"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 18 de novembro de 2008

15 de Novembro de 1889



O Partido Republicano era uma insignificante minoria.


Dom Luiz de Orleans e Bragança escreveu: “A Monarquia brasileira, no momento da catástrofe, contava um número ínfimo de adversários declarados. Ao contrário, os seus partidários e admiradores constituíam a quase totalidade da população”.


Por mais que alguns republicanos agora queiram provar que a Monarquia caía de podre, que a República era um anseio popular e que o movimento pela sua proclamação estava organizado até os ínfimos detalhes, os fatos foram bem diferentes. O Imperador e a Princesa Isabel eram respeitados e admirados pela gente humilde, que no ano anterior deixou de ser escrava. O Partido Republicano conseguiu eleger apenas dois deputados nas eleições de agosto. Nas ruas, as simpatias que conseguia angariar eram episódicas e pouco eficazes.


Cada intelectual, cada grupo, cada partido possuía uma razão própria, um descontentamento particular contra o Governo, simbolizado às vezes pelos ministros, às vezes pela Princesa Isabel, às vezes pelo Conde d’Eu e, freqüentemente, pelo próprio Imperador.


O ideal republicano não era o ideal das figuras mais representativas daquela época. O grosso das classes conservadoras, céticas ou descrentes em relação à Monarquia, tinha em certa suspeição o sistema republicano. Onde esta encontrava os seus adeptos mais fervorosos era na classe dos estudantes, entre os bacharéis novatos ou entre os “cadetes filósofos” da Escola Militar.


Benjamim Constant possuía um campo de ação circunscrito entre a jovem oficialidade, mas o grande público ignorava-o completamente.


Era, com efeito, nessas classes de letrados inexperientes, cheios de entusiasmo juvenil, mas sem grandes responsabilidades sociais, e muito menos políticas, que o Partido Republicano recrutava a quase totalidade dos seus adeptos. Os próprios elementos da grande aristocracia rural, embora desgostosos com a Monarquia, não se tinham bandeado inteiramente para a República: revelavam uma certa recalcitrância em fazê-lo. Os republicanos eram, por isso, já nas proximidades de 15 de novembro, principalmente gente de cidades e vilas, e não gente do campo. É o que se depreende do testemunho insuspeito do deputado Sebastião Mascarenhas.


Contestando que a expansão da idéia republicana fosse devida aos despeitos provocados pela Abolição, dizia ele, na sessão de 11 de setembro de 1888:


— Sr. Presidente, o entusiasmo com que as idéias republicanas são abraçadas em Minas não provém do despeito por causa da abolição, como entendem alguns nobres deputados e o Governo. Para provar isso, basta dizer que a maior parte dos republicanos é residente nas cidades e vilas.


A história do deputado republicano Antonio Romualdo Monteiro Manso é um bom exemplo. Eleito para ocupar a vaga deixada pelo Barão de Leopoldina, que se tornara senador, ele seria o único deputado republicano daquela legislatura, porque os três anteriores não haviam conseguido reeleger-se. No dia 6 de setembro de 1888, apresenta-se na Câmara um tipo caricato para assumir a sua cadeira. Convidado a prestar o juramento, Manso declarou:


— Não posso prestar juramento, porque é contra as minhas convicções.Exatamente 10 palavras. E o presidente da Câmara declarou:


— Então o nobre deputado se retirará e a Câmara decidirá.


E a Câmara deliberou suprimir a obrigatoriedade do juramento, para os que alegassem convicções pessoais. Durante os 5 dias que duraram as discussões, a imprensa transformou o deputado em celebridade nacional. Convidado a assumir a sua cadeira, Manso confirmou sua declaração anterior:


— Mantenho a minha declaração de que não posso prestar juramento, por ser de encontro às minhas crenças políticas e religiosas.


Exatamente 20 palavras. Estas, mais as 10 anteriores, foram os únicos discursos que ele pronunciou, durante todo o período do seu mandato. Mas a imprensa lhe abria todas as portas: “Honramo-nos hoje dando na primeira página o retrato do ilustre democrata Dr. Monteiro Manso. Deputado republicano da importante e altiva província de Minas, ele tem sabido corresponder aos desejos de seu partido”.


Na Câmara, dado o seu mutismo e incompetência, foi interpelado:


— Ainda Sua Excelência não se dignou dizer-nos em nome de que princípio foi enviado ao seio da representação nacional. Ainda não se dignou dizer-nos se é, como muitos outros que nós conhecemos, um republicano monarquista, ou um monarquista republicano.


Uma revolta militar que não era contra o Imperador.


O marechal Deodoro escreveu duas cartas ao seu sobrinho Clodoaldo da Fonseca, da Escola Militar, em 1887 e 1888, nas quais afirma:


“República? Seria coisa impossível, verdadeira desgraça. República no Brasil e desgraça completa é a mesma coisa”. Pouco depois, o mesmo homem proclamou a República...No dia 4 de novembro, graças a um pedido de seu sobrinho, tenente Clodoaldo da Fonseca, Deodoro recebeu em sua casa um grupo de oficiais. O marechal, que padecia de dispnéia (falta de ar) devido à sua arteriosclerose, os atendeu na cama. Os militares lhe disseram que o Visconde de Ouro Preto pretendia reorganizar a Guarda Nacional – um corpo militar formado e armado por homens ricos no interior do País – e fortalecer a Polícia no Rio, para contrapô-las ao Exército. Deodoro comentou:


— Só mesmo mudando a forma de governo.Os jovens oficiais ficaram surpresos com o comentário do marechal, e o capitão Antonio Menna Barreto arriscou uma pergunta:


— Podemos agir afoitamente no sentido de congraçarmos mais elementos?


Deodoro respondeu como quem dá uma bênção:


— Podem.


É hoje assente entre os historiadores que o marechal Deodoro somente na tarde do dia 15 de novembro aceitou a deposição do Imperador, e o fez a contragosto, instado pelos líderes republicanos. Quanto a seu irmão Hermes, que comandava as tropas na Bahia, relutou muito em aceitar a mudança de regime, só a reconhecendo a 18 de novembro, após a partida da Família Imperial para o exílio.


Se entre os “casacas” se falava de República, entre os militares a conversa dominante era a de derrubar o Ministério de Ouro Preto, e não a Monarquia. Na reunião no Clube Militar, na noite do dia 9, na mesma hora em que a Monarquia se deliciava no baile da Ilha Fiscal, em nenhum momento se colocou a necessidade de proclamar a República. Até Benjamim Constant não usou a palavra República.


A intenção de Deodoro, ao pôr-se à frente das tropas amotinadas, na manhã do 15 de novembro, não era derrubar a Monarquia, era tão-somente derrubar o Ministério chefiado pelo Visconde de Ouro Preto, contra o qual o Exército alegava sérios agravos. Tanto que, ao penetrar no Quartel General, em que estava instalado o Governo, bradou não o “viva a República” da legenda, mas sim “viva Sua Majestade, o Imperador”.


É o que relata Pedro Calmon: “O grito não foi de viva à República; nem podia ter sido. Deodoro não se pusera à frente da tropa para fazer a República. Tomara-lhe a chefia em plena marcha, para derrubar o Ministério e impor as decisões da revolução em nome do Exército e da Armada.


Ao subir as escadas que conduziam ao andar superior – onde o esperava o Gabinete vencido – Deodoro, de quepe na mão, gritou `viva Sua Majestade, o Imperador’. É o que nos contam José Bevilacqua, Cândido Rondon, o embaixador do Chile na sua correspondência”.


O mesmo afirma a Princesa Isabel, nas singelas e despretensiosas notas autobiográficas, que intitulou “Alegrias e Tristezas”, e foram publicadas na íntegra pela “Tribuna Imperial”, de Petrópolis: “O marechal Deodoro da Fonseca, descontente com o Ministério, nada mais desejava, então, senão derrubá-lo. No dia da sublevação, entrou com suas tropas no Quartel General, dando vivas ao Imperador”.


Ao entrar na sala do Quartel General, Deodoro cumprimentou primeiro seu primo, o ministro da Guerra, Visconde de Maracaju. Em meio ao maior silêncio, o marechal fez um discurso intempestivo. Dirigindo-se a Ouro Preto:


— Vossa Excelência e seus colegas estão demitidos por haver perseguido o Exército. Os senhores não têm nem nunca tiveram patriotismo. Patriotismo tem tido o Exército, e disso deu provas exuberantes durante a campanha do Paraguai.


O marechal lembrou ainda os três dias e noites que passou no meio de um lodaçal, durante a guerra. Impassível, o Visconde de Ouro Preto ouviu tudo sem interromper. Depois, disse a Deodoro:


— A vida política, senhor general, tem também os seus dissabores. E a prova disso tenho neste momento, em que sou obrigado a ouvi-lo.


O marechal demitiu o Ministério e afirmou que Ouro Preto e Cândido de Oliveira, ministro da Justiça, ficariam presos até serem deportados para a Europa. E concluiu:


— Quanto ao Imperador, tem a minha dedicação, sou seu amigo, devo-lhe favores. Seus direitos serão respeitados e garantidos.


Disse também que encaminharia uma lista de nomes do novo Ministério a D. Pedro II. De República, nada falou.


Uma geringonça aos solavancos, proclamando a República.


O embaixador da França relatou ao seu país, na ocasião da proclamação da República: “Dois mil homens, comandados por um soldado revoltado, bastaram para fazer uma revolução que não estava preparada, ao menos para já. Informações particulares permitem afirmar que os próprios vencedores não previam, no começo do movimento, as condições radicais que ele devia ter”.


Quanto à organização das forças que derrubaram de supetão a Monarquia, elas lembravam mais uma geringonça andando aos solavancos do que um trem bem azeitado. O dia 15 foi repleto de lances de confusão, de líderes que deram shows de hesitação (a começar por Deodoro), de liderados que acreditaram em boatos e saíram de quartéis pensando que estavam apenas derrubando o Ministério.


Benjamim Constant estivera com Deodoro, no dia 14 de novembro, e estava desolado. Ao descer do bonde no Largo de São Francisco, encontrou por acaso Aristides Lobo e Francisco Glicério, e lhes deu péssimas notícias sobre o estado de saúde do marechal.


— Creio que ele não amanhece, e se ele morrer a revolução está gorada. Os senhores, civis, podem salvar-se, mas nós, militares, arrostaremos as conseqüências das nossas responsabilidades.


Na tarde do dia 15, ao perambular pela cidade e constatar que pouquíssimas pessoas falavam de República, Constant percebeu o quanto a situação era esdrúxula. Encontrando o jornalista republicano Aníbal Falcão com um grupo de amigos, na Rua do Ouvidor, disse-lhes:


— Agitem o povo, que a República não está proclamada.


Aníbal Falcão redigiu uma confusa moção, dizendo que “o povo, reunido em massa, fez proclamar o governo republicano”. E conseguiu colher cerca de 100 assinaturas do “povo em massa”.


A dificuldade realmente intransponível era fazer Deodoro aceitar um ministério presidido por Silveira Martins, que fora indicado ao Imperador pelo Visconde de Ouro Preto. Eram inimigos desde o tempo em que o marechal serviu no Rio Grande do Sul, quando disputou com Silveira Martins as graças da Baronesa do Triunfo. Somente ao saber, já de noite, através de Benjamim Constant, que o Imperador havia nomeado Silveira Martins para a chefia do Ministério, Deodoro teria se resolvido a aceitar a instauração do regime republicano. Também se tentou que Deodoro fosse ter um encontro pessoal com D. Pedro II, mas o marechal recusou-se com estas palavras:


— Se eu for, o velho chora, eu choro também, e está tudo perdido.


A Princesa Isabel confirma: “A idéia de chamar para formar ministério a Silveira Martins, seu inimigo mortal (uma vez que Ouro Preto estava preso, e, solto sob palavra, pediu demissão), facilitou o trabalho dos republicanos que o cercavam, os quais aproveitaram-se do descontentamento da situação e conduziram-no à República”.


O marechal Deodoro jamais contestou que, até às vésperas de 15 de novembro, tivesse servido devotadamente ao Imperador. A sua adesão às idéias de Benjamim Constant data, talvez, de 10 a 12 daquele mês. Certo dia, já presidente, recebeu Deodoro no Itamarati um cavalheiro que alegava ser republicano de longa data, batendo-se pela República desde 1875.


— Pois eu, meu caro senhor, não dato de tão longe. Sou republicano de 15 de novembro; e o meu irmão Hermes, de 17!


Deodoro era presidente da República, quando o convidaram para visitar o ateliê de Rodolfo Bernardelli, no qual se achava, quase concluído, o quadro representando a proclamação da República. Na tela, a sua figura aparece montando um bonito cavalo. Ele se voltou para os que o acompanhavam, e comentou:


— Vejam os senhores... Quem lucrou, no meio de tudo aquilo, foi o cavalo!


A multidão não participou, nem aplaudiu a República.


Raramente uma revolução havia sido tão minoritária. Partindo do centro para a periferia, que republicanismo poderia existir no vasto Império brasileiro? A sintomática ausência de apoio popular ao golpe de 15 de novembro foi ressaltada por diversas testemunhas.


Arthur Azevedo, que viu o cortejo militar do dia 15 de novembro, afirma: “Os cariocas olhavam uns para os outros pasmados, interrogando-se com os olhos, sem dizer palavra. Na Rua 1º de março a passeata desfilou em silêncio, com Deodoro tentando manter-se ereto na sela e apresentando sintomas de recrudescimento de sua doença cardíaca”.O Conde de Weisersheimb, embaixador da Áustria no Rio, comunicou a Viena, em despacho feito cinco dias após a proclamação da República: “A grande massa da população, tudo quanto não pertencia ao Partido Republicano, relativamente fraco, ou à gente ávida de novidades, ficou completamente indiferente a essa comédia, encenada por uma minoria decidida”.


O Visconde de Pelotas constatou a mesma indiferença: “A Nação foi estranha a esse acontecimento, que aceitou como fato consumado. A sua indiferença foi injustificável, como ainda agora está sendo diante de novas ocorrências, e as conseqüências deste erro não se farão esperar muito”.


O conspirador Aristides Lobo registrou na imprensa paulista: “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditavam sinceramente estar vendo uma parada”.


Capistrano de Abreu, que não era político, relatou ao Barão do Rio Branco como assistira aos acontecimentos. Vindo do Campo de Santana, ficara “impressionado depois de ter visto uma revolução. Só há uma palavra que reproduz o que vi: empulhamento. Levantou-se uma brigada, chegaram os batalhões um a um, sem coesão, sem atração, sem revolução, e foram-se encostando um ao outro, como peixe na salga. Quando não havia mais batalhão ausente ou duvidoso, proclamou-se a República, sem que ninguém reagisse, sem que ninguém protestasse”.


Segundo Joaquim Nabuco, a proclamação da República exerceu, sobre a população atônita, um efeito similar ao do tiro de Caramuru entre os assombrados indígenas.


Entre os próprios conspiradores, a figura digna e honrada do Imperador era um empecilho aos seus projetos. Em uma das reuniões preparatórias do movimento republicano, a 6 de novembro, em casa de Benjamim Constant, assentavam-se planos quando Benjamim indagou:


— E que faremos do “nosso Imperador”?


Um silêncio profundo foi a resposta. A figura bondosa e justa do Monarca infundia respeito a todos aqueles conspiradores, impedindo uma resolução. Quebrou o silêncio o tenente Manuel Inácio:


— Exila-se!


— E se resistir?


— Fuzila-se! – declarou o tenente.


Todos se levantaram, numa reprovação. Refletindo a repugnância de todos, Benjamim exclamou:


— Oh! O senhor é sanguinário! Pelo contrário, devemos cercá-lo de todas as garantias e considerações, porque é um nosso patrício, e muito digno.


Tanto Benjamim Constant como Deodoro deviam grandes favores pessoais ao Imperador.


Ordenado o embarque da Família Imperial, procuravam atordoar-se com as responsabilidades que acabavam de assumir, esquecendo assim a ingratidão praticada. Pela manhã do dia 17, estava Benjamim no seu gabinete no Ministério da Guerra, quando lhe foram comunicar que o Monarca já se achava a bordo. Ele se deteve um instante e comentou:


— Está cumprido o mais doloroso dos nossos deveres.


Interrogado por um jornalista em Lisboa, sobre o embarque apressado que a Família Imperial foi obrigada a fazer, o Conde d’Eu afirmou:


— Disseram que não nos queriam expor ao furor popular. Porém, o que há de exato é que os revoltosos estavam convencidos de que o povo aclamaria o Imperador, se porventura o visse na rua.


O Congresso da República, inaugurado como enterro de primeira classe.


Magoaram profundamente o Imperador as atitudes de alguns revolucionários, por ocasião da proclamação da República. No seu exílio em Paris, ele se lamentou em presença do Conde Afonso Celso:


— A História me fará justiça, eis a minha fé consoladora. Atribuíram-me frases que não proferi, atos que não pratiquei. Aceitei os acontecimentos, sereno e resignado. Uma coisa única me incomodou deveras: o aparato da força desenrolada em torno do Paço da Cidade. Soldados a pé e a cavalo, guardando todas as portas, apontando para mim e para a minha família armas ameaçadoras, como se fôssemos réus e capazes de nos evadirmos. Não bastava, para segurança deles, a minha palavra? Havia um oficial de cavalaria que observava da praça todos os meus movimentos, acompanhando-me como uma sombra, se eu passava de uma sala para outra. Senti ímpetos de sair à rua para lhe dizer: “O sr. não me conhece, certamente. Não sou homem que fuja, ou me oculte. Não se moleste por minha causa. Fique tranqüilo, que me encontrará sempre no lugar que me compete”.


Um artigo atribuído a Oliveira Martins, e transcrito no “Journal des Débats”, coloca nos seguintes termos a questão da dotação de cinco mil contos de réis, recusada pelo Imperador, mas noticiada por Rui Barbosa como tendo sido aceita: “Enquanto o velho Soberano se achava entre o Brasil e a Europa, isolado no mar, sob a placidez estrelada da noite do Atlântico, a sua consciência de homem justo não lhe exprobrou decerto essa falta de caráter com que o Sr. Rui Barbosa o maculava pelo telégrafo. Depois disso, o Imperador chegou a Lisboa, e o mundo soube que uma das suas primeiras palavras foi a denúncia do crime de uma falsidade”.O Imperador D. Pedro II tinha grande prestígio nos Estados Unidos. O seu amor à liberdade, a sua atividade, a singeleza da sua pessoa, impressionaram sempre os americanos.


Os discursos pronunciados no Senado americano, quando se discutiu o reconhecimento da República brasileira, consistiram quase que exclusivamente, não no elogio dos vencedores, mas na exaltação das virtudes do grande vencido. O governo americano foi o último, de todos os governos do novo continente, que reconheceu a República no Brasil; e se inspirou, de certo, para essa demora, na frieza, na quase hostilidade com que a imprensa recebeu a revolução. O correspondente do País, em Nova York, rememorava estes fatos, insistindo na pouca simpatia que os americanos manifestavam pela nova ordem de coisas no Brasil.


O presidente dos Estados Unidos, Harrison, declarou que a impressão deixada pelo Imperador durante sua viagem àquele país, em 1876, fora de tal maneira favorável no espírito do povo americano, que ele não estava disposto ao reconhecimento do novo Governo, antes de aguardar alguma manifestação da opinião pública brasileira.


No seu primeiro dia de existência, a 15 de novembro de 1890, teve o Congresso intuição inteira e exata da vida que o esperava, do seu destino, do seu papel, do seu futuro.


Atopetada a sala de gente, repletos o recinto e as galerias, tudo permaneceu impassível, gélido, imóvel, sem um grito, sem um viva, sem um movimento espontâneo, sem uma aclamação, sem um frêmito, enquanto o secretário, a custo e a poder de copos d’água, lia, lia a interminável mensagem presidencial que falava em nome da Providência e da espada!


Terminada a melopéia, cada qual foi se esgueirando muito caladamente, tomando o seu chapeuzinho de adesista ou de histórico, com uma convicção bem arraigada:


— Qual... aqui não está o povo! Procurem-no em qualquer outra parte. Nesta sala, não!


Um dos corifeus do novo regime disse:


— É impossível assistir-se a cerimônia mais lúgubre. Parecia um enterro de primeira classe!


A República logo mostrou as suas garras.


Rui Barbosa foi um dos articuladores da proclamação da República, mas dela logo se desiludiu.


Em um discurso no Senado, em 17.12.1914, ele critica a República e exalta o Imperador D. Pedro II. O texto é bastante conhecido, mas poucos sabem o contexto em que se insere, porque a citação é sempre apresentada isolada:


“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime, o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade”.


Já nos primeiros anos da República, o marechal Deodoro estava tão cansado diante da impossibilidade de vencer a desordem, que disse:


— Vou mandar chamar o dono da casa.


E mandou um emissário ao Imperador exilado, que respondeu:


— Se me chamarem, voltarei. Conspirar, nunca!


O sociólogo Gustave Le Bon traçou de nossa terra este quadro vergonhoso: “Um só país, o Brasil, tinha escapado a essa profunda decadência dos povos sul-americanos, em virtude de um regime monárquico que colocava o governo ao abrigo das competições. Depois o país ficou entregue a uma completa anarquia, e em poucos anos a gente incumbida do poder dilapidou de tal maneira o Tesouro, que os impostos foram aumentados em proporção desmedida”.


Com a proclamação da República, foram rapidamente implantados em nossa terra a carestia de vida, a dívida pública interna e externa multiplicadas, o déficit assoberbado em todos os orçamentos, o desequilíbrio econômico e financeiro, os compromissos aterradores do erário, o descrédito da Nação, juntando-se a todos esses males o domínio nefando das paixões políticas, a ambição das altas posições, a mania das dissipações, o culto à politicagem, à burla eleitoral, e o modo elétrico de enriquecer uns tantos nababos, ontem sem eira nem beira, apenas com o recurso da esperteza!


Não se precisa mais do que folhear as páginas de nossa História para ver como, no tempo do Império, era bem mais adiantada que nos dias de hoje a mentalidade dos nossos políticos e dos nossos dirigentes. Essa República, como ela aí está, é uma traição que se fez ao País. Proclamaram a República em nome da liberdade, e em nome da República suprime-se a liberdade. Substitui-se uma dinastia honesta por vinte e duas oligarquias ferozes e vorazes que, na União e nos Estados, sorvem-nos, gota a gota, todas as nossas energias.


A República custou caro ao Brasil. As flutuações do câmbio, que da taxa de 28, que vigorava em 1889, baixou até a de 6; o aumento enorme da dívida pública, ocasionado pela megalomania implantada em todos os departamentos da administração; a multiplicação dos cargos públicos e das sinecuras – tudo isto trouxe como conseqüência o agravamento incessante dos impostos.


A proclamação da República implantou na realidade uma ditadura.


Quando falaram a D. Pedro II sobre a possibilidade da proclamação da República, ele comentou:


— Então vocês verão o que é “poder pessoal”...


De fato, vinte e quatro anos após a proclamação da República, o senador Muniz Freire analisava o novo regime:“O País anda entregue às tenazes de um sistema que não é mais do que o poder pessoal universalmente organizado. Poder pessoal praticamente irresponsável do Presidente da República. Poder pessoal dos indivíduos, famílias ou facções que se assenhorearam dos Estados.


Pior, muito mais direto, muito mais ofensivo, muito mais em contato com a carne do que o outro.


Poder pessoal dos chefes políticos. O Império desmoronou-se, o poder pessoal do Monarca foi destruído, e no seu lugar surgiu essa vegetação daninha de poderes pessoais muito mais intoleráveis.


O objetivo do poder pessoal que hoje domina em toda a parte é de garantir aos seus detentores, suas famílias, seus parentes e sequazes o emprego que fornece o ganha-pão, ou a posição que dá o prestígio à sombra do qual aumentam os bens e se fazem as fortunas. Honradamente, quando se é honrado, e por todos os meios, mesmo os mais cínicos e criminosos, quando não se possui escrúpulo, nem probidade, nem decoro. O Brasil político pode ser considerado um agregado de ventres”.


O Visconde de Pelotas, escrevendo em 1890 ao Visconde de Ouro Preto sobre a proclamação da República, declara: “O pronunciamento da guarnição do Rio, que deu como resultado a proclamação da República, surpreendeu-me mais do que a V. Exa., que dele teve aviso horas antes. Não julgava possível a República enquanto vivesse o Imperador, e daí a minha surpresa.


Se de mim tivesse dependido a sua permanência como Chefe da Nação, afirmo-lhe que não teria sido deposto. A República teve contra si haver sido feita por um pronunciamento militar, representado pela quinta parte do Exército”.Os revolucionários foram uns 300 militares do Exército e da Armada. Com 14 milhões de habitantes, o Brasil tinha um Exército composto de 13 mil homens, entre oficiais e praças. O golpe que derrubou a Monarquia foi tramado e executado por militares, que só na última hora convidaram os civis a entrar na conjura. As tropas com as quais contavam os rebelados não passavam de 500 homens. A superioridade numérica da ordem era esmagadora.


Um republicano e conspirador, Aristides Lobo, deixou registrado sobre o 15 de novembro, em artigo para a imprensa paulista: “Por ora, a cor do governo é puramente militar, e deverá ser assim. O fato foi deles, deles só, porque a colaboração do elemento civil foi quase nula”.


No fim da tarde, o desencantado redator ocupou o Ministério do Interior do Governo Provisório, caminho que o levaria a perceber, pouco depois, que aquela não era a República dos seus sonhos.


Benjamim Constant era um dos “bacharéis de farda”, militar “dublê” de filósofo positivista. Não cuidava e possivelmente pouco entendia das coisas de sua profissão. Chegara ao posto de tenente-coronel comandando uma escola de cegos, o que há de menos militar neste mundo. Fora daí, não desenvolvia outra atividade que não fosse ensinar matemática na Escola Militar e propagar doutrinas positivistas pelos cafés da Rua do Ouvidor. Republicano por sectarismo filosófico, ele era a alma do pequeno grupo de conspiradores que fazia pressão sobre a vontade amolecida de Deodoro.


Quando foi a Versalhes, para se despedir de D. Pedro II, o Conde Afonso Celso mencionou o nome de Benjamim Constant:


— Talvez Vossa Majestade ignore que ele faleceu doido. É o que afirmam testemunhas fidedignas.


— Já me tinham contado. Pobre homem! Conheci-o muito e o apreciava. Acredito que nos últimos tempos houvesse sofrido perturbações das faculdades mentais. Dessa maneira posso explicar o seu procedimento para comigo, de quem se mostrava tão afeiçoado. Não creio que a ambição o tivesse arrastado. Sua posição sob o Império era mais invejável do que a de um funcionário do governo militar. Era querido e respeitado de todos. Deve ter padecido extraordinariamente, se conservou a posse da razão. Sensível como era, a consciência da responsabilidade no descalabro nacional o deve ter torturado. Caso tenha agido com sinceridade e discernimento, a perda das ilusões, tão rápida e completa, certamente lhe infligiu punição atroz.


Apesar da propaganda republicana, dorme um monarquista em cada brasileiroInstalados no poder sem apoio da opinião pública, os republicanos logo sentiram necessidade de adotar medidas ditatoriais para silenciar a oposição monarquista, e assegurar desse modo a própria permanência no governo.


Nos cem anos durante os quais vigorou a proibição de sequer falar-se em Monarquia, o País foi programaticamente induzido a esquecê-la. Diretrizes governamentais de todos os tipos, explícitas ou dissimuladas, foram adotadas nesse sentido. Substituíram Pedro I por José Bonifácio, na iconografia oficial da Independência, mas a figura do Patriarca não calou fundo, além do que ele próprio era um defensor da Monarquia. Então, o papel de Tiradentes foi enfatizado e realçado a um grau nem sempre compatível com a realidade histórica. Ainda e sempre, para esconder ou minimizar o papel de Pedro I – um monarca – no processo da Independência.


Desde os primeiros dias da República, os autores de livros didáticos para os cursos primário e secundário, segundo critério de orientação e exigências do Ministério da Educação, passaram a só estampar o retrato de Pedro II com as longas barbas brancas e o aspecto cansado dos seus últimos anos de vida, para associar à Monarquia a imagem de velhice, decrepitude e coisa antiga.


Esses mesmos livros tratavam, e ainda hoje tratam, de evidenciar as glórias da proclamação da República, o heroísmo de Deodoro e o idealismo dos seus companheiros, como se tivessem participado de uma feroz batalha em prol da liberdade.


Monteiro Lobato compara o procedimento das pessoas no tempo do Império com o que passou a vigorar na República:


“Dom Pedro II agia pela presença. O fato de existir no ápice da sociedade um símbolo vivo e ativo da honestidade, do equilíbrio, da moderação, da honra e do dever, bastava para inocular no País em formação o vírus das melhores virtudes cívicas.


O juiz era honesto, se não por injunções da própria consciência, pela presença da honestidade no trono. O político visava o bem comum, se não pelo determinismo de virtudes pessoais, pela influência catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilitava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível. O peculatário, o defraudador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso – o mau cidadão, enfim – muitas vezes passava a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniqüidade, mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples presença da eqüidade e da justiça no trono.


Foi preciso que viesse a República, e que se alijasse do trono a força catalítica, para patentear-se bem claro o curioso fenômeno. O mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário, até 15 de novembro honesto, bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo ordem de soltura na ausência do imperial freio, desenfrearam a alcatéia dos maus instintos mantidos de quarentena.


Daí o contraste, dia a dia mais frisante, entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob quaisquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.Pedro II era a luz do baile: muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias de arte sobre os consolos, dando o conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social.


Extinguiu-se a luz: as senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de botequim, desaparecem as jóias”.


No interior do município de Bagé, no Rio Grande do Sul, alguns anos após a proclamação da República, um cidadão idoso perguntou a um viajante, que por ali passava e lhe pedira pousada:


— E como vai a política? O Imperador já está bom?


— O Imperador?! Mas ele já morreu, e desde 1889 estamos com a República proclamada!


— Mesmo?! Coitado do Imperador! Era tão bom! Por que fizeram essa injustiça?


O viajante procurou justificar o ato de Deodoro, mas o velho não se conformava:


— Coitado do Imperador! Era um santo!


Novas explicações sobre o que era a República e o que significava. O velho campeiro, porém, estava longe do mundo e indiferente a tudo, pela distância e isolamento em que se encontrava.


Não podia conceber o fato consumado. Finalmente, encerrando a palestra, desabafou:


— É por isso que tudo vai tão mal... Coitado do Imperador!

sábado, 15 de novembro de 2008

Teresa Cristina de Bourbon-Duas Sicílias



Com a Imperatriz Teresa Cristina, a caridade sentou-se no trono brasileiro.


Nos 46 anos que viveu entre nós, realizou Dona Teresa Cristina, a terceira Imperatriz, o perfeito protótipo de virtudes cristãs, pelo que lhe coube esse título de “mãe dos brasileiros”, no consenso unânime dos corações.


Durante a viagem que nos trouxe a Imperatriz Teresa Cristina, adoeceu um oficial de um dos navios brasileiros. A Imperatriz exigiu então que lhe informassem minuciosamente sobre a marcha da moléstia. E quando soube que o estado do distinto oficial era cada vez pior, mandou que parassem os navios e, em alto mar, deixando a capitânea, foi para bordo do navio onde estava o doente, a fim de ministrar-lhe seus cuidados. Ficou junto à cabeceira do oficial até que ele expirasse. Desde esse instante verificaram os membros da comitiva imperial quão grande era o coração da nova Imperatriz.


A 3 de setembro de 1843, chegava ao Rio a esquadra que nos trouxe de Nápoles a Imperatriz Teresa Cristina, e no dia seguinte ela desembarcava com o Imperador, que havia ido recebê-la no navio.


As qualidades excelsas de Dona Teresa Cristina sintetizam-se no cognome que lhe ficou, de mãe dos brasileiros, e resume-se na frase com que Benjamin Mossé encerra a notícia da sua chegada aqui: Desde esse dia a caridade se assenta no trono do Brasil.


Referindo-se a D. Pedro II e Dona Teresa Cristina, Machado de Assis conclui uma poesia com estes versos:


“Bem-vindo! diz-te o povo, e a frase poderosa, É como que fervente e tríplice ovação;


— Ouve-a tu, que possuis um anjo por esposa,Por mãe a liberdade, e um povo por irmão!”


Para que a auréola de sua esposa não fosse trocada pela coroa de espinhos, D. Pedro II aconselhou-a, com prudência e sabedoria, a limitar-se à sua dupla missão de esposa e mãe, e que nunca atendesse a pedidos de favores de quem quer que fosse, pois para cada pretendente servido haveria dúzias e centenas de pretensões malogradas.A Imperatriz assim fez. Sempre que se atreviam a importuná-la com pedidos, dizia:


— Isso é lá com o Imperador.


Dona Teresa Cristina rapidamente se adaptou ao novo ambiente. Seu completo alheiamento em relação à política, sua generosidade para com os necessitados, seu sorriso terno e o trato sempre amável ganharam a admiração do povo. Ela se tornou a “mãe dos brasileiros”, e a mulher mais popular e mais respeitada em todo o Império.


A visita de D. Pedro II a Jerusalém, em 1876, foi um dos marcantes acontecimentos locais da época. Para só citar um exemplo, basta dizer que a Imperatriz Dona Teresa Cristina, conforme sublinham as crônicas, foi a primeira imperatriz, depois de Santa Helena, mãe do Imperador Constantino, que pisou naquelas terras tão caras aos cristãos.


Durante a estada de D. Pedro II em Paris, Dona Teresa Cristina dava recepções no salão do Grande Hotel. Enquanto ela recebia as senhoras, o Imperador ficava quase sempre num salão vizinho, com algumas personalidades das ciências e das letras, que Gobineau lhe apresentava. Se alguém perguntava pelo Imperador, ela respondia:


— Está com os doutores.O Príncipe de Joinville, casado com Da. Francisca, irmã do Imperador, brincava com a esposa:


— Diga-me uma coisa, Chica: se você me tivesse perdido, iria procurar-me entre os doutores?


— Eu te procuraria por toda a parte – respondia a Princesa, sorrindo.


Da Imperatriz Teresa Cristina, nada há de mal a dizerAo tempo da proclamação da República, muito se havia zombado do Império, escarnecido o seu pessoal, envilecido o seu princípio essencial, infamado o Imperador nas pessoas dos seus antepassados. Não era possível fazê-lo nas pessoas da sua esposa e das suas filhas, cuja compostura e virtudes exigiam uma veneração à qual só um louco se poderia esquivar.


D. Teresa Cristina era respeitada por todos os partidos e pelos jornais de todos os matizes. Era extremamente caridosa. Quando teve de partir para o exílio, ficou desolada por não mais poder socorrer grande número de famílias desprotegidas da sorte, que tinham sempre dela o apoio moral e financeiro. Que iria acontecer a essa pobre gente? O Governo Provisório comprometeu-se a não abandonar os pobres mantidos pela bolsa particular do casal imperial.


No angustioso momento da partida para o exílio, a Imperatriz chorava convulsamente. O Barão de Jaceguai a aconselhou:


— Resignação, minha senhora.


— Tenho-a, e muito. Mas a resignação não impede as lágrimas. E como deixar de vertê-las, ao sair desta minha terra que nunca mais hei de ver?No dia 28 de dezembro de 1889, 40 dias após o banimento da Família Imperial da nossa Pátria, morreu em um hotel de Lisboa a Imperatriz Teresa Cristina. Nos seus últimos instantes de vida, confidenciou à Baronesa de Japurá:


— Maria Isabel, eu não morro de doença. Morro de dor e de desgosto.O historiador Max Fleiuss afirma: “Costuma-se dizer que o dia 15 de novembro foi uma revolução incruenta, feita com flores. Houve, porém, pelo menos uma vítima: a Imperatriz”.


Os jornais europeus comentaram a morte da Imperatriz. “Le Figaro” escreveu em 29 de dezembro de 1889: “A Europa saudará respeitosamente esta Imperatriz morta sem trono, e dir-se-á, falando-se dela: sua morte é o único desgosto que ela causou a seu marido durante quarenta e seis anos de casamento”.


No mesmo dia o jornal “Le Gaulois” afirmou: “Era uma mulher virtuosa e boa, da qual a História fala pouco, porque nada há de mal a dizer-se”.

sábado, 8 de novembro de 2008

Instrumento de Renúncia.


Príncipe Dom Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança.

Eu o Principe Dom Pedro de Alcantara Luiz Philippe Maria Gastão Miguel Gabriel Raphael Gonzaga de Orléans e Bragança, tendo maduramente reflectido, resolvi renunciar ao direito que pela Constituição do Imperio do Brazil promulgada a 25 de Março de 1824 me compete à Corôa do mesmo Pais.


Declaro pois que por minha muito livre e espontanea vontade d’elle desisto pela presente e renuncio, não só por mim, como por todos e cada um dos meus descendentes, a todo e qualquer direito que a dita Constituição nos confere á Corôa e Throno Brazileiros, o qual passará ás linhas que se seguirem á minha conforme a ordem de successão estabelecida pelo Art. 117.


Perante Deus prometto por mim e meus descendentes manter a presente declaração.


Cannes, 30 de Outubro de 1908
Assinado: Pedro de Alcântara de Orléans e Bragança

Esse instrumento de renúncia foi emitido em três vias, todos assinados por D. Pedro de Alcântara diante de sua mãe, Isabel do Brasil, a qual enviou uma das vias ao Diretório Monárquico do Brasil, então localizado no Rio de Janeiro, aos 9 de novembro de 1908.
A renúncia foi seguida por uma mensagem de Isabel aos monarquistas brasileiros:
9 de Novembro de 1908, Castelo de Eu
Exmos. Srs. Membros do Diretório Monárquico

De todo coração agradeço-lhes as felicitações pelos consórcios de meus queridos filhos Pedro e Luís.
O do Luís teve lugar em Cannes no dia 4 com todo o brilho que desejava para ato tão solene da vida de meu sucessor no Trono do Brasil. Fiquei satisfeitíssima. O do Pedro deve ter lugar no dia 14 próximo.
Antes do casamento do Luís assinou ele sua renúncia à coroa do Brasil, e aqui lha envio, guardando eu papel idêntico. Acho que deve ser publicada essa notícia o quanto antes (os senhores quererão fazê-lo da forma que julgarem mais adequada) a fim de evitar-se a formação de partidos que seriam um grande mal para nosso país.
Pedro continuará a amar sua pátria, e prestará a seu irmão todo o apoio que for necessário e estiver ao seu alcance. Graças a Deus são muito unidos. Luís ocupar-se-á ativamente de tudo o que disser a respeito à monarquia e qualquer bem para nossa terra. Sem desistir por ora de meus direitos quero que ele esteja ao fato de tudo a fim de preparar-se para a posição à qual de todo coração desejo que um dia ele chegue.
Queiram pois escrever-lhe todas as vezes que julgarem necessário pondo-o ao par de tudo o que for dando. Minhas forças já não são o que eram, mas meu coração é o mesmo para amar minha pátria e todos aqueles que nos são tão dedicados. Toda a minha amizade e confiança
Isabel Condessa D´Eu

Os Saxe - Coburgo e Brgança


Um dos ramos dinastas do Brasil, teve origem na união da princesa D. Leopoldina Tereza, filha do imperador D. Pedro II do Brasil, com o duque de Saxe, celebrada em 15 de dezembro de 1864.


Desta união resultou quatro filhos, entretanto, somente os dois mais velhos, D. Pedro Augusto e D. Augusto Leopoldo, permaneceram com a nacionalidade brasileira. D. Pedro Augusto não teve descendência e passou a chefia do ramo para seu irmão D. Augusto Leopoldo.


D. Pedro Augusto, era o neto predileto do imperador D. Pedro II, e foi o eventual sucessor do trono do Brasil até 1875, quando nasceu o príncipe D. Pedro de Alcântara de Orleáns e Bragança, filho de D. Isabel.


Estudioso como o avô, foi autor de várias obras sobre mineralogia, tidas hoje como preciosidades. Faleceu em 1934, na Áustria, após anos de sofrimento devido às perturbações mentais, decorridos dos atribulados dias vividos por ocasião da deposição e exílio da Família Imperial Brasileira.


D. Augusto Leopoldo, era um ano mais novo que D. Pedro Augusto, e serviu na Armada Imperial com 2º tenente até a Proclamação da República. Com o exílio na Áustria, conseguiu licença especial com o imperador Francisco José para que servisse na marinha daquele país.


Casou-se em 30 de maio de 1894, com Carolina Maria de Habsburgo, arquiduquesa da Áustria, dessa união destaca-se a existência de D. Tereza Cristina de Saxe-Coburgo e Bragança e Habsburgo, nascida em 23 de agosto de 1902. Esta princesa e seus filhos, permaneceram com a nacionalidade brasileira, permanecendo assim, como membros dinastas da Casa Imperial do Brasil.




D. Tereza Cristina casou-se em Salzburg com o barão Lamoral de Taxis Bordogna Valnigra, chefe do ramo (radicado na Itália) da família principesca de Thurn und Táxis.

O barão permitiu que seus filhos fossem registrados como brasileiros, para que pudessem permanecer na linha sucessória dos Bragança brasileiros. Esse casal deixou como herdeiro de sues nomes e tradições D. Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança.


Atual chefe do ramo Saxe-Coburgo e Bragança, D. Carlos Tasso nasceu na Áustria em 16 de julho de 1931, tendo sido registrado na embaixada brasileira. Casou-se em 1969, com Walburga de Habsburgo, arquiduquesa da Áustria. Reside atualmente na Itália, no castelo de Villalta, herdado de seus ancestrais paternos.


O irmão de D. Carlos Tasso, D. Philipe Tasso, é o representante dos Saxe-Coburgo e Bragança no Brasil, e serviu na marinha brasileira como tenente.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Isabel Cristina Leopoldina Augusta Miguela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon




Nobreza de alma e simplicidade na vida da Princesa Isabel.




A Princesa Isabel, menina ainda, saiu a passeio com D. Pedro II. Todos se curvavam diante da carruagem em que estavam. Em dado momento, a princesinha perguntou:


— Papai, toda essa gente constitui o povo?

— Sim, uma parte do povo – respondeu o Monarca.

— E algum dia esse povo me pertencerá?

— Não, minha filha. Você é que pertencerá ao povo.


A Princesa Isabel e Amanda Paranaguá, futura Baronesa de Loreto, brincavam, quando crianças. Com uma machadinha de brinquedo em punho, a Princesa empenhava-se em decepar um pequeno tronco de árvore. Num gesto de afetuosidade, Amanda veio por detrás, para abraçá-la.


No instante em que ia abraçá-la, Isabel levantara a machadinha, atingindo o olho da amiga. Não foi um ferimento grave, mas gerou uma indelével cicatriz, e acabou reforçando um elo de amizade que as uniu por toda a vida. Tinham tão grande afeição e dedicação mútuas, que a Baronesa decidiu acompanhar a Princesa Isabel no exílio.


O embaixador argentino Vicente Quesada descreveu o ambiente que cercava a Família Imperial do Brasil:


“A Princesa herdeira era de trato simples, amável e bondosa, como também era seriamente lhano e sem altivez o Conde d’Eu. Mais de uma vez me receberam rodeados de seus filhos pequeninos”.


No dia 24 de novembro de 1868, a Princesa Isabel e o Conde d’Eu visitaram a cidade mineira de Baependi, hospedando-se no palacete do comendador José Pedro Américo de Matos, que era pessoa muito rica e muito benquista na cidade. No entanto, por ser mulato, procurava não freqüentar as festas sociais, para evitar constrangimento a certas damas da sociedade, especialmente nos bailes. Notara mesmo certa resistência, quando se tratava de dançar com algumas delas.


Como anfitrião do casal imperial, era-lhe impossível deixar de comparecer ao grande baile de homenagem, que a cidade ofereceu. Mas enquanto todos se divertiam com a primeira dança, uma quadrilha, o comendador permaneceu alheio, olimpicamente indiferente e distraindo-se em contemplar, ora os dançarinos, ora a multidão que se comprimia na rua.


À Princesa Isabel não passaram despercebidas a situação e a atitude do comendador. Quando a orquestra iniciou a primeira valsa, o Conde d’Eu tomou a Princesa pela mão, levou-a ostensivamente, pelo meio do salão, até em frente do seu anfitrião, e ofereceu-lha como par. A Princesa sorria, fitando-o. E o sorriso era de tal modo um convite irrecusável, que ele logo se refez da surpresa, iniciando com ela aquela primeira valsa. Tal foi a estupefação, que durante alguns instantes o par dançou sozinho.


Depois dessa bela atitude do casal imperial, todas as atenções se voltaram para o comendador. A uma dama das mais elegantes, que insinuara sentir imenso prazer em tê-lo como par, respondeu:


— Não, minha senhora, muito obrigado. Queira desculpar-me, mas quem dançou com a Princesa não pode mais dançar com outra mulher.


Esse gesto de nobreza repetiu-se no Palácio São Cristóvão, com o famoso engenheiro negro André Rebouças. O historiador Luís da Câmara Cascudo comenta:


“A gratidão do Dr. Rebouças ficou brilhantemente provada a 16 de novembro de 1889, quando voluntariamente se exilou, embarcando junto com a Família Imperial”.


Sayão Lobato, ministro da Justiça em 1871, solicitou a assinatura da Princesa Isabel para uma sentença de morte contra um escravo que matara o senhor. Para movê-la a assinar, estudou um discurso. E desfechou-o na sessão do despacho, contando o episódio de D. Maria I – a louca –, que se vira em igual situação. À mãe do condenado, que lhe implorava a vida do réu, dissera:


— A minha bondade e o meu coração de mulher perdoariam. Mas a minha cabeça de rainha manda condená-lo.


Depois dessa narrativa, o ministro julgou ter vencido a obstinação da Princesa. Mas ela sorriu, e muito simples, muito ligeira, exclamou:


— Mas, Sr. Sayão, minha tataravó era maluca!...E não assinou.


A atuação da Princesa Isabel na causa abolicionista.


Os brasileiros, na sua quase totalidade, imaginam que a Princesa Isabel apenas assinou a Lei Áurea, e que ela teria apenas consentido em assiná-la. Esse é o mérito único que lhe atribuem.


Entretanto, não foi só isso o que ela fez. Podemos afirmar hoje que, se não fosse o seu empenho em levar avante essa questão, não teríamos chegado, da maneira pacífica como chegamos, ao termo de tão formosa campanha. Por colocar a paz doméstica, a satisfação íntima do lar à altura das mais legítimas aspirações humanas, foi que incentivou os defensores da Lei do Ventre Livre, seguindo as pegadas do Visconde do Rio Branco. Preparou o ambiente para a Lei dos Sexagenários, e terminou apressando a vitória da libertação total dos cativos, embora sabendo que daria em troca de sua maravilhosa atitude o trono que lhe pertencia.


Discutia-se nas Câmaras a Lei do Ventre Livre, com discursos empenhados do Visconde do Rio Branco e de outros abolicionistas. Cinco meses duraram as discussões, com momentos de desânimo e de entusiasmo. A Princesa Isabel se empenhava com os ministros, para que apoiassem a aprovação da lei. O próprio Rio Branco, sempre que conferenciava com a Princesa, parecia voltar a plenário mais disposto, mais animado, mais fortalecido para continuar a batalha.


Numa dessas vezes, quando ele se achava especialmente receoso, a Redentora fez o que pôde para animá-lo. Logo após a entrevista, encaminhou-se para o seu oratório, ajoelhou-se e implorou insistentemente a proteção divina para os que trabalhavam pela aprovação da lei.


Após a votação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, o povo em massa esperou o Visconde do Rio Branco. Quando ele apareceu à porta do Senado, recebeu a manifestação mais ruidosa e comovente que já se fez a um homem público no Brasil. A Princesa Isabel foi-lhe ao encontro, com a fisionomia radiante, e cumprimentou-o com efusão:


— Bravos, Visconde! A sua vitória foi o mais belo exemplo em que os nossos homens de Estado se devem mirar.

— Perdão, Princesa! Se venci, é porque tinha apoio em Vossa Alteza e nos meus luminosos pares legislativos. Logo, o mérito é menos meu que da ilustre e humanitária Regente e dos insignes representantes do País.

— Que diz, agora, da situação dos nossos irmãos cativos?

— O cativeiro, praticamente, não mais existe no Brasil. A religiosidade da combativa Regente já o aboliu convenientemente.


A Princesa Isabel insistia com o Barão de Cotegipe para que o Ministério assumisse uma posição mais decidida na questão da abolição, sem o que sua força moral cada vez mais se perdia.


Cotegipe aconselhou-a a manter-se neutra “como a Rainha Vitória”, numa disputa que dividia tão profundamente os partidos. Ela retorquiu:


— Mas eu tenho o direito de manifestar-me, e a Rainha Vitória é justamente acusada por sua neutralidade, prejudicial aos interesses da Inglaterra.


Em março de 1888, a propósito da prisão de um oficial do Exército pela polícia, a Princesa Isabel tomou uma posição francamente contrária à do presidente do Conselho, que em conseqüência propôs a demissão do Gabinete, logo aceita pela Regente. Ao se demitir, Cotegipe perguntou:


— A quem Vossa Alteza quer que eu chame para organizar o novo Gabinete?

O Sr. João Alfredo – respondeu sem hesitação.


Mais tarde ela revelou:


Conhecendo as idéias do Sr. João Alfredo, estava convencida de que o que ele fizesse seria bom. Ele assumiu a presidência do Gabinete com a promessa de tentar qualquer coisa pela sorte dos escravos.


De fato, dois meses depois apresentou um projeto de abolição total, que afinal resultou na Lei Áurea.


Entusiasmada pela veneração com que a saudavam os abolicionistas jubilosos, após a assinatura da Lei Áurea, a Princesa Isabel se encontrou com o Barão de Cotegipe, que fora o chefe do gabinete de 1886-1888, e que, nessas funções, lhe observara os riscos que corria a sorte do Império com a providência radical que os abolicionistas pleiteavam:


Então, Sr. Cotegipe! A abolição se fez com flores e festas. Ganhei ou não a partida?


O Barão, cujas previsões políticas o haviam apeado do poder, mas que continuara a opor-se de corpo e alma à extinção do cativeiro, pelo colapso econômico que disso sobreviria, fitou-a e respondeu:


— É verdade. Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o trono.


Pouco tempo depois foi proclamada a República.


A Princesa Isabel, ferida pelo destronamento, ao passar pela sala do Paço onde assinara a Lei Áurea, bateu com energia na mesa em que a subscrevera, e disse:


— Se tudo o que está acontecendo provém do decreto que assinei, não me arrependo um só momento. Ainda hoje o assinaria!


No exílio, a Princesa Isabel manteve inalteráveis seu amor e sua dedicação ao Brasil.


Depois de proclamada a República, os revoltosos queriam a todo custo ver-se livres da Família Imperial, para que o golpe pudesse caminhar sem tropeços. O Governo Provisório decidiu então oferecer a vultosa quantia de 5.000 contos de réis, para suas despesas na Europa. O Coronel Mallet compareceu à presença do Conde d’Eu e da Princesa Isabel, transmitindo-lhes a notícia:


— Agora, ao subir, fui informado de que a esta hora está sendo lavrado o decreto que concede a Sua Majestade o Imperador 5.000 contos de réis para as suas despesas.

— Nós não fazemos questão de dinheiro – disse a Princesa. O que me custa é deixar a Pátria, onde fui criada e tenho as minhas afeições. É isto o que mais lamento perder. Não o trono, nem ambições, que não tenho.


Em 13 de julho de 1901, quando Santos Dumont contornou a torre Eiffel com o seu balão, a Princesa Isabel o convidou a ir à sua casa, para narrar-lhe a aventura. O próprio Santos Dumont conta o episódio:


“Quando acabei a minha história, a Princesa me disse:


— Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o vôo dos nossos grandes pássaros do Brasil. Oxalá possa o senhor tirar do seu aparelho o partido que aqueles tiram das próprias asas, e triunfar, para glória da nossa querida Pátria!”


Alguns dias depois, a Princesa mandava-lhe esta carta:


Envio-lhe uma medalha de São Bento, que protege contra acidentes. Aceite e use-a na corrente do seu relógio, na sua carteira ou no pescoço. Ofereço-lha pensando na sua boa mãe, e pedindo a Deus que o socorra sempre e o ajude a trabalhar para a glória da nossa Pátria”.


Ao saber que o Dr. Ricardo Gumbleton Daunt não queria aceitar a cadeira de deputado que lhe coubera numa das eleições, por ser visceralmente monarquista e não querer, portanto, ocupar posto algum de saliência no Brasil sob outra forma de governo, a Princesa Isabel escreveu à irmã do eleito:


“Diga ao seu irmão que ele deve aceitar a cadeira de deputado e propugnar pela grandeza moral, econômica e intelectual de nossa Pátria. Não aceitando, ele estará procedendo de maneira contrária aos interesses da coletividade. De homens como ele é que o Brasil precisa para ascender mais, para fortalecer-se mais. Faça-lhe, pois, sentir que reprovo sua recusa”.


A sensibilidade e o patriotismo da Princesa Isabel se revelam num documento íntimo, onde escreveu:


“A idéia de deixar os amigos, o País, tanta coisa que amo e que me lembra mil felicidades que gozei, faz-me romper em soluços. Nem por um momento, porém, desejei uma menor felicidade para minha Pátria. Mas o golpe foi duro”.


Este sentimento de identidade com o seu povo, ela o possuiu de tal modo, que além de viver na tradição popular, ela ficou figurando no folclore da Abolição. Estas quadrinhas, cantadas pelas crianças brasileiras, confirmam esse sentimento popular:


“Princesa Dona Isabel,Mamãe disse que a Senhora

Perdeu seu trono na terra,Mas tem um mais lindo agora.

No céu está esse trono

Que agora a Senhora tem,Que além de ser mais bonito

Ninguém lho tira, ninguém”.

domingo, 2 de novembro de 2008

Monarquia Costitucional - porquê ???



É o melhor sistema de governo para o Brasil.




D. Pedro II sempre repetiu que a Monarquia constitucional era o melhor sistema de governo para um país nas condições políticas do Brasil. Escrevendo ao Visconde de Sinimbu, afirmou:




“Cumpre que se convençam de que o nosso sistema de governo é o mais conveniente ao Estado do Brasil”.




Em carta a Alexandre Herculano, D. Pedro II ainda sustenta: “Também eu não sou partidário em absoluto de nenhum sistema de governo. Mas creio igualmente que o de nossas nações é o que mais convém às neo-latinas, cujos sentimentos ardentes exigem que se infunda o respeito ao princípio desse governo por atos de maior interesse, e mesmo de abnegação”.




D. Luiz de Orleans e Bragança, neto de D. Pedro II e cognominado “Príncipe perfeito”, escreveu no livro “Sob o Cruzeiro do Sul”: “O jogo do parlamentarismo, assegurado por dois grandes partidos, revezando-se no poder, alcançou sob o governo de meu avô uma perfeição de que, fora da Inglaterra, debalde se buscaria o equivalente. Grandiosa concepção política, habilmente decalcada sobre o modelo das instituições britânicas, das quais assimilou logo a elasticidade e a largueza; sustentada por uma plêiade de homens de Estado eminentes e desinteressados; consubstanciada na pessoa de um soberano cuja vida pública e privada jamais ofereceu margem à crítica.




Esta Monarquia, ninguém o contesta, havia dado ao mundo o exemplo raro de um sistema parlamentar muito aproximado do ideal que os seus fundadores haviam entrevisto. Isolada no meio de um continente entregue por todos os lados à anarquia e ao despotismo, logo em seguida à crise da Independência ela soube assegurar a harmonia, tão difícil de alcançar, entre a opinião pública e os seus mandatários”.




O rei constitucional, de acordo com Gladstone, tem o direito de estudar e discutir a política, a administração, os negócios da competência e responsabilidade dos ministros, e se a estes convence pela razão e experiência, a opinião passa a ser ministerial. O regime mantém-se intacto e puro.




Na Monarquia constitucional, só uma entidade se perpetua através de todas as mutações: é o chefe do Poder Executivo, é o depositário do Poder Moderador, é a inteligência que conserva todas as tradições, que nunca deixa de intervir competentemente em todos os assuntos, que imprime a possível unidade e coerência aos negócios públicos. É ele o único motor sempre invariável, o único piloto constantemente ao leme.




A Monarquia constitucional contava com um cargo supremo, inamovível, inatingível pela salsugem das vagas partidárias. Esse magistrado inamovível nada tinha que perder ou ganhar no embate das paixões políticas. Todo seu interesse era temperá-las, moderá-las, encaminhá-las ao bom governo. Chamavam a isto tirania! Hoje um presidente da República tem de ser, por força, o produto de uma pugna; se vencedor, naturalmente e até por dever de gratidão, tem de se encostar a determinado grupo. Seu governo, infalivelmente, há de ser de partido.No dia imediato ao de uma eleição, divide-se a Nação em vencedores e vencidos. Chama-se a isto democracia!




Na República, se há um Senado de representação igual, para servir de laço federativo, o presidente da República pertence a um Estado, e não há quem ignore as conseqüências desta situação. Os governos republicanos, em regra, procuram orientar a sua política em benefício do Estado natal, ou do que lhes oferece maior interesse eleitoral. Trata-se de um fato notório, cuja demonstração é ociosa.




Ora, o Imperador, não pertencendo a nenhuma província, encarnaria com exatidão e força a idéia de “governo da União”, isto é, o governo de todo o conjunto, e não de uma das partes. Tanto que, como assinala Heitor Lyra, os gabinetes sempre foram “gabinetes imperiais”, “governos imperiais”, sem qualquer sombra ou mostra de linha regionalista ou de predomínio dos “grandes Estados”, sem estas contradições tão flagrantes e tão comuns entre a idéia federal e as práticas republicanas.




Apesar de desigual a representação das províncias no Senado, por força das condições do sistema, tínhamos governos carentes de quaisquer influências regionalistas. Governos realmente “federais”, e não o governo da Federação por um Estado, como tem sido a prática usual na República.




O Conselho de Estado foi uma grande concepção política, que mesmo a Inglaterra nos podia invejar. Era ouvido sobre todas as grandes questões, e era o conservador das tradições políticas do Império, para o qual os partidos contrários eram chamados a colaborar no bom governo do País, onde a oposição tinha que revelar seus planos, suas alternativas, seu modo diverso de encarar as grandes questões, cuja solução pertencia ao Ministério. Essa admirável criação do espírito brasileiro – que completava a outra, não menos admirável, que era o Poder Moderador – reunia em torno do Imperador as sumidades políticas de um e outro lado, toda a sua consumada experiência, sempre que era preciso consultar sobre um grave interesse público, de modo que a oposição era, até certo ponto, partícipe da direção do País, fiscal dos seus interesses, depositária dos segredos de Estado.




Sob o olhar vigilante do Imperador, o Ministério coeso e competente.




D. Pedro II era um homem ameno e polido, de maneiras discretas e brandas, sem a veemência, os impulsos, os desabrimentos do pai. Mas sabia, sob o veludo das suas maneiras, mostrar firmeza, independência e resolução diante dos seus auxiliares de governo. Não era um rei molengão, e menos ainda um rei preguiçoso. Atento, meticuloso, exigente, cioso da exatidão e da regularidade, os seus ministros agiam com a certeza de que tinham sempre sobre eles, minuciosamente policial e inquiridor, aquele olhar vigilante, a cuja visão abrangente, de acuidade quase microscópica, não escapava nada. Ninguém desempenhou mais a sério a sua função constitucional. Comentando acusações que lhe fizera Tito Franco em um livro, o Imperador anotou:




“Pois eu não hei de dizer o que penso? Os ministros que não discutam comigo senão até o ponto que quiserem; e se minhas reflexões versam sobre pontos muito secundários, que importância têm neste caso as divergências entre ministros? Haja da parte dos ministros a mesma sinceridade com que eu procedo, e nenhum mal provirá de tais discussões”.




O desejo do Imperador era que o Presidente do Conselho exprimisse cada vez mais o pensamento coletivo do Ministério, fosse o fiel reflexo do Gabinete, o espelho, por assim dizer, onde ele pudesse ver, para poder melhor julgar e nortear-se, a orientação exata de seus colaboradores de governo.




As reuniões do Ministério se faziam aos sábados sob a presidência do Monarca, que conversava antes, a sós, com o presidente do Conselho, o qual, por sua vez, já debatera os assuntos com os colegas de ministério. No despacho coletivo todos poderiam falar, e sobre todos os assuntos. Eram debates livres do Gabinete, diante do Imperador com o seu “lápis fatídico” à mão. O resultado dessas “sabatinas” foi a competência quase universal dos estadistas do Império, que podiam ocupar indiferentemente qualquer das pastas do Ministério.




Joaquim Nabuco afirma: “O regime é verdadeiramente parlamentar. Não há em São Cristóvão um gabinete oculto, mudas ministeriais prontas para os dias de crise; a política faz-se nas Câmaras, na imprensa, nos comícios e diretórios eleitorais, perante o País. Em toda essa vida e movimento de opinião, que luta e vence pela palavra, pela pena, pelo conselho, ele não aparece; seu papel é outro, sua influência é enorme, incontestável, mas para que o seja, o seu segredo é apagá-la o mais possível, não violar a esfera da responsabilidade ministerial”.




Escrevendo sobre o modo como D. Pedro II governava, diz o Conselheiro João Alfredo:




“D. Pedro II acompanhava os negócios públicos com persistente esforço. Ouvi de um juiz muito competente, com referência a um deputado nomeado para a pasta dos Estrangeiros, que ‘a muito se arriscava esse moço, porque o Imperador conhecia a fundo os assuntos da política exterior, e o novo ministro podia sair-se mal da primeira prova’. A capacidade do Soberano, a sua dedicação ao serviço público, eram geralmente celebradas no centro conservador. O seu trabalho perseverante, maior que o do mais laborioso ministro, as impertinências e minúcias do seu lápis fatídico, a atenção por toda a parte e a tudo, constituíam a sua patriótica cooperação para o bom governo, para uma política sã e moral, para uma administração operosa e digna”.




Havia talvez, da parte dos ministros, um certo temor de contrariar o Monarca. Mas outras vezes, nessas recriminações, o que se adivinha é o desapontamento de quem não conseguiu fazer passar, por debaixo da capa respeitável do interesse público, algum contrabandozinho partidário.




Em suas relações com o Ministério, em discussões muitas vezes calorosas, era ele quem cedia, salvo caso grave de razão de Estado, que determinasse mudança de gabinete ou de situação política. E cedia francamente, de bom ânimo, sem melindres de amor próprio:— Bem... Dei o meu parecer, a responsabilidade é dos senhores. Façam o que entendam.




O Conselheiro Saraiva afirmou:— Se os partidos se coligarem num alto intuito, não há perigo de que a Coroa ultrapasse os limites da Constituição, pois é sabido que o Imperador, por seus hábitos, não coage nem quer coagir ninguém.




Como juiz e árbitro das opiniões, o Soberano exerce o Poder Moderador.




A expressão “poder pessoal do Imperador” foi muito usada na fraseologia política do Brasil durante o longo reinado de D. Pedro II. Entretanto ele se defendeu de haver exorbitado das suas atribuições constitucionais, que o revestiam da dignidade de “Poder Moderador” ou árbitro, mas não o deveriam reduzir a um títere mecânico, joguete de todos os ambiciosos.




O poder pessoal do Imperador consistia em mudar os governos e as situações sem outro critério que o seu. Era um arbítrio que tinha o objetivo impessoal de manter na governança as diferentes competências, separadas umas das outras pelas arregimentações partidárias, e de permitir que cada uma delas pudesse gozar por sua vez das honras, vantagens e responsabilidades da direção política. Fazia ofício de balança para o equilíbrio dessas forças e procurava tê-las satisfeitas, vigiando-se mutuamente e competindo no serviço da Pátria.




Legalmente, normalmente, o Imperador era forçado a intervir nas questões de todos os dias e nas dificuldades supervenientes. O resultado era que não podia evitar de decidir e tomar posição nos conflitos de interesses, quer partidários, quer de ordem outra, e sobre ele recaíam objurgatórias e maldições dos grupos políticos que se vira obrigado a contrariar.




Como tal fato ocorria principalmente por ocasião da mudança de gabinetes, ou na substituição rotativa dos partidos no poder, o que se visse apeado do Governo acusava e cobria de críticas o supremo detentor do Poder Moderador, enquanto o que era elevado à governança considerava perfeitamente natural, e nenhum favor, achar-se à frente dos negócios políticos. Após certo tempo do rotativismo, todos os grupos haviam sucessivamente sido governo e oposição, e, nesta última situação, nunca haviam poupado o Imperante, multiplicando provocações, críticas mais ou menos injustas e acusações. Assim, a opinião dominante na vida pública do País se achava eivada de suspeitas, quando não de hostilidade, contra o Supremo Magistrado da Nação.




Nunca se defendeu ele próprio, seguro como estava em sua consciência de homem de bem, de se achar acima de tais misérias. Muito atento em não ferir o sentimento público, usava de sua grande influência para guiar o País e seus representantes rumo às soluções que achava mais adequadas ao bem comum. Nunca permitiu o menor ataque à dignidade do Brasil. Nunca teve favoritos, nem tolerou aduladores. Ouvia e respeitava todas as opiniões. Delas fazia seu proveito e aceitava conselhos, quando lhes reconhecia valor. Sua vida, tanto a pública como a privada, foi imaculada.




Ao contrário do que se blaterava, o esforço imperial quanto aos partidos procurou sempre exercer-se no rumo da opinião nacional e do interesse público.




O Conselheiro João Alfredo, que durante algum tempo foi apontado como um dos acusadores do “poder pessoal” do Imperador, declarou no fim da vida:“Sempre afirmei o contrário, tanto em particular como em público. Sua Majestade apenas fazia, aliás com suma delicadeza, o exame acurado dos assuntos submetidos a despacho imperial.




Uma vez me atrevi a interrogar Jequitinhonha sobre o assunto.


— Poder pessoal!


– respondeu ele.


– Ando à caça desse lobisomem. Estou de arcabuz escorvado, e se o encontro, não tenho dúvida: pontaria firme, tiro certeiro... Quebro-lhe o fadário”.




O conde austríaco Alexandre Hübner comentou com o Imperador, em visita que lhe fez em 1882:




— Vossa Majestade é e se chama Imperador constitucional, e se restringe conscienciosamente aos limites da Constituição. No entanto, Vossa Majestade reina e governa.


— Não, não! Vossa Excelência se engana. Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada, e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa.




D. Pedro II anotou em seu diário: “Querem, por força, que eu julgue ser o que não sou. Acusam-me de governo pessoal. Daqui a pouco, talvez me acusem de não intervir bastante no Governo”.




Alguns anos depois, com efeito, na sessão de 17 de maio de 1889, o deputado João Penido dizia:




Sua Majestade, que exerceu o poder pessoal em toda a sua plenitude, está hoje em dia colocado em pólo diametralmente oposto. Hoje Sua Majestade reina, mas não governa nem administra, como fazia antes. Administram por ele, governam por ele. Pela enfermidade que o persegue, a ação de Sua Majestade limita-se a perguntar aos ministros: “Que papéis temos para assinar?”. E assina-os sem discutir, sem dar mesmo a sua opinião.




O Imperador não pertence a nenhum partido político.




O modo de D. Pedro II encarar a atuação dos partidos foi por ele mesmo definido: “Não sou de nenhum dos partidos, para que todos apóiem nossas instituições. Apenas os modero, como permitem as circunstâncias, julgando-os até indispensáveis para o regular andamento do sistema constitucional, quando, como verdadeiros partidos e não facções, respeitem o que é justo”.




Presidindo à rotação dos partidos, desempenhava um papel essencialmente civilizador. Era graças a esse freio que a paixão partidária não chegava nunca, ou chegava raramente, a cometer os excessos que num meio de escassa cultura, como era o nosso, teriam necessariamente que explodir. Por outro lado, ele continha também os partidos nos seus limites objetivos, quer dizer, naqueles a que honestamente lhes era lícito aspirar, dentro de um exato regime representativo.




Freqüentes vezes dissentia dos seus ministros, porque, não pertencendo aos partidos, compreendia com maior isenção os interesses nacionais. Não raro ele desgostava os políticos para, na maioria dos casos, favorecer a opinião nacional.




Como o Imperador está em esfera superior à das facções, como é estranho aos combates e aos combatentes, nunca em tais lutas é ele vencedor ou vencido, nem podem ser seus atos eivados de parcialidade. O sol é comum a todos, e não tem particularidade com este ou com aquele.




A sua orientação política procurava ser imparcial, pois há nas suas decisões tal intento. São reiteradas as suas confissões de que não pertencia a nenhum partido. Quando foi acusado de atender mais o partido conservador, por dele nada recear, D. Pedro respondeu:




— É muito injusta esta acusação. Eu não tenho medo de nenhum partido, e ajo conforme e só conforme o que julgo exigir o bem do País. Que medo poderia eu ter? De que me tirassem o governo? Muitos reis melhores do que eu o têm perdido, e eu não lhe acho senão o peso duma cruz, que carrego por dever. Tenho ambição de servir a meu País, mas quem sabe se não o serviria melhor noutra posição? Em todo o caso, jamais deixarei de cumprir meus deveres de cidadão brasileiro.




Diz o Visconde de Taunay: “Estudem-se bem as indicações da Coroa nesse longo reinado de cinqüenta anos, e nelas se achará impresso o cunho da honestidade de intenções e da pausada ponderação com que em tão momentoso assunto continuamente procedeu Dom Pedro II. Se, no fim, buscava conciliar as conveniências partidárias dos gabinetes ministeriais com sua opinião de estadista e o conhecimento exato que tinha dos homens públicos, jamais abriu mão completamente da interferência que a lei orgânica da Nação lhe outorgava sem limitação alguma”.




Certa ocasião, D. Pedro II confidenciou ao diplomata e escritor Gobineau: “A política, tal como é geralmente praticada, desagrada-me muito, sobretudo quando penso na ciência e nas belas artes. Mas os sacrifícios me encorajam, e os meus amigos não precisam preocupar-se com os meus desabafos”.




Em 1882, quando caiu o gabinete do Conselheiro Saraiva, o Imperador recorreu ao oposicionista Martinho Campos para organizar o novo Gabinete. O escolhido quis recusar, e mostrou ao Monarca quanto lhe faltava para ocupar uma posição a que nunca aspirara, e tão contrária à sua índole. D. Pedro insistiu, dizendo que não prescindia de seus serviços. Lembrou-lhe que tinha deveres públicos a cumprir, e fez-lhe ver que não poderia faltar a eles. Discursando depois na Câmara, na apresentação do novo Gabinete, Martinho Campos explicou o seu entendimento com o Imperador:




Vossas Excelências compreendem as dificuldades em que me achei... Mais acostumado a embaraçar os governos do que a pensar em ser governo, tendo passado a minha vida inteira na oposição, devo declarar que deste ofício de oposicionista já eu sabia um pouco; mas quanto ao de governo, não tinha nenhuma experiência e prática.




José Veríssimo, jornalista, comentou: “Somente ele, talvez, cuidou de outra coisa que não fosse a eleição, o orçamento, as garantias de juros às estradas de ferro, nomeações de funcionários e quejandos assuntos”.




No seu diário, o Imperador anotou: “Não tenho tido nem tenho protegidos, caprichando mesmo em evitar qualquer acusação a tal respeito. Dizem que, por esse escrúpulo, não poderei criar amigos. Melhor, pois não os terei falsos quando os haja conseguido. Os meus amigos sempre se queixaram de que não tinham a minha proteção”.




Não era diferente a atitude que mantinham a Imperatriz e a Princesa Isabel. Esse modo de proceder da Família Imperial dava-lhe, naturalmente, um grande prestígio moral, inatacável sob todos os aspectos, e ia refletir nas várias camadas da Nação, servindo de exemplo a toda essa sociedade brasileira em formação. A moral privada da Família Imperial deu força para criar um ambiente que purifica todo o Reinado.




O Imperador garante e respeita a liberdade política.




No Brasil, sob o regime monárquico, havia muito mais liberdade e muito maior tolerância política do que hoje, sob a forma republicana de governo. Éramos, na realidade, uma democracia. As eleições, tanto quanto o permitiam as nossas condições, eram revestidas de seriedade. Todos os partidos políticos faziam-se representar no Parlamento e revezavam-se constantemente no poder.




D. Pedro II propôs uma reforma eleitoral, que ampliava o direito de voto, mas ela acabou encalhando na resistência insuperável das facções políticas. Só vinte anos mais tarde a eleição direta, primeira linha daquele programa, seria triunfante iniciativa do partido liberal. Tanto insistiu D. Pedro em que os ministros não divulgassem o seu nome associado à idéia da reforma, que estes acabaram por só lhe atribuir o que perturbava a inteligente atividade do Governo, ocultando a inspiração superior e confidencial que os orientava.




Respondendo a Saraiva, o Imperador afirmou:




— O senhor sabe, melhor que ninguém, que eu nunca fui embaraço à vontade da Nação, expressamente manifestada.




— Sei que o patriotismo de Vossa Majestade é tal que atende somente ao interesse da Nação, sem consultar a qualquer outra consideração.




— Agradeço a todos que pensam assim, porque me fazem justiça.




Joaquim Nabuco escreveu:




“Trata-se de um homem cuja voz, durante cinqüenta anos, foi sempre, em Conselho de Ministros, a expressão da tolerância, da imparcialidade, do bem público, contra as exigências implacáveis e as necessidades às vezes imorais da política. Se chefes de partido disseram que com ele não se podia ser ministro duas vezes, foi porque ele os impediu de esmagar o adversário prostrado”.




Durante algum tempo houve no Rio de Janeiro desordens provocadas por políticos, que se utilizavam de marginais e capoeiras. Um dos grandes empresários da desordem organizada era o politiqueiro Duque Estrada. Com ambições de chefe eleitor, arrebanhou depois da guerra do Paraguai maltas de desordeiros, colocando-os a serviço de suas ambições. Conseguiu notáveis resultados, pelo terror que infundia.




Mas a certa altura os adversários resolveram empregar contra ele o mesmo recurso. A poder de rasteiras, cocadas, rabos-de-arraia e navalhadas, derrotaram-no fragorosamente. Indignado, Duque Estrada foi queixar-se ao Imperador, que se limitou a lembrar-lhe o preceito:




— Não faças a outrem o que não queres que te façam. E em seguida voltou-lhe as costas.




No relacionamento com os ministros, a habilidade política do Imperador.




A propósito do relacionamento do Imperador com os seus ministros, é interessante o depoimento de Martim Francisco: “Imagine-se de quanto tino deu provas Dom Pedro II, para lidar com 164 ministros, para entender-se com tantas índoles diferentes, com tantas ilustrações e meias-ilustrações, sem padecer um gesto de desrespeito, uma réplica sequer dissonante da vivacidade tolerável entre pessoas de educação. Poucos ex-ministros deixaram de ser seus amigos. Nenhum lhe ficou inimigo ostensivo”.




Alguns exemplos mostram bem a habilidade de D. Pedro II ao lidar com os ministros. Em 1875, o Imperador pretendia incumbir o Duque de Caxias de organizar o ministério que substituiria o de Rio Branco. Caxias estava decidido a não aceitar a indicação, mas D. Pedro II encontrou um artifício inteiramente original para convencê-lo.




É o próprio Caxias que narra o episódio, em carta à filha:




“Quando me meti na sege para ir a São Cristóvão, a chamado do Imperador, ia firme em não aceitar. Mas ele, assim que me viu, me abraçou, e me disse que não me largava sem que eu lhe dissesse que aceitava o cargo de ministro. Ponderei-lhe as minhas circunstâncias, a minha idade e incapacidade, mas a nada cedeu. Para me poder livrar dele, era preciso empurrá-lo, e isso eu não devia fazer.




Abaixei a cabeça, e disse que ele fizesse o que quisesse, pois eu tinha consciência de que ele se havia de arrepender, porque eu não seria ministro por muito tempo, porque morreria de trabalho e desgostos. Mas a nada atendeu. Recomendou-me então que eu só fizesse o que pudesse, mas que não o abandonasse, porque ele então também nos abandonaria e se iria embora.




Que fazer, minha querida Anicota, se não resignar-me a morrer no meu posto? Tenho já arriscado a minha vida tantas vezes por ele, que mais uma, na idade em que estou, pouco era. Aqui estou, pois, desempenhando a função de velho perseguido, pois os velhacos e tratantes não me deixam respirar”.




Ao ser constituído o Gabinete presidido pelo Senador Dantas, que deveria estudar a abolição completa da escravatura, o Imperador discutiu com ele as condições em que o apoiaria. Em certa altura, advertiu-o:




— Pois bem, Sr. Dantas, mas quando o senhor quiser correr, eu o puxo pela aba da casaca.




Durante o período mais crítico da guerra do Paraguai, o Imperador escreveu um bilhete ao ministro da Marinha, que era então Afonso Celso, futuro Visconde de Ouro Preto. Lembrava a remessa de uns objetos que Tamandaré, chefe da esquadra, reclamava insistentemente do Sul.




Respondeu-lhe o ministro: “Senhor, os objetos pedidos pelo almirante seguiram ontem. Fique Vossa Majestade tranqüilo, certo da minha vigilância no pronto cumprimento de todos os meus deveres, mesmo quando não mos lembram”.




A resposta era uma evidente impertinência. Qualquer outro homem menos ponderado não deixaria de chamá-lo às falas, ainda mais que se tratava de um rapazola de 30 anos, novato na alta administração do Império. O Imperador, porém, replicou quase se desculpando, em resposta redigida imediatamente, às 2 horas da madrugada:




Sr. Celso, sei que a sua vigilância patriótica é tão grande quanto a minha. Mas, nesta quadra de dificuldades e preocupações, devemos todos, mais do que nunca, ajudar-nos uns aos outros”.




Depois de uma entrevista que tivera com José de Lima, irmão de Caxias, o Imperador escreveu ao Visconde do Rio Branco:




“Disse a José de Lima que escrevesse ao irmão, afirmando que sua presença no Paraguai era indispensável, pelos motivos que tenho exposto. Disse-lhe também que eu estava inclinado a julgar a guerra finda, mas que era necessária a direção de Caxias, para que López fosse coagido a deixar o Paraguai, se não pudesse ser preso, e isto quanto antes. Diga a Caxias que não lhe dou direito para adoecer, nem para deixar de ter fé na sua estrela, que brilha cada vez mais”.




Havia no Rio um pasquim chamado “O Corsário”, redigido em linguagem baixíssima, que atirava lama sobre a reputação das pessoas, de preferência as mais dignas. Em um dos artigos, ocupou-se de enlamear a Princesa Isabel. Magoado com a calúnia, o Imperador chamou a atenção do presidente do Conselho de Ministros, pedindo-lhe que pusesse fim a tais infâmias. Este alegou um dos artigos da Constituição, e não tomou nenhuma providência.




Dias depois o pasquim voltou suas baterias para os lados do presidente do Conselho. Tomado agora de zelo, este lembrou ao Imperador a necessidade de uma medida drástica, que pusesse fim a tal selvageria. E recebeu o troco:




— É justo o que o senhor lembra. Mas o artigo número tal da Constituição o impede...




Ante a magnanimidade do Imperador, os melindres de José de Alencar.




De há muito se levantavam queixas contra o comandante da Guarda Nacional, que era então o general Manoel Antonio da Fonseca Costa, Marquês da Gávea. Se essas queixas eram ou não bem fundadas, ignoramos. Quer por esse motivo, quer porque o ministro da Justiça José de Alencar tivesse contas a ajustar com ele, já entrara para o Ministério com o plano de demitir aquele comandante superior.




Em reunião ministerial, fundamentou e apresentou o decreto de demissão. O íntegro chefe do Gabinete, Visconde de Itaboraí, ponderou-lhe que as queixas que se levantavam não davam para tanto, fazendo ver ao colega que o Imperador era amigo de Fonseca Costa, e que não assinaria assim tão facilmente a sua demissão. José de Alencar insistiu, e o Gabinete concordou afinal.Na ocasião do despacho, chegada a vez do Ministério da Justiça, o Imperador leu o decreto da demissão; mas, em vez de assiná-lo, limitou-se a monossilabar




– “bem...”


– e a pô-lo por baixo de todos os papéis. Depois de rubricar um certo número de decretos, fechando a pasta, acrescentou:


— O resto fica para depois.




Notando Alencar que os colegas sorriam, e com particular ênfase o Barão de Cotegipe, suspeitou que o procedimento do Monarca lhe fosse antagônico. Efetivamente, era essa a forma imperial de rejeitar o decreto que não lhe agradava.




Segunda vez voltou Alencar com o mesmo decreto de demissão, e segunda vez tornou o Imperador à costumada manobra, acrescentando:




— Veremos isto outra vez.




Não era preciso mais, a um ministro como José de Alencar, para tomar um partido decisivo. Na primeira reunião ministerial, declarou terminantemente que deixaria a pasta se ela não voltasse do próximo despacho com o malfadado decreto assinado pelo Imperador. No esperado despacho, quando a mão imperial se preparava para remover o conhecido decreto para o último lugar, a do ministro da Justiça, impedindo o movimento, apresentou outro papel, dizendo Alencar um tanto bruscamente:




— Se Vossa Majestade não quer assinar esse, assine este.




Era o de sua exoneração. D. Pedro fez algumas observações no sentido de não assinar nenhum dos dois decretos, mas diante da insistência do ministro, cedeu, assinando afinal o da demissão do comandante da Guarda Nacional.




A nomeação dos senadores, escolhidos nas listas tríplices dos mais votados, que os presidentes do Conselho lhe apresentavam, foi sempre, para o Imperador, um ato ou uma decisão em que só via o interesse da Pátria e o decoro do Senado. Nunca se poderá dizer que, ao nomear um senador, ele não tenha agido de boa fé e procurado o bem da Nação, pondo de parte as suas simpatias pessoais pelo escolhido. Colheu com isso não poucos dissabores, deixando de escolher certos eleitos que entendiam ser merecedores do cargo, como foi o caso, entre outros, de José de Alencar. Mas agiu sempre de acordo com a sua consciência e correspondendo aos interesses do País.




D. Pedro II foi contrário, desde o princípio, à candidatura de José de Alencar, então ministro da Justiça, à cadeira de senador pelo Ceará, para o que apresentou razões ponderáveis. Apesar disso, Alencar se candidatou. No dia em que foi comunicar a sua decisão, o Monarca objetou-lhe:




— No seu caso, não me apresentaria agora. O senhor é muito moço.


— Pela mesma razão, então, Vossa Majestade deveria ter devolvido o ato que o declarou maior antes da idade legal. Entretanto, ninguém, até hoje, deu mais lustre ao Governo do que Vossa Majestade.


— Bem sabe que obedeci a uma razão de Estado.


— É também uma razão de Estado para um político não desamparar o seu direito.


— Faça como entender. Dei a minha opinião...


— Que vale uma sentença...




Melindrado, José de Alencar declarou verdadeira guerra ao Imperador, passando a atacá-lo em irados artigos de jornal. O que tinha sido, para o Imperador, uma questão de princípio, um incidente de moral política, de defesa do regime, Alencar transformou, com sua oposição sistemática à Coroa e seus ataques ao Monarca, numa questão pessoal, num suposto caso de perseguição contra ele, dando margem a que se arquitetassem sobre o assunto toda sorte de fantasias, não sendo das mais ridículas uma imaginária inveja do Imperador em relação à glória literária de Alencar.




Muito tempo depois de morto José de Alencar, D. Pedro II confidenciou:




— Tive sempre José de Alencar no alto apreço que de todos mereceu, pelos talentos e aptidões. Embora lamentando as circunstâncias que o tornaram tão hostil a mim, não me arrependo da resolução que julguei dever tomar.