"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A Carta, de Pero Vaz de Caminha


Carta a El Rei D. Manuel.



Senhor, posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova, que se agora nesta navegação achou, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer!



Todavia tome Vossa Alteza minha ignorância por boa vontade, a qual bem certo creia que, para aformosentar nem afear, aqui não há de pôr mais do que aquilo que vi e me pareceu.





Da marinhagem e das singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza -- porque o não saberei fazer -- e os pilotos devem ter este cuidado.





E portanto, Senhor, do que hei de falar começo: E digo quê:




A partida de Belém foi -- como Vossa Alteza sabe, segunda-feira 9 de março. E sábado, 14 do dito mês, entre as 8 e 9 horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grande Canária. E ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas,
obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, a saber da ilha de São Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.





Na noite seguinte à segunda-feira amanheceu, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem haver tempo forte ou contrário para poder ser !
Fez o capitão suas diligências para o achar, em umas e outras partes. Mas... não apareceu mais !





E assim seguimos nosso caminho, por este mar de longo, até que terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, topamos alguns sinais de terra, estando da dita Ilha -- segundo os pilotos diziam, obra de 660 ou 670 léguas -- os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, e assim mesmo outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam furabuchos.





Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!





Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças. E ao sol-posto umas seis léguas da terra, lançamos ancoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali ficamo-nos toda aquela noite. E quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos
em direitura à terra, indo os navios pequenos diante -- por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, doze, nove braças -- até meia légua da terra, onde todos lançamos ancoras, em frente da boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez
horas, pouco mais ou menos.





E dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes. E logo vieram todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor. E ali falaram.



E o Capitão mandou em terra a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou a ir-se para lá, acudiram pela praia homens aos dois e aos três, de maneira que, quando o batel chegou à boca do rio, já lá estavam dezoito ou vinte.
Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Traziam arcos nas mãos, e suas setas.







Vinham todos rijamente em direção ao batel. E Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os depuseram. Mas não pôde deles haver fala nem entendimento que aproveitasse, por o mar quebrar na costa. Somente arremessou-lhe um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça, e um sombreiro preto. E um deles lhe arremessou um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas, como de papagaio.







E outro lhe deu um ramal grande de continhas brancas, miúdas que querem parecer de aljôfar, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza. E com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
À noite seguinte ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus. E especialmente a Capitaina.







E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar ancoras e fazer vela. E fomos de longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados na popa, em direção norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nós ficássemos, para tomar água e lenha. Não por nos já minguar, mas por nos prevenirmos aqui. E quando fizemos vela estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali aos poucos. Fomos ao longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que fossem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.





E velejando nós pela costa, na distância de dez léguas do sítio onde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e
amainaram. E as naus foram-se chegando, atrás deles. E um pouco antes de sol-pôsto amainaram também, talvez a uma légua do recife, e ancoraram a onze braças.
E estando Afonso Lopez, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, foi, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meter-se logo no esquife a sondar o porto dentro. E tomou dois daqueles homens da terra que estavam
numa almadia: mancebos e de bons corpos.


Um deles trazia um arco, e seis ou sete setas. E na praia andavam muitos comseus arcos e setas; mas não os aproveitou. Logo, já de noite, levou-os à Capitaina, onde foram recebidos com muito prazer e festa. A feição deles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir ou deixa de encobrir suas vergonhas do que de mostrar a cara. Acerca disso são de grande inocência.


Ambos traziam o beiço de baixo furado e metido nele um osso verdadeiro, de comprimento de uma mão travessa, e da grossura de um fuso de algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de xadrez. E trazem-no ali encaixado de sorte que não os magoa, nem lhes põe estorvo no falar, nem no comer e beber.





Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta antes do que sobre-pente, de boa grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na parte detrás, uma espécie de
cabeleira, de penas de ave amarela, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena, com uma confeição branda como, de maneira tal que a cabeleira
era mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.








O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, aos pés uma alcatifa por estrado; e bem vestido, com um colar de ouro, mui grande, ao pescoço. E Sancho de Tovar, e Simão de Miranda, e Nicolau Coelho, e Aires Corrêa, e nós
outros que aqui na nau com ele íamos, sentados no chão, nessa alcatifa. Acenderam-se tochas. E eles entraram. Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de falar ao Capitão; nem a alguém. Todavia um deles fitou o colar do Capitão, e começou a
fazer acenos com a mão em direção à terra, e depois para o colar, como se quisesse dizer-nos que havia ouro na terra. E também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal, como se lá
também houvesse prata!








Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os houvesse ali. Mostraram-lhes um carneiro; não fizeram caso dele. Mostraram-lhes uma galinha; quase tiveram medo dela, e não lhe queriam pôr a mão. Depois lhe pegaram, mas como
espantados. Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel, figos passados. Não quiseram comer daquilo quase nada; e se provavam alguma coisa, logo a lançavam fora.





Trouxeram-lhes vinho em uma taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram dele nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes água em uma albarrada, provaram cada um o seu bochecho, mas não beberam; apenas lavaram as bocas e
lançaram-na fora. Viu um deles umas contas de rosário, brancas; fez sinal que lhas dessem, e folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço; e
depois tirou-as e meteu-as em volta do braço, e acenava para a terra e novamente para as contas e para o colar do Capitão, como se dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós nesse sentido, por assim o desejarmos! Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não queríamos nós entender, por que lho não havíamos de dar!



E depois tornou as contas a quem lhas dera. E então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir sem procurarem maneiras de encobrir suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas.





O Capitão mandou pôr por baixo da cabeça de cada um seu coxim; e o da cabeleira esforçava-se por não a estragar. E deitaram um manto por cima deles; e consentindo, aconchegaram-se e adormeceram. Sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e tinha seis a sete braças de fundo.



E entraram todas as naus dentro, e ancoraram em cinco ou seis braças -- ancoradouro que é tão grande e tão formoso de dentro, e tão seguro que podem ficar nele mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus foram distribuídas e ancoradas, vieram os capitães todos a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão que Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias fossem em terra e levassem aqueles dois homens, e os deixassem ir com seu arco e setas, aos quais mandou dar a cada um uma camisa nova e uma carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que foram levando nos braços, e um cascavel e uma campainha. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de dom João




Telo, de nome Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho. Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo perto de duzentos homens, todos nus, com arcos
e setas nas mãos. Aqueles que nós levamos acenaram-lhes que se afastassem e depusessem os arcos. E eles os depuseram. Mas não se afastaram muito. E mal tinham pousado seus arcos quando saíram os que nós levávamos, e o mancebo
degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais correria. E passaram um rio que aí corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga.



E muitos outros com eles. E foram assim correndo para além do rio entre umas moitas de palmeiras onde estavam outros. E ali pararam. E naquilo tinha ido o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e levou até lá. Mas logo o tornaram a nós. E com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.



E então se começaram de chegar muitos; e entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam. E traziam cabaças d'água, e tomavam alguns barris que nós levávamos e enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles
de todo chegassem a bordo do batel. Mas junto a ele, lançavam-nos da mão. E nós tomávamo-los. E pediam que lhes dessem alguma coisa.




Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, e a outros uma manilha, de maneira que com aquela encarna quase que nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar. Dali se partiram os outros, dois mancebos, que não os vimos mais. Dos que ali andavam, muitos -- quase a maior parte --traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, traziam os beiços furados e nos buracos traziam uns espelhos de pau, que pareciam
espelhos de borracha. E alguns deles traziam três daqueles bicos, a saber um no meio, e os dois nos cabos. E andavam lá outros, quartejados de cores, a saber metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, um tanto azulada; e outros quartejados d'escaques.


Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem novinhas e gentis, com cabelos muito pretos e compridos pelas costas; e suas vergonhas, tão altas e tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as nós muito bem olharmos, não se
envergonhavam.



Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbana deles ser tamanha que se não entendia nem ouvia ninguém. Acenamos-lhes que se fossem. E assim o fizeram e passaram-se para além do rio. E saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris d'água que nós levávamos. E tornamo-nos às naus. E quando assim vínhamos, acenaram-nos que voltássemos. Voltamos, e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles, o qual levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não trataram de lhe tirar coisa alguma, antes mandaram-no com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, que lhe
desse aquilo. E ele tornou e deu aquilo, em vista de nós, a aquele que o da primeira agasalhara. E então veio-se, e nós levamo-lo.




Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por galanteria, cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia seteado como São Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; e outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma
daquelas moças era toda tingida de baixo a cima, daquela tintura e certo era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha tão graciosa que a muitas mulheres de nossa terra, vendo-lhe tais feições envergonhara, por não terem as suas como ela.
Nenhum deles era fanado, mas todos assim como nós.




E com isto nos tornamos, e eles foram-se. À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, perto da
praia. Mas ninguém saiu em terra, por o Capitão o não querer, apesar de ninguém estar nela. Apenas saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande que está na baía, o qual, aquando baixamar, fica mui vazio. Com tudo está de todas as partes
cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado.



Ali folgou ele, e todos nós, bem uma hora e meia. E pescaram lá, andando alguns marinheiros com um chinchorro; e mataram peixe miúdo, não muito. E depois
volvemo-nos às naus, já bem noite. Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão ir ouvir missa e sermão naquele ilhéu. E mandou a todos os
capitães que se arranjassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou armar um pavilhão naquele ilhéu, e dentro levantar um altar mui bem arranjado. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual disse o padre frei Henrique,
em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes que todos assistiram, a qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção. Ali estava com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saíra de Belém, a qual esteve sempre bem alta, da parte do Evangelho.




Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação, da história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a propósito, e fez muita devoção.
Enquanto assistimos à missa e ao sermão, estaria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos, como a de ontem, com seus arcos e setas, e andava folgando.





E olhando-nos, sentaram. E depois de acabada a missa, quando nós sentados
atendíamos a pregação, levantaram-se muitos deles e tangeram corno ou buzina e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que lá tinham -- as quais não são feitas como as que eu vi; apenas são
três traves, atadas juntas. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam, não se afastando quase nada da terra, só até onde podiam tomar pé.
Acabada a pregação encaminhou-se o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta.



Embarcamos e fomos indo todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para o entregar a eles. E nós todos trás dele, a distância de um tiro de pedra. Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não os punham. Andava lá um que falava muito aos outros, que se afastassem. Mas não já que a mim me parecesse que lhe tinham respeito
ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas. Estava tinto de tintura vermelha pelos peitos e costas e pelos quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor.



E a tintura era tão vermelha que a água lha não comia nem desfazia. Antes, quando saía da água, era mais vermelho. Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava no meio deles, sem implicarem nada com ele, e muito menos ainda pensavam em fazer-lhe mal. Apenas lhe davam cabaças d'água; e acenavam aos do esquife que saíssem em terra. Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão. E viemo-nos às naus, a comer, tangendo trombetas e gaitas, sem os mais constranger. E eles tornaram-se a sentar na praia, e assim por então ficaram.




Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e sermão, espraia muito a água e descobre muita areia e muito cascalho. Enquanto lá estávamos foram alguns buscar marisco e não no acharam. Mas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais
vinha um muito grande e muito grosso; que em nenhum tempo o vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e de amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.



E depois de termos comido vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se aportou; e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor mandar descobrir e saber dela mais do que nós podíamos saber, por irmos na nossa viagem.
E entre muitas falas que sobre o caso se fizeram foi dito, por todos ou a maior parte, que seria muito bem.





E nisto concordaram. E logo que a resolução foi tomada, perguntou mais, se seria bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui em lugar deles outros dois destes degredados. E concordaram em que não era necessário tomar por força homens, porque costume era dos que assim à força levavam para alguma parte dizerem que há de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens desses degredados que aqui deixássemos do que eles dariam se os levassem por ser gente que ninguém entende.






Nem eles cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam quando cá Vossa Alteza mandar. E que portanto não cuidássemos de aqui por força tomar ninguém, nem fazer escândalo; mas sim, para os de todo amansar e apaziguar, unicamente de deixar aqui os dois degredados quando daqui partíssemos. E assim ficou determinado por parecer melhor a todos.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra. E ver-se-ia bem, quejando era o rio. Mas também para folgarmos.






Fomos todos nos batéis em terra, armados; e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenaram que saíssemos. Mas,
tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais ancho que um jogo de mancal.



E tanto que desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. E alguns aguardavam; e outros se afastavam. Com tudo, a coisa era de maneira que todos andavam misturados. Eles davam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho, e por qualquer coisa que lhes davam. Passaram além tantos dos nossos e andaram assim misturados com eles, que eles se esquivavam, e afastavam-se; e iam alguns para cima, onde outros estavam. E então o Capitão fez que o tomassem ao colo dois homens e passou o rio, e fez tornar a todos. A gente que ali estava não seria mais que aquela do costume. Mas logo que o Capitão chamou todos para trás, alguns se chegaram a ele, não por o reconhecerem por Senhor, mas porque a gente, nossa, já passava para aquém do rio.





Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas, daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, de tal maneira que os nossos levavam dali para as naus
muitos arcos, e setas e contas. E então tornou-se o Capitão para aquém do rio. E logo acudiram muitos à beira dele. Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim pelos corpos como pelas pernas, que, certo, assim
pareciam bem. Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal.



Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma. Também andava lá outra mulher, nova, com um menino ou menina, atado com um pano aos peitos, de modo que não se lhe viam senão as perninhas. Mas nas pernas da mãe, e no resto, não havia pano algum.




Em seguida o Capitão foi subindo ao longo do rio, que corre rente à praia. E ali esperou por um velho que trazia na mão uma pá de almadia. Falou, enquanto o Capitão estava com ele, na presença de todos nós; mas ninguém o entendia, nem ele a nós, por mais coisas que a gente lhe perguntava com respeito a ouro, porque desejávamos saber se o havia na terra. Trazia este velho o beiço tão furado que lhe cabia pelo buraco um grosso dedo polegar. E trazia metido no buraco uma
pedra verde, de nenhum valor, que fechava por fora aquele buraco. E o Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela para a boca do Capitão para lha meter. Estivemos rindo um pouco e dizendo chalaças sobre isso. E então
enfadou-se o Capitão, e deixou-o.





E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho; não por ela valer alguma coisa, mas para amostra. E depois houve-a o Capitão, creio, para mandar com as outras coisas a Vossa Alteza. Andamos por aí vendo o ribeiro, o qual é de muita água e muito boa. Ao longo dele há muitas palmeiras, não muito altas; e muito bons palmitos. Colhemos e comemos muitos deles. Depois tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde tínhamos desembarcado. E além do rio andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante os outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então para a outra banda do rio Diogo Dias, que fora almoxarife de Sacavém, o qual é homem gracioso e de prazer. E levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se a dançar com eles, tomando-os pelas mãos; e eles folgavam e riam e andavam com ele muito bem ao som da gaita.





Depois de dançarem fez ali muitas voltas ligeiras, andando no chão, e salto real, de que se eles espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo os segurou e afagou muito, tomavam logo uma esquiveza como de animais montezes, e foram-se para cima. E então passou o rio o Capitão com todos nós, e fomos pela praia, de longo, ao passo que os batéis iam rentes à terra. E chegamos a uma grande lagoa de água doce que está perto da praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares. E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles meter-se entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis.



E levaram dali um tubarão que Bartolomeu Dias matou. E levavam-lho; e lançou-o na praia. Bastará que até aqui, como quer que se lhes em alguma parte amansassem, logo de uma mão para outra se esquivavam, como pardais do cevadouro. Ninguém não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais. E tudo se passa como eles
querem -- para os bem amansarmos ! Ao velho com quem o Capitão havia falado, deu-lhe uma carapuça vermelha. E com toda a conversa que com ele houve, e
com a carapuça que lhe deu tanto que se despediu e começou a passar o rio, foi-se logo recatando. E não quis mais tornar do rio para aquém.



Os outros dois o Capitão teve nas naus, aos quais deu o que já ficou dito, nunca mais aqui apareceram -- fatos de que deduzo que é gente bestial e de pouco saber, e por isso tão esquiva. Mas apesar de tudo isso andam bem curados, e muito limpos. E naquilo ainda mais me convenço que são como aves, ou alimárias montezinhas, as quais o ar faz melhores penas e melhor cabelo que às mansas, porque os seus corpos são tão limpos e tão gordos e tão formosos que não pode ser mais! E isto me faz presumir que não tem casas nem moradias em que se recolham; e o ar em que se criam os faz
tais. Nós pelo menos não vimos até agora nenhumas casas, nem coisa que se pareça com elas.



Mandou o Capitão aquele degredado, Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. E foi; e andou lá um bom pedaço, mas a tarde regressou, que o fizeram eles vir: e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram
nada do seu. Antes, disse ele, que lhe tomara um deles umas continhas amarelas que levava e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após ele, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de feteiras muito grandes, como as de Entre Douro e Minho.



E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir. Segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos; mas não tantos como as outras vezes. E traziam já muito poucos arcos. E estiveram um pouco afastados de nós; mas depois pouco a pouco misturaram-se conosco; e abraçavam-nos e folgavam; mas alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha e por qualquer coisa. E de tal maneira se passou a coisa que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles para onde outros muitos deles estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, uns verdes, outros amarelos, dos quais creio que o Capitão há de mandar uma amostra a Vossa Alteza.




E segundo diziam esses que lá tinham ido, brincaram com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados: uns andavam quartejados daquelas tinturas, outros de metades, outros de tanta feição
como em pano de ras, e todos com os beiços furados, muitos com os ossos neles, e bastantes sem ossos. Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que na cor queriam parecer de castanheiras, embora fossem muito mais pequenos. E estavam
cheios de uns grãos vermelhos, pequeninos que, esmagando-se entre os dedos, se desfaziam na tinta muito vermelha de que andavam tingidos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.




Todos andam rapados até por cima das orelhas; assim mesmo de sobrancelhas e pestanas. Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas de tintura preta, que parece uma fita preta da largura de dois dedos. E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados que fossem meter-se entre eles; e assim
mesmo a Diogo Dias, por ser homem alegre, com que eles folgavam.



E aos degredados ordenou que ficassem lá esta noite. Foram-se lá todos; e andaram entre eles. E segundo depois diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais diziam que eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitaina. E eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoável altura; e todas de um só espaço, sem repartição alguma, tinham de dentro muitos esteios; e de esteio a esteio uma rede atada com cabos em cada esteio, altas, em que dormiam. E de baixo, para se aquentarem, faziam seus fogos.



E tinha cada casa duas portas pequenas, uma numa extremidade, e outra na oposta.
E diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os encontraram; e que lhes deram de comer dos alimentos que tinham, a saber muito inhame, e outras sementes que na terra dá, que eles comem. E como se fazia tarde
fizeram-nos logo todos tornar; e não quiseram que lá ficasse nenhum. E ainda, segundo diziam, queriam vir com eles. Resgataram lá por cascavéis e outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e
formosos, e dois verdes pequeninos, e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, espécie de tecido assaz belo, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse.



E com isto vieram; e nós tornamo-nos às naus. Terça-feira, depois de comer, fomos em terra, fazer lenha, e para lavar roupa. Estavam na praia, quando chegamos, uns
sessenta ou setenta, sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. E depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos. E misturaram-se todos tanto conosco que uns nos ajudavam a
acarretar lenha e metê-las nos batéis. E lutavam com os nossos, e tomavam com prazer. E enquanto fazíamos a lenha, construíam dois carpinteiros uma grande cruz de um pau que se ontem para isso cortara.



Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais para verem a ferramenta de ferro com que a faziam do que para verem a cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um
pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, porque lhas viram lá. Era já a conversação deles conosco tanta que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer. E o Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia e que de modo algum viessem a dormir às naus, ainda que os mandassem embora. E assim se foram.




Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios essas árvores; verdes uns, e pardos, outros, grandes e pequenos, de sorte que me parece que haverá muitos nesta terra. Todavia os que vi não seriam mais que nove ou dez, quando muito. Outras aves não vimos então, a não ser algumas pombas-deixeiras, e pareceram-me maiores bastante do que as de Portugal. Vários diziam que viram rolas, mas eu não as vi. Todavia segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infinitas espécies, não duvido que por esse sertão haja muitas aves! E cerca da noite nós volvemos para as naus com nossa lenha.



Eu creio, Senhor, que não dei ainda conta aqui a Vossa Alteza do feitio de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, e as setas compridas; e os ferros delas são canas aparadas, conforme Vossa Alteza verá alguns que creio que o Capitão a Ela há de enviar.




Quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada um podia levar. Eles acudiram à praia, muitos, segundo das naus vimos. Seriam perto de trezentos, segundo Sancho de Tovar que para lá foi. Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem ordenara que de toda maneira lá dormissem, tinham voltado já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. E traziam papagaios verdes; e outras aves pretas, quase como pegas, com a diferença de terem o bico branco e rabos curtos. E quando Sancho de Tovar recolheu à nau, queriam vir com ele, alguns; mas ele não admitiu senão dois mancebos, bem dispostos e homens de prol. Mandou pensar e curá-los mui bem essa noite. E comeram toda a ração que lhes deram, e mandou dar-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. E dormiram e folgaram aquela noite. E não houve mais este dia que para escrever seja.



Quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas, e veio-lhe comida. E comeu. Os hóspedes, sentaram-no cada um em sua cadeira. E de tudo quanto lhes deram, comeram mui bem, especialmente lacão cozido frio, e arroz. Não lhes deram vinho por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.



Acabado o comer, metemo-nos todos no batel, e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. E logo que a tomou meteu-a no beiço; e porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pouca de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço da parte de trás de sorte que segurasse, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima; e ia tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela. E não tornou a aparecer lá.




Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir. E parece-me que viriam este dia a praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta. Alguns deles traziam arcos e setas; e deram tudo em troca de carapuças e por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos, e alguns deles bebiam vinho, ao passo que outros o não podiam beber. Mas quer-me parecer que, se os acostumarem, o hão de beber de boa vontade! Andavam todos tão bem dispostos e tão bem feitos e galantes com suas pinturas que agradavam. Acarretavam dessa lenha quanta podiam, com mil boas vontades, e levavam-na aos batéis. E estavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós estávamos entre eles.



Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até um ribeiro grande, e de muita água, que ao nosso parecer é o mesmo que vem ter à praia, em que nós tomamos água. Ali descansamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dele, entre esse arvoredo que é tanto e tamanho e tão basto e de tanta qualidade de folhagem que não se pode calcular. Há lá muitas palmeiras, de que colhemos muitos e bons palmitos. Ao sairmos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos em direitura à cruz que estava encostada a uma árvore, junto ao rio, a fim de ser colocada amanhã, sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. E a esses dez ou doze que lá estavam, acenaram-lhes que fizessem o mesmo; e logo foram todos beijá-la.



Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E portanto se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade.


E imprimir-se-á facilmente neles qualquer cunho que lhe quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o Ele nos para aqui trazer creio que não foi sem causa. E portanto Vossa Alteza, pois tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim! Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos. Nesse dia, enquanto ali andavam, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som de um tamboril nosso, como se fossem mais amigos nossos do que nós seus.



Se lhes a gente acenava, se queriam vir às naus, aprontavam-se logo para isso, de modo tal, que se os convidáramos a todos, todos vieram. Porém não levamos esta noite às naus senão quatro ou cinco; a saber, o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um que já trazia por pagem; e Aires Gomes a outro, pagem também. Os que o Capitão trazia, era um deles um dos seus hóspedes que lhe haviam trazido a primeira vez quando aqui chegamos -- o qual veio hoje aqui vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados tanto de comida como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar. E hoje que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio, contra o sul onde nos pareceu que seria melhor arvorar a cruz, para melhor ser vista.



E ali marcou o Capitão o sítio onde haviam de fazer a cova para a fincar. E enquanto a iam abrindo, ele com todos nós outros fomos pela cruz, rio abaixo onde ela estava. E com os religiosos e sacerdotes que cantavam, à frente, fomos trazendo-a dali, a modo de procissão. Eram já aí quantidade deles, uns setenta ou oitenta; e quando nos assim viram chegar, alguns se foram meter debaixo dela, ajudar-nos. Passamos o rio, ao longo da praia; e fomos colocá-la onde havia de ficar, que será obra de dois tiros de besta do rio. Andando-se ali nisto, viriam bem cento cinqüenta, ou mais. Plantada a cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiro lhe haviam pregado, armaram altar ao pé dela.



Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco, a ela, perto de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelho assim como nós. E quando se veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco, e alçaram as mãos, estando assim até se chegar ao fim; e então tornaram-se a assentar, como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim como nós estávamos, com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados que certifico a Vossa Alteza que nos fez muita devoção.



Estiveram assim conosco até acabada a comunhão; e depois da comunhão, comungaram esses religiosos e sacerdotes; e o Capitão com alguns de nós outros. E alguns deles, por o Sol ser grande, levantaram-se enquanto estávamos comungando, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, se conservou ali com aqueles que ficaram. Esse, enquanto assim estávamos, juntava aqueles que ali tinham ficado, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles, falando-lhes, acenou com o dedo para o altar, e depois mostrou com o dedo para o céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos!



Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim se subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apóstolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação desse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, que nos causou mais devoção.



Esses que estiveram sempre à pregação estavam assim como nós olhando para ele. E aquele que digo, chamava alguns, que viessem ali. Alguns vinham e outros iam-se; e acabada a pregação, trazia Nicolau Coelho muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda. E houveram por bem que lançassem a cada um sua ao pescoço. Por essa causa se assentou o padre frei Henrique ao pé da cruz; e ali lançava a sua a todos -- um a um -- ao pescoço, atada em um fio, fazendo-lha primeiro beijar e levantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançavam-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta. E isto acabado -- era já bem uma hora depois do meio dia -- viemos às naus a comer, onde o Capitão trouxe consigo aquele mesmo que fez aos outros aquele gesto para o altar e para o céu, (e um seu irmão com ele). A aquele fez muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca; e ao outro uma camisa destoutras.



E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria nem adoração têm.


E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados e convertidos ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar; porque já então terão mais conhecimentos de nossa fé, pelos dois degredados que aqui entre eles ficam, os quais hoje também comungaram.



Entre todos estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher, moça, a qual esteve sempre à missa, à qual deram um pano com que se cobrisse; e puseram-lho em volta dela. Todavia, ao sentar-se, não se lembrava de o estender muito para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal que a de Adão não seria maior -- com respeito ao pudor.



Ora veja Vossa Alteza quem em tal inocência vive se se convertera, ou não, se lhe ensinarem o que pertence à sua salvação.



Acabado isto, fomos perante eles beijar a cruz. E despedimo-nos e fomos comer.
Creio, Senhor, que, com estes dois degredados que aqui ficam, ficarão mais dois grumetes, que esta noite se saíram em terra, desta nau, no esquife, fugidos, os quais não vieram mais. E cremos que ficarão aqui porque de manhã, prazendo a Deus fazemos nossa partida daqui.



Esta terra, Senhor, parece-me que, da ponta que mais contra o sul vimos, até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas de costa. Traz ao longo do mar em algumas partes grandes barreiras, umas vermelhas, e outras brancas; e a terra de cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta é toda praia... muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande; porque a estender olhos, não podíamos ver senão terra e arvoredos -- terra que nos parecia muito extensa.



Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá. Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo; por causa das águas que tem!



Contudo, o melhor fruto que dela se pode tirar parece-me que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar. E que não houvesse mais do que ter Vossa Alteza aqui esta pousada para essa navegação de Calicute bastava. Quanto mais, disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa fé!


E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se a um pouco alonguei, Ela me perdoe.


Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer coisa que de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a


Jorge de Osório, meu genro -- o que d'Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.


Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.



Pero Vaz de Caminha.

Monarquia e Fé Católica.



A monarquia NÃO é a ÚNICA opção para o católico. A doutrina da Igreja, baseada em Santo Tomás, é de que a monarquia não é a única mas, em essência, é a melhor. O que não significa, aliás, que, acidentalmente (i.e., em situações casuísticas), a aristocracia e a democracia não sejam melhores.


Veja o exemplo da República de Veneza. Mesmo na Idade Média, constituía-se em um exemplo de governo aristocrático que funcionava. Não era monarquia. Também os EUA são exemplo de uma comunidade não monárquica que dá certo.


Temos de separar essência e acidentes. A monarquia em si é melhor que a democracia em si. Mas, em dadas situações, no plano concreto, esta pode ser melhor que aquela. Considerar quando se dão essas situações pertence ao campo pessoal e não ao da Igreja.


Por isso, é proibido ao católico ser contra a monarquia em si. Pode ser contra a sua aplicação em um país concreto e por razões práticas (nunca por considerar que a monarquia seja ilegítima ou injusta, pois isso é proibido).


Outro detalhe: embora defendesse a monarquia, Santo Tomás, além de dizer que as outras formas também eram boas (mas piores que a monarquia), via com bons olhos os regimes em que os três aspectos se combinavam harmoniosamente. Assim, nada impede que a uma monarquia tenha um parlamento (democracia) e mesmo a ajuda dos melhores da sociedade, de uma elite (aristocracia). É esse o tipo de monarquia adotado na maioria dos países.


Por isso, não gostar da monarquia por preferir a democracia representativa não se sustenta, eis que esta pode existir naquela.


Claro que há repúblicas autenticamente católicas. Na divisão clássica tomista entre democracia, aristocracia e monarquia, todas podem ser boas ou más (ainda que a monarquia seja a melhor delas, em si).


No caso concreto do Brasil, estou profundamente convencido que a volta do Império seria uma ferramenta vigorosa para a defesa de nossos valores humanísticos e cristãos, para o resgate do orgulho patriótico (não confundir com o pernicioso nacionalismo, de perfis ideológicos evidentes!) e para a moralização da coisa pública.
Santo Tomás diz que o Estado deve se parecer o mais possível com a família, pois ele é criação da família, fruto da família e como que uma autoridade da sociedade de famílias que compõem a Nação por ele presidida. Assim, não elegemos o pai de família. Logo, a autoridade hereditária é a que melhor se parece com a família (claro que sabemos que existem monarquias eletivas, mas todas eram vitalícias, outra qualidade do pai de família).
Por fim, a monarquia é a que melhor promove a paz social na medida em que não incentiva disputas inúteis, EM TESE, dos melhores da Nação.



Melhor mesmo é a monarquia contar com elementos da aristocracia para auxiliar o monarca e da democracia para referendar alguns aspectos da governança política e da elaboração legislativa.



"O melhor governo é o que é feito por um só. A razão disso é que governar não é senão dirigir as coisas governadas para o seu fim, que é algum bem.


Ora, a unidade está na essência da bondade, como prova Boécio, no III De consolatione, pelo facto de que assim como todas as coisas desejam o bem, do mesmo modo desejam a unidade, sem a qual não podem existir, pois uma coisa só existe enquanto for una; por isso vemos que as coisas resistem à sua divisão quanto podem, e que a sua desintegração provém da deficiência do seu ser.
Por conseguinte, a intenção de quem governa uma multidão é a unidade ou a paz. Ora, a causa própria da unidade é aquilo que é uno, pois é claro que muitos não podem unir e conciliar o que é diverso se não estiverem de algum modo unidos. Portanto, o que é essencialmente uno pode ser melhor e mais facilmente causa da unidade do que muitos unidos.


Concluindo, a multidão é melhor governada por um do que por muitos" (Santo Tomás de Aquino; Suma Teológica, q. I, a. 103, ad 3)
"Estabelecidas estas premissas [a saber, aos homens compete viver em sociedade, e para isto é indispensável que sejam rectamente governados por algum chefe], cumpre indagar o que mais convém à província ou à cidade: se ser governada por muitos ou por um só.
Isto, porém, pode-se considerar tendo em vista o próprio fim do governo.
Com efeito, todos os governantes devem ter como meta procurar o bem-estar daquele que tomou sob o seu governo, assim como compete ao piloto conduzir a nave ilesa ao porto de salvação, elidindo os perigos do mar. Porém, sendo o bem e a salvação da sociedade a conservação da sua unidade - que se chama paz - perdida esta desaparece a utilidade da vida social.
E isto tanto mais que a sociedade, na qual se introduziu a dissensão, é onerosa a si mesma. Portanto, o que mais deve ter em vista o dirigente da sociedade é empenhar-se por obter a unidade da paz.



Nem cabe ao governante deliberar rectamente se deve ou não promover a paz na sociedade a ele sujeita, como o médico não se pergunta se há de curar ou não o doente a ele confiado. Pois a ninguém cabe deliberar a respeito do fim que lhe compete alcançar, e sim dos meios que conduzem a esse fim. Daí o dizer o Apóstolo, depois de recomendar a unidade do povo fiel: `Sede solícitos em conservar a unidade do espírito pelo vínculo da paz' (Ef. 4, 3).



Portanto, quanto mais um regime for eficiente para conservar a unidade da paz, tanto mais útil será. Pois dizemos ser mais útil aquilo que melhor conduz ao fim.



Ora, é manifesto que mais pode produzir a unidade aquilo que de si é uno, do que o que é múltiplo, do mesmo modo que a causa mais eficaz do aquecimento é aquilo que de si é quente.
Portanto, é mais útil o governo de um que o de muitos.
Além disso, é evidente que se muitos dissentirem totalmente entre si, de nenhum modo podem manter a sociedade. Requer-se, pois, em muitos, uma certa união, a fim de poderem, de algum modo, governar: porquanto muitos não podem conduzir uma nave para determinado ponto, a não ser que de algum modo se estabeleça uma conjunção entre eles.

Porém, diz-se que muitos estão unidos na medida em que se aproximam da unidade. Portanto, melhor governa um só do que muitos, os quais, por proximidade, se tornam um.



Ainda mais: as coisas que são de acordo com a natureza funcionam melhor, pois em cada uma opera a natureza, que é o melhor. Ora, todo o governo natural procede de um só. Pois na multidão dos órgãos, um é o que move a todos, isto é, o coração; e nas partes da alma, uma faculdade principal preside às restantes, isto é, a razão. Também as abelhas têm um rei, e em todo o universo, um só Deus é o criador e governador de todas as coisas.
E isto é razoável, pois toda a multidão deriva de um. Porque se as coisas que procedem segundo a arte imitam as que procedem segundo a natureza, e a obra de arte é tanto melhor quanto mais se assemelha ao que é natural, é forçoso reconhecer que, na sociedade humana, o melhor é reger-se ela por um só.



Isto também a experiência o evidencia. Porque as províncias ou cidades que não são governadas por um só sofrem dissensões e flutuam sem paz, de modo que parece cumprir-se o que o Senhor lamenta pela voz do Profeta, dizendo: `Numerosos pastores destruíram a minha vinha' (Jer. 12, 10). Pelo contrário, as províncias e cidades governadas por um rei gozam de paz, florescem na justiça, e se alegram com a abundância dos bens.


Daí que o Senhor prometa pelos profetas ao seu povo, como grande mercê, pôr-lhe à frente um só chefe, e que haveria um só príncipe no meio deles". (Santo Tomás de Aquino; De Regimine Principum ad Regem Cypri, I, cap. II) E se o monarca tornar-se mau?
Voltamos à base do problema: é limitado argumentar com casuística apenas.
Possibilidades de falhas teremos sempre. Santo Tomás mesmo diz que as três formas de governo têm suas correspondentes deturpações, e a monarquia pode degenerar-se em tirania. É o caso em tela.

Porém, isso não justifica atacar a monarquia em si, pois a democracia também pode degenerar-se em demagogia. E não me venham dizer que o líder democrata pode ser substituído, pois bem sabemos que um autêntico demagogo sabe encontrar maneiras de se perpetuar no poder por ele corrompido.



Todas as formas puras podem degenerar-se. Mas, em tese, na generalidade, a monarquia é a melhor (claro, há casos em que a república pode ser melhor). E mesmo a possibilidade de corrupção monárquica é um valor negativo que contrasta com os inúmeros positivos que essa forma traz consigo.



1) Em geral, a monarquia é melhor.
2) Em cada caso, pode ser outra forma a melhor.
3) No Brasil, aplica-se, no meu entendimento, a regra geral: a monarquia.
4) É possível que a monarquia brasileira vire tirania. Mas as outras formas não são menos livres disso.
5) Além do que, prefiro correr o risco de degeneração em tirania, pois os benefícios que a monarquia pura trás são maiores do que as POSSIBILIDADES de malefícios.



Benefícios: a estabilidade, a distância entre o governo e o Estado, a possibilidade de se moralizar a Administração Pública a partir do modelo familiar da Casa Imperial, o exemplo e a liderança do monarca, um Chefe de Estado preparado desde a infância para o cargo e influenciado por toda uma tradição que deverá respeitar (o que torna mais vergonhosa uma má gestão, pela desonra dos antepassados), o culto aos valores pátrios encarnados na Família Imperial e que são símbolos de toda a família nacional, um sadio patriotismo cultivado pela beleza das cerimônias dinásticas, a adoção de um modelo parlamentar que pode ser o instrumento mais eficaz para uma real representatividade popular aliado à sadia liderança da aristocracia (o que nos estimula a lutarmos pelo reerguimento de nossas elites, infelizmente quase todas decadentes), a rapidez (por causa do parlamentarismo e do próprio monarca) no gerenciamento de crises, a figura do monarca como pai da Nação e chefe guerreiro etc.
A forma monárquica é também a mais orgânica, a mais natural, e a que mais defende os valores tradicionais da Nação, que são melhor encarnados no monarca, herdeiro de uma família cuja história se confunde com a do próprio povo.


A monarquia não é a única opção para o católico, e pode-se ser contra ela, mas não por achar que seja "sem explicação" ou errada.


Um católico pode ser contra a monarquia NO CASO CONCRETO, mas não pode considerar que ela, EM SI MESMA, é injusta. E deve, também, mesmo que não seja monarquista, considerar que a monarquia, em tese ao menos, é a forma mais eficaz segundo o Magistério da Igreja, ainda mais quando combinada com a democracia e a aristocracia.


O erro está em condenar o SISTEMA monárquico como ultrapassado, como absurdo, como ilegítimo, uma vez que o Magistério não só aprova a forma monárquica com legítima (assim como acha legítima a república), como também já se manifestou dizendo que, entre todas as formas boas, ela é a melhor, EM TESE.

 Dr. Rafael Vitola Brodbeck  28/05/2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Joaquim José da Silva Xavier

Tiradentes (1746 -1792)
Mártir da Independência do Brasil, nasceu no ano de 1746 na Fazenda do Pombal, próxima ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, entre a Vila de São José, hoje Tiradentes, e São João del-Rei. Filho do português Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e da brasileira Antônia da Encarnação Xavier, o quarto dos sete irmãos, ficou órfão aos 11 anos, não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião.
Trabalhou como mascate e minerador e tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao exercício da profissão de dentista, o que lhe valeu o cognome Tiradentes. Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos, começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro. Depois alistou-se na tropa da capitania de Minas Gerais e foi nomeado pela rainha Maria I, comandante da patrulha do Caminho Novo (1781), estrada que conduzia ao Rio de Janeiro, que tinha a função de garantir o transporte do ouro e dos diamantes extraídos da capitania.
Nesse período, começou a criticar a espoliação do Brasil pela metrópole, que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, alcançando apenas o posto de alferes, pediu licença da cavalaria (1787). Morou por volta de um ano na capital, período em que desenvolveu projetos de vulto como a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para melhoria do abastecimento de água do Rio de Janeiro, porém não obteve deferimento dos seus pedidos para execução das obras.



Seus projetos foram rejeitados pelo vice-rei, sendo mais tarde construídos por D. João VI. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de liberdade para a colônia.De volta a Minas Gerais, começou a pregar em Vila Rica e arredores, a favor da independência do Brasil. Organizou um movimento aliado a integrantes do clero e pessoas de certa projeção social, como Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da Comarca e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador.
O movimento ganhou reforço ideológico com a independência das colônias americanas e a formação dos Estados Unidos. Fatores regionais e econômicos contribuíram também para a articulação da conspiração de Minas Gerais, pois na capitania começara a declinar a mineração do ouro. Os moradores já não conseguiam cumprir o pagamento anual de cem arrobas de ouro destinado à Real Fazenda, motivo pelo qual aderiram à propaganda contra a ordem estabelecida. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma cobrança forçada de 538 arrobas de ouro em impostos atrasados (desde 1762), a ser executada pelo novo governador de Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, visconde de Barbacena.
O movimento se iniciaria na noite da insurreição: os líderes da inconfidência sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à república, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, foi delatada pelos portugueses Basílio de Brito Malheiro do Lago, Joaquim Silvério dos Reis e o açoriano Inácio Correia de Pamplona, em troca do perdão de suas dívidas com a Fazenda Real. E assim, o visconde de Barbacena suspendeu a derrama e ordenou a prisão dos conjurados (1789).
Avisado o inconfidente escondeu-se na casa de um amigo no Rio de Janeiro, porém foi descoberto por Joaquim Silvério que sabia de seu paradeiro, já que o acompanhara em sua fuga a mando de Barbacena. Preso, assumiu toda a culpa pela conjuração e após um processo que durou três anos, foi o único que não mereceu clemência da rainha dona Maria I, pois condenado à morte junto com dez de seus companheiros, estes tiveram a pena comutada por favor real.





E assim, numa manhã de sábado (21/04/1792), o condenado percorreu em procissão as ruas engalanadas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e o largo da Lampadosa, atual praça Tiradentes, onde fora armado o patíbulo.
Executado, esquartejado e salgado; sua cabeça foi colocada dentro de uma gaiola, levada para Ouro Preto e exposta em um poste, suas pernas cravadas em postes na Estrada das minas e os braços levados para Barbacena.
Com seu sangue lavrou-se a certidão de que estava cumprida a sentença, e foi declarada infame sua memória. Essa conspiração ficou sendo conhecida como Inconfidência Mineira.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Princípe Cherles, Futuro Rei do Brasil?


26/05/08

Está para surgir uma situação inusitada e absurda no Brasil: caso o princípe Charles chegue a tomar posse do trono inglês, ele ganhará por extensão o comando das maiores reservas indígenas da Amazônia. Paranóia? Não, é fato.




A ONG Picareta, conhecida mundialmente como SURVIVAL comandada pelo principe Charles e, absurdamente, controla com mão de ferro as reservas Ianomames e da cabeça do cahorro, na fronteira colombiana, que são as maiores reservas do mundo.



E não é somente estas duas reservas que são controladas pela ONG do princípe Charles. Em todas as reservas homolagadas e a homologar futuramente tem forte representação da ONG do futuro rei da Inglaterra. É bom ressaltar outro absurdo: nestas reservas, brasileiro não entra e, pior ainda, até o exército foi barrado por esta ONG, em concluio com as ONGs brasileiras CIR e CIMI.





As reservas sob controle do futuro rei da inglaterra não permite que qualquer pessoa de nacionalidade sul-americana entre, apenas indivíduos da comunidade européia ou dos EUA. Caso o princípe Charles chegue ao trono na Inglaterra, ele terá em suas mãos o controle (através da Survival) das mais ricas jazidas de urânio, nióbio, ouro, diamantes do mundo, além de indiretamente influir de maneira decisiva sobre o destino político das naçôes indígenas.





Outro ponto absurdo é que esta ONG de propriedade do futuro rei da Inglaterra barrou recentemente missionários evangélicos de nacionalidade brasileira. Para isso ela contou com o apoio da CNBB, através das organizaçôes católicas CIR, CIMI e Consolata. Além do atentado à democracia brasileira ao impedirem o livre trânsito de missionários evangélicos de nacionalidade brasileira, esta ONG estrangeira contou com a ajuda da principal instituição religiosa brasileira: CNBB.





Configura com isto um claro caso de traição à pátria brasileira. É hora de nós evangelicos acordamos à estas questôes. É nosso dever, como cristãos mais esclarecidos que outras religiôes brasileiras clamarmos contra o atual quadro de atentados à soberania brasileiro e ao direito de pregar o evangelho. Chegou a hora de acordarmos para o momento em que estamos vivendo.



Está acontecendo uma guerra surda entre o Brasil e uma das mais subversivas organizaçôes Não-governamental do mundo: Survival International.




Esta guerra começou exatamente em 1969, quando a oligarquia inglesa começou a intervir na região Amazônica, de soberania brasileira. Enviaram para cá diversas missôes, com o objetivo de encontrar tribos indígenas que pudessem ser manipuladas em prol dos interesses estratégicos ingleses, que já anteviam o fim dos recursos minerais em seu país, sendo que no Brasil tais recursos são quase que inesgotáveis e, melhor, sem o minímo controle das autoridades brasileiras.




Para acobertar as ações criminosas praticada pelos estrategistas do governo inglês, criou-se a Ong Survival International, extenção de outra inglesa - a WWF - ligada a questôes ambientais e que já aprontava das suas em nossas terras. Desde 1969 que a Survival vem constantemente intervindo nas questôes de caráter nacional, chegando a barrar a entrada do exército e de autoridades nas imensas reservas indígenas amazônicas, que estão totalmente sob seu controle.




Por isso que disse que há uma guerra (invisível até o momento para o povo brasileiro) entre esta ong subversiva e o Brasil. E, por incrível que pareça, a batalha final está para acontecer: a decisão do STF na questão da reserva Raposa /Serra do Sol.




Nunca uma decisão judicial foi tão importante para o Brasil quanto este jugamento. Lá será decidido se 15% (até agora) de nosso território (reservas indígenas) ficará sob controle soberano do Brasil ou com a Ong Survival International e suas congeneres internacionais. Esta decisão do STF selará definitivamente o destino do Brasil.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Amélia Augusta Eugênia Napoleona de Beauharnais

Firmeza de atitudes da jovem Imperatriz Da. Amélia.

No Palácio de São Cristóvão, depois da bênção de núpcias de D. Pedro I com Da. Amélia de Leuchtenberg, o Imperador lhe apresentou os seus filhos. Com afetuosidades de comover, D. Amélia cobriu de abraços carinhosos, maternalmente, as princesinhas e o príncipe herdeiro.De repente, D. Pedro lembrou-se de sua filha adulterina, e pediu à Marquesa de Itaguaí:

— Minha boa Francisca, vá buscar a duquesinha de Goiás.Aquela ordem foi um choque. Da. Amélia estremeceu. Secou-lhe bruscamente o sorriso nos lábios. Com voz firme, fitando o Imperador nos olhos, disse:

— Majestade! Poupe-me a dor dessa apresentação. Eu quero ser mãe dos filhos de D. Leopoldina. Mas unicamente dos filhos de D. Leopoldina. Eu não quero conhecer – nem sequer conhecer! – a filha bastarda da Marquesa de Santos. Peço a Vossa Majestade, portanto, que faça retirar imediatamente essa menina do Paço. É o primeiro pedido, senhor D. Pedro, que a Imperatriz faz ao Imperador.

Sem esperar resposta, incisiva e decidida, ordenou:— Marquesa, vá avisar às açafatas que a Duquesa de Goiás deve sair já deste Paço. Que preparem as malas.Atônita, D. Francisca não sabia o que fazer. Olhou para D. Pedro, suplicando uma decisão. D. Pedro balbuciou apenas:— Cumpra as ordens da Imperatriz, Marquesa.



Francisco Gomes da Silva, conhecido como “Chalaça”, era um indivíduo de péssimos costumes, e exerceu funesta influência sobre o Imperador D. Pedro I. Durante algum tempo, seu poder no Paço era quase absoluto. Era necessário removê-lo, mas ninguém se sentia com ascendência para pedir isso ao Imperador.O Marquês de Barbacena, chamado ao Paço, ouviu de D. Pedro:

— Meu Barbacena, o Chalaça, como Vossa Excelência sabe, tem trabalhado com afinco nos meus negócios particulares. É de uma dedicação rara. Eu preciso, portanto, dar uma prova de amizade a ele. Vossa Excelência conhece a paixão que ele tem por dignidades. Vamos, por conseguinte, satisfazer-lhe a vaidade. Mande lavrar um decreto concedendo-lhe o título de marquês.

— Marquês?! O Chalaça?!— Sim, meu Barbacena. E por que não?— Perdão, Majestade, mas é necessário ponderar um pouco. Esse decreto é uma temeridade. É um ato comprometedor. Fazer do nosso vulgaríssimo Chalaça um marquês, é graça verdadeiramente escandalosa. Vossa Majestade vai irritar o País com tão acintosa mercê. Como Primeiro Ministro, não referendo esse decreto.

— Não referenda?— Não! Não referendo. E digo mais. Se Vossa Majestade quiser conservar-me no Ministério, há de fazer a mim esta mercê, que reputo essencial à moralidade e ao prestígio do Trono: despedir o Chalaça. Mandar o Chalaça embora do Brasil.Nisto, abre-se a porta e entra no salão Da. Amélia. Logo D. Pedro lhe comunica, risonho:— Sabe? Aqui o Barbacena está me pedindo uma graça incrível.

— Uma graça? Então é necessário concedê-la já. Não se pode negar coisa alguma ao nosso Barbacena.

— Mas é preciso ver o que pede o Barbacena...

— Que há de ser, meu Deus?!— Um disparate! A saída do Chalaça do Brasil.D. Amélia toma então ares sérios. Pensativa e grave, diz:

— O nosso Marquês tem razão. Esse homem precisa sair do Império.

— Que diz a minha Imperatriz?— Digo que o Chalaça precisa sair daqui. Vossa Majestade perdoe, mas eu digo mais: esse tipo é abominável. Eu o detesto, e detesto-o porque ele desmoraliza o Paço. Porque prejudica o Império. Porque impopulariza o regime. Porque compromete Vossa Majestade.

A Imperatriz e o Primeiro Ministro foram implacáveis. Ao final, cedendo às evidências, D. Pedro decidiu conceder ao Chalaça uma missão diplomática em Nápoles.

Da. Amélia de Leuchtenberg, segunda esposa de D. Pedro I e Imperatriz do Brasil, amou os filhos de Da. Leopoldina de toda a alma, como o prometera, com desvelos de mãe. No dia da abdicação de D. Pedro I, ela escreveu uma carta ao pequenino D. Pedro II, então com 6 anos:

“Não me pertences senão pelo amor que dediquei ao teu augusto pai. Mas quero-te como se fosses o sangue do meu sangue. Um dever sagrado me obriga a acompanhar o ex-Imperador, no seu exílio, através os mares, em terras estranhas.

Adeus, pois, para sempre!”Dirigindo-se às mães brasileiras, fez então uma súplica comovente: “Mães brasileiras, vós que sois meigas e carinhosas para com vossos filhinhos, supri minhas vezes: adotai o órfão coroado, dai-lhe, todas vós, um lugar na vossa família e no vosso coração. Entregando-o a vós, sinto minhas lágrimas correrem com menor amargura”.

Luís Filipe Maria Fernando Gastão de Orléans e Saxe-Coburgo-Gota





Cumprimento do dever e amor à justiça, qualidades do Conde d’Eu.





Nas três vezes em que a Princesa Isabel assumiu a Regência do Império, a atitude que manteve o Conde d’Eu foi a mais correta. Nunca nenhum político que foi ministro nesses períodos disse o contrário. Um constituinte republicano afirmou:



“O que era possível fazer para conquistar o título de brasileiro, ele o fez: regulamentos, projetos de lei para melhor organização do Exército e aperfeiçoamento do seu material de guerra; escolas, bibliotecas, colônias orfanológicas para a infância desamparada; tudo enfim quanto podia falar à gratidão das massas mais desprotegidas da sorte ou às diversas classes da sociedade, ele planejou ou executou na maior parte”.



Durante a campanha do Paraguai, se as circunstâncias militares e políticas não lhe permitiram – mau grado dele, aliás – combater o inimigo do Brasil desde o início das hostilidades, sua ação de comandante-chefe, na última fase da guerra, quando os nossos melhores generais escasseavam já, por doentes ou cansados, foi cheia de heroísmo e de dignidade, e nunca se soube que tivesse se exercido em desabono das tradições do exército brasileiro.



Em suas “Memórias”, Taunay enumera as qualidades do Conde d’Eu: “Gosto pelo trabalho, amor sincero ao estudo, consciência no saber, espírito inimigo da futilidade e cheio de modéstia. Muita ordem na vida econômica, aborrecimento à intriga e aos mexericos. Desconfiança de si mesmo, desejo de servir bem e cumprir o dever.



Absoluta simplicidade nos modos. Amigo da justiça nos conceitos, pouco propenso a ouvir e aceitar bajulações. Esposo exemplar, de fidelidade intangível, escrupulosíssima. Excelente pai de família, impossível melhor, exagerado até no amor aos filhos e nos cuidados de que os rodeia incessantemente. Crença viva na Religião.

Discrição no falar, nenhum arrebatamento, paciente e nobremente resignado”.Desejava ardentemente o Conde d’Eu participar da guerra no Paraguai, desde o início, mas encontrava invencível resistência em D. Pedro II, como também nos ministros. Contudo ele insistia. Tendo ido jantar com o Imperador, encontrou-se com o Marquês de Caxias, que acabava de ser promovido a Marechal do Exército e nomeado comandante geral das tropas brasileiras. Num dos corredores do Palácio, não se conteve e indagou sem rodeios:

— Marechal, o senhor consentiria em que eu fosse servir no Paraguai, sob suas ordens?— Oh, senhor! Isso é muita honra para mim. Eu é que desejava ir sob as ordens de Vossa Alteza. Mas... isso depende do Governo.

Só bem mais tarde, quando Caxias retornou do campo de batalha, pôde o Conde d’Eu combater, agora como comandante geral, com a idade de 27 anos.O general Osório, Marquês de Herval, em saudação ao Conde d’Eu durante banquete em sua homenagem, a 25 de maio de 1877, afirmou:

— Brindo ao Sr. Conde d’Eu, meu companheiro de armas, que sempre prodigalizou-me as maiores provas de consideração. Brindo-o pelo seu valor, pela sua coragem e pela justiça com que administrou o Exército. Brindo-o porque no Paraguai deu sempre provas de amar o Brasil e devotar-se de alma ao seu serviço, como os brasileiros que lá serviam.


A caminho do campo de batalha, as preocupações humanitárias do Conde d’Eu.


Um interessante exemplo da preocupação humanitária do Conde d’Eu se encontra no seu diário da viagem a Uruguaiana, em 1865, quando se iniciava a guerra do Paraguai:
“Os corpos do exército de Flores e do general argentino Paunero bateram e aniquilaram hoje (17/8/65), nas alturas de Uruguaiana, os paraguaios da margem direita, em número de 4.000. Segundo estas notícias, que ainda não são oficiais, só teriam escapado 300, dos quais 50 ficaram prisioneiros dos aliados.
A vitória das forças aliadas está, pois, fora de toda a dúvida. Para saber pormenores positivos, será necessário aguardar o relatório oficial de Flores. Parece incrível, à primeira vista, que um corpo de 4.000 homens tenha quase totalmente perecido, e no curto espaço de hora e meia. Querem alguns, sem esperar explicação, enxergar nisto crime dos generais orientais, que nem sempre se têm distinguido por sua generosidade para com os vencidos.
Quanto a mim, prefiro, até mais amplas informações, ter melhor opinião dos nossos aliados e explicar esse morticínio pela coragem cega, ou antes, fanatismo, que por ora têm mostrado nos combates os soldados paraguaios, o que torna muito difícil conservar-lhes a vida”.Uma semana depois, relata:
“Recebemos o relatório oficial da batalha e as quatro bandeiras paraguaias, que no dia 17 caíram nas mãos dos aliados. Por fim, e é o mais importante, a carta vem pôr termo à cruel dúvida em que ainda nos encontrávamos a respeito da sorte dos inimigos vencidos. Não são só 50, como se dizia, os prisioneiros que se encontram em poder dos aliados, porém 1.200. Tanto melhor para a humanidade e para a honra dos exércitos aliados”.
O Conde d’Eu anotou no diário o seguinte episódio da sua viagem a Uruguaiana:“O jantar do Sr. Eufrásio fez-se esperar, mas resgatou a demora com o esplendor: grande mesa luxuosamente posta, cozinha francesa delicada e abundante. Não tardei a descobrir que as pessoas da estimável família Eufrásio eram grandes viajantes. Aos meus primeiros cumprimentos a propósito da sua casa, a senhora Eufrásia respondeu-me com modéstia:
— Mas para quem tem andado pela Europa, tudo isto é muito feio.Não entendi que nisto houvesse segunda intenção. Porém, ao ver que esta palavra Europa lhe voltava freqüentemente aos lábios, ousei perguntar-lhe:
— A senhora esteve na Europa?— Sim, senhor! Dois meses em Paris, e mês e meio em Londres.Estava dado o primeiro passo. Nunca mais se esgotou a conversação”.Ainda algumas anotações do diário do Conde d’Eu:“Pelo fato de se ter deixado aprisionar, um soldado paraguaio que interrogávamos sabia muito bem que, para o seu governo, ele é agora um grande criminoso. Quando o Imperador lhe perguntou se desejava regressar ao seu país, a fisionomia, ordinariamente risonha, tornou-se logo sombria, e respondeu, com voz apavorada, que se o queriam mandar para lá, era melhor morto do que vivo, pois tinha a certeza de que lhe fariam sofrer algum cruel suplício.
Os homens do Norte, esses homens de pequena estatura, trigueiros, muitos deles mestiços, que deixaram as suas residências tropicais para virem, a 800 ou a 1.000 léguas de distância, defender a Pátria comum num clima para eles inóspito, inspiram-me profunda simpatia. Amando muito o Brasil, agrada-me também muitíssimo o Brasil tropical, a sua perpétua primavera, as suas imensas florestas e as suas esplêndidas montanhas revestidas de eterna verdura.
O que é digno de admiração é a paciência do Imperador, que pára ao pé de cada um daqueles 89 doentes, a perguntar ele próprio de que se queixa, de que província é e, sempre que o seu rosto mostra excessiva mocidade, que idade tem. Infelizmente, mais de um revela ter menos que a idade legal de 18 anos”.



Conde d’Eu, o único que pode dar esperanças e animar a todos.




Com a entrada do exército brasileiro em Assunção e a fuga de Solano López, Caxias dava por concluída a guerra do Paraguai. Adoentado, e a conselho médico, retornara ao Rio de Janeiro, deixando o exército acéfalo. Porém o Imperador só concordaria em dar por encerrada a guerra após a rendição incondicional do ditador ou a sua morte em batalha, ou ainda a sua fuga do Paraguai. Depois de maduras reflexões, D. Pedro decidira enviar o Conde d’Eu, marechal do Exército, para comandar as tropas.
Mas não adiantou a ninguém a sua decisão. Em reunião do Conselho de Ministros, a mesma idéia ocorreu simultaneamente a mais de um.O Barão de Cotegipe afirmou, em carta ao Visconde do Rio Branco: “O Conde d’Eu é o único que, por sua posição, pode conter uma espécie de debandada, dar esperanças a uns e animar a todos”.Em resposta, comentou o Visconde do Rio Branco: “Não me surpreendeu a idéia que aí tiveram quanto ao comando em chefe. Passou-me ela pela mente, tanto pela necessidade quanto pela insistência do indicado. Não vejo hoje nenhum inconveniente”.
Em carta ao general Dumas, seu antigo preceptor, o Conde d’Eu comenta: “Esta expulsão de López da região do Prata não é somente uma questão de honra nacional para o Brasil, mas é também uma questão de vida ou morte para a organização pacífica das repúblicas nossas aliadas. Para elas, ainda mais do que para nós, a existência de López será sempre uma espada de Dâmocles”.
Como se sabe, o comando da última fase da guerra foi conduzido magistralmente, culminando com a morte em batalha do ditador paraguaio. Ao voltar para o Rio, desacompanhado de regimentos, música e bandeiras, a população acolheu o Conde d’Eu com estupenda manifestação. Nenhum outro general fora ainda recebido assim, após lutar no Paraguai, o que deu origem a melindres injustificáveis.Logo que se instalou em Assunção um governo provisório, após a vitória do Brasil e seus aliados na guerra do Paraguai, o Conde d’Eu dirigiu a esse governo uma carta pedindo a emancipação dos escravos ainda existentes naquele país:
“Em vários pontos do território desta República, que percorri à frente das forças brasileiras em operações contra o ditador López, tive ocasião de encontrar indivíduos que se diziam escravos, e muitos deles a mim se dirigiram pedindo que lhes concedesse a liberdade. Teriam assim motivo para se associar à alegria que experimenta a nação paraguaia, ao se ver livre do governo que a oprimia. Conceder-lhes o que pediam seria para mim uma agradável ocasião de satisfazer meus sentimentos, se tivesse poder para fazê-lo.
Estando agora constituído o governo provisório de que estais encarregados, é a ele que compete decidir sobre todas as questões que interessam à administração civil do país. O melhor que posso fazer é dirigir-me a vós, como o faço, para chamar a atenção sobre a sorte desses infortunados, no momento da emancipação de todo o Paraguai.Se lhes concederdes a liberdade pedida, rompereis solenemente com uma instituição que infelizmente foi legada a diversos povos da livre América.
Tomando esta resolução, que pouco influirá sobre a produção e os recursos materiais deste país, tereis inaugurado dignamente um governo destinado a reparar todos os males causados por uma longa tirania, e a dirigir a nação paraguaia para esta civilização que felicita os outros povos”.Em conseqüência do pedido, o governo provisório do Paraguai decretou, a 2 de outubro de 1869, a abolição total e imediata da escravidão.



Como um Príncipe comanda a guerra.


O testemunho dos companheiros de armas do Conde d’Eu basta para demonstrar que não se pode escrever a história da guerra do Paraguai sem lembrar devidamente o seu nome, honrando-o.
João da Fonseca Varela, veterano da guerra do Paraguai, contou que corria nos acampamentos a lenda de que o Conde d’Eu dormia com um olho fechado e o outro aberto. E quase sempre vestido. Havia ordem para qualquer pessoa procurá-lo, e instituíra as audiências públicas semanais. Nunca um soldado deixou de ser recebido por ele.
Durante a guerra do Paraguai, quando a fome e as doenças desgastavam o ânimo dos soldados brasileiros, um oficial se queixou da situação ao Conde d’Eu. O Príncipe o chamou a participar da sua mesa, e disse-lhe:— Veja como eu passo. Tenhamos paciência e coragem, salvemos a nossa honra e a do nosso País, indo adiante.
Relata o Visconde de Taunay, testemunha ocular:Nos incessantes reconhecimentos, às vezes seguidos um dia após outro, mostrou o Príncipe grande habilidade estratégica, paciência de experimentado capitão, indiscutível coragem e notável sangue-frio. Uma vez, diante da picada de Ascurra, cuja artilharia enfrentávamos, convidou alguns oficiais para nos aproximarmos o mais que fosse possível. Observei então:
— Pelo menos, convém pormos as capas dos bonés, para ocultarmos as nossas divisas de oficiais, já que nos vamos expor tanto.O Príncipe concordou:— Com efeito. É precaução bem lembrada.Tão perto chegamos, que distingui perfeitamente as feições e barbas dos artilheiros inimigos. Desta forma o comandante em chefe patenteou bem claramente ao seu exército que sabia também ser valente, e não tinha medo da morte.Quando o exército comandado pelo Conde d’Eu atravessava um riacho, sob a fuzilaria dos adversários, o general Menna Barreto correu ao seu encontro e lhe disse:
— Não há necessidade de se expor tanto. A batalha está ganha. Se precisássemos de um grande exemplo por parte do Príncipe e general em chefe, eu não impediria Vossa Alteza de o dar, a bem da vitória de nossas armas.No entusiasmo do combate, o Conde d’Eu galopava, acompanhado do seu estado-maior, avançando sempre, até ficar ao alcance da fuzilaria inimiga, sem sequer cogitar do perigo que a sua pessoa corria.
O capitão Francisco Joaquim de Almeida Castro o alcança, e com grande esforço contém o cavalo do Príncipe. Enraivecido, este ordena:
— Está preso, capitão!— Quero ser preso, senhor, mas também quero salvar a vossa vida!O marechal Deodoro costumava declarar:— Não gosto do Conde d’Eu, solenemente antipatizo com ele. Mas a verdade me obriga a dizer: foi um dos mais ilustres generais sob os quais servi.


Exílio do Conde d’Eu e suas lembranças do Brasil.


Seria necessário encher grossos volumes, para relatar tudo quanto se propalava no sentido de indispor o príncipe consorte com a opinião pública.
No dia 17 de novembro de 1889, a bordo do navio que levaria a Família Imperial para o exílio, o Conde d’Eu escreveu a seguinte carta:
“A todos os amigos que nessa terra me favoreceram com sua sincera e por mim tão apreciada afeição; aos companheiros que, há longos anos já, partilharam comigo as agruras da vida de campanha, prestando-me inestimável auxílio em prol da honra e segurança da Pátria brasileira; a todos que, na vida militar ou na civil, até há pouco se dignaram comigo colaborar; a todos aqueles a quem, em quase todas as províncias do Brasil, devo finezas sem número e generosa hospitalidade; e a todos os brasileiros em geral, um saudosíssimo adeus e a mais cordial gratidão.
Não guardo rancor a ninguém; e não me acusa a consciência de ter cientemente a ninguém feito mal. Sempre procurei servir lealmente ao Brasil na medida de minhas forças. Desculpo as acusações menos justas e juízos infundados, de que por vezes fui alvo.A todos ofereço minha boa vontade, em qualquer ponto a que o destino me leve.
Com a mais profunda saudade e intenso pesar afasto-me deste País, ao qual devi, no lar doméstico ou nos trabalhos públicos, tantos dias felizes e momentos de imorredoura lembrança. Nestes sentimentos acompanham-me minha muito amada esposa e nossos ternos filhinhos que, debulhados em lágrimas, conosco empreendem hoje a viagem do exílio.Praza a Deus que, mesmo de longe, ainda me seja dado ser em alguma coisa útil aos brasileiros e ao Brasil”.
Em 1921, quando visitou o Brasil pouco antes de sua morte, o Conde d’Eu foi recepcionado e acompanhado pelo historiador Max Fleiuss, que deixou narrados alguns episódios ocorridos na ocasião:“No Palace Hotel, onde se achava hospedado, assisti a várias cenas que confirmavam a sua estupenda memória. Certa manhã foi visitá-lo um cavalheiro da família Miranda Montenegro.
Ao entrar, fez uma reverência. O Conde encarou-o, e de pronto chamou-o pelo nome de batismo. Disse-nos havê-lo conhecido menino, na fazenda de seus genitores, contando pitorescamente vários incidentes, um dos quais foi a passagem numa pequena ponte carcomida, do que resultou um banho nada confortável.
Outra visita foi a de um ancião de grandes barbas brancas, calças da mesma cor e um fraque antigo. Ao vê-lo, o Conde abraçou-o com enternecimento e, pondo-lhe a mão na cabeça, exclamou:
— Cá está ela!Era uma depressão produzida por bala, na batalha de Campo Grande. O velho chorou de prazer”.O Conde d’Eu insistiu em visitar o Palácio Guanabara, que fora a residência oficial da Princesa Isabel e dele. Ao se aproximar, comentou:
— Como está mudado!Descendo do automóvel, ficou diante do portão, silencioso, estático, os olhos molhados, rolando saudosamente à direita e à esquerda, como numa evocação. Depois, voltou-se. O seu olhar estendeu-se por toda a Rua Paissandu, e ele caminhou para as três palmeiras do começo da rua:
— Está aqui! São estas! São estas! Estas três foram plantadas por Isabel. E aquelas outras foram plantadas por mim.Pediu-me que o levasse à Igreja da Glória.Ao chegarmos ao pátio do templo tradicional, a igreja estava de portas fechadas. Um homem varria a escadaria exterior. Saltei do automóvel e pedi permissão para entrarmos.
— Agora não é possível, patrão.Insisti, alegando que estava ali o Conde d’Eu. Ao ouvir o nome de Sua Alteza, o varredor arregalou os olhos, e a vassoura caiu-lhe das mãos.
O homem sumiu-se, e minutos depois a porta da igreja abria-se. Entramos. O templo estava vazio, mudo, mergulhado numa penumbra que era escuridão para os nossos olhos acostumados à claridade exterior. O Conde encaminhou-se para o altar-mor, e ali ficou, num esforço de pupilas, a olhar a imagem. Subitamente, para nossa surpresa, a igreja iluminou-se. É que o varredor correra a avisar o sacristão, e a surpresa da luz fora um gesto gentil do sacristão, para com o marido da Redentora”.