encontrar vários registros com erros e contradições, variando desde brasões imprecisos a datas e nomes errados, denotando a falta de intimidade brasileira com tal sistema nobiliárquico, herdado da nobreza portuguesa.

Em 1848, desapareceram misteriosamente todos os documentos do Cartório de Nobreza e idalguia, que nessa época era de responsabilidade de Possidônio da Fonseca Costa, então o Rei de Armas Principal, fato que dificulta em muito o registro de títulos concedidos durante o Primeiro Reinado. Luís Aleixo Boulanger, seu sucessor, buscou reaver parte dessa documentação, produzindo um único livro com parte da primeira geração da nobreza brasileira.

No total, ao longo dos dois reinados, foram criados 1.211 títulos de nobreza: 3 ducados, 47 marquesados, 51 condados, 235 viscondados e 875 baronatos.

O número total de agraciados, contudo, foi menor – cerca de 980 –, pois muitos receberam mais de um título. Esses números não são totalmente precisos, pois há dúvidas sobre a validade e mesmo a existência de alguns títulos. Muito dessa dúvida se deve à perda de alguns dos registros do Cartório de Nobreza e Fidalguia.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

A Monarquia Constitucional no Reino Unido e a prerrogativa da Coroa


A Desmistificação do honorífico.

Muito se diz, em especial nos países de organização republicana, que os poderes reais nos Estados que adotam a forma monárquica não passariam de mero arremedo depoder, que seriam, em verdade, a ostentação de uma tradição que não guardaria qualquer condicionamento ou viabilidade com o regime constitucional-democrático.

Já se disse que uma mentira muitas vezes repetida torna-se uma verdade!  O Brasil, país presidencialista e republicano, sempre verteu suas preocupações teóricas constitucionalistas para países de formação semelhante, como os Estados Unidos da América e a Argentina. Pouco ou nada se estuda sobre a forma monárquica e sobre a organização da Coroa em seu relacionamento com os demais poderes do Estado e os cidadãos.

No único intuito de clarificar melhor o funcionamento de uma Monarquia Constitucional, abarcamos essencialmente as prerrogativas da Coroa britânica, já que é um dos Estados onde a preponderância absolutista foi prematuramente contida e deu azo à implantação de uma Monarquia Constitucional. Por terem decapitado um Rei  e expulsado outro, a impressão que se tem é que o Reino Unido reservou à Coroa um papel honorífico, e nada é mais desvirtuado do que acreditar nos acontecimentos revolucionários circunstanciados a uma época, num país que sempre valorizou as tradições e continuamente venerou a autoridade suprema do Rei.

1) Ever-living Constitution 

“(...) an ancient and ever-altering constitution is like an old man who still wears with attached fondness clothes in the fashion of his youth: what you see of him is the same; what you do not see is wholly altered.”


Bagehot soube, com sensibilidade, traduzir um pouco do espírito de uma  everliving  constitution.  O  que se  vê  dela  parece um  todo imutável, mas o seu âmago  é alterado ao saber da dialética social. Uma Constituição perene deve, em primeiro lugar, representar os desejos de sua sociedade, de suas instituições, e estar suscetível de adaptação – em especial, de suas interpretações.

O positivismo amiúde nos cega para as necessárias e indispensáveis modificações nas interpretações de nossos textos. Nesse ponto, uma  ever-living constitution dos ingleses é mais virtuosa, pois dela sempre se escreveu muito pouco e constantemente se interpretou muito! A perenidade reside na transformação do seu âmago social, não na alteração de sua literalidade.

A Constituição do Reino Unido não provém de um único texto organizado, votado e sancionado, como se dá com as constituições de um sistema positivista; consiste, ao contrário, na reunião de uma série de textos esparsos, que tiveram, e de certa forma ainda mantêm, importância crucial, neles havendo decisões judiciais que interpretam os textos legais promulgados pelo Parlamento, sem o condão de modificá-los; os costumes do povo do Reino Unido; e até mesmo obras de doutrina clássica que revelaram  o espírito desses mesmos textos legais pelos estudiosos de seu tempo, em especial quando as cortes de Justiça ainda não tinham se manifestado sobre eles.

A título de exemplificação podemos citar como textos de patamar constitucional a Magna Charta do Rei  João-Sem-Terra, de 1215; a  Petition of  Rights, promulgada pelo Parlamento no ano de 1628; o Bill of Rights e o Claim of Rights, promulgados depois da Revolução Gloriosa de 1688; o Act of Settlement de 1700, promulgado pelo Parlamento, que complementou o Bill of Rights e estabeleceu provisões acerca da sucessão Real; o Act of Union entre o Reino da Inglaterra e o Reino da Escócia (em 1707); os Parliament Acts de 1911 e 1949; o Crown proceedings Act de 1947; o Human Rights Act, de 1998; o Scotland Act, de 1998; o House of Lords Act, de 1999; e o Freedom Information Act, de 2000.

Entre as obras clássicas, podemos citar: Law of the Constitution, de Dicey; Cabinet Government, de  Jennings; The British Cabinet, de Macintosh;  Parliament, de Griffith e Ryle; Constitutional Practice, de Brazier, entre outros.

As lições desses textos se amoldam aos tempos atuais pelas interpretações dos estudiosos hodiernos. Nesse contexto, também há de se ressaltar a importância das decisões da Alta Corte de Justiça do Reino Unido, muitas delas baseadas em leis votadas pelo Parlamento do Reino Unido, chamadas civil statutes. Mas muitas dessas leis, como veremos, não têm aplicação quando estão envolvidas prerrogativas do Estado e da Coroa.

Há muitos documentos reproduzidos dentro do governo de Gabinete do primeiro ministro ou mesmo pelos secretários particulares da Rainha que, quando clarificam normas que já estejam postas em documentos formalmente constitucionais, acabam tendo força de documentos constitucionais, como os que citamos acima.

2) A linha de sucessão protestante

Com a fuga de Jaime II da Inglaterra, o Parlamento inglês declarou vago o trono real, sendo convidados a ocuparem-no a filha do Rei, Maria, e seu genro, Guilherme de Orange. Neste simbolismo da convocação já reside grande parte da limitação que teriam os soberanos ingleses daí em diante.

Pelo Act of Settlement de 1700, estendido à Escócia em 1707 e à Irlanda em 1800 (Acts of Union), somente soberanos protestantes poderiam doravante ocupar o trono do Reino Unido. Essa limitação se explica, à época, pelos vários conflitos que ocorreram em solo inglês pelo cisma provocado por Henrique VIII, quando este Rei declarou independente de Roma a Igreja inglesa, e a colocou sob o seu jugo.

Muitos reis e rainhas, inclusive uma de suas próprias filhas, Maria, ainda seriam criados na fé católica, e isso provocava reversos na veneração e respeito aos ordenamentos romanos em solo inglês, o que não era aceito pelos séqüitos protestantes (anglicano e presbiteriano) que haviam se formado com apoio real desde Henrique VIII.

Este ato de 1700 deu preferência aos herdeiros homens para reinarem em solo do Reino Unido. Esta preferência, entretanto, pressupõe tão-somente que os homens são preferidos com relação às mulheres, se houver, ou seja, mesmo que haja uma mulher primogênita, havendo um príncipe real do sexo masculino ao tempo da morte do Rei, aquela é preterida em nome deste. Contudo, em havendo apenas mulheres, elas naturalmente podem ascender ao trono real (“as between sisters, the Crown passes to the firstborn”).

Carlos I havia sido derrotado e, posteriormente, decapitado pelas tropas parlamentares em 1649. De seu casamento com Henrietta Maria, de França, nasceram sete filhos, dos quais dois reinaram: Carlos II, de 1660 a 1685, e seu irmão, Jaime II, de 1685 até a sua expulsão, na Revolução Gloriosa de 1688. A primeira filha de Jaime II, Maria II, educada na fé protestante, se casou com Guilherme III de  Orange. Ambos assumiram a Coroa do Reino Unido na fuga de Jaime II.

Guilherme III de  Orange era filho de Guilherme II de  Orange e Maria, segunda filha de Carlos I. Daí a sua ascendência nobre e nenhum impedimento do Parlamento inglês para que ele dividisse o trono com sua mulher, a Rainha Maria II.

Maria II faleceu em 1694 e seu marido, Guilherme de Orange, em 1702. Foi chamada ao trono a irmã de Maria II, a Rainha Ana, também filha de Jaime II, que se casou com Jorge da Dinamarca, mas não deixou herdeiros.

Pelo ato de 1700, como já dito, somente herdeiros protestantes poderiam ascender ao trono do Reino Unido. Com a morte da Rainha Ana, em 1714, havia vários católicos romanos pretendentes ao trono, mais precisamente 52. Todavia, apesar da resistência, em especial de Jaime Stuart, o filho católico de Jaime II com sua segunda  mulher, Maria, a linha sucessória foi deferida a uma Rainha distante, chamada Sofia.
Sua principal virtude era ter sido criada na fé protestante. Sofia era filha de Elisabeth da Inglaterra e neta de Jaime I (Jaime I da Inglaterra ou Jaime VI da Escócia), o primeiro Stuart. O pai de Sofia era Frederico V, Eleitor Palatino.

Sofia morreu apenas alguns meses antes da Rainha Ana, em 1714. Fora casada com Ernesto Augusto, Eleitor de  Hanover. Como a Rainha Ana não deixou herdeiros e todos os outros pretendentes eram católicos romanos, foi chamado ao trono George I, Eleitor de  Hanover, filho mais velho de Sofia e de Ernesto Augusto. Assim se inicia a dinastia Hanover no trono do Reino Unido.

3) Limitações e Tradição

Muito se questiona no Reino Unido, atualmente, acerca da  imperiosidade de um herdeiro protestante ocupar o trono real. O impedimento aos romanos católicos não teria cabimento numa sociedade democrática e, mais do que isso, numa sociedade em que, se não se cultua, pelo menos se aceita o multiculturalismo.

A Europa, e o Reino Unido está contido nessa afirmação, é um celeiro de movimentos migratórios, em especial de suas ex-colônias, cujos aborígines buscam melhores condições de vida em suas exmetrópoles. Essa mescla populacional vem moldando a tolerância do povo nativo para aceitação do elemento diverso. Está contida, na regra democrática, a aceitação das diferenças, mesmo que elas signifiquem a aceitação de culturas tão díspares que sejam capazes de descaracterizar o modo europeu de viver.

Logicamente, o Reino Unido não alcançou a proporcionalidade de inclusão que os Estados Unidos apresentam nos dias de hoje, mas a sociedade inglesa, desde tempos remotos, não poupou palavras para se proclamar uma sociedade não apenas tolerante, mas, acima de tudo, democrática.

Mas esse questionamento, que tem pertinência na aceitação do próximo, tem que ser temperado quando se está diante de assuntos de Estado. A eugenia e a conduta moral de um soberano não podem ser desprezadas quando estão em jogo assuntos de interesse da soberania estatal. Um pretendente ao trono, e esse foi o desejo de homens que lutaram por uma Igreja mais livre, não poderia estar vinculado a uma autoridade suprema como era o Papa, à época.

O trato dos Estados soberanos em relação às questões religiosas hoje se coloca de forma completamente diversa.  A secularização fez seu trabalho no agnosticismo de uma geração de homens políticos muito bem preparados, que procuraram dar aos Estados um traço bastante evidente de laicidade. Mas isso não era tão singelo na Inglaterra dos anos 1500 e 1600.

A justificação histórica é  preponderante. É preciso que se entenda que uma sociedade, por mais moderna que possa parecer em suas conceituações de política popular e política externa, não pode ser interpretada, com o mesmo grau de desenvolvimento (a melhor palavra seria modificação), em seus conceitos sócio-morais.

O culto à Coroa é intrinsecamente um culto ao tradicional, ao que não se modifica, ao que seja perene, ao que seja intocável, ao que, menos hoje do que antes, seja de  inspiração divina. Daí a necessidade de se valorizar a perenidade das instituições e não ignorar totalmente o que seus antepassados lutaram tanto para conquistar.

Pode-se argumentar que, se homens, os freemen, lutaram tanto para libertar seu povo e sua nação de um jugo absolutista, porque não haveria outros homens, também empenhados em modificar regras do passado, lutando hoje para que uma principiologia exclusivista protestante deixasse de reinar sobre o Reino Unido?
Mesmo numa sociedade multicultural, o critério exclusivista de um soberano protestante pode engendrar comentários, mas não se tornou uma discussão nacional que colocasse em perigo a credibilidade da regra maior, que é a regra democrática.

Nós, povos “do lado de baixo do Equador”, costumamos, como bem coloca Afonso Arinos de Melo Franco, importar institutos de países com graus de desenvolvimento mais elevados e lhes dar uma interpretação literal e subserviente de sua principiologia.

Quando são trazidos, transformam-se em dogmas que são dificilmente expungidos. Nas sábias palavras do Prof. Afonso Arinos,  “ao pensamento político seguiu-se que, nos países latinos da Europa e da América, os princípios do constitucionalismo, oriundos das condições próprias da Inglaterra, tornaram-se dogmáticos, fazendo com que uma vigorosa abstração racional sufocasse as realidades sociológicas e históricas dos povos (...)”.

Essa discrepância acaba por fazer-nos mais herméticos às considerações de uma desigualdade que torne o mundo mais atrativo e menos asséptico. Os ingleses, até 1950, ainda praticavam o  business vote. Homens que tinham estabelecimentos comerciais longe de casa tinham a prerrogativa de votar duas, três ou quatro vezes. O sufrágio universal só atingiu, em sua plenitude, o sistema eleitoral inglês em 1970.

Assim, enxergar a limitação de um herdeiro  não-protestante ascender ao trono inglês não pode se limitar aos aforismos de que essa regra não seria mais válida nos dias atuais. Existe a sua justificação histórica e, por mais discrepante que ela possa parecer, não se pode, simplesmente, desprezar esses conceitos, forjados em séculos de lutas, porque a nova era não permite que haja diferenciações entre os homens por credo, cor e sexo. Da mesma forma que a tradição instituiu uma  semi lei  sálica ao impedir que mulheres ascendam ao trono inglês na existência de um herdeiro homem, existe  a limitação ao credo religioso que não seja o protestante.

Para homens de formação republicana e constitucional, em especial enaltecidos por uma retórica socialista espargida para os quatro cantos do mundo, é difícil compreender a existência de diferenças. Para um republicano convicto, soa muito mais como uma regra de discriminação. Mas não! A Monarquia se forja em prerrogativas (não necessariamente privilégios), e estas prerrogativas pressupõem que membros da Coroa e algumas autoridades tenham tratamento diferenciado, o que enriquece o corpo social.

Até nas repúblicas percebe-se que autoridades – como o presidente da República e seus ministros, ministros de tribunais e membros do Poder Legislativo – têm prerrogativas que lhes conferem um tratamento especial diante dos demais poderes, mas isso, no entanto, não faz com que o presidente, os ministros ou seus representantes estejam imunes a prestar satisfações de seus atos e se submeterem ao império da lei.
Numa Monarquia Constitucional, o império da lei também vige para o monarca. Ele está obrigado, dentro de certos critérios, a respeitar as leis do Reino. A limitação de credo e sexo não foi, como vimos, uma imposição da vontade real.

Ao contrário, por um ato do Parlamento reunido, após a defecção de Jaime II, deu-se posse aos novos soberanos, e ele próprio, Parlamento, estabeleceu que regras deveriam ser seguidas pelos futuros reinantes. Se for necessária uma justificação de representatividade, ela existe! A tradição justifica a sua permanência!

4) O Orçamento real 

L’État  c’est  moi! Em questões orçamentárias, o lema absolutista de Luís XIV vigorou até o século XVIII no Reino Unido. Era intrínseca à arte de governar a confusão entre o público e o privado.

Orçamento do Estado e orçamento do Soberano já foram uma coisa só. Atualmente, as rendas e o patrimônio são completamente separados. O Soberano do Reino Unido tem as rendas e a disposição sobre o patrimônio da família real, constituído durante os séculos de reinado das várias dinastias. Além disso, o Soberano tem, votadas, de tempos em tempos pelo Parlamento, verbas destinadas ao custeio da Monarquia. Essas verbas são criteriosamente separadas das necessidades do Governo de Gabinete.

Da mesma forma, algumas verbas são destinadas exclusivamente ao Soberano e seus familiares, sob a rubrica de Civil List. Desde o reinado de George III (1760 a 1820), é costume dos soberanos ingleses submeter ao Parlamento os proventos obtidos de suas rendas e patrimônio particulares.

Além dessas rendas, o Soberano usufrui as rendas da Civil List, que até 1972, já sob o reinado de Elisabeth II, eram examinadas anualmente pelo Parlamento. A partir de 1972, o Parlamento aprovou norma que autorizava ao Tesouro do Reino aumentar as verbas destinadas ao Soberano, independente de autorização prévia do Parlamento. Aos parlamentares restou a prerrogativa de anular os aumentos, se assim considerassem necessário.

Nos dias de hoje, além da Civil List, o Parlamento vota anualmente outras verbas destinadas ao custeio dos castelos reais e viagens do Monarca.  Além das verbas do Soberano, pelos atos de 1952 e 1972, membros da família real também são contemplados com verbas destinadas pelo Parlamento. A Rainha, no entanto, devido aos gastos decorrentes do aumento de sua família, acabou sendo instada a reembolsar o tesouro nacional.

As rendas do Monarca, por princípio, não eram tributadas de nenhuma forma pelo Tesouro; para que isso ocorresse, era necessário mandamento expresso do Parlamento. Seus herdeiros, ao contrário, pagam impostos sobre seus  rendimentos. Contudo, a partir de 1993, por norma votada em 1992, a Rainha passou a pagar imposto sobre suas rendas privadas, excetuados os tributos de transmissão  causa mortis.
Os proventos da Civil List não são tributados.

5) Prerrogativas e Poderes do Soberano

Nos poderes exercidos pelos reis e rainhas do Reino Unido reside o maior grau de desinformação daqueles que vivem sob a égide das repúblicas. É costume, afirmativas de políticos e cidadãos formadores de opinião, se resumir ao jargão de que a Rainha reina, mas não governa. Quando se dá a uma autoridade um cargo, cujo poder não pressupõe necessariamente influência, comumente nos referimos à autoridade como “A Rainha da Inglaterra”!

O Monarca inglês tem prerrogativas e poderes. A prerrogativa tem o sentido de preeminência, de primazia, de privilégio ou vantagem com relação à autoridade que dela usufrui. O poder pressupõe a autoridade de fazer ou deixar de fazer o que a norma ou a tradição lhe confere, ou seja, traz consigo uma permissão, uma faculdade do fazer ou não fazer – aquele que o detém pode ou não utilizá-lo.

No campo do exercício do poder, há duas formas de exercê-lo. No sempre profícuo magistério de Paulo Napoleão Nogueira da Silva: “(...) a  potestas, capacidade de impor coercitivamente comportamentos a outras pessoas, e a autorictas, capacidade deinfluenciar o comportamento de outras pessoas.”

O Monarca inglês tem ambos, mas exerce mais  exemplificadamente a autorictas do que a potestas. De nenhum sentido é o poder sem influência. Em nosso entendimento, a autorictas deriva do exercício continuado da potestas, ainda que em tempos já passados.

Essas duas formas de exercer o poder estão intrinsecamente ligadas ao cargo ou função, e não ao seu ocupante, ou seja, não se conferem poderes ou prerrogativas a pessoas determinadas, e sim aos ocupantes de determinadas funções. Se o Monarca abdica, perde todas as prerrogativas e poderes de sua função. Se outro for ungido ao trono, por ato do Parlamento, ainda que à família real não pertença, esse será doravante o Monarca, com todas as prerrogativas e poderes da função que exerce.

Neste sentido, relembre-se a abdicação de Eduardo VIII.  Quando pressionado pelo Parlamento e pela Igreja anglicana, preferiu seguir as suas preferências pessoais e se casar com a senhora Wallis Warfield Simpson a transigir com as exigências peculiares que a função de Soberano lhe obrigariam. Abdicou do trono e se tornou Duque de Windsor.

O Monarca inglês tem constantes encontros com o primeiro-ministro e os ministros auxiliares para discussão dos mais diversos temas nacionais, inclusive sobre a tramitação de projetos de leis no Parlamento. É prerrogativa do Monarca receber os representantes da comunidade inglesa ultramar e os representantes diplomáticos de outros países. Além disso, cabe a ele, exclusivamente, conferir honrarias e condecorações a autoridades e cidadãos, bem como nomear os ocupantes de determinados cargos na administração.

O Monarca tem um papel ativo na condução política da nação. Como conferencia com o primeiro-ministro repetidamente, cabe-lhe aconselhá-lo e, também, receber conselhos. Todavia, o Rei tem o poder de refutar os aconselhamentos do  primeiroministro nos negócios que dependam de sua aquiescência. Logicamente, seria um ato drástico de sua parte, mas esse poder lhe é conferido. A recusa aos aconselhamentos ministeriais pode significar a queda do gabinete que governa. Isso há de ser ponderado pelo Rei quando estiver em jogo a permanência de um governo estável.

Tornou-se prática, desde o reinado de George VI, que os aconselhamentos trocados entre o Soberano e seus ministros sejam levados a termo pela Secretaria do Gabinete do primeiro-ministro. No caso de desentendimentos ou crises, se convier, as diretrizes dadas ou recebidas podem ser levadas ao  conhecimento do Parlamento e do público.

É bem provável que, nas condições de um gabinete enfraquecido por crises,  a recusa de caminhos pelo Monarca, ainda que não levada a público, seja a direção mais escorreita para a nomeação de um novo primeiro-ministro. Na faculdade de exercício do poder reside a grande virtude dos poderes exercidos pelo Soberano inglês. Como nos colóquios com o primeiro-ministro que o aconselha, ele detém o poder de não levá-los em conta, mas, como a sua atitude pode vir a engendrar graves conseqüências à estabilidade governamental, nas palavras de  Bradley e  Ewin, o ideal é que os aconselhamentos reais tenham pouca influência sobre a esfera das funções do governo.

É axiomático que, em tempos de uma Monarquia Constitucional, os aconselhamentos reais não sejam levados literalmente à obediência. Logicamente,  a percepção e a condução dos negócios públicos estão intrinsecamente ligadas à pessoa de seu ocupante. Há Soberanos menos prudentes que outros. A parcimônia há de fazer parte tanto das atitudes do monarca quanto de seu primeiro-ministro. Esses atos se moldam na prática diária e diante das situações vividas. Para o nosso estudo, o que importa ressaltar é que o monarca, ao contrário do que a maioria acredita, tem o poder de recusar as recomendações do Gabinete, podendo, inclusive, levar o Parlamento  à dissolução.

É prerrogativa pessoal do Monarca a indicação do primeiro-ministro. O que ocorre quase sempre é que o Monarca indica aquele candidato que possa vir a compor uma maioria confortável no Parlamento.
Essa prerrogativa não significa que Ele poderá fazer uma escolha pessoal. Se Ele está adstrito à composição de uma maioria, a sua vontade pessoal resta inexistente, a não ser que a formação da maioria coincida com a sua simpatia.

O Soberano tem relação com muitos políticos, principalmente os que compõem a Câmara dos Lordes, que podem vir a fazer parte de seu Conselho pessoal, mas  o crescente de simpatia entre o Monarca e seu primeiro-ministro decorre dos encontros rotineiros que trocam.

O primeiro-ministro sai da constatação da maioria no Parlamento, que tanto pode vir a se formar de uma recente eleição ou da queda de um gabinete e a formação de outro, fruto de um novo arranjo entre os partidos.

O Soberano não tem discrição na escolha em duas situações: quando um partido compõe uma maioria tranqüila no Parlamento – o seu líder será, necessariamente,  o primeiro-ministro; ou quando forem realizadas eleições gerais para o Parlamento e o primeiro-ministro que exerce a função confirmar a maioria de seu partido.

A tradição determina que, quando há eleições, logo após a divulgação dos resultados, verificando o primeiro-ministro que seu partido não conseguiu manter  a maioria que detinha, ele renuncie. O que eventualmente pode ocorrer é que, diante de eleições gerais, nenhum partido consiga fazer uma maioria no Parlamento. Neste caso, o primeiro-ministro é instado a continuar até que se ultimem as negociações para  a formação de um novo gabinete.

Episódica é a doença fatal que teve o primeiro-ministro conservador Bonar Law em 1923.  Bonar  Law e seu partido haviam conseguido uma maioria no Parlamento nas eleições do ano anterior. Acometido de câncer na garganta, o primeiro-ministro renunciou. Com folgada maioria no Parlamento, era de se esperar que Bonar  Law indicasse ao Rei George V outro primeiro-ministro conservador. Mas o primeiro-ministro não fez essa recomendação antes da renúncia e, em virtude do estágio avançado da doença, o Rei não se sentiu confortável para instá-lo a tal.

Em tempos mais recentes, como o episódio de renúncia de Margaret Thatcher, o partido conservador já previa internamente os trâmites para a escolha de um novo líder. Assim, não houve maiores problemas para a indicação de John Major pela Rainha. No entanto, em 1923, não estava prevista, nos estatutos dos partidos que compunham o Parlamento, a escolha interna de líderes. No partido conservador havia dois líderes naturais, que eram Lorde  Curzon, Secretário para Assuntos Estrangeiros, e Stanley  Baldwin,  Chancellor of  Exchequer, equivalentes, respectivamente, aos nossos ministro das Relações Exteriores e ministro da Fazenda. Mas havia um fato que incomodava o Rei: era a peculiaridade de  Curzon fazer parte da Câmara dos Lordes e não da Câmara dos Comuns. Há alguns séculos, embora sem norma imperativa nesse sentido, o primeiro-ministro era sempre membro da Câmara dos Comuns.

O Rei, além dessa tradição, tinha francas simpatias por  Baldwin, e, em suas consultas a outros líderes conservadores, Baldwin se mostrava mais popular, apesar de menos experiente. Curzon, então, foi preterido. Quando nenhum dos partidos consegue uma maioria no Parlamento, adentra mais sensivelmente a pertinácia do Soberano, já que será indispensável sua reunião com líderes de vários partidos. Nesses impasses, nem sempre o primeiro-ministro de uma coalizão é o líder de um dos partidos com maior número de representantes da última eleição. Dessa forma, a escolha do Soberano pode vir a cair sobre um mero representante, desde que os líderes dos partidos consultados concordem com  a indicação.

Nos casos de doença incapacitadora ou morte do primeiro-ministro, necessitando o partido majoritário continuar a deliberar sobre a eleição de um novo líder, o Monarca pode, enquanto se ultimam as providências para a escolha do novo líder, indicar  o membro mais velho do gabinete.

6) Dissolução do Parlamento 

A dissolução do Parlamento pelo Monarca indica, em geral, momentos de crise no Reino. A duração do Parlamento não tem termo fixo; por isso, a prerrogativa do Monarca em dissolvê-lo. Não podemos confundir a duração do Parlamento com a duração da legislatura. Pelo Ato Parlamentar de 1911, a duração da legislatura é de cinco anos.

Em países com tradição passada absolutista, essa diferenciação tem justificativa, já que em tempos remotos o Parlamento era convocado esporadicamente pelo Soberano para deliberar sobre assuntos que ele considerava pertinentes. Na maior parte dos casos, as convocações estavam relacionadas à imposição de novos tributos ou a crises graves, como guerras declaradas. Nos parlamentos das eras absolutistas havia termo fixo para que findassem as suas funções, estando geralmente condicionados ao atendimento da convocação real.

A história constitucional inglesa sobre a existência de um Parlamento remonta ao reinado de Henrique III, filho do Rei João Sem-Terra. Seu reinado durou de 1216 a 1272. Foram anos pacíficos. Assim como alguns reis feudais,  Henrique III adotou  o procedimento de convocar  representantes cavalheiros fidalgos (Knigths of the shires)   e cidadãos dos burgos (burgesses of boroughs) para conferenciarem com o Rei em épocas determinadas.

Nada comparável à estrutura de um Parlamento como conhecemos hoje. Os cavalheiros e cidadãos eram convocados para ouvir e aconselhar. Não tinham o poder de influir sobre as decisões reais.
Atualmente, o Rei é provocado pelo primeiro-ministro para que dissolva  o Parlamento. Desde 1918, iniciou-se a tradição de que seria dispensável a oitiva de todo o gabinete acerca da dissolução. O pedido de dissolução é ato solitário do primeiroministro; o que certamente ocorre são colóquios com os componentes governamentais.

A esfera pública também exerce grande influência sobre as decisões do gabinete, mas fazse ressalva sobre a formalidade do ato. O primeiro-ministro pode e deve conferenciar com outros membros, inclusive dando ouvidos às vozes que saem das casas do Parlamento; no entanto, a decisão de requerer a dissolução é tomada motu proprio. Contudo, mesmo com o pedido expresso do primeiro-ministro para que se dissolva o Parlamento, o Rei pode se recusar a fazê-lo. Significa a desconfiança do Soberano em relação ao primeiro-ministro, e representa a renúncia deste ao cargo.

Seria de todo imprudente que o Soberano recusasse a um primeiro-ministro, com vasta maioria no Parlamento, um pedido de dissolução. Se o Soberano se recusar  a dissolver o Parlamento, deverá, em ato contínuo, convocar o líder da oposição ou um líder saído de uma composição de partidos.

Mas, sem a maioria necessária, esse primeiro-ministro não governa, e um novo pedido de dissolução certamente viria. Esse fato seria extremamente gravoso e de patente imprudência política: recusar a um primeiro-ministro, com maioria na casa, a dissolução e aceitá-la de um líder da minoria.

Se o Soberano aceita a dissolução do Parlamento e o primeiro-ministro não consegue formar uma maioria vasta no mesmo, fica negado a ele um pedido imediato de nova dissolução. Neste caso, o que tem a fazer é renunciar ao cargo e passá-lo ao líder de outro partido para que este tente a formação de um novo gabinete. O pedido imediato não tem prazo fixado em norma positiva, mas considera-se que o primeiro-ministro deva permanecer alguns meses até o requerimento de novo pedido de dissolução.

7) O aconselhamento real

O Soberano, em épocas remotas, sempre foi ajudado na sua tarefa de governo do Reino por meio do aconselhamento de seu Conselho Privado (Privy Council). Era comum, nas épocas absolutistas, os reis se limitarem a convocar seus oficiais e conselheiros, ao invés de se socorrerem ao Parlamento.

Por questões de contestação à figura do rei absolutista e pela união gradativa do Reino (inclusão territorial), o Conselho Privado do Rei foi, pouco a pouco, perdendo a importância que detinha, passando a ter uma representatividade relativa nas decisões do Soberano. Com o passar do tempo, o ato de pertencer ao Conselho Privado não mais significou ascensão à Coroa, muito menos às diretrizes governamentais.

O  pertencimento ao Conselho Privado passou a ter a conotação de “cargo honorífico” para seus membros.
Atualmente, os conselheiros privados são convocados pelo próprio Soberano para comporem o Conselho, mediante indicação do primeiro-ministro. Em geral, são membrosdo gabinete que governa, mas ficam no Conselho Privado mesmo depois que perdem seus cargos. É comum que membros da família real e autoridades não-governamentais que ocupam cargos de importância, como Arcebispos e o  Lord Justice, também façam parte do Conselho Privado. O Conselho atual conta com 400 membros.

Ocorre com o Conselho Privado real o mesmo que sucede com os nossos conselhos republicanos; neste caso, segundo nossa interpretação (Conselho da República  e Conselho de Defesa Nacional – arts. 89 e 91 da Constituição Federal), o fato de que seus membros devem guardar segredo sobre as decisões que ali são tomadas. Os fatos  discutidos e as decisões tomadas engendram o segredo de Estado e não podem ser revelados.

No Reino Unido, os conselheiros o fazem por meio de juramento (take  an oath) e não podem externar o que ali foi discutido e decidido, a não ser sob autorização do próprio Soberano. No caso brasileiro, não há norma escrita nesse sentido, mas se conclui, pelo próprio gênero de assuntos que ali são decididos, que os temas versados são considerados segredo de Estado.

 No Brasil, as decisões dos conselhos são meramente consultivas; apenas a sua convocação é imperativa. As decisões dos conselhos não precisam ser acatadas pelo presidente da República, mas, em não o fazendo, se forem reveladas, podem conduzir à sua responsabilização.No caso inglês, se o Soberano autorizar, as decisões do Conselho Privado podem se tornar públicas por meio de uma Royal  Proclamation. Muitas vezes, a Royal Proclamation é altamente recomendável, como quando se discute, dentro do Conselho Privado, a dissolução parlamentar e a substituição do primeiro-ministro.

Para uma eficiência maior, o Conselho Privado, na prática, funciona com pouquíssimos membros, cerca de quatro ou cinco. Mas ele não funciona tão-somente em assuntos que envolvam a segurança do Reino. Podem vir a ser constituídas comissões específicas dentro do Conselho Privado que discutam as políticas que sejam direcionadas a um braço do governo, como comissões especiais das comunidades de língua inglesa, da educação, da saúde etc.

O Conselho Privado tem o Secretário oficial, denominado Oficial Clerk, responsável pelas convocações e encarregado de reduzir a termo as considerações tomadas.  O Conselho é presidido pelo membro mais velho, o Lord President of the Council. Mas nem sempre essa presidência é efetiva na prática, pois, como há comissões internas no Conselho Privado, muitas vezes o ministro do governo responsável por uma área que tem a atenção do Conselho Privado é quem dirige os trabalhos.

8) O Império do Direito e a prerrogativa da Coroa 

Por mais que se reconheçam e se aceitem prerrogativas à Coroa e aos membros do gabinete que governa, nenhum dos dois pode estar acima da lei. Desde a Revolução Gloriosa e seus desdobramentos de controle da Coroa, os atos do Soberano devem estar previstos em lei ou nos costumes (tradição). Obviamente, por não haver um texto único constitucional, como nos países de constituição rígida, os direitos e deveres da Coroa que  estejam previstos em lei são discriminados em atos do Parlamento, que, em nosso sistema positivo, poderíamos classificar como leis ordinárias ou complementares que discorram sobre os poderes do Chefe do Executivo;  e, também, no direito consuetudinário que se revela na tradição do modo de agir da Coroa.

No regime monárquico, como na República, as autoridades do governo têm prerrogativas que as salvaguardam de serem tratadas como simples cidadãos, sendo que naquele ainda vale o princípio da diferenciação entre seus cidadãos com base em critérios de honra e tradição. Bradley e Ewing definem a prerrogativa da Coroa não como “um benefício ao Soberano e sim como um mecanismo que permita o governo funcionar, e a prerrogativa é um assunto que provem do direito  consuetudinário e não das leis”.

Blackstone definiu melhor: “é uma preeminência que o Rei tem, além e acima de todos os cidadãos, e fora do alcance das leis, por direito de sua dignidade real.” A adoção de uma ou outra definição pode levar a hesitação  na interpretação do termo fora do alcance das leis. Em verdade, hoje, há prerrogativas do Soberano que se encontram prescritas em leis – Acts of the Parliament –, e outras se baseiam no direito consuetudinário, na tradição de agir de reis e rainhas. Quando Blackstone fala em fora do alcance das leis, ele tenciona dizer que as prerrogativas do Soberano estão fora do alcance das leis que são aplicadas ao conjunto dos cidadãos.

Para exemplificarmos, não podemos criar analogismos como crêem alguns que o Soberano tem privilégios de foro, imunidades, prevalência em detrimentos de outros etc.Na vida ordinária que o Soberano leva, seus direitos e deveres são os mesmos que detêm os cidadãos do Reino Unido, com exceção de alguns poucos que citaremos adiante e daqueles que digam respeito, eminentemente, aos atos de governo. Se alguns atos de governo puderem vir a engendrar algum crime ou ilícito, adentrarão, em proteção ao Soberano, as prerrogativas a que faz jus, não para descriminá-lo ou retirar-lhe a culpa que tem, mas sim em homenagem à função que ocupa.

Imaginemos que o Soberano venha, por ato próprio seu, a expulsar um estrangeiro das terras de seu Reino, e esse cidadão, se sentindo ofendido, viesse  a ajuizar ação contra o próprio Soberano, exigindo reparações. Este é um típico ato de prerrogativa do Soberano, conferido por ato do Parlamento, e que, em muitas repúblicas, se outorga também aos chefes do Poder Executivo. Por este ato, o Soberano, se embasada a sua decisão, não pode ser responsabilizado civilmente. Agiu como Chefe de Estado; assim, se alguma reparação vier a ser reconhecida, deve ser dirigida contra o Reino, e não contra a figura do Soberano.

9) Poderes próprios e relações com os demais poderes do Estado

Atos típicos de Estado são os que se referem aos tratos do Soberano com o Poder Legislativo. O Soberano conserva os atos de convocação, prorrogação e dissolução da Câmara dos Comuns. Conserva também alguns atos de legislar por  Orders in  Council  e Letters Patent.

Para nós, de sistemas normativos estratificados, fica mais difícil entender a figura desses atos da Coroa. São atos, nem sempre regulamentadores, que se assemelham ao nosso decreto presidencial, pois podem, inclusive, criar direitos que não estejam previstos em leis anteriores (Statutes). As Letters Patent têm a forma de um decreto da Coroa que confere direitos a pessoas ou categorias de pessoas e toma forma pública.

Com as Letters Patent, exemplificadamente, o Soberano pode conferir a uma pessoa que tenha prestado relevantes serviços ao Reino um pensionamento por toda a vida. As  Orders in  Council também têm a forma de decreto, e são decididas pelo Soberano reunido com o seu  Privy  Council. Hoje em dia, essas  Orders in  Council são ainda utilizadas pelo Soberano, mas de acordo com o gabinete que governa, e não somente com o Privy Council. Esses atos, em especial as Orders in Council, eram muito utilizados em relação às colônias inglesas, hoje reconhecidamente países independentes; atualmente, ambos também são utilizados freqüentemente em relação ao Civil Service do Soberano.

O que está vedado ao Soberano é criar novas figuras criminais, por meio desses atos normativos que lhe são conferidos. A previsão legal de um crime somente pode ser feita pelo Parlamento. Em relação ao Poder  Judiciário, pode o Soberano estabelecer Cortes para administrar a justiça, ou seja, nomear membros do Poder Judiciário que cuidarão da administração judiciária. Ficou-lhe vedada, todavia, a criação de novas Cortes de Justiça, o que somente é deferido ao Parlamento.

No entanto, o Soberano ainda conserva prerrogativas de ingerência na esfera judicial, principalmente na criminal. Por interferência do Advogado-Geral, o Soberano pode suspender um indiciamento ou processo já ajuizado contra qualquer cidadão, utilizando-se a ação denominada  nolle prosequi. Em última instância, pode o Soberano oferecer apelação contra as decisões da Cortes dos países membros da Commonwealth para o Comitê Judicial do Privy Council.

Após a consulta ao Home Secretary, órgão que tem funções de autoridade policial sobre os condados ingleses, o Soberano pode exercer o perdão, a remissão e a redução de penas de condenados. Embora diversas na definição científica da matéria penal, essas prerrogativas são semelhantes às que o nosso presidente da República detém como, por  exemplo, conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei (art. 84, XII da Constituição Federal).

O Soberano exerce também poderes emergenciais de convocar tropas e serviços civis para conter situações emergenciais provindas de fatos da natureza ou causadas por rebeliões, como atos atentatórios ao Estado. Essas prerrogativas se iniciaram no reinado de Carlos I, que, ao estender o tributo conhecido como Ship Money a toda a nação, deu azo ao início das guerras civis inglesas. Num momento de conturbação, o Rei dissolveu o Parlamento, em 1629, e passou 11 anos governando a nação inglesa sem qualquer interferência parlamentar. Depois da Revolução Gloriosa, em 1688, esses poderes reais foram limitados no que concerne à instituição de novos tributos que viessem a gerar oposição popular.

A questão que se coloca hoje em dia é se o Soberano ainda conservaria esses poderes em situações emergenciais, como no caso de atos terroristas ocorridos em território do Reino Unido. Há uma máxima no sistema de common law de que o desuso de um direito não limita o seu exercício. Mas tem se  consolidado a principiologia de que os poderes emergenciais da Coroa somente podem ser exercidos se outros não forem conferidos por lei a outras autoridades estatais.

Da maneira como se deram os fatos em 1629, jamais houve parecença na vida inglesa; todavia, outras circunstâncias já levaram o Soberano a agir com poderes emergenciais. Em 1982, com a invasão da Ilhas Malvinas pela tropas argentinas, a Coroa requisitou navios civis para ajudarem na reconquista das ilhas. Todas essas requisições  foram, posteriormente, indenizadas pela Coroa, nos casos necessários.
Há algumas relações da vida privada em que o Soberano desfruta de diferenciações dos cidadãos, ainda que não se trate de atos de Estado. As relações trabalhistas, no que diz

respeito aos empregados que trabalham para a família real, diferem das relações de Direito do Trabalho ordinárias. Isso não confere à Coroa o poder de tratá-los de maneira indigna ou dispensá-los do trabalho ao seu bom alvitre! A prerrogativa não pode engendrar abusos por parte dos membros da família real.
Mas, em geral, as prerrogativas do Soberano são reconhecidas nos assuntos de Estado de que trata. Com exceção dos assuntos em que age motu proprio, os seus atos são tidos como atos do governo; assim, a responsabilidade recai sobre os ministros do gabinete que está formado, os quais devem contas ao Parlamento pelos atos do Soberano que contaram com sua contreseing. Esta é a afirmação clara da prevalência do Poder Real como Poder Moderador, cuja origem remonta ao início do século XIX com a afirmação das Monarquias Constitucionais na Europa.

10) Responsabilidade do Governo e a moção de desconfiança 

Nós também sofremos essas influências na primeira Carta outorgada pelo Imperador D. Pedro I. Diz a nossa Carta Imperial de 1824, em seu art. 99: “A Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.” D. Pedro I repete, praticamente  verbo ad  verbum, a Constituição francesa de 1814, que dizia em seu art. 13: “La personne du Roi est inviolable et  sacrée.  Ses ministres  sont responsables. Au Roi Seul appartient la puissance executif.”

A Carta Imperial brasileira afirma que o Poder Moderador é a chave de toda a organização política. O Poder Moderador era um quarto poder mais próximo do Poder Executivo, já que o Imperador também era reconhecido como Chefe do Poder Executivo e tratava diretamente com seus ministros (art. 102 da Carta Imperial de 1824).

A teoria do Poder Moderador foi desenvolvida por Benjamin Constant, escritor francês liberal que se aproximou dos reis  Bourbons no movimento de Restauração pósBonaparte. Constant escreveu sobre a Constituição francesa de 1814:  “Nuestra Constitution, al  establecer  la  responsabilidad de los ministros, separa claramente el poder ministerial del poder real. El hecho de que el monarca sea inviolable y los ministros responsables,  prueba por si solo esta  separacíon.

(...) Si se les considera sólo como agentes pasivos y ciegos, su  responsabilidad sería absurda e injusta, o, como mucho serían responsables solo ante el monarca del estricto cumplimiento de sus ordenes. Pero la Constitución quiere que sean responsables ante la nación, y que en ciertos casos las ordenes del monarca no puedan servirles de excusa.”

No Reino Unido, os ministros são responsáveis pelos seus atos perante  o Parlamento. O primeiro-ministro discursa e presta esclarecimentos sempre perante  a Câmara dos Comuns, e é pelos membros desta Câmara que ele é questionado por atos de seus ministros e atos que envolvam a participação do Soberano. Os Comuns, todavia, não interferem em atos do Soberano, ratificados pelo gabinete, que digam respeito a alguns assuntos específicos, como, por exemplo, a concessão de honrarias e assuntos eclesiásticos.

Há atos que o Soberano, juntamente com o gabinete, pode adotar que independem da prévia auscultação do Parlamento. A declaração de guerra e  a movimentação de tropas são ilustrações desses atos. Mas, posteriormente, é necessário um ato do Parlamento para manter as tropas no local onde se encontrem.
O Parlamento pode, no entanto, abolir ou reduzir prerrogativas do Soberano, e para tal não precisa nem da aquiescência do primeiro-ministro – obviamente, se um ato desse jaez chega a ser discutido na Câmara dos Comuns, muito provavelmente  o primeiro-ministro já perdeu a maioria de que dispunha.

Bradley e Ewin nos dão um bom exemplo: “For example, the Crown may recognize a new foreign government or enter into a treaty without first informing Parliament. Parliament may criticize ministers for their action and the consequences; but Parliament has no right to be consulted in  advance, except to the extent that a conventional practice has developed of assuring the opportunity for such consultation.”

Num governo parlamentar, a responsabilidade de seus membros se baseia em dois princípios: controle e prestação de contas. O controle pode ser entendido tanto como aquele exercido pelo próprio Parlamento como pela massa da população. Ele pode ser abrangente. A imprensa tem um papel fundamental na proposição de convencimento que se faz da massa pública. Os meandros das casas legislativas e as ações de governo são fiscalizados de perto pela imprensa inglesa, como sói acontecer em todas as democracias ocidentais que reconhecem a liberdade de informação como um direito constitucionalmente garantido.
Muitas vezes os acontecimentos que não denotam nenhum traço de importância podem vir a ser considerados vitais para um governo, quando revelados ao público.

O controle, nos países democráticos, é exercido das mais variadas formas.  A opinião pública tem muita relevância, principalmente sobre os membros do Parlamento, a quem os componentes do governo devem contas, in first place. Se o corpo parlamentar se sentir premido pelas vozes da massa, certamente o primeiro-ministro ou os ministros do governo serão convocados a prestarem esclarecimentos.

A prestação de contas, ou responsabilidade final  do governo, termo que os ingleses utilizam como accountability, pressupõe a obrigação de prestar contas, responder, revelar, expor e justificar. É mais do que simplesmente prestar esclarecimentos. É, em verdade, o comparecimento formal do primeiro-ministro ou de seus ministros para explanar, corrigir, explicar ou, quando necessário, justificar as ações do governo.  Geoffrey  Marshal chama este tipo de responsabilidade de  “explanatory
accountability”.

 Pode se dar antes ou depois dos atos que engendraram a solicitação ao Parlamento de satisfações. Há também a amendatory or remedial accountability. São os atos de prestação de contas quando houve por parte do governo omissões de conduta ou condutas erradas. Os ministros são chamados a explicarem-se e a corrigirem os erros ou omissões cometidas. Muitas vezes, nas prestações de contas ou esclarecimentos dados pelos ministros do governo, o alvo do Parlamento pode ser tão-somente o ministro faltoso, e não todo o gabinete.

Assim, somente o ministro é chamado a dar explicações. Inclusive, os ministros, individualmente, respondem pelos atos dos funcionários que estão sob o seu poder. Os esclarecimentos e as prestações de contas são sempre dirigidos à Câmara dos Comuns. É a casa popular. Segundo principiologia inglesa, é ao povo que o governo deve satisfações. O sistema parlamentar se coloca na dependência de confiança da Câmara dos Comuns. Perdida esta, perdida está a sua sustentabilidade. Na Grã-Bretanha, o sistema de controle parlamentar se encontra amadurecido e não se deixa levar pelas paixões corriqueiras da política.

Durante todo o século XX, o  gabinete que governava foi derrubado por votos de desconfiança somente por três vezes, duas em 1924 e uma em 1979. No entanto, a derrubada de um gabinete nem sempre significa a dissolução parlamentar. Pode haver a derrubada do governo e o Soberano ser instado a chamar outro primeiro-ministro para formar outro gabinete.

Nesse sistema reside grande parte da própria responsabilidade da Câmara dos Comuns. Se ela nega apoio a um gabinete e vota uma moção de desconfiança,  o primeiro-ministro, ainda que demissionário, pode requerer ao Soberano que a dissolva e convoque novas eleições. Novas eleições significam a perda dos cargos dos atuais parlamentares e disputas cujos resultados não se podem garantir. Assim, é de suma importância que a Câmara saiba para que caminho envereda quando lhe é colocada a decisão de apoiar ou não o gabinete que governa.

Vê-se, com apenas três dissoluções em 100 anos, que a Câmara dos Comuns da Grã-Bretanha tem se demonstrado assaz responsável na sua tarefa de apoiar os gabinetes que governam. A moção de desconfiança não é retirada de votações ordinárias. Ela faz parte de um contexto de agravamento da situação do gabinete. A derrota, por exemplo, num projeto de lei que multa proprietários de cachorros que urinam nas ruas de Londres não significa que o gabinete não tem a sustentação da Câmara dos Comuns.

Cabe ao primeiro-ministro determinar quando um assunto é vital para o governo. Esse assunto, para ser aprovado, será tratado, doravante, como crucial para  a sustentabilidade de seu gabinete. Logicamente, essas proposições são feitas pelo primeiro-ministro em épocas de imprescindíveis reformas legislativas ou governamentais, que fizeram parte do projeto de governo que o levou ao cargo. São questões categóricas que o primeiro- ministro deve levar à apreciação como “voto de confiança” da Câmara dos Comuns.

11) Finalizando

O presente trabalho não tem a pretensão de ser exaustivo sobre o sistema monárquico do Reino Unido. Tencionamos, tão-somente, trazer aos leitores alguns aspectos que nós, republicanos, rotineiramente, repetindo inverdades sobre a construção da Monarquia inglesa, dizemos: que é um sistema em decadência e que o Soberano não tem mais qualquer poder.

Como vimos, nessas linhas, nada mais falso do que acreditar que o Soberano inglês não exerça a Chefia do Estado. Ele a exerce, e detém muitos poderes. A utilização  desses poderes é um critério de ciência e prática políticas que ficam ao alvitre daquele que se encontra no trono, o que não quer dizer que seus poderes sejam apenas teóricos! Aliás, muitos deles, nem no papel, como vimos, se encontram. São, amiúde, retratos de práticas seculares, ou até mesmo de uma única prática isolada, perpetrada há 200 ou 300 anos, mas a sua precedência justifica a sua repetição. Como deixamos consignado também, no direito consuetudinário o exercício de um direito ou de uma  prerrogativa não se perde pelo desuso!

O que mais se pode defluir do que escrevemos é que os monarcas ingleses carregam consigo uma alta dose de prudência ao exercerem os poderes que detêm. Não é por ter a forma monárquica que o povo inglês enxerga o Rei como um Chefe de Estado pouco representativo. Nem por ser monarca, os costumes e as normas lhe autorizam o excesso. Pelo contrário, a história inglesa é uma história de controle dos Poderes de Estado, não só do monarca.

A compreensão de limites, sem descartar a existência e a possibilidade de utilizar os poderes seculares, é que dão ao sistema inglês perpetuidade e incentivo de sua própria população. Não só em solo inglês, como também nos países da Commonwealth, onde presenciamos, recentemente, na Austrália, o voto pela permanência da monarquia. A jactância de políticos republicanos de que a monarquia inglesa é tão bela quanto inexistente, se dá justamente com o aperfeiçoamento da democracia no mundo ocidental – e o Reino Unido é um dos próceres desse processo – pois freqüentemente se confunde o princípio democrático com o princípio da igualdade.

A Monarquia é essencialmente o regime da diferença. A diferença traz riqueza ao corpo social. A diferença baseada no mérito torna a nação mais virtuosa e menos asséptica. A Monarquia não é, necessariamente, um regime que reconhece o privilégio para alguns poucos. Não! Assim como nas Repúblicas, as Monarquias Constitucionais atuais reconhecem prerrogativas para determinados ocupantes de cargos, e o monarca é mais importante deles. É bem verdade que sua inspiração é própria. Não veio da gênese republicana; pelo contrário, esta que tirou lições daquela!

A sua aproximação ao mito popular da igualdade está em que o Chefe de Estado monarca se conduz como um magistrado. Ainda nesse aspecto sobreleva-se às repúblicas, pois o Soberano é apolítico e imparcial, ao contrário dos presidentes da República, que devem, obrigatoriamente, pertencer a uma facção política.Mas as Monarquias atuais, em especial a do Reino Unido, têm uma alta dose de republicanismo, se reconhecermos como tal uma forma de exercício da cidadania e não a República como um regime político.

O regime monárquico é muito mais sincero que a República, pois coloca objetiva e claramente a diferenciação entre os cidadãos. Como vemos, em muitas de nossas repúblicas ocidentais, o desnível econômico entre as pessoas é motivo de bazófia política sob o argumento da tão desejada distribuição de renda.

É notório que qualquer governo combata a pobreza e lute por uma distribuição de recursos mais social, não necessariamente igualitária! Não se pode dar a quem já tem, ou pelo menos, não se deve. A evidência curial de um regime de diferenças é que ele trata desigualmente o desigual. A diferença de níveis sociais existe e nenhum governo conseguirá extingui-la, sob pena de retornamos à execrável tentativa do socialismo real, em vigor de 1917 a 1989, que ao mundo só trouxe grandes desilusões. A monarquia inglesa, por seu afinco em valorizar as suas tradições seculares, é mais autêntica, pois baseia suas conceituações de igualdade e desigualdade sobre  a REALIDADE e não sobre idéias.

Assim, aqueles que cultuam o regime democrático como um regime de liberdade responsável, no qual a diferença, dentro de determinados limites, é sobremaneira bemvinda, podem começar a reconhecer na Monarquia Constitucional valores semelhantes aos das Repúblicas que funcionam com relativa estabilidade.
A história do mundo ocidental demonstra que os regimes de maior estabilidade no século passado eram as Monarquias.

A ojeriza republicana às suas teses só pode significar  desconhecimento. Esperamos que essas linhas tenham servido para descortinar algumas realidades da Monarquia  Constitucional e desmistificar conceitos errados que muitos republicanos têm sobre os poderes do Soberano.

Francisco Bilac M. Pinto Filho
Advogado. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-RJ.
bilacpinto@pobox.com

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Rainha quase por acaso: 60 anos de um reinado


Elizabeth II, que comemora o aniversário de um dos reinados mais longos da história do Reino Unido, acompanhou as mudanças do país.

Elizabeth II, 85 anos, é a segunda monarca depois da rainha Vitória a ocupar o trono do Reino Unido por seis décadas.

Mas ela não nasceu destinada a ser rainha. Elizabeth era apenas a terceira na linha de sucessão do trono. Mas quis o destino que seu tio, o duque de Windsor, se apaixonasse por uma norte-americana divorciada, abdicando do trono em 1936. Daí para a frente, a jovem Lizbeth, de apenas 10 anos, teve de reescrever a sua história. A começar pela nova casa para onde ela, a irmã caçula, princesa Margareth, o novo rei George VI e sua mulher, a rainha que também se chamava Elizabeth, se mudaram no ano seguinte: o Palácio de Buckingham.

A Rainha Elizabeth II foi coroada no dia 2 de junho de 1953, em Londres

Curiosidades sobre o reinado

Monarquia - Dinastia: A rainha Elizabeth II é a 40ª monarca desde que William, o conquistador, obteve a coroa da Inglaterra


Aniversário - Datas: Ela nasceu em 21 de abril de 1926, mas seu aniversário é oficialmente celebrado em junho


Religião - Chefe da Igreja: A rainha, chefe oficial da Igreja da Inglaterra, Anglicana, entrou em uma mesquita pela primeira vez em julho de 2002, em Scunthorpe, Lincolnshire


Valor - Cofres públicos: A rainha custa 36,2 milhões de libras por ano aos cofres públicos, incluindo 359 mil libras pagas diretamente pelo governo ao príncipe Philip. Elizabeth II tem uma riqueza avaliada em cerca de 300 milhões de libras, o que a torna a 257ª pessoa mais rica do Reino Unido
Poder - Parlamento: Desde 1952, a rainha aprovou mais de 3.500 leis do Parlamento


Rotina - Desjejum: Toda manhã, sua mesa de café da manhã é preenchida com cereais e mingau de aveia em potes de plástico, iogurte e dois tipos de geleia (light e escura)


Família - Divórcios: Elizabeth é a primeira monarca a ver três filhos se divorciando

Quando criança, Lizbeth não frequentou escolas, aprendeu com tutores. Era uma menina calma, reservada e apaixonada por bichos, principalmente cavalos -  paixão que cultiva até  hoje. Ela ainda monta, e com estilo. Como mostrou aos seus súditos no segundo dia de janeiro, numa de suas propriedades, no condado de Sandringham, no Noroeste da Inglaterra: de capa azul, botas e batom vermelho e, como de hábito, no lugar do capacete de proteção, um lenço. "Uma ideia da qual é difícil convencê-la", disse a filha Anne, sobre a teimosia da rainha em não se proteger, como registrado no livro do jornalista Andrew Marr, "The Diamond Queen", uma das biografias lançadas neste ano.

Afora o fato de ser uma octogenária amazona, Elizabeth II tem uma agenda oficial tão intensa - de visitas a hospitais até encontros com chefes de Estado - que políticos bem mais jovens teriam dificuldade para acompanhar. Em 60 anos, a rainha já fez mais de 300 viagens ao exterior. No Reino Unido, visitou 25 mil lugares. Os anos de reinado acumularam mais de 3,5 milhões de cartas endereçadas à rainha. Classificá-la é tarefa complexa, mesmo para estudiosos da realeza.

Ela conviveu com 12 primeiros-ministros - de Winston Churchill a David Cameron - viu guerras e períodos de crise, como agora. Elizabeth II foi testemunha de mudanças demográficas, perda de colônias, guerras, o terrorismo do Exército Republicano Irlandês (IRA), de movimentos artísticos e também de tragédias militares.

Ao chegar ao poder, a soberana era chefe de Estado de nada menos do que 32 países, número que diminuiu na atualidade para 16, após muitas nações, nos anos 1960 e 1970, conquistarem sua independência, como a África do Sul e o Paquistão.

Esteve à frente de seu tempo e abriu as portas da realeza para o povo: a primeira transmissão de TV do palácio real, feita pela BBC, foi justamente a cerimônia de sua coroação. Não teve medo de ousar: desde as cores alegres ao se vestir até a forma de lidar com divórcios (e infidelidades) de seus filhos e noras. Viu também o herdeiro do trono, William, se casar com a plebeia Kate Middleton, no ano passado. Lida constantemente com as gafes do marido de longa data, o príncipe Phillip.  Eles estão casados há 64 anos.

A popularidade da monarquia caiu após a morte da mãe de William e Harry, a princesa Diana, em 1997. Naquele período turbulento, o silêncio da Casa de Windsor foi visto como indiferença.  Apenas cinco dias depois, numa resposta às críticas da opinião pública, Elizabeth fez um discurso lamentando a morte. Mas esse período ruim para a monarquia britânica parece ter sido superado: uma  pesquisa divulgada  pelo jornal britânico "The Guardian" na época do casamento do príncipe William, no ano passado, mostrava que quase 70% da população acredita que a monarquia ainda é relevante para o país.

No final do ano passado, países da Comunidade Britânica  decidiram mudar mais de mil anos de história real para dar a homens e mulheres as mesmas chances de assumir a coroa, o que, de certa forma, deu à monarquia um ar mais simpático diante dos novos tempos. Ficou decidido que haverá igualdade sexual na linha de sucessão, prevalecendo a ordem de nascimento. Na tradição, as filhas mais velhas ficam atrás dos irmãos mais novos na lista. Elizabeth II só se tornou uma monarca por não ter irmãos. As mudanças significam que o primeiro filho de William e Catherine Middleton (agora duque e duquesa de Cambridge), seja ele homem ou mulher, entrará automaticamente na linha de sucessão, que tem o pai de William, Charles, como segundo da lista.

A Rainha é POP


Beatles: No auge da beatlemania, em 1965, Elizabeth II condecorou o grupo com as medalhas da Ordem do Império Britânico. Antes do encontro com a rainha, eles fumaram maconha no banheiro do palácio 


Bono Vox: Em 2006, a rainha indicou Bono Vox, vocalista irlandês do U2, para Cavaleiro Comandante da Ordem  do Império Britânico. A honraria se deu em reconhecimento a seus serviços prestados à indústria musical e por seu trabalho humanitário


Lady Gaga: Um dos últimos encontros inusitados da rainha com nomes da música pop se deu em 2009, quando a performática cantora Lady Gaga participou de um evento beneficente anual da família real britânica 


Cinema: Em 2007, a atriz  Helen Mirren encarnou a monarca no longa "A Rainha" e levou o Oscar. O filme retrata como Elizabeth II lidou com a comoção nacional após a morte da ex-princesa Diana
Comemorações

As principais celebrações do Jubileu de Diamante ocorrerão entre os dias 2 e 5 de junho - Elizabeth foi empossada em seis de fevereiro de 1952 e coroada no dia 2 de junho do ano seguinte. Mas o alvoroço em torno da festa já começou. Em geral, a rainha passa reclusa o Dia de Adesão, como a data é conhecida, mas neste ano foi  diferente. Uma saudação de 41 tiros no Hyde Park seguida por uma salva de 62 armas na Torre de Londres agitaram a manhã londrina.

Em uma carta dirigida aos cidadãos britânicos, a monarca escreveu: "Espero que este ano do Jubileu seja um momento para agradecer os grandes avanços conseguidos desde 1952 e olhar para o futuro com a mente clara e um coração solidário ao unir-nos em nossas celebrações". Se depender da disposição e da saúde da monarca, o príncipe Charles ainda terá que esperar um bom tempo para ocupar o trono.