"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Como ser rico, livre e justo?


Os Estados Unidos têm a maior economia do mundo e, em renda per capita, estão entre os dez mais ricos. Considerando apenas os países grandes, os EUA são os mais ricos. Além disso, trata-se de uma democracia. Logo, é esse o modelo a ser copiado, certo?


Mas olhem o momento: uma baita crise financeira e a evidência de que os mais ricos sempre se saem melhor. Na prosperidade, ganham mais, na queda, perdem menos. Além disso, empresas e bancos, na liberdade de mercado, só pensam nos seus lucros, dane-se o povo. Não, esse sistema não serve mais, nem para os americanos.


Passemos, então, para a segunda maior economia do mundo, a China. Crescimento médio anual de 10% ao longo de três décadas! Há empresas privadas, nacionais e estrangeiras, mas as estatais e o governo controlam firmemente os negócios, impondo limites à ganância do mercado. Para os países emergentes, em especial, esse capitalismo de estado seria o modelo ideal para o crescimento rápido e mais equilibrado, certo?


Mas é uma ditadura – e provavelmente o modelo só para de pé nesse ambiente autoritário. O controle do governo gera muitas ineficiências e corrupção, pois os negócios dependem sempre do “apoio” de um governante ou de um dirigente do Partido Comunista. Além disso, além de salários baixos, há muita desigualdade, sim. Em Shangai, o padrão de vida é europeu. No interior, há regiões mais pobres que a África. Não, esse tipo de crescimento não justifica uma ditadura.


Passemos, então, para a Europa, a ocidental, onde se pratica o capitalismo do bem-estar social ou a economia social de mercado. A Alemanha, terceira maior economia do mundo, é o exemplo acabado: democracia, empresas privadas pujantes, mas com forte regulação, e um governo que fornece serviços universais de qualidade. São ricos, livres e têm a proteção do Estado – eis o modelo, certo?


Mas custa muito caro. Isso exige uma carga tributária cada vez mais elevada e, mesmo assim, a dívida dos governos já chegou a níveis insuportáveis. Esse custo e mais o excesso de regulação e de governo retiram competitividade das empresas. Resultado: baixo crescimento, níveis elevados de desemprego, especialmente entre os jovens. As gerações atuais estão protegidas, mas os mais jovens percebem que o futuro não garante a boa vida dos pais. Não, o modelo parece não servir nem para os próprios europeus.
Eis o debate que ocorre mundo afora, inconcluso. Voltaremos ao tema, claro.


Vitória brasileira?


E por falar em modelo, a inflação aqui fechou o ano passado exatamente no teto da margem de tolerância, 6,50% – e isso foi considerado uma vitória do governo.


A meta de inflação no Brasil é de 4,5% – que, em si, já é elevada para os padrões mundiais. Além disso, admite-se que ela seja estourada em até dois pontos para cima, em situações excepcionais e fora do controle do BC.


No caso de 2011, o BC brasileiro sustentou que a disparada da inflação no fim de 2010 e início do ano passado decorria fortemente de um “choque de alimentos” – com seca ou excesso de chuva prejudicando colheitas mundo afora e, assim, provocando uma inflação global.


Pela regra do regime de metas de inflação, se os índices estão acima do ponto, o BC usa sua arma principal, a alta de juros. Isso funciona quando consumo e investimentos estão muito aquecidos.
Mas por que fazer isso quando a culpa pela inflação não está em um excesso de demanda, e sim em desastres climáticos?
Acrescente-se ao quadro que a economia mundial está em queda – e a história parece fechada. O BC não apenas não precisa subir juros, mas pode reduzi-los, como está fazendo, afirmando que a inflação voltará à meta de 4,5% em algum ponto deste ano, certo?


Convém reparar: a inflação bateu no teto com o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) quase certamente abaixo dos 3%. Em 2010, a inflação havia sido menor (5,91%), com PIB acelerado, a 7,5%. Ou seja, em 2011, tivemos menos crescimento, com mais inflação – e esta é uma combinação ruim em qualquer perspectiva.


Considerando o período 2008/11, a economia brasileira cresceu menos de 4% ao ano. Já a inflação, sempre medida pelo IPCA, registrou média anual de 5,58%, acima da meta. De novo, crescimento baixo com inflação elevada.


Resumo da ópera: inflação de 6,5% pode ser um alívio, não uma vitória.
Olhando para a economia real, é claro que não teria feito a menor diferença se o IPCA tivesse alcançado, digamos, 6,6%. Mas com ou sem variações nas casas depois da vírgula, o fato é que o Brasil continua com capacidade de crescimento limitada e com um nível de inflação perigosa e persistentemente elevado. Ao comemorar os 6,5%, o governo passa uma imagem equivocada.

Carlos Alberto Sardenberg

A ética do coronelismo


Nos idos de 1960, um humilde sertanejo do antigo Estado de Goiás me disse o seguinte sobre o sistema político brasileiro: “Todo mundo tem patrão e empregado. Só Deus não tem patrão e não deve favor a ninguém! O resto tudinho tem um lado forte e um lado fraco! É patrão e doador (seu lado forte) e cliente e recebedor (seu lado fraco). 


Por isso, todo mundo tem o rabo preso!”. Confesso que fiquei sobressaltado com essa moralidade que punha todos os relacionamentos em uma escala que ligava os patrões – os mandões e os coronéis – a seus empregados, capangas e partidários; e, mais ainda, pelo fato de que a fórmula mostrava como todos estavam divididos entre credor e devedor. Sendo o Brasil assim, a descoberta de que Fernando Bezerra Coelho – descendente de uma ilustre e eficiente estirpe coronelista do Nordeste e atual ministro da Integração Nacional – nomeava parentes e, paralelamente, desintegrava suas verbas, favorecendo seu Estado, Pernambuco, não deveria causar assombro.


Esquecer que cuidamos primeiro dos nossos é algo semelhante a não recordar que todos queremos um jeitinho, que somos nazistas no volante, que achamos normal o roubo da coisa pública, predestinada para o furto; que temos gosto em fumar em local proibido e, por fim mas não por último, que temos o dever de perguntar ao amigo do peito o que ele quer quando entramos no governo. 


Ou seja, quando temos emprego para “dar” sem nenhum prejuízo para a empresa que é o Estado – essa Viúva ou a Grande Prostituta (como dizem nossos irmãozinhos latino-americanos com senso de realidade) – cuja riqueza até ontem era tida como infindável e que, pertencendo a todos, pertenceria aos governantes do momento. Daí chegamos ao caudilhismo – a politicagem e o personalismo que excluem as pessoas, pois nos autoritarismos o poder não está a serviço da sociedade, mas dos donos da máquina pública. Recolher impostos de todos para gastar com os nossos (porque são nossos) é o ponto central da ética do coronelismo.


Diante disso, pergunta-se: como gastar dinheiros públicos sem isenção, quando somos incessantemente motivados por nossas famílias, compadres e amigos? Quando somos todos patrões de um lado e clientes de outro – e como patrões usamos a lei contra o cliente, mas, como clientes, queremos tê-la a nosso favor? Afinal, os governos passam, mas os irmãos, os tios, os primos, os amigos e os cunhados ficam. 


E nossa vida sexual, bem como nossa paz de espírito e senso de integridade, depende muito mais deles do que – e aí está o problema! – da polícia, do Ministério da Fazenda, da escola pública e do posto de saúde que nos faz esperar 12 horas numa sala imunda. Dane-se o Estado, viva a família. Por tudo isso, e por jamais ter sido devidamente politizado, o que é público é, no Brasil, sinal de pornografia e de prostituição.


Como, então, seguir o sábio conselho do historiador romano Cornélio Tácito – o famoso sine ira et studio (sem cólera ou parcialidade)? Esse princípio que inspirou Max Weber como a atitude mais adequada? Que serviu de base para a impessoalidade igualitária – base das democracias modernas? Como, com base nesses princípios, contrastar com os modos de governo tradicionais no país, fundados justamente no poder da família, do carisma e dos elos pessoais? Num universo social como o brasileiro, fundado numa economia e num sistema legal escravista, centrado na desigualdade e nas relações pessoais (os escravos precisavam ser mantidos na ignorância), como bloquear o oceano de práticas culturais baseadas nas hierarquias do dar para receber? Como operar sem o viés dos elos pessoais e familísticos que ordenam todas as esferas da vida? Como esquecer a importância capital da “casa” (que congregava, como faz até hoje, patrões e empregados harmonizando as mais brutais desigualdades) se era precisamente na família onde se centrava a operação do sistema?


O caso Bezerra desnuda um lado de nossa vida política que os partidos políticos, a divisão de poderes no melhor estilo do Barão de Montesquieu, os diários oficiais e os códigos legais escondem. Pois se neles a lei é feita para indivíduos enquanto cidadãos, o clientelismo nepotista do ministro pernambucano – que pertence, pasmem, aos quadros do Partido Socialista Brasileiro – mostra que ao lado do cidadão coexistem, mais ou menos escondidos, o tio, o primo, o irmão e o pai. 


Ou seja: antes de saber das competências e das necessidades para um cargo público, temos os parentes, os compadres, os amigos e, no lulo-petismo de hoje em dia, os partidários. O Brasil moderno, não cabe dúvida discutir, é um país feito de cidadãos sujeitos absolutos da lei e sobretudo do mercado que vale para todos; mas – eis o problema que hoje fere mais do que ontem – há também uma teia de relações cujo dado crítico continua sendo o velho parentesco, pai do clientelismo.


Afinal de contas, somos republicanos ou monárquicos? Nascemos no Novo Mundo ou em Roma? Quem deve ser nomeado? O mais competente, como ocorre no futebol? Ou o parente feito do mesmo sangue a quem devemos favores desde o nascimento? Quem deve receber a verba? A região mais atingida pelas enchentes ou nosso torrão natal, o lugar dos nossos conterrâneos, governado por nossa família? Se na era Vargas e na ditadura militar o Brasil tinha um patrão que despoticamente dava ou tirava direitos, será que hoje – com mercado, competição, internet, Banco Central, moeda estável, telefonia sem fio, globalização e uma imprensa não só livre, mas profissional e eficiente, que divulga e (muito mais que isso) faz pensar – continuamos na mesma? Paramos ou não no tempo em termos de política, de justiça e de administração pública igualitária e democrática?


Essas são as questões que o caso do ministro da Integração Nacional levanta com sua conduta clientelística. Se fomos marcados desde o início por um documento que terminava com Pero Vaz de Caminha pedindo um favor ao rei Dom Manuel, pois boas notícias se pagam com bons presentes, cabe perguntar até quando iremos continuar a viver num mundo onde a igualdade é sempre preterida – e, em seu lugar, valem os laços de família.


A questão é saber até onde quem tem o controle do Estado, e pode mudar as regras do jogo, vai continuar a – em nome do povo e dos pobres – usar a máquina pública em favor da família, dos amigos e do partido. A privatização passa, no Brasil, pelo elo pessoal, não exclusivamente pela dimensão empresarial. Falamos em igualdade, mas continuamos a ter pessoas que são maiores do que os cargos que ocupam. 


E, o que é pior, jamais discutimos a ética desses cargos. Que não podem pertencer a partidos ou indivíduos porque são do Brasil. Mesmo tendo partidos, a lógica do poder à brasileira contempla mais as pessoas – com suas manias e fobias – que as ideologias que, por isso mesmo, desmoronam do mesmo modo que nossas estradas e pontes debaixo das tempestades. As chuvas começam na natureza, mas acabam no velho nepotismo que jamais foi erradicado entre nós. Temos leis universais que valem para todos, mas o sistema insiste em funcionar como um coronel, como uma ação entre amigos.

Roberto DaMatta

Projeto Nacional


Voltou-se a falar em “projeto nacional”. O governo apontaria rumos para o país, fixaria metas e indicaria o que espera do setor privado. É surpreendente, mas a visão de que o estado deve liderar o desenvolvimento ainda permeia as discussões sobre a economia, particularmente em segmentos do empresariado e da esquerda.


A ideia é típica de regimes autoritários. Nasceu na ex-União Soviética com o Primeiro Plano Quinquenal, lançado em 1928 por Josef Stalin (1879-1953). A expansão posterior da economia soviética parecia provar que existia uma alternativa ao capitalismo. O planejamento central permitiria vencer o subdesenvolvimento. A ilusão se foi com o colapso soviético em 1991.


Nos ·anos 1930, a necessidade de enfrentar o desastre da Grande Depressão criou o ambiente para fone intervenção do estado na economia. O intervencionismo foi impulsionado pelas ideias de John Maynard Keynes (1883-1946), que advogava a expansão do gasto público – preferencialmente em infraestrutura – para compensar a relação que então se observava na demanda de consumo e investimento.


A intervenção estatal se disseminou com o New Deal de Franklin Roosevelt (1882-1945), os planos de Adolf Hitler (1889- 1945) e as experiências autoritárias da Espanha e de Portugal. Getúlio Vargas (1882-1954) a introduziu no Brasil em seu primeiro governo. Depois da II Guerra, o planejamento virou ministério nos países em desenvolvimento. O nosso é de 1962. Seu primeiro titular foi Celso Furtado (1920-2004).
O regime militar entronizou os grandes planos. 


O “projeto nacional” viria para valer com o Primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (1 PND) para o período 1972-1974, no governo de Emílio Médici (1905-1985). O auge foi o II PND (1975-1979), no governo Ernesto Geisel (1907-1996). Era uma resposta à crise do petróleo de 1973-1974 e previa um salto na substituição de importações. Essa estratégia, que caracterizara por trinta anos a ação do governo, miraria agora bens de capital e insumos básicos.


No fim dos anos 1970, começaram a aparecer os efeitos negativos da excessiva intervenção estatal em todo o mundo. No Brasil, surgiram as ideias de privatização e abertura da economia, e a crítica à substituição de importações. O III PND (1980-1985), o último dos planos, veio sem linhas grandiosas. Ficou quase incógnito.


Com a democratização, o aumento de gastos sociais, a descentralização fiscal da Constituição de 1988 e a modernização institucional das finanças públicas. A União perdeu grande pane dos instrumentos com que comandava a economia. O grosso do aparato intervencionista foi extinto: controle de preços e de capitais, orçamento monetário, monopólio estatal do açúcar e do trigo e a pletora de incentivos fiscais. A economia se abriu. A maioria das empresas estatais foi privatizada. A política econômica passou a depender mais de mecanismos indiretos. Restaram intervenções justificadas por falhas de mercado, como a do crédito do BNDES. Assim, restabelecer o “projeto nacional” seria não apenas um retrocesso. Implicaria ressuscitar mecanismos do período autoritário, o que é flagrantemente inconveniente, além de inviável.


O planejamento nos moldes brasileiros não existiu em países ricos, embora muitos tenham experimentado certos níveis de ativismo estatal, a maioria desmontada nos anos 1980 e 1990. O maior pólo americano de inovações, o Vale do Silício, não brotou de um “projeto nacional”. Empresas como Apple, Intel, HP, Oracle, Google e Facebook nasceram da combinação virtuosa de distintos fatores: a demanda de tecnologia das Forças Armadas, a formação de pessoal qualificado nas universidades de Stanford e Berkeley e um ambiente de negócios favorável ao empreendedorismo.


Há que enterrar a velha ideia do “projeto nacional”. Caberia pensar em outro “projeto”, o de mobilizar a sociedade para vencer, no máximo em uma geração, o desafio da melhoria da qualidade da educação. Vencer o atraso implicará treinar professores e remunerá-los pelo critério de desempenho. Adotar a prática do horário integral nas escolas. Ampliar a pré-escola e assim por diante. Todos ganharíamos, e não apenas os beneficiados pelos favores da intervenção estatal.

 Mailson Ferreira da Nóbrega

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Brasil, nação classe C


Dilma Rousseff declarou que “queremos um país de classe média”. É a primeira governante a anunciar como deve ser a pirâmide social. Desde o lema da ditadura do proletariado não se ouvia algo parecido. 


Aparentemente, a doutrina Dilma substituiu a dialética pela aritmética: para resgatar os muito pobres é preciso acabar com os muito ricos. Um Eike Batista será transformado em alguns milhões de emergentes da classe C. Talvez eles formem uma cooperativa para cuidar das jazidas de Eike. Ou então acabarão de uma vez com esse negócio de explorar ouro e petróleo, que são coisas de rico.


Já estava mesmo na hora de eliminar a elite da vida brasileira. E não só pelo aspecto econômico. Foi profundamente incômodo ao país ser presidido por um intelectual cultivado, cheio de títulos acadêmicos. Dentre outros comportamentos elitistas, esse presidente acabou com o compadrio na área econômica do governo, impondo a virtude como critério. Ou seja: um desumano, insensível aos apelos de um amigo, parente, afilhado ou cabo eleitoral.


Nesse período, a economia brasileira saiu das trevas, mas o país só ficou à vontade quando foi entregue a um ex-peão. A nação ficou aliviada sob um presidente que empregava os companheiros, que não se importava em maltratar a língua, que se orgulhava de não ler jornais, que fazia o elogio da ignorância – ufanando-se da sua própria falta de estudos, ao cantar vitória sobre o antecessor diplomado. O símbolo máximo dessa cultura (sic) foi a distribuição pelo MEC de livros ensinando uma espécie de português não contabilizado (“nós pega o peixe” era uma das novidades do idioma).


Esse presidente ficou conhecido como “o filho do Brasil”, por ser gente como a gente. Você perguntaria: “”A gente” quem, cara-pálida?”. Evidentemente, uma pergunta elitista. Cheque seu passaporte, porque você talvez não caiba no Brasil de classe média.


Fora um certo sotaque fascista, até que a ideia do nivelamento geral de um povo poderia ter seus encantos. Nessa grande nação classe C, não existiria mais, por exemplo, o golpe do baú. As moças interesseiras teriam de mudar de ramo, porque não valeria mais a pena cavar um casamento para continuar na mesma classe social. (Esclarecendo que o mesmo raciocínio vale para os rapazes interesseiros. No império da igualdade, é mais prudente tirar a média de tudo, até dos sexos.)


Nessa doce sociedade mediana, as ambições também terão de estar niveladas, para garantir que todos sejam iguais perante suas contas bancárias (ou mais ou menos iguais, vá lá). Isso acabará com um dos grandes problemas do capitalismo, que é a exploração do homem pelo homem. Estando quase todo mundo na classe C, a mais-valia sairá de moda. E, não havendo mais nenhuma outra classe relevante, essa imensa e única classe média poderá, por que não, ser rebatizada de classe A – num grande final feliz que nem Aguinaldo Silva imaginaria, muito menos Karl Marx.


A erradicação da elite, a partir do postulado de Dilma Rousseff, traria benefícios imediatos ao funcionamento do país. Ministros como Fernando Pimentel e Mário Negromonte poderiam sair de seus esconderijos e voltar ao trabalho, sem a imprensa burguesa e elitista para fuxicar seus negócios no governo popular. Pelo mesmo motivo, a presidente não precisaria gastar todo o seu primeiro ano de governo tentando segurar ministros que caíam de podres. Sobraria-lhe mais tempo para trabalhar nas fundações do seu Brasil médio. E que país seria este?


Seria um país muito mais tolerante. Além das liberalidades no uso da língua portuguesa e do dinheiro público, a mentalidade média que emerge da sociologia governamental muda inteiramente o conceito de responsabilidade. Por exemplo: o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, teve a carteira de habilitação apreendida por dirigir em excesso de velocidade e falando ao celular. De cara limpa, tranquilo, apareceu no Detran confirmando seus delitos e anunciando que “retomará os parâmetros de civilidade”.


Já o hábito da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, era estacionar em local proibido. Ela também apareceu sorridente, prometendo que não vai mais fazer isso não.


Tudo normal. Tudo médio. Inclusive os parâmetros de civilidade e humanidade.

Guilherme Fiuza

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Dilemas do Estado


Em 2006, no seminário Chile Sec. 21, a então presidente Bachelet foi clara: “Nossa resposta ao desafio do moderno estado social de direito é um sistema de proteção social, retomando nossa matriz histórica estatal, que proteja não somente os mais necessitados, mas enfrente as inseguranças da sociedade moderna.”


Portugal mergulhou no conceito de estado segurador, que chamou de estado social. Desde a Revolução dos Cravos, a arrecadação subiu muito, mas abaixo dos gastos públicos (gastos públicos/PIB: 1974=20%; 2010=48%). O déficit publico se tornou crônico (déficit em todos os últimos 25 anos, em média 5% do PIB) e a divida pública explodiu (dívida pública/PIB: 1974=14%; 2010=95%). A poupança decresceu (poupança familiar/PIB: 1974=22%; 2010=4%) e o dinamismo econômico sumiu. O desemprego dos jovens atingiu 20%. O funcionalismo público foi quadruplicado em 25 anos. São 800 mil para população de 10,7 milhões. Estado segurador vira estado gastador rápido.


Portugal teve um empurrão econômico com as exigências privatizantes da UE e muitos subsídios externos – alguns deles risíveis. Mas em 2011 ficou insolvente e foi para o pronto-socorro. A sobrevivência depende de novo regime fiscal e de aceitar que não vai dar para pagar todos os compromissos do estado segurador. O dilema é em quem dar o cano.
O Brasil também se encantou com o estado segurador. Muitos números já são parecidos. 


O governo aqui já gasta mais de 40% do PIB. Somente com aposentadoria e saúde de idosos são uns 15% do PIB. Os déficits públicos são crônicos. A poupança doméstica, principalmente a pública, é diminuta; crescemos com poupança externa. A dívida pública já passou de 55% do PIB. Tivemos empurrões econômicos com privatizações e reformas, mas estas secaram desde 2005. Ainda vivemos de exportações primárias: não dá para contar com crescimento sustentado.


O Brasil está ainda numa fase boa, crescendo e com desemprego baixo. Mas precisa de reformas (trabalhista, previdenciária, educacional), privatizações, mais PPPs, investimentos privados em infraestrutura. E sistema regulador mais simples, para melhorar o ambiente empreendedor. Precisa também de um ajuste fiscal, para não parecer Portugal em mais seis anos. Krugman nos lembra que Keynes ensinou ser esta a hora boa para um ajuste fiscal. É impossível discordar de Keynes, ele só não ensinou como botar tal guizo no pescoço dos políticos. Mas com despesas públicas crescendo menos que receitas e receitas crescendo menos que o PIB, não se corta nada de ninguém. É politicamente palatável. Muitos países já fizeram esta trilha, sem “austeridade selvagem”.


Não existe pronto-socorro para o Brasil, que não é os EUA, país que não tem problema de se financiar por ser o menor risco do mundo. Se o Brasil entrar numa crise fiscal o ajuste será na marra – selvagem e iníquo – quem vai pagar são os pobres. Vamos provar ser Keynes irrelevante.


Odemiro Fonseca

O mundo e o Brasil em 2012

Basicamente, o modelo de gestão econômica adotado no país segue um padrão único que mistura: capitalismo privado, capitalismo de Estado, forte arrecadação tributária, intervenções relevantes do governo na economia, gastos com políticas sociais, câmbio com flutuação suja, controle de inflação, criação de empregos, geração de superávit primário e reservas elevadas. Esse modelo desperta críticas apaixonadas em muitos por não executar algumas das reformas constitucionais pendentes e/ou por não tratar de nossos desafios com uma abordagem menos estatizante e intervencionista.

No entanto, tal modelo está dado e só mudará se ocorrer um evento de repercussões planetárias. No atual momento, a questão econômica assume papel importante no controle político e social do país. Sem uma gestão econômica popular, o governo sucumbiria. Primeiro, por conta da desagregação da base política. Segundo, pelos ataques que receberia dos ex-aliados. Por fim, a mídia e a sociedade civil organizada terminariam o serviço. Existe uma dicotomia nas expectativas para a economia em 2012. O governo tem uma expectativa de crescimento perto de 5%. Já a Confederação Nacional da Indústria (CNI) apresenta uma visão mais pessimista (3%), baseada nos gargalos da economia brasileira, entre eles, tributos, burocracia e falta de competitividade.

Sem contar o ambiente internacional, que pode vir a travar o desempenho do país no próximo ano. Ao avaliar a conjuntura para 2012, é razoável esperar que a economia no Brasil, impulsionada pelo mercado interno, produza crescimento e emprego sem gerar inflação politicamente significativa nem ameaçar os fundamentos que orientam a gestão econômica. Os sinais de aquecimento já podiam ser sentidos neste final de ano. Para a Associação Comercial de São Paulo, o otimismo dos consumidores já revela o impacto psicológico positivo das medidas de estímulo ao consumo, tais como a redução da taxa de juros e de impostos, entre outras. 

O otimismo no final do ano também foi captado pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro, que apurou que os brasileiros vão gastar mais no Natal de 2011. Assim, acreditamos que é possível crescer acima dos 4%. O bom desempenho da economia em 2012 deve ser assegurado por diversos fatores: pela gestão econômica, que desperta confiança em investidores, empresários e consumidores; pelo gasto público, orientado para a infraestrutura; pelo consumo, estimulado tanto por medidas de crédito quanto pelo novo salário mínimo; e pelos programas sociais, que visam eliminar a pobreza absoluta no país.
Deve-se considerar, ainda, a ocorrência das eleições municipais, que aceleram os gastos públicos no primeiro semestre e os gastos com as campanhas eleitorais a partir de julho.



Com o descontrole econômico, o governo perderia as condições de coordenar a sua base política e seria inviabilizado politicamente. Há outros aspectos políticos, contudo, que merecem ser examinados. O novo ano traz o desafio da anunciada reforma ministerial e das eleições municipais, que são, nas atuais circunstâncias, orientadas pelas agendas locais.

Reforma ministerial. Dilma herdou um ministério cuja proposta era manter o ritmo anterior e assegurar uma transição suave para a nova era presidencial. A sucessão de escândalos catapultou diversos ministros. Como consequência, ela promoveu ajustes que ainda não firmaram a sua imagem como presidenta em seu ministério. Foram ajustes de emergência. Com a reforma do primeiro trimestre de 2012, Dilma vai conciliar o padrão atual da coalizão – que é fracamente desequilibrado em favor do PT – com a escolha de nomes que sejam mais identificados com o seu perfil empreendedor.

Eleições municipais. Sem uma grande crise econômica para dominar o noticiário e promover a sua repercussão no eleitorado, a eleição de 2012 deverá ser pautada por questões locais e pela influência preferencial dos governadores de estado no jogo. Ainda que desodorizada das questões nacionais, as eleições municipais têm repercussões sérias na disputa presidencial de 2014. Primeiro pelo fato de que aliados da esfera federal (PT, PMDB, PSB, entre outros) vão se enfrentar em confrontos diretos em algumas capitais (São Paulo, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre e mais algumas).

O segundo aspecto é que alguns partidos veem a disputa eleitoral como forma de cacifar o seu peso político para 2012 (daí o PMDB querer lançar candidato em São Paulo e o PSB querer fazer o mesmo em Recife). Um bom desempenho nas eleições municipais pode pavimentar o caminho para uma candidatura presidencial ou um lugar “vip” nas chapas da disputa em 2012 (tema que interessa ao PMDB, que quer continuar como vice de Dilma; e ao PSB que sonha lançar Eduardo Campos como a terceira via).

Na oposição, os sonhos de 2014 também têm repercussão em 2012. Serra almeja manter sua influência na cidade de São Paulo. Aécio em Belo Horizonte. O PSD também deseja crescer na esfera municipal de olho em 2014. O tema eleitoral municipal é de longe o evento mais importante da agenda política no ano. Mais de 70 deputados devem disputar prefeituras e as votações no Congresso, a partir de agosto, tendem a perder ritmo. Três certezas emergem, portanto, das tendências: o PT continuará maior do que deveria frente à sua representação parlamentar na reforma ministerial; Lula continuará a ser a inspiração maior do governo e em sintonia permanente com Dilma, que tem grande autonomia de gestão e tende a continuar assim na medida em que sua gestão for popular; os conflitos da base prosseguirão e serão mais acirrados devido às eleições municipais.



O Brasil é um país paradoxal. Mesmo sendo a sexta economia do mundo e tendo um PIB maior do que, por exemplo, o Reino Unido, ainda apresenta baixo impacto no cenário internacional. Apesar de ser um dos maiores exportadores de commodities do mundo, sua participação no comércio mundial é pálida – menos do que 5%.

E embora seja um dos destinos prediletos de investimentos estrangeiros em todo o planeta, o capital estrangeiro não representa 20% do PIB do país. Em 2012, o Brasil continuará a sua lenta progressão rumo ao estrelato mundial. Seremos cada vez mais conhecidos. Exportaremos um pouco mais. Teremos mais investimentos estrangeiros. Como consequência, estaremos mais expostos aos humores de um mundo em crise econômica. A Europa estará em recessão e os Estados Unidos, provavelmente, estarão saindo lentamente dela.

Nesse cenário, nosso relativo isolamento, os fundamentos de nossa gestão econômica e a dinâmica de nosso mercado interno nos dão certa proteção e tranquilidade. Tanto por conta de nossas reservas quanto pela nossa capacidade de vender o que o mundo precisa, mesmo em crise. Por um lado, um mundo em crise afeta as exportações. Por outro, a maior oferta de produtos no país combate a inflação.

Para o bem do Brasil, estarmos um tanto distantes da confusão global é uma boa coisa. Em consequência, o quadro interno – ainda que não se configure ideal – será de satisfação da sociedade, que devolverá a sua boa percepção do ambiente político na forma de índices elevados de satisfação popular. No campo social, examinando os sinais identificáveis, e a despeito das articulações contra a corrupção e de estudantes por conta de agendas específicas, a desestabilização da sociedade parece improvável.

Junto à população, apesar da irritação de muitos, o ambiente psicossocial é favorável ao governo e isso se configura de forma hegemônica nos dias de hoje. Combinam-se, favoravelmente, a imagem positiva de Dilma e o desempenho do seu governo na economia. O que resulta em uma massacrante aprovação, por um lado, e um imenso desinteresse pelas agendas propostas pela oposição. Nesse sentido, falta ao Planalto uma estratégia de comunicação institucional efetiva, ainda que, de certa forma, a comunicação pessoal de Dilma seja mais do que adequada.

Mas ajudaria ao governo e à sua imagem se suas ações obtivessem maior repercussão. Não apenas por meio de anúncios, aos quais ninguém presta atenção. Entretanto, a lógica publicitária não deve presidir as estratégias de comunicação. Nem apenas buscar a imprensa como canal preferencial de comunicação. É uma tarefa difícil, já que, muitas vezes, o filtro da imprensa joga em dois campos que não interessam à cidadania: às vezes deixa de noticiar ações positivas do governo para não ser tachada de “chapa branca”; às vezes entra no mercado se vendendo em troca de anúncios gordos.

Murillo de Aragão 

Pacote não é política


Subdesenvolvimento não se improvisa, escreveu Nelson Rodrigues, mas a improvisação repetida, pode-se acrescentar, é com certeza um entrave ao desenvolvimento. Depois da colcha de retalhos apresentada ao País como Plano Brasil Maior, o governo agora promete um pacote de incentivos à exportação de manufaturados. Age como se as dificuldades da indústria no comércio internacional fossem conjunturais. Não são, e nenhum empresário, analista ou funcionário envolvido direta ou indiretamente no assunto deveria desconhecer ou menosprezar esse fato.
Pelo quarto ano consecutivo a venda de manufaturados ficou abaixo de 50% do valor total exportado e pela segunda vez foi inferior a 40% (39,4% em 2010 e 36,1% em 2011). Isso não se explica somente pela valorização das commodities e também esse fato não é segredo.
Pacotes e medidas provisórias podem ser bons para emergências. Justificam-se pela urgência e pela relevância, principalmente quando é preciso enfrentar problemas inesperados ou dificilmente previsíveis. Objetivos permanentes e de longo prazo, como a expansão e a modernização da economia, a criação de empregos de alta qualidade e a ocupação de espaços no mercado global, são alcançados por meio de políticas, e não de arranjos e remendos.
O cenário muito ruim traçado para 2012 pode ser uma novidade. O Banco Central (BC) incorporou-a em sua estratégia ao iniciar o corte dos juros no fim de agosto. O Executivo levou em conta esse mesmo quadro ao esboçar o roteiro para este ano. Mas não há surpresa nos tropeços da indústria em 2011, nem nas perspectivas de um desempenho medíocre em 2012.
Em 1991, a exportação de produtos manufaturados proporcionou 56,4% da receita comercial. Nos dois anos seguintes a participação subiu para 60,1% e 61,1%, os dois níveis mais altos dos últimos 20 anos. Entre 1994 e 2007 a média foi 55,7%. Caiu para 46,8% e 44% em 2008 e 2009 e a partir daí escorregou para menos de 40%.
A queda na participação porcentual poderia ser apenas um reflexo do grande aumento da receita obtida com as commodities, mas não foi essa a história. No ano passado, o Brasil faturou US$ 92,3 bilhões com a exportação de manufaturados, 0,4% menos que em 2008 e apenas 10% mais que em 2007 – um aumento inexpressivo para um período de quatro anos. O crescimento de 16% em relação ao resultado de 2010 pouco significa, porque nem serviu para repetir a receita de 2008. Isso é estagnação, ou talvez a palavra mais adequada seja retrocesso.
Mesmo na América do Sul, onde o exportador brasileiro de manufaturados praticamente joga em casa, o desempenho tem sido fraquinho. Excluído o Mercosul, as vendas de manufaturados para a região chegaram a US$ 10,2 bilhões em 2006, US$ 11,2 bilhões em 2007, US$ 12,5 bilhões em 2008, US$ 8,6 bilhões em 2009 e US$ 10,6 bilhões em 2010 – pouco mais que o resultado de quatro anos antes. De janeiro a novembro de 2011 – última discriminação divulgada pelo governo – chegou-se a US$ 10,7 bilhões. Dificilmente se terá repetido ou superado o valor de 2007.
A maior parte dos mercados sul-americanos atravessou sem grandes problemas a crise internacional dos últimos anos. Outros exportadores, obviamente, ocuparam espaços. A China pode ter liderado o movimento, mas outros competidores certamente avançaram na região. As dificuldades para os brasileiros poderão aumentar muito, nos próximos anos, com a implantação do acordo de livre comércio anunciado pelos governos de Chile, Peru, Colômbia e México – mais um passo para a integração das economias sul-americanas, excluído o Mercosul – com a América do Norte. Algumas dessas economias já têm acordos com os Estados Unidos e fortes vínculos com potências da Ásia.
Não tem sentido separar, no Brasil, as políticas industrial e de comércio exterior. A indústria brasileira tem sido prejudicada, há muitos anos, tanto pelo amplo conjunto de ineficiências da economia nacional – não é preciso repetir a lista – quanto pelas desvantagens de acesso aos mercados mais importantes. Essas desvantagens vêm sendo agravadas pelos acordos comerciais de parceiros importantes, como os sul-americanos, com a América do Norte e a Europa.
Se pacote resolvesse problemas dessa magnitude, a indústria brasileira teria tido um desempenho comercial muito melhor nos últimos anos, porque pacotinhos e remendos não faltaram. É hora de começar a pensar seriamente no assunto e de substituir o blá-blá-blá do planejamento por planejamento de verdade. Política de modernização e produtividade se faz numa porção de frentes – educação, tecnologia, infraestrutura, tributação, diplomacia econômica, e assim por diante. O resto é piada.


Rolf Kuntz

Só trocar ministro não basta


Do ponto de vista da segurança no emprego, 2011 foi um ano insólito no Planalto. A presidente da República foi obrigada a demitir sete dos seus ministros – seis dos quais por suspeitas de corrupção  e malversação de verbas públicas reveladas pela imprensa.
O que foi chamado, não sem certo exagero, de “faxina” representa um passo importante no restabelecimento de um código de conduta rigoroso para os ocupantes de cargos públicos. Ao mesmo tempo, entretanto,  levanta uma questão não menos relevante: de que adianta, afinal, trocar ministros se os seus substitutos forem virtualmente idênticos em termos de valores e capacidade de gestão, devendo o cargo aos acordos de sustentação política do governo e tendo fidelidade apenas a seu partido?
Em outras palavras, de que adianta mudar os titulares se permanecem o sistema básico de loteamento do governo e seu aparelhamento com duas dezenas de milhares de companheiros mal qualificados?
Essas perguntas conduzem-nos, inevitavelmente, a duas conclusões fundamentais. Primeiro, e principalmente, fica claro que já passou da hora de mudar o sistema cujo funcionamento propicia todas essas distorções. Pois não é admissível que um país do tamanho, complexidade e nível de desenvolvimento do Brasil continue sendo administrado por caciques políticos sem preparo, competência ou conhecimento especifico, muito mais empenhados em fortalecer suas máquinas partidárias para a próxima eleição do que em preparar o país para a próxima geração.
Para que serve a tão decantada base aliada (que começou o ano com cerca de 80% das cadeiras no Congresso Nacional) se não for para fazer as reformas básicas tão essenciais e tão proteladas há mais de nove anos?
Sem querer aliviar em um grama sequer o peso da primeira conclusão, é preciso admitir que não é nem justo nem inteligente atribuir todos os problemas nacionais a um punhado de políticos em Brasília. É ingênuo acreditar que bastaria aprovar algumas leis adicionais para resolver todos esses desvios.
Isso nos leva à segunda e fundamental questão: a relação básica de cada um de nós, brasileiros, com a ética no cotidiano. Como podemos pretender ter governantes comportando-se eticamente se nós, que os elegemos, não nos preocupamos com isso ao “dar um jeito” aqui, pagar uma comissão ilegal ali, sonegar um pouquinho acolá e fazer uma ou outra contribuição “não contabilizada” a essa ou aquela campanha? Como exigir que na esfera federal o governo seja eficiente e honesto se fechamos os olhos aos maiores descalabros nos âmbitos municipais e estaduais? Como exigir que os culpados pelos “malfeitos” sejam punidos se o Judiciário continuar demorando anos e anos para julgar praticamente qualquer caso e, no fim, absolver a esmagadora maioria dos corruptos que tiveram bons advogados?
Evidentemente, é muito mais fácil formular essas perguntas do que fazer as mudanças necessárias. Mas, enquanto não nos empenharmos em cumprir as nossas promessas, dar o exemplo aos nossos filhos, cobrar as explicações necessárias dos nossos governantes, manifestar a nossa insatisfação na imprensa, na internet e nas ruas e passarmos a nos comportar como verdadeiros cidadãos responsáveis pelo país em que queremos viver, podemos ter a certeza de que muito pouco vai mudar – e, mesmo assim, muito lentamente.
Como sempre, as grandes mudanças dependem e começam em cada um de nós. Elas são, no fim, a soma do nosso empenho e esforço individuais.
Roberto Civita

Só um governo com poder limitado pode ser decente


Não é tarefa simples a construção de uma grande sociedade aberta. Mas é inegável que somos hoje um grande canteiro de obras. Prosseguem as quedas de ministros envolvidos em denúncias de corrupção. A opinião pública apoia a presidente Dilma Rousseff em sua intolerância com as práticas políticas degeneradas expostas pela mídia.


Os anjos caídos sempre se escudam em ameaças à governabilidade. Seus ressentimentos podem se traduzir numa eventual retirada de apoio parlamentar e negociações mais duras à frente para a aprovação de projetos importantes. Mas, se o governo não quer ser pautado pelo noticiário e precisa de sustentação no Congresso, tem também o bom-senso de deixar claro que não aprova as manobras lamacentas de nossas criaturas do pântano.


O brasileiro não é geneticamente corrupto nem a democracia dos governos representativos está condenada à corrupção. O problema brasileiro é uma transição incompleta para as instituições de uma sociedade aberta. A esquizofrenia financeira e a estagnação econômica nos tempos da hiperinflação, bem como a corrupção política ainda hoje, são sintomas de desacertos na rota de fuga do Antigo Regime.


A concentração de poder corrompe. Só um governo com poderes limitados pode ser decente. O que se vê não é uma conspiração da mídia. É a construção de uma sociedade aberta sendo registrada pela mídia. É claro que, nesse processo, há um aperfeiçoamento. Tínhamos antes os escândalos “temáticos”: o impeachment de um presidente, os Anões do Orçamento, o mensalão, os Sanguessugas, a Operação Navalha e outras mais.


Como a exposição temática dos atos de corrupção teve poucos efeitos práticos, entramos em nova fase, a da “guilhotina midiática”, que pega um pescoço de cada vez. Pode-se dizer da classe política brasileira o que registra a historiadora Barbara Tuchman em seu clássico A marcha da insensatez (1984), a propósito dos papas renascentistas: “Eles se recusaram a mudar, mantendo com estúpida teimosia o sistema corrupto existente. Não podiam mudar porque eram parte, cresceram e dependiam da corrupção. A ambição, o abuso de poder e a certeza da impunidade dirigiam seu comportamento”.


Para a historiadora, um importante critério para que uma prática política seja considerada erro histórico, atuando contrariamente aos interesses da população, é que essa mesma prática equivocada seja implementada por vários grupos, durante longo tempo, não apenas por um indivíduo em curto período. Ora, a social-democracia brasileira, dos grandes partidos de “esquerda” – PMDB, PSDB e PT –, reveza-se no poder há sete mandatos presidenciais, com uma breve interrupção do presidente que sofreu impeachment… por corrupção?


Existe uma linha lógica que costura os fatos nos últimos 40 anos de nossa história. Os militares no Antigo Regime e a social-democracia hegemônica desde a redemocratização empurraram os gastos públicos de menos de 20% para quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Infelizmente, a hipótese de corrupção sistêmica tem aqui suas raízes profundas, penetrando muito além da superfície política. 


Envergonhou os militares, devastou a “direita fisiológica” e desmoralizou sucessivamente os partidos de esquerda, lançando-se do subsolo econômico por uma deformação fundamental do Estado brasileiro.


Um segundo critério para detecção dos grandes erros históricos é uma percepção contemporânea do equívoco, e não apenas em retrospectiva. Ora, temos todos – desde a fase dos escândalos “temáticos” à atual “guilhotina midiática” – a inequívoca percepção contemporânea de que houve uma degeneração das práticas políticas. E sabemos também que, sem uma reforma política, permaneceremos com o mesmo sistema disfuncional que tem empobrecido o desempenho do regime democrático.


Mas, se a reforma política não pode nascer em ninhos social-democratas, se eles não têm competência para fabricar uma maneira decente de fazer política e se o vazio de sua agenda reduz a vida pública a uma sinuosa batalha por recursos, como escapar a essa armadilha de baixo desempenho? É necessária uma alternativa liberal democrata – que, lamentavelmente, não vislumbramos ainda.

Paulo Guedes


quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Como pensam os brasileiros


A julgar pelo que se lê nos jornais e se ouve nas salas de aula das universidades, o Brasil conta com uma elite retrógrada, de valores quase medievais, empenhada em obter toda sorte de privilégios do estado e em explorar a massa trabalhadora. 


Essa elite seria tão daninha que qualquer movimento de protesto originado nela, como o "Cansei", já nasceria marcado pela ilegitimidade. Segundo os arautos desse ponto de vista, em posição antípoda estaria um povo de valores imaculados, dono de uma sabedoria e um senso de justiça naturais e pronto a redimir o país de séculos de iniqüidade. Basta um pouco de distanciamento para ver que se trata de um maniqueísmo tolo, típico da rasa cachola esquerdista brasileira. Elite é muito mais do que sinônimo de "rico". 


Como registram os dicionários, é uma palavra de origem francesa que significa "o que há de melhor numa sociedade ou grupo". Dela fazem parte profissionais liberais, cientistas, atletas, empresários, políticos (não todos, infelizmente). Só uma nação que conta com uma elite com iniciativa, energia criadora, conhecimento avançado e valores democráticos tem chance de desenvolver-se. É por meio de suas ações e de seu exemplo que o conjunto da população termina ascendendo também, tanto no plano educacional e cultural como no profissional. Isso está longe de ser teoria romântica. É fato verificável no bloco dos países que hoje compõem o clube dos desenvolvidos.


Ao deixar de lado os estereótipos falidos, é possível verificar que a realidade brasileira estampa feições que costumam passar despercebidas. Uma prova disso emerge da leitura de A Cabeça do Brasileiro, do sociólogo Alberto Carlos Almeida, que chega às livrarias nesta semana. O livro traz os resultados da Pesquisa Social Brasileira, um levantamento no qual se investigaram os principais valores presentes no cotidiano social, econômico e político nacional. Enfim, o que se pode denominar de "o pensamento do brasileiro". O que se tem ali é uma radiografia de nitidez impressionante, que afirma principalmente como o papel da elite na construção de um Brasil moderno é crucial. 


A parcela mais educada da população é menos preconceituosa, menos estatizante e tem valores sociais mais sólidos. Se todas as pessoas em idade escolar estivessem em sala de aula hoje, a pleno vapor, o Brasil acordaria uma nação moderna no dia 1º de janeiro de 2025 – depois de um ciclo completo de educação. Os brasileiros passariam a ter baixíssima tolerância à corrupção e esperariam menos benesses de um estado protetor. Funcionários públicos ineficientes e aproveitadores seriam uma raça em extinção. Os cidadãos lutariam mais por seu futuro, em vez de se entregar distraidamente à loteria do destino. Nesse país, as pessoas de qualquer credo ou classe social se veriam como portadoras de direitos iguais. As diferenças sexuais seriam mais respeitadas. Provavelmente pouquíssimos endossariam a frase estampada no alto da página 87 – "Se alguém é eleito para um cargo público, deve usá-lo em benefício próprio".


A Pesquisa Social Brasileira foi realizada pelo instituto DataUff (Universidade Federal Fluminense) e financiada pela Fundação Ford. Foram ouvidas 2.363 pessoas, em 102 municípios. Coordenador do trabalho, Almeida optou pela mesma metodologia utilizada pela General Social Survey, a maior pesquisa social dos Estados Unidos, realizada a cada dois anos, desde 1972, pela Universidade de Chicago. O levantamento expressa a opinião dos brasileiros sobre diversos temas. Não pretende, é importante ressaltar, revelar como agem. A pesquisa é sobretudo a respeito da ética nacional ou das várias éticas que convivem no interior do país. Pegue-se o exemplo do "jeitinho". 


A maioria esmagadora da população já lançou mão dele para resolver problemas. De acordo com Almeida, essa parcela equivale a dois terços da população. Mas ele não é aprovado na mesma proporção quando se leva em conta o grau de escolaridade. O "jeitinho" é chancelado como algo válido por quase 60% dos analfabetos. Entre os que têm nível superior, porém, esse índice cai praticamente à metade. Essas discrepâncias também se revelam grandes quanto a outros temas. No universo dos que têm pouca ou nenhuma educação, a taxa dos que aprovam a violência policial oscila entre 40% e 50%. Já a dos que a desaprovam entre os mais escolarizados chega a 86%.


A pesquisa se ocupou, ainda, de um aspecto bastante danoso da vida nacional, o patrimonialismo. Ele não é uma invenção brasileira, como os impostos provisórios eternos. Quem melhor o investigou foi o sociólogo alemão Max Weber, que inspirou gerações de estudiosos. No Brasil, surgiu como forma de organização social no século XVI, com as grandes concessões de terra, as capitanias hereditárias. E por aqui fincou raízes fortes. Uma das conseqüências do patrimonialismo é a confusão entre o público e o privado. A pesquisa de Almeida mediu-a por meio da frase "Cada um deve cuidar somente do que é seu, e o governo cuida do que é público". 


Ela obteve a concordância de 74% dos que foram ouvidos. Quando se analisa esse mesmo dado à luz da escolaridade, contudo, vê-se a falta que a sala de aula faz. No universo dos analfabetos, 80% não conseguem enxergar o papel do cidadão no cuidado com a coisa pública. Entre os que têm nível superior, o porcentual diminui para 53%.


"Hoje, a maioria dos brasileiros ainda tem baixa escolarização e, portanto, uma visão mais arcaica da sociedade", afirma Almeida. "Mas é evidente que a educação tornará majoritária no país a parcela da população que tem uma visão mais moderna. O processo é irreversível." A divisão entre arcaico e moderno, embora em desuso por boa parte dos cientistas sociais, é a que define com mais clareza o abismo entre as duas visões de mundo. Para verificar a profundidade dessas diferenças, o autor de A Cabeça do Brasileiro não recorreu a nenhum expediente extraordinário. 


Apenas aferiu, por meio de perguntas, a indulgência com situações cotidianas. Sua pesquisa tem o poder de iluminar os principais aspectos da vida nacional. Os dados obtidos reforçam o que o imperador dom Pedro II já sabia: sem um esforço para universalizar a educação, a sociedade brasileira continuará patinando material e moralmente. Como nota Almeida, num país mais escolarizado a cena de um Severino Cavalcanti sentado na cadeira de presidente da Câmara dos Deputados nunca teria ocorrido. "Os eleitores de Severino, em sua maioria de baixa escolaridade e residentes em cidades pequenas do interior do Nordeste, tendem a não condenar o comportamento desse político, que defendia abertamente a contratação de parentes", constata o autor.


A corrupção, essa praga tão destruidora quanto a saúva o era nos tempos do ciclo do café, tem o beneplácito da maioria dos iletrados. Isso ficou claro quando se colocou a seguinte pergunta: "Como considerar a atitude do funcionário público que ajuda uma empresa a ganhar um contrato no governo e depois recebe dela um presente de Natal?". Para 80% dos que não sabem ler ou escrever, isso é apenas um "favor" ou um "jeitinho". Para 72% dos que concluíram a universidade, é corrupção e ponto final. Voltando à frase do segundo parágrafo desta reportagem, entre os analfabetos 40% acham que uma pessoa eleita para um cargo público deve usá-lo em benefício próprio. 


Dos que atravessaram todo o ensino superior, somente 3% pensam assim. O mesmo contraste é percebido quando o tema é a intervenção do estado na economia. Incríveis 90% dos analfabetos acham que o governo deve socorrer empresas em dificuldades. Entre os que têm nível superior, apenas 27% concordam inteiramente com isso e 37% aceitam a atitude em alguns casos. Ainda mais preocupante é a proporção de iletrados que apóiam a censura governamental. Para quase 60% deles, "programas de TV que fazem críticas ao governo devem ser proibidos", contra somente 8% dos que exibem nível superior. Dá para ver de onde os partidários da tentação autoritária tiram seu entusiasmo liberticida.


Um capítulo delicado do livro é o que trata da percepção dos brasileiros em relação à cor da pele. O autor pediu aos entrevistados que atribuíssem qualidades ou defeitos a homens brancos, negros e pardos retratados em fotografias. Aos brancos foram atribuídas mais qualidades positivas, como inteligência, honestidade e modos educados. Os negros ficaram em segundo lugar. Quanto aos pardos, além de ficar atrás no que se refere aos aspectos positivos, eles são mais relacionados a características negativas (veja quadro)


Com base nesses dados e em cruzamentos mais específicos, como o que relaciona a cor da pele a profissões de maior ou menor prestígio, com vantagem para os brancos, Almeida refuta a tese de que um dos maiores problemas brasileiros é o preconceito social, e não o racial. Mas talvez seja o contrário: pardos e negros são percebidos de modo mais negativo justamente por continuar a figurar em maior número, por causa de circunstâncias históricas, na base da pirâmide social, onde as oportunidades são menores e a marginalidade é maior. Seja como for, a pesquisa funciona como combustível para uma discussão que precisa continuar.


"A pesquisa que compõe A Cabeça do Brasileiro é algo monumental. Tem o mérito de testar quantitativamente tudo o que nós estudamos. Nunca foi feito algo parecido", diz o antropólogo Roberto DaMatta. 


É também por meio de trabalhos como esse, com conclusões que fogem aos lugares-comuns e apontam na direção da necessidade de universalizar a educação e acelerar a marcha rumo à modernidade – o que significa uma ampliação da classe média, ou seja, da elite –, que talvez um dia o país possa deixar de caber na seguinte descrição do escritor Paulo Mendes Campos: "Imaginemos um ser humano monstruoso que tivesse a metade da cabeça tomada por um tumor, mas o cérebro funcionando bem; um pulmão sadio, o outro comido pela tísica; um braço ressequido, o outro vigoroso; uma orelha lesada, a outra perfeita; o estômago em ótimas condições, o intestino carcomido de vermes. 


Esse monstro é o Brasil: falta-lhe alarmantemente o mínimo de uniformidade social".




segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

O Império e a Sociedade




Como império tinha o Brasil uma corte, mas esta corte nunca foi suntuosa, muito menos dissoluta: foi sempre singela e tão virtuosa quanto pode caber na fragilidade humana, ao
ponto de ser modelar. Não tinha a severidade militar prussiana antes ou mesmo depois do Império, porque Guilherme I não mudou com ser “ plus que roi “


No seu paisanismo, visto as veleidades guerreiras nutridas por Dom Pedro I findarem com a desastrada campanha do
Sul e a pouca inclinação do país pelas aventuras belicosas, foi simples e frugal, com seus ressaibos de intelectualismo. Aliás, o exemplo do primeiro imperador frutificara. 


Sua abdicação foi tanto a expiação dos seus erros de soberano constitucional, educado num meio absoluto, como de suas faltas de particular. Elevando a concubina acima da soberana, determinou uma precoce decadência do regime monárquico e justificou muitos ataques que lhe foram assacados. 


Foram precisas toda a sabedoria e todas as virtudes do seu sucessor, além do melancólico espetáculo das lutas civis da Regência, para permitir que o Império se prolongasse por meio século nas suas mãos. O quadro seguinte evocado por Sales Torres Homem no seu Libelo do Povo - já por um título revolucionário que relembra Hebert e Marat – não se afigurou exagerado a espíritos que cultivavam o ideal republicano e aos quais não eram antipáticas as cores vermelhas do jacobinismo. 


Ouçamos o futuro conservador monárquico: 


“Preocupado da sua pessoa, dos seus direitos, das suas paixões e dos seus prazeres, ele (Dom Pedro I) não estabeleceu relação alguma entre a ventura dos seus súditos e a sua própria, e isolou-se no meio da nação a mais dócil e a mais reconhecida. Como Luís XIV, fez do seu Eu o Estado, sem entretanto imitar o grande Rei a não ser no despotismo, na pompa, nos validos e nas amantes. 


Para suprir o apoio moral da opinião que se esquivava, promoveu mais do que nunca o espírito militar, forçando o caráter pacífico e industrioso que deve convir a um
povo agrícola, habitando um território enorme, deserto e sem vizinhos formidáveis.


Com as mesmas vistas fez consistira a prosperidade do Brasil, não no progresso das suas artes e da sua agricultura, mas no esplendor fofo de uma corte aparatosa, para o que era mister fomentar por seduções enganadoras a paixão de um luxo destruidor e recompensar por meio de distinções honoríficas aqueles que reduziram à miséria a rica herança de seus pais. 


Nada faltou ao espetáculo dessa grandeza inerte, aparente e ridícula, nem sequer uma aristocracia de chinelos, alimentada pelo orçamento e cujos brasões heráldicos o povo não podia contemplar ser rir. 


De tudo isto nem a fumaça se enxergou no dia 7 de abril: Dom Pedro I estendendo os braços em redor de si, só deparou com a solidão, o vazia, as trevas e o desespero.”


As catilinárias são um gênero literário fácil e de infalível popularidade. Eram os marqueses de primeiro reinado que assim ridicularizavam o titular do segundo reinado. O Libelo data de 1838. 


Em 1853 Timandro ii, convertera-se à conciliação: seria diretor do Tesouro, Ministro da Fazenda indicado pelo Imperador, Visconde de Inhomirim, por fim senador, rompendo o monarca com o seu gabinete por motivo dessa escolha que constitucionalmente cabia nas suas atribuições soberanas. 


Dom Pedro II dava neste caso um dos exemplos mais flagrantes da sua superior tolerância, a qual foi constante para as faltas políticas, absoluta para as convicções ou opiniões mesmo adversas, e apenas reservada para as faltas de moralidade e os atentados contra a probidade. 


A honestidade era de rigor. Os homens de estado do Império, exceção feita dos que eram proprietários rurais, não dispunham na sua quase totalidade de fortuna”.


Brasil Imperial

O significado da Monarquia hoje


Duques de Cambridge

Muitas pessoas se espantam e passam a me considerar, no mínimo, um excêntrico quando tomam conhecimento de minhas idéias monarquistas.


De uma maneira geral, no nosso País, há uma razoável tolerância com quaisquer posições políticas situadas entre a centro-esquerda e a extrema-esquerda. Estas seriam as “forças progressistas”, o “Bem”. Por outro lado, quaisquer idéias consideradas de direita são rejeitadas.
São as “forças reacionárias”, o “Mal”. 


Esta é uma generalização sem qualquer fundamento, mas é
encarada como uma verdade absoluta. Sem entrar no mérito da questão, observo que o ideal monárquico foi enquadrado no segundo grupo.


Para a maioria do nosso povo, a idéia de Monarquia é a de um Rei absolutista, um tirano, cercado por nobres incompetentes e corruptos, como freqüentemente é mostrado em novelas e mini-séries de produção nacional. 


Na verdade, isto é um grande preconceito que foi incutido nas nossas crianças desde o 1º Grau e que acaba sendo levado pela vida a fora reforçado pela mídia. Não há, na verdade, qualquer razão real para considerarmos o regime monárquico como algo retrógrado e
digno do nosso desdém.


Entre os países com melhores índices de desenvolvimento humano, destacam-se as monarquias parlamentares, que seguem o modelo europeu. Mesmo as repúblicas mais desenvolvidas, com exceção dos Estados Unidos, são sempre parlamentaristas e jamais presidencialistas.


Nas repúblicas presidencialistas, em que o povo tem o duvidoso privilégio de escolher o Chefe de Estado, que também é o Chefe de Governo, o que se observa é uma crônica instabilidade política.


Os golpes, revoltas e revoluções se sucedem em irônica monotonia. Raramente dois presidentes consecutivos conseguem concluir o seu mandato constitucional. O povo passa fome e uma elite encastelada no poder é capaz de qualquer coisa para manter os seus privilégios.


É um absurdo pretender-se que a sucessão presidencial ocorra em prazos fixos, pois, a política é muito dinâmica e imprevisível. Quem começou o governo com grandes planos e altos níveis de popularidade pode cair em desgraça perante seus eleitores em 6 meses. Terá, então, de governar
sem respaldo popular por mais três, quatro ou cinco anos, a não ser que um golpe o derrube antes. 


O povo não deve ser chamado a participar da vida política apenas no dia das eleições, mas deve exercer um controle efetivo sobre o governo e isto somente é possível num sistema de governo parlamentarista com um monarca como Chefe de Estado.


No sistema parlamentarista, o governo cairá se perder o apoio do Parlamento e, se este não conseguir formar um novo governo, terá de se submeter a novas eleições. Assim, o controle do povo sobre os governantes é bem maior.


Por outro lado, um rei não precisa do apoio de partidos para permanecer no cargo. Ele pode ser o Chefe de Estado de todos e não apenas dos seus correligionários e simpatizantes, como acontece na República. Desta maneira, pode-se fazer oposição ao governo, resguardando-se a figura do
Chefe de Estado.


Assim, ao contrário do que muitos imaginam, a Monarquia Parlamentar é uma forma de governo ágil e moderna, que permite um maior controle do governo por parte dos cidadãos, ao mesmo tempo em que garante estabilidade política, maior desenvolvimento econômico e social e menor
corrupção.


Carlos Alexandre J. Bertolin