"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 31 de julho de 2016

Estado e poder na modernidade




O presente estudo observa o papel da democracia como garantia fundamental no Estado Democrático de Direito sob a ótica discursiva da separação dos poderes, da teoria dos freios e contrapesos, da neutralidade do magistrado e do ativismo judicial. Com a globalização, assolam problemas que transcendem os limites dos territórios nacionais, os quais passam a dar espaço ao neoconstitucionalismo. No que concerne ao poder judiciário, percebe-se sensível mudança em seu papel, ao inovar com o ativismo judicial, verificado como providência positiva diante das omissões dos poderes executivo e legislativo aplicada aos casos concretos, em que se busca assegurar os direitos fundamentais garantidos constitucionalmente.


Em breve síntese pode-se volver a origem do pensamento acerca da democracia com o fulcro de melhor entender, ao longo da história, o papel que a mesma assume como garantia na contemporaneidade.

Na antiguidade, Platão não tinha uma boa imagem da democracia. Em sua concepção política, a democracia consistia na antessala da tirania. Chega o pensador a denominar aqueloutra como sinônimo das arbitrariedades da maioria, de desordem social e decadência política, isso porque na concepção platônica os aptos a governar eram os grandes filósofos, seguindo linha extremamente aristocrática.

Aristóteles, discípulo de Platão, ao dividir, na Política, a tipologia clássica das formas de governo em que existiam três formas más e três formas boas de governo: a forma má de governo de um só seria a tirania, e a forma boa de um seria a monarquia. A forma má de governo de poucos seria a oligarquia; e a forma boa, a aristocracia. Finalmente, a forma de governo de muitos seria a democracia, e a boa, a “politéia”, muito embora ainda tenha empregado o significado negativo da democracia, reconheceu na politéia a possibilidade de um governo em que as maiorias governo atuassem movidas por interesses comuns, o da pólis na época (compostos por pessoas de classe média e não por interesses de facções, oligarquia - ou de pobres, democracia), defendia que não seria possível que uma maioria governasse bem se existisse uma grande diferença de classe.

Mas foi Jean Jacques Rousseau, pensador revolucionário do século XVIII que exerceu enorme influencia sobre os processos revolucionários americanos do século XIX, conceituou teoricamente a democracia, a partir dessa conceituação, entendida como uma forma de organização política e não estatal mediante a qual a sociedade reassume consensualmente seu autogoverno de forma positiva.

O certo é que Rousseau não admitia mais soberania do que as das leis em suas célebres obras O Discurso sobre a Origem das Desigualdades entre os Homens e o Contrato Social. Obras em que atribui a desigualdade entre os homens a diversas causas, dentre elas, a propriedade privada diferenciando ricos e pobres, a necessidade do governo para garantir direitos a todos – débeis e poderosos e por fim a transformação do poder legítimo em arbitrário, aprimorando as desigualdades entre senhores e escravos.

No Contrato Social, o pensador busca incansavelmente a igualdade das civilizações anteriormente perdida, afirmando que a força não poderia criar direitos. Uma ordem fundada no terror não é uma ordem legítima, mas sim a continuação de um estado de guerra, em por prudência tática, o oprimido obedece para salvar sua vida ou seus interesses. O escravo obedece a vontade dos amos porque lhe há outra possibilidade, se pudesse escapar ou matar seu patrão o faria.

Na atualidade, vários autores comentam sobre diversas espécies de democracia, ao consenso – a forma representativa. No entanto, a democracia atual se move em sociedades de conformação plural, daí se constatam fatos de que muitas vezes os representantes do povo nem sempre defendem os interesses gerais, senão de acordo com interesses setoriais em que se apoiem politicamente. Por outro lado, permanece o sonho de uma cidadania informada e educada civicamente que escolha corretamente seus representantes, sem a interferência da imprensa ou do estado, ou mesmo de grandes setores privados. Contudo, a forma de estado mais segura para o povo até os dias atuais.

 No Brasil, criaram-se mecanismos constitucionais para restabelecimento da normalidade em casos de crises, evidenciados na possibilidade de decretação de estado de defesa, do estado de sítio e no papel das Forças Armadas e das forças de segurança pública (Título V da Constituição Federal Brasileira de 1988) e na Constituição Argentina também se encontram algumas dessas limitações permanentes e excepcionais. Referidos mecanismos devem, contudo, respeitar o princípio da necessidade, sob pena de configurar arbítrio e verdadeiro golpe de estado, bem como o princípio da temporariedade, sob pena de configurar verdadeira ditadura (LENZA, 2010).

Essas situações de abuso, arbítrio, golpe, ditadura podem verificadas no constitucionalismo pátrio, por exemplo, durante o “Estado Novo” do Presidente Getúlio Vargas (Carta Magna de 1937), no governo da ditadura militar de 1964 até o seu fim com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, durante o período ditatorial, pela utilização do AI-5, momentos em que se decretou estado de sítio e de guerra sem qualquer observância aos princípios da necessidade e temporariedade.

Na Argentina, após os golpes de Estado de 1943, 1955, 1962, 1966 e 1976, se fez extremamente necessário alimentar a esperança de que o retorno da democracia em 10/12/1983 fosse definitivo, porque o sistema democrático com todas as falências que se possam atribuir-lhe é o que oferece as condições necessárias para que as instituições se fortaleçam, para que a economia se desenvolva e para que os habitantes adquiram uma adequada instrução cívica (LONIGRO, 2011).

A democracia, não vem definida na Constituição Federal Argentina de forma expressa, mas integra seu conteúdo, inclusive introduzindo na Reforma de 1994 outras formas semidiretas como a iniciativa legislativa popular e a consulta popular. Nas alusões do texto constitucional também se pode encontrar vários exemplos nos arts.14, 36, 38, 75 incs 19 e 24.
Como garantia, a democracia oferece relação entre poder e o povo, situando as pessoas que fazem parte do regime de liberdade, com respeito a sua dignidade, e com efetiva vigência dos direitos. (CAMPOS, 2004)

Segue ainda o constitucionalista argentino afirmando que uma das maiores dificuldades encontradas pela democracia atualmente estão nos países onde as massas carecem de acesso a uma forma digna de vida humana, onde falta a igualdade real de oportunidades para o gozo efetivo dos direitos, onde o subdesenvolvimento permite dizer que para numerosos contingentes humanos a liberdade é somente formal, no entanto é a mais viável frente aos regimes autoritaristas.

O professor lusitano, Canotilho, afirma que o Estado constitucional não é nem deve ser apenas um Estado de direito, se o princípio do Estado de direito se revelou como uma linha diferenciadora entre os estados que tem uma constituição e Estados que não tem uma constituição, isso não significa que o Estado Constitucional moderno possa limitar-se a ser apenas um Estado de direito. Ele tem de estruturar-se como Estado de direito democrático, isto é, como uma ordem de domínio legitimada pelo povo. A articulação do “direito” e do “poder” no Estado constitucional significa, assim, que o poder do Estado deve organizar-se e exercer-se em termos democráticos. O princípio da soberania popular é, pois, umas das traves mestras do Estado constitucional. O poder político deriva do “poder dos cidadãos”.

Acrescenta ainda Canotilho que o estado democrático é mais do que Estado de direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para “travar” o poder, foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder. Se se almeja um Estado constitucional assente em fundamentos não metafísicos, tem-se de distinguir claramente duas coisas: uma é a legitimidade do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legislação no sistema jurídico; a outra é a da legitimidade de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político. O Estado “impolítico” do Estado de direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o principio da soberania popular segundo o qual “todo o poder vem do povo” assegura e garante o direito ã igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, alguns autores avançam a idéia de democracia como valor (e não apenas como processo), irreversivelmente estruturante de uma ordem constitucional democrática.

ESTADO E PODER NA MODERNIDADE



O pensador francês Montesquieu, em sua célebre obra, O espirito das leis, inovou ao identificar três funções estatais conectadas a órgãos distintos, autônomos e independentes entre si. Cada função corresponderia a um órgão, não mais se concentrando nas mãos únicas de uma única pessoa, o soberano. Tal teoria surgiu diante do desenvolvimento do Estado de direito liberal em contraposição ao absolutismo, repugnando-lhe a concentração excessiva de poder nas mãos do príncipe, servindo de base estrutural para o desenvolvimento de diversos movimentos como as revoluções americana e francesa, consagrando-se na Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Destarte, cada órgão exercia sua função típica, legislativo, executivo e judiciário, não mais sendo permitido a um único órgão legislar, aplicar a lei e julgar, de modo unilateral, como se percebia no absolutismo.

Com efeito, a função legislativa não podia estar reunida à função executiva, em uma só pessoa ou em um mesmo corpo de magistratura, sob pena de se sacrificar a liberdade, ante a tendência de que nessas condições se “criem leis tirânicas para executá-las tiranicamente” (MONTESQUIEU, 2006, p.50). Do mesmo modo, a igualdade estaria comprometida, se não se houvesse a separação do “poder de julgar” do poder legislativo e do executivo.

Contudo, tal divisão não traduzia uma repartição equitativa de forças entre os órgãos a que se destinava cada um das funções do poder, pelo menos não sob a consideração da posição do poder judiciário frente aos demais poderes. De fato, ainda que a doutrina de Montesquieu já não concebesse uma separação estrita, antes preconizando uma ideia de equilíbrio, coordenação e limites recíprocos, isso não se aplicava senão às relações mútuas entre os poderes legislativo e executivo, aos quais incumbiam, respectivamente, um poder de estatuir e um poder de impedir. Com efeito, Montesquieu não afirmava a supremacia de qualquer poder frente aos demais.

No entanto, situava a lei, emanação do poder legislativo, como produto da razão e expressão da vontade geral do Estado, em posição central do regime jurídico-político de um Estado moderado, a um só tempo atrelando-a garantisticamente à proteção da liberdade e situando-a como marco definitório da separação dos poderes. Isto porque a atuação que cada um dos poderes deveria, em prol da defesa da liberdade, adotar em relação à lei delimitaria a sua respectiva função.

Nesse soar, ao poder de julgar, não se permitia qualquer liberdade senão a de aplicar a lei, não se reconhecia liberdade pessoal de interpretação ao magistrado, desconfiança atribuída à época, por razões históricas de um passado judicial de serviço ao antigo Regime e de abusos na aplicação da lei.

Noberto Bobbio ensina em sua obra O Positivismo Jurídico que, conforme a teoria exposta por Montesquieu, a liberdade atribuída ao juiz para exercer a sua fantasia legislativa produziria, na prática, a presença de dois legisladores, ofendendo manifestamente o modelo de separação dos poderes.

Nessa toada, o doutrinador francês, permite entrever a questão relativa à segurança jurídica na seguinte passagem:

“Mas se os tribunais não devem ser fixos, os julgamentos devem sê-lo a tal ponto que nunca sejam mais do que um texto preciso de lei. Se fossem uma opinião particular, do juiz, viveríamos em sociedade sem saber precisamente os compromissos que ali assumimos”. Assim, parece claro que a referência aos compromissos indica as idéias da lei enquanto elemento representativo do acordo entre as três forças políticas” (BOBBIO, 1995, p.57) .

A teoria da “tripartição dos Poderes”, exposta por Montesquieu foi adotada por grande parte dos Estados modernos, no entanto, de maneira abrandada, isso porque diante das realidades sociais e históricas, passou-se a permitir a interpenetração entre os poderes, atenuando a teoria que pregava a separação pura e absoluta dos mesmos.

 No sistema da República democrática de direito, a separação de poderes foi adotada para controlar o poder, possibilitar a liberdade e garantir os direitos das pessoas.

Na Argentina, muito embora a Corte Suprema tenha reconhecido outras finalidades do Sistema Tripartite, disse o Tribunal que a doutrina da divisão de poderes ou da separação das funções, especialmente nas sociedades modernas, encontram sua causa e finalidade na especialização que requer o cumprimento das diversas funções que deve exercer o estado.
A distribuição de ditas funções em órgãos, cuja integração pessoal e meios instrumentais é baseada de acordo com as especialidades de cada um,  em que o alvo é a projeção dos acertos de projetos e realizações do estado.

Em princípio, a divisão de poderes mantem no estado moderno, sua funcionalidade e razões. No entanto, o estado mínimo típico do liberalismo, deu lugar ao Estado Social em que suas funções são múltiplas para cumprir seu papel e assegurar os direitos de segunda geração e os direitos sociais.

Em contrapartida, as crises econômicas e sociais deixaram sequelas de falências, desemprego que requerem mais exigências dos estados. Este, então, assumiu inumeráveis funções que não se amoldam a tripartição de poderes. Foi o executivo, por múltiplas razões, que ampliou o exercício de suas atribuições. O fenômeno se deu, com diferentes nuances, em todas as democracias liberais. Na Argentina, ademais, se cristalizou no processo de desconstitucionalização vivido pelo país a partir de 1930, com o primeiro golpe de estado do século XX, segundo Maria Angélica Gelli, a existência de necessidades econômicas ou sociais levou a Corte Suprema a admitir a regulação mais estrita dos direitos pessoais, em uma primeira fase dessa regulamentação efetuada pelo Poder Legislativo no exercício do poder de polícia.

No entanto, o problema maior para o sistema republicano se suscitou não com o estabelecimento de leis estritamente restritivas dos direitos pessoais, fundamentalmente patrimoniais, mas sim com a sanção dos decretos denominados de necessidade e urgência que, sendo leis materiais, foram emitidas pelo Poder Executivo invocando aquela emergência e sem disposição constitucional que expressamente ao autorizara.

A partir do Caso “Peralta”, em que a Corte Suprema Argentina efetuou nova leitura da divisão de poderes, de modo que a referida separação não podia por em perigo a continuidade e supervivência da nação ante a desgraça econômica que a sociedade vivia pelos efeitos da superinflação, desde logo, sem sustentar a perigosa doutrina de que os fins justificam os meios. De fato, ao analisar os meios empregados nos decretos, a Suprema Corte concluiu que significavam uma restrição aos direitos patrimoniais justificados pela emergência, qualificada esta de desgraça econômica, no entanto, não uma supressão daqueles direitos. Por outra via, a Corte entendeu, com base no caso, uma convalidação tácita por parte do Congresso, órgão que podendo fazê-lo não havia rejeitado, expressa ou tacitamente, o decreto.

A doutrina da separação dos poderes, contudo, serve atualmente como uma técnica de arranjo da estrutura política do Estado, implicando a distribuição por diversos órgãos de forma não exclusiva, permitindo o controle recíproco, tendo em vista a manutenção das garantias individuais consagradas no decorrer do desenvolvimento humano. E é na Constituição que se encontra o grau de interdependência e colaboração entre os diferentes órgãos existentes e as suas respectivas atribuições. Neste caso, tem-se uma teoria da separação de poderes como uma específica teoria acerca do arranjo institucional desenhado em cada Estado pela respectiva Constituição.

Com efeito, a separação dos poderes como acima mencionado é discutida como a forma de evitar a concentração do imperium nas mãos de uma só pessoa. Este apartamento das atividades, entretanto, não é rígido, havendo interferências recíprocas em que cada Poder, além de exercer suas competências, também influencia nos demais.

A utilização de ferramentas intra potestas é reconhecida no sistema brasileiro e abrangida pelos normativos federais. Elencando as principais delas, podemos reconhecer:

Medida provisória, comissão parlamentar de inquérito e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Essas são apenas três formas de interferência nas relações Executivo/Legislativo/Judiciário.

Uma quantidade de outras opções existem no dia-a-dia, como a possibilidade das CPI’s determinarem a prisão de cidadãos durante o inquérito (antes de prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário), a utilização de regime de urgência pelo Executivo em determinadas matérias, o que pode causar o trancamento da pauta do Congresso, e a utilização de interpretação extensiva e de súmulas vinculantes e jurisprudência pelo Judiciário, interpretando e completando o sentido das leis.

Para muitos autores, esse tipo de atuação tem interesses nocivos no que tange a relação entre os entes discriminados. A preponderância do Executivo sobre os demais sistemas se consolida pela utilização de medidas capazes de cercear o poder Legislativo.

Tal preponderância parece ser confirmada pelo crescente número de leis de autoria do Executivo em detrimento dos demais poderes. Tal dissonância decorre de um sistema autoritário enraizado na ditadura militar dos anos 70. Os próprios protagonistas do regime que dominou essa época reconheceram, no início do período liberalizante (1980-86) que houve um atrofiamento do processo legislativo.

De fato, ao se analisar a linha de produção das normas no período de 1946 até 1994, nota-se claramente uma inversão na iniciativa legislativa a partir de 1964, que perdura até os dias atuais. Tal separação se deve, em muito, na distinção de finalidades das leis editadas, com clara predominância daquelas de cunho orçamentário, de iniciativa exclusiva do poder Executivo.

No que tange à interferência do Legislativo nas esferas funcionais dos demais poderes, a linha de atuação é menos clara. As comissões parlamentares de inquérito tem efetiva responsabilidade para a apuração de desvios de conduta por parte das autoridades federais. Por princípio, não se envolve em questões privadas e pessoais (private affairs), e devem se relacionar com fatos determinados.

Entretanto, dada a possibilidade de caráter extensivo da interpretação destas normas, além do cunho eminentemente político das casas legislativas, nem sempre o que ocorre é o previsto. De fato, pode-se afirmar que casos pessoais são averiguados nas referidas comissões, podendo, para tanto, valer-se da argumentação de que tais assuntos podem desaguar em responsabilidades públicas. Além disso, mais e mais a atuação política tem se norteado para tentativas de apuração de casos complexos, sem fatos claros ou denúncias concretas.

Uma vez que a abordagem institucional (Executivo x Legislativo) é insuficiente para a análise das CPI’s, é possível uma averiguação mais crítica quanto à composição das casas. É necessária assim uma separação entre oposição e governo, no sentido de dar vazão ao verdadeiro confronto existente nessa relação.

 É importante a análise do Congresso a partir de suas tendências partidárias. Não se pode absorver a ideia de que as atitudes dos parlamentares são individuais ou totalmente corporativas.

Um fato de peso é que a própria existência dos partidos está inserida na lógica de poder. Muito embora sua atuação seja, teoricamente, o modo de expressão da população no sistema democrático participativo, sua força está diretamente ligada à possibilidade de barganha e de influência no jogo político.

Outro ponto importante a ser trabalhado é a influência do Judiciário em todo o processo democrático. Inobstante tal instituição não possuir um caráter eminentemente político, é de profunda importância para o funcionamento do sistema. Responsável por tratar da interpretação das leis e de seu cumprimento, é também o interlocutor entre a origem (Legislativo) e o fim (executivo).

Como já referido acima, são inúmeras as possibilidades de interferência da Justiça nas atividades dos outros elementos. Não só através de Adis, mas pela emissão de Enunciados e Jurisprudências, influencia diretamente no processo de produção legislativa. Além disso, ações de Descumprimento de Preceito Fundamental, Mandados de Segurança e outras atividades pautam, no dia a dia, a atuação do Executivo.

De muito vem se discutindo o papel do judiciário no palco político. Por certo, a idéia de “judicialização da política” ou ainda da “politização da justiça” tem se afirmado entre diversos doutrinadores. A possibilidade do judiciário não apenas influir, mas muitas vezes dirigir certos momentos do processo político-democrático deve ser discutido mais a fundo.
Segundo alguns autores, a atividade judicial nesse âmbito não se demonstra como uma usurpação de funções, mas como uma realocação dos poderes com base na positivação dos direitos fundamentais. Assim, seria na realidade uma formulação favorecida pelo processo democrático e, além disso, uma resposta à impossibilidade de mobilização social herdada do regime autoritário.

O fortalecimento do judiciário pós 1988 também é condicionado por alguns pelo enfraquecimento do Legislativo frente ao Executivo e a ultrapassagem do primeiro pelo último na produção normativa. Tal fato seria fruto do descasamento entre a atividade política e o plano social.

Assim, a atribuição da função de controle sobre a validade dos atos legislativos aos tribunais, por um lado, veio de implicar um aperfeiçoamento à divisão de poderes, por promover a efetiva inserção do terceiro poder na teoria de tripartição e, assim, conferir-lhe maior coerência, no entanto, viria eventualmente a contrariá-la, pois virtualmente implicaria usurpação de funções típicas do legislativo.

Todavia, em verdade, não há nisso qualquer paradoxo, pelo menos não à luz da concepção desenvolvida nos Estado Unido da América, onde, a despeito de acalorados e persistentes debates acerca da extensão do papel do juiz na interpretação constitucional, há menor disputa sobre o essencial: o papel relevante dos tribunais no controle dos atos legislativos compatibiliza-se com a essência da divisão equilibrada de poderes, alicerçada originariamente no ideal de limitação do poder do Estado para a garantia da liberdade jurídica do indivíduo, uma vez que implica, de sua parte, impor o Estado-juiz limites à atividade desviante do Estado-legislador, conformando um sistema equilibrado e harmônico de controles recíprocos (checks and balances).

No Brasil, denominada teoria dos freios e contrapesos, o Supremo Tribunal Federal, se pronunciou acerca da Separação e independência dos poderes como parâmetros federais impostos ao Estado-membro. Os mecanismos de controle recíproco entre os Poderes, os “freios e contrapesos” admissíveis na estruturação das unidades federadas, sobre constituírem matéria constitucional local, só se legitimam na medida em que guardem estreita similaridade com os previstos na Constituição da República. (ADI 1.905 – MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.19.11.98, DJ de 05.11.2004).

Na Argentina, a separação dos poderes é enfatizada no texto constitucional, derivado do art.1, o art.109, o qual estabelece que em nenhum caso o presidente da nação pode exercer funções judiciais, reivindicar os casos pendentes ou restabelecer os já resolvidos. No entanto, há de se notar que “existem alguns tribunais administrativos, mas que não compõem o poder judiciário, são eles, os tribunais de contas, de defesa da competência, etc” (DALLA VIA, 2004, p.398). Sendo considerados legais pela Suprema Corte na medida em que respeitem o devido processo e contem com uma revisão judicial suficiente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS



Nos últimos anos, começou-se a falar da judicialização da política e da justiça como expressões de um fenômeno de relações mútuas em que os poderes políticos se imiscuem no âmbito judiciário e vice-versa, a justiça exibe um marcante ativismo desde o controle dos problemas próprios da política.

Necessário se faz, antes de qualquer análise sobre o tema, demonstrar a divergência em torno do ativismo.

 Segundo as palavras de Luís Roberto Barroso, ativismo judicial é uma atitude, a escolha de modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo seu sentido e alcance. Pois bem, nessa proposição, observa-se que o ativismo, em primeiro momento, não se trata de uma interpretação completamente livre do magistrado ao julgar o caso concreto, fazendo ele uso de fontes desconhecidas ou ainda, com o propósito de afirmar uma posição pessoal. Trata-se de uma postura não ortodoxa de aplicação do direito positivo, baseada na força normativa dos princípios constitucionais. Postura essa, que sinaliza uma maior participação do judiciário no campo destinado aos outros poderes, notadamente o legislativo.

Em seguida, assinala-se a diferença entre ativismo judicial e a judicialização política, expressões conhecidas, mas que não se confundem. Enquanto o primeiro revela mais uma escolha do magistrado ou da Corte, adotando como fonte nas suas decisões a aplicação direta dos enunciados do Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro, com a utilização de critérios menos rígidos de interpretação, o último revela que a decisão de políticas públicas são tomadas por aqueles que não representam a vontade popular para essa missão – não foram eleitos pelo povo, ou seja, o esvaziamento da política pela omissão do legislativo ao mesmo tempo em que também deixa de privilegiar tais direitos na escolha de políticas públicas. O ativismo se mostra mais atitude e a judicialização uma circunstância factual.

O ativismo, contudo, se manifesta através de várias condutas, como na declaração de inconstitucionalidade de atos emanados do legislador seguindo critérios menos rígidos ou até mesmo a imposição ao poder público com o fim de determinar certas condutas ou a abstenção delas, principalmente no campo das políticas públicas.

O oposto do ativismo se vislumbra com a autocontenção judicial, ou seja, quando o judiciário se contém de decidir questões que seriam usualmente atendidas em outros poderes. Os juízes preferem aplicar a lei produzida pelo legislador ordinário, somente aplicando a Constituição Federal em situações taxativamente previstas em seu texto, utilizando critérios tradicionais pela doutrina e jurisprudência para a aplicação do controle de constitucionalidade e se abstêm de interferir na definição de políticas públicas.

Ressalte-se, por oportuno, que o ativismo judicial é, segundo André Ramos Tavares (2009) um fenômeno de âmbito mundial, cuja postura se mostra presente em todos os países que adotam Cortes constitucionais e possuem a faculdade de declarar a inconstitucionalidade de atos emanados do legislativo e executivo.

No Brasil, alguns fatores peculiares justificam esse fenômeno, primeiro porque já se passaram mais de vinte anos da data em que fora promulgada a Constituição Federal, considerando assim, que muitas proposições se encontram inefetivas em função da omissão do legislativo em criar normas que regulamentem tais direitos e, em razão disso, a matéria termine sendo discutida no judiciário.

O ativismo surge inserido em contextos em que se discutem direitos fundamentais de 2ª geração, aqueles que ordenam uma conduta positiva do Estado. A falta de regulação de tais direitos não impede o julgador de reconhecê-los e de determinar, principalmente em outros poderes, a imperatividade de tais preceitos.

Por exemplo, reconhece-se como dever do estado assegurar creches a crianças de até cinco anos de idade em local próximo de suas residências ou próximo ao local de trabalho dos pais. Essa imposição, no entanto, advém da própria Constituição que impõe ao Estado a prestação de educação infantil e ao acesso pleno que deve haver a esse atendimento, pois traduz meta cuja não realização demonstra-se como censurável situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público.

Noutro sentido, se verifica uma crescente quantidade de disputas judiciais por temas vinculados a atuação política, como sucede com o controle do financiamento dos partidos políticos e disputas eleitorais vinculadas com escrutínios de eleições internas, problemas de corpo feminino. Acrescente-se, por oportuno, a ocorrência de fenômenos como os que a forte atuação dos juízes logra desbaratar importantes redes de corrupção.

Em boa medida, conforme assinala Dirley da Cunha Júnior (2010), as questões atuais acerca da democracia apresentam uma grande complexidade por desafios que os mesmos implicam, verificando-se uma tendência crescente da plena judicialização dos atos. A ampliação da legitimação ativa através dos chamados interesses difusos e direitos coletivos, assim como a atuação de ofício de juízes e tribunais em causas de controle de constitucionalidade são manifestações dessa tendência.

Sem embargo, não é, contudo, justificativa para considerar que os problemas políticos devam resolver-se no âmbito próprio da política, já que o poder judiciário tem sua própria esfera de atuação que é a de resolver com a força da verdade legal controvérsias jurídicas entre partes submetidas a sua competência.

A necessidade desse ativismo judiciário também se faz presente para dar efetividade aos direitos sociais contidos no artigo 6º da Constituição Federal, o qual abrange a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade e à infância, além da assistência aos desamparados. Tais direitos fundamentais são característicos do Estado de Bem Estar Social, o qual se difere radicalmente o Estado Liberal, porque, enquanto este se contentava em impor prestações negativas ao Estado, aquele determina a imposição de prestações positivas, no campo dos direitos sociais.

Nas hipóteses de negação de prestação dos serviços sociais básicos, tem-se admitido que o Judiciário atue, ainda que isto implique uma decisão sobre a aplicação de recursos públicos. Nesse sentido, cabe ao Poder Judiciário, por exemplo, assegurar a paciente com HIV/AIDS o fornecimento gratuito de medicamentos, por ser dever do Poder Público dar efetividade ao direito público à saúde, contido no artigo 196 da CF e regulamentado na Lei 9.313/96, sob pena de grave comportamento inconstitucional.

Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça assegurou a paciente o direito a receber auxílio financeiro do Poder Público para prosseguir tratamento médico em Cuba, por ser portador de retinose pigmentar, doença que ataca a retina e diminui progressivamente o campo de visão até a cegueira completa, sendo recomendável, pelos médicos brasileiros, tratamento na Clínica Camilo Cienfuegos, sediada em Havana, por seu o único centro mundial em que os estudos para o tratamento desta doença se encontram mais adiantados, mas que ultimamente vem mudando seu entendimento(STJ. Recurso Especial n.2007/0092454-4, publicado no Diário da Justiça em: 21/11/2008).

Essas situações são compatíveis com a Constituição Federal brasileira que impõe um modelo de Estado Social intervencionista, cujos objetivos fundamentais estão no seu artigo 3º, destacando-se, entre outros, o inciso I, o qual proclama a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.

 Esses vetores político-jurídicos, contidos na Lei Fundamental brasileira, diante da ausência de implementação das condições mínimas do Estado do Bem Estar Social, não retiram da Constituição de 1988 o seu caráter dirigente e compromissório. Com efeito, a Constituição dirigente, no Brasil, não morreu, uma vez que as promessas do Estado de Bem Estar Social ainda não se cumpriram.

Porém, as decisões judiciais, mesmo baseadas em ativismo, muitas vezes restam maculadas pelo desequilíbrio jurídico, técnico e financeiro, que há entre as partes que litigam em determinado processo, impendendo a uma espécie de resultado "falso-positivo", artificialmente induzido pela melhor condição financeira e de assistência jurídica da parte economicamente hipersuficiente, o que lhe confere melhores condições de defesa e de instrução processual, tantas vezes "maquiando" a verdade real.

Muito embora tenha o magistrado o dever de se manter isento e imparcial ao solucionar uma lide, o que se percebe, nesses casos, é o predomínio do poder econômico sobre o direito invocado por meio do processo, não por interesses escusos do juiz, mas simplesmente pela cortina de fumaça deliberadamente lançada sobre o juízo.

O que muitas vezes predomina no processo, infelizmente, é a igualdade formal, em detrimento da igualdade em abstrato.

Nesse sentido, se destacam os ensinamentos de Barbosa Moreira:

"Sem enbargo , a experiência histórica mostra como muitas vezes ilusória mostra a proclamação solene da igualdade em abstrato. Agora é uma verdade Perogullo a distinção entre igualdade de direitos e deveres conferidos pelos textos legais para os membros da comunidade , e igualdade material, que leva em conta as condições específicas em que , hic et nunc , é exercer os direitos e ocupação ultrapassa atendidas. Em muitas leis modernas , o propósito de promover a igualdade material é servido exatamente dispensas impostas a igualdade formal . Isto é evidente em algumas regras notoriamente para proteger determinadas Interesses de pessoas que , devido à sua POSICON económico ou social inferior, estão em risco de tratamento injusto da (trabalhadores, inquilinos etc). "(MOREIRA, 1989, p. 67)

Assim, ainda na lúcida visão de Barbosa Moreira, aqueles que não possuem as mesmas condições econômicas, políticas, sociais e culturais, não podem litigar em pé de igualdade, havendo discrepância no deslinde processual, independente do ativismo ou da auto-contenção do Judiciário.

Uma parte economicamente inferior à outra não teria a mesma qualidade técnica no atendimento de seu litígio, ou ainda, seria irremediavelmente lesionada pela demora processual, enquanto a outra parte, economicamente prevalente, se vale de todo e qualquer meio processual ao seu alcance, para prorrogar a demanda. De igual sorte, aquela parte que tiver maior expressão política e social tende a receber melhor tratamento – desde o balcão da serventia – do que o simples cidadão.

Segundo José Augusto Delgado (2008), a busca dessa equalização também deve ser uma das metas concretivas da função social do processo, ou seja, dotar o Judiciário de meios que possam garantir à parte a exata medida de sua pretensão, disponibilizando-lhe todos os direitos ou maneiras de comprovar sua tese.

Não pode o juiz ficar inerte ante uma situação na qual a parte, desprovida do devido aparelhamento técnico judicial, venha a ter seu pleito comprometido ou corrompido pela força política e econômica da parte contrária.

Existem três limites para a intervenção do Judiciário nas políticas públicas: quando a omissão ou a política já implementada não oferecer condições mínimas de existência humana; se o pedido de intervenção for razoável; e, do ponto de vista administrativo, a omissão ou a política seja desarroazoada. Em todos os casos, é preciso que haja verba para a implementação das medidas.

Esses parâmetros para a intervenção do Judiciário em políticas públicas foram traçados em voto do ministro Celso de Mello, pelo Supremo Tribunal Federal, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ADPF 45. Implementar políticas públicas não está entre as atribuições do Supremo nem do Poder Judiciário como um todo, escreveu o ministro. Mas é possível atribuir essa incumbência aos ministros, desembargadores e juízes quando o Legislativo e o Executivo deixam de cumprir seus papéis, colocando em risco os direitos individuais e coletivos previstos na Constituição Federal.

Desta forma, o ativismo judicial pode consistir em um meio de se atender à igualdade material, conferindo-lhe efetividade, produzindo-se decisões que não estarão livres de dar margem à polêmica, porém, que em seu escopo visam a atender melhor à sua finalidade social, que é a de assegurar uma justiça equânime, imparcial e focada no bem estar social.

Conjugando o princípio da função social do processo com o ativismo judicial, percebe-se que o magistrado recebe verdadeiro instrumento proativo, com capacidade efetiva de concretizar a função social do processo civil e, via de consequência, concretizando a efetividade das garantias fundamentais constitucionais.

O juiz já pode optar – e assim desejável é que proceda – por não mais ficar adstrito ao formalismo da norma, podendo – e devendo, creem os autores – adentrar ao conteúdo material, perseguindo o objetivo, a finalidade do dispositivo de lei, dando corpo à sua decisão, de forma a contemplar o intuito primordial do legislador.

A norma não mais se apresenta imutável, ela sofre alterações, seja na sua interpretação, na sua aplicação, ou ainda, em sua adequação ao conteúdo principiológico constitucional.
A função social do processo também se constrói por meio do ativismo judicial, desde que este não se furte aos princípios constitucionais que devem lhe dar sustentação. Portanto, não só é possível como também é finalidade do ativismo judicial buscar a função social do processo, e ainda dando pacífico atendimento à legitimidade democrática.

Percebe-se que não é ocaso do judiciário julgar casos individuais, extrapolando os limites de suas funções, por exemplo, paciente de um writ requer que o estado custei tratamento médico no exterior de uma doença que não possui tratamento no Brasil, nem tampouco possui remédios com vendas autorizadas pela ANVISA, nesse caso julgador não tem possibilidades de conceder a segurança.

Por outro viés, há casos na jurisprudência brasileira em que se depreende a iniciativa do judiciário, quando provocado a se pronunciar em casos concretos, em inclusão de medicamentos na lista de entrega obrigatória do SUS (STJ, Recurso Especial 2004/0118791-4, publicado no Diário da Justiça em: 30/05/2005 p. 247). O que de fato, consiste em algo razoável, pois diante da omissão do executivo e do legislativo, o judiciário vem atender a um anseio de ordem fundamental do ser humano, o direito constitucionalmente resguardado à saúde, garantindo o mínimo necessário.

O dever ser norteia essas decisões coadunadas em princípios constitucionais. Infere-se que alguns anseios da sociedade vêm sendo assim reparados, em casos em que não há na lei nem tampouco na Constituição como aplicar a subsunção ao caso concreto, o parâmetro claro aferido são as demais fontes do direito, em especial os princípios gerais do direito que abrangem, de toda sorte, todo o ordenamento jurídico. Assim foi o caso da regulamentação no serviço público, a sociedade amargava essa lacuna legislativa, suprida pelo judiciário.

Não se vislumbra aqui, de tudo exposto a invasão de esfera de competência ou usurpação de poderes. O julgador supre lacuna da lei de forma provisória, diante do não reconhecimento a direitos fundamentais. Não se podendo admitir, no entanto, que o judiciário negue a aplicação imediata desses direitos em oposição à ordem expressa do constituinte originário, como se depreende do art.5, parágrafo 1° da Constituição de 1988.

Conclui-se então, que o ativismo judicial pode ser utilizado como uma ferramenta a mais na busca pela efetivação plena da Constituição, o que se pode naturalmente depreender-se da lógica democrática que essa carrega consigo, além dos dispositivos constitucionais que possuem igualmente essa finalidade.

No entanto, relembra Cittadino (2004), a função da Corte é velar para que se respeitem os procedimentos democráticos para uma formação da opinião e da vontade política de tipo inclusivo, ou seja, em que todos possam intervir, sem assumir, ela mesma o papel de legislador político.

Nessa toada, percebe-se um impasse do jurista com o fato de o ativismo de uma Corte estar mesmo a favor da democracia. Pois, a falta da mesma estaria presente no ativismo judicial, uma vez que, por mais acertadas que sejam as decisões do Supremo Tribunal Federal, elas não representam diretamente a vontade do povo, pois nenhum dos ministros foram eleitos democraticamente. Destarte, partindo dessa premissa as decisões não representam a vontade de uma maioria.

Portanto, não restam dúvidas de que a crítica ferrenha ao ativismo judicial encontra então espaço, na questão da insegurança jurídica à democracia, trazida com o abuso de iniciativa exercida por um só Poder da Federação.

Mas isso não se afirma quando o judiciário julga casos isolados para suprir omissão dos poderes executivo e legislativo. Essa afirmação apenas ganha espaço, ao se afirmar que uma súmula vinculante, por exemplo, venha ao encontro dos anseios da sociedade, o excesso de poder concedido às pessoas que não foram eleitos para representar o povo, mas sim, representar a elite econômica e cultural do país, pode-se estar diante aqui de uma arma que se volte contra a própria democracia ou ainda, a construção de uma ferramenta de opressão.
Por outro viés, com a desconfiança da sociedade em relação aos Poderes Executivo e Legislativo, o Judiciário tem se tornado o Poder em que o povo vem depositando suas esperanças.

É notório, pois, que há uma contradição de opiniões acerca do quão benéfico é o ativismo judicial para o meio social. Porém, os tribunais, ainda que recorram a fundamentos que extrapolem o direito literalmente posto, devem proferir decisões correlatas com a Constituição Federal, já que guardiões o são, e não se envolver na tarefa de criação do direito, segundo valores preferencialmente aceitos por classes isoladas.


Leilah Luahnda Gomes de Almeida

sábado, 30 de julho de 2016

O Estado Democrático de Direito


O Estado democrático de direito é um conceito que designa qualquer Estado que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis, ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas garantias fundamentais, através do estabelecimento de uma proteção jurídica. Em um estado de direito, as próprias autoridades políticas estão sujeitas ao respeito das regras de direito. Este trabalho foi orientado pela Professora Rosana Aparecida Valderano de Lima.

Sempre que o Brasil se encontra em tempos de eleições, os candidatos empunham a bandeira da democracia, sobem ao palanque e bradam em seus discursos invocando o Estado Democrático de Direito, as vezes nem eles sabem o que estão dizendo.

A ideia do Estado Democrático de Direito da maneira como hoje é conhecido é em decorrência de um extenso processo da evolução da forma como as sociedades foram se organizando ao longo dos séculos, como bem lembrou a professora Terezinha Seixas em suas aulas magnificamente ministradas no inicio do curso de graduação em Ciências Sociais e Jurídicas. Explanava a referida professora que as origens do Estado Democrático de Direito é oriundo dos antigos povos gregos e seus inesquecíveis pensadores, que já no século V a I a. C. dentre eles citava Sócrates, Platão e Aristóteles que criou a teoria do “Estado Ideal”, pensadores que refletiam sobre a melhor forma de organização da sociedade para o atendimento do interesse comum.

Entretanto, foi no final do século XIX que as grandes bases do Estado de Direito foram consolidadas.

No término do século XVIII, observamos nos livros de História a queda dos Estados absolutistas, modelo de Regime político que superou o modelo feudal e que concentrava todo o poder nas mãos dos reis soberanos, considerados representantes de Deus na Terra.
Nos Estados absolutistas, os reis passavam a ter poderes plenos, reunindo em suas mãos os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além do controle espiritual dos súditos.
 Assim, eles, os reis, governavam de forma arbitrária e despótica, gerando uma série de injustiças e desequilíbrios sociais e prejudicando, sobretudo, os interesses de uma nova classe social que então ascendia – a burguesia.

O abuso de poder por parte do rei absolutista revoltou a burguesia, classe econômica, política e social ascendente na época, que buscaram novos modelos de organização social onde o poder do rei fosse restrito e controlado.

A revolução burguesa, segundo o professor José Jobson Arruda, culminou com o fim do absolutismo monárquico e da política econômica mercantilista, onde a burguesia favorecida pelo crescimento econômico pretendia mais liberdade para ampliação dos negócios.
Alguns filósofos e teóricos passaram a refletir sobre as melhores formas de organização política e social que poderiam ser adotadas para a proteção da coletividade e das liberdades individuais.

Nestas reflexões refutaram a tese de que o poder político derivaria de dádiva Divina, pois concluíram que o poder da sociedade deveria vir das pessoas que a formavam.
Então, o homem, e somente ele, estaria incumbido de descobrir quais seriam os direitos básicos de todo ser humano e como deveria se organizar socialmente para que esses direitos fossem respeitados.

Com essa racionalização dos direitos naturais, os quais até então eram divinos, foram surgindo movimentos que reduziram o poder do rei absolutista.

Além de outros embasamentos para os direitos naturais do homem e aqueles fundamentados meramente na fé e em Deus acelerou o rompimento definitivo entre Estado e religião.

Foi aí que surgiu o conceito de jusnaturalismo, ou seja, de que existem direitos que são naturais ao homem e que fluem da própria natureza humana os direitos básicos para que o ser humano pudesse viver de forma digna.

Dentre os filósofos e teóricos que se destacaram na procura dos direitos naturais e irrenunciáveis do homem, convém destacar alguns que ofereceram suas contribuições, cujas ideias permanecem atuais.

Thomas Hobbes defendia, já em 1651, que somente o direito de amparar-se a si mesmo era irrenunciável, sendo todos os outros direitos decorrentes deste, o que serviu de fundamento à reivindicação das duas conquistas fundamentais do mundo moderno no campo político: o princípio da tolerância religiosa e o da limitação dos poderes do Estado. Desses princípios nasceu de fato o Estado liberal moderno.

Já John Locke, teórico do liberalismo, destacava três direitos naturais básicos: a liberdade, a propriedade e a vida, defendendo, até mesmo, o direito de qualquer povo destituir o poder que não garantisse tais direitos.

Jean - Jacques Rousseau, em fins do século XVIII defendia que todos os homens nascem livres, e a liberdade faz parte da natureza do homem e os direitos inalienáveis do homem seriam a garantia equilibrada da igualdade e da liberdade, é dele também aquela idéia de que a organização social deve basear-se em um contrato social firmado entre todos os cidadãos que compõem a sociedade e a partir do contrato social surgiu a vontade geral que é soberana e que objetiva a realização do bem geral.

Charles de Montesquieu (1748) contribuiu com essa racionalização quando lançou as sementes da ideia de separação dos poderes (tripartição das funções do Estado), obra de importância fundamental na defesa dos direitos individuais: “existem as leis da natureza, assim chamadas porque decorrem unicamente de nosso ser. Para conhecê-las bem é preciso considerar o homem antes do estabelecimento das sociedades” .

Nas ultimas linhas demonstramos a transição do mundo medieval para o mundo moderno, representada pelo nascimento e pela queda dos Estados absolutistas, onde os fatos históricos contribuíram definitivamente para a consolidação do Estado moderno e de direitos naturais do ser humano, na geração do que hoje conhecemos como direitos humanos. Tais fatos históricos produziram documentos que até hoje fundamentam os direitos humanos no mundo.

Na Inglaterra, país que durante o século XVII foi palco de importantes movimentos em defesa das liberdades individuais e contra arbitrariedades do Estado, dentre os quais destacamos os seguintes:

I - Revolução Puritana, 1628
– PetitionofRights, que institui a necessidade de aprovação parlamentar de tributos e a proibição de punição de súditos sem amparo na lei;

II - Habeas Corpus Act – 1679, em proteção à liberdade e ao devido processo legal;

III - Revolução Gloriosa – 1689 – Bill ofRights, obrigatoriedade de aprovação das leis pelo Parlamento, garantia de liberdade religiosa.

Aproveitando a maré de reviravoltas que ecoavam da metrópole, os Estados Unidos da América declararam, em 1776, sua independência, afirmando em sua Carta de Independência valores como os da igualdade de todos os homens e a existência de certos direitos inalienáveis, como a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.

Mas o marco principal e mais significativo acontecimento histórico na edificação dos direitos humanos e consequentemente do direito, foi a Revolução Francesa de 1789, da qual derivou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, um dos principais documentos históricos que marcam o início do Estado moderno.

A Declaração de 1789 assegurava quetodos os homens são iguais pela natureza e perante a lei” e que “a finalidade da sociedade é a felicidade comum – o governo é instituído para garantir a fruição de seus direitos naturais e imprescritíveis. Esses direitos são a liberdade, a segurança e a propriedade

Já Hans Kelsen, no século XX, também conceituou o Estado como sujeito artificial como a personalização da ordem jurídica, e como a lei passa a ter a partir de então um papel essencial na organização das sociedades, sendo o instrumento por meio do qual o poder do povo se manifesta e que vincula a todos de forma igualitária: governantes e governados são igualmente sujeitos às determinações da lei.

A lei passa a representar a vontade dos cidadãos, pois a partir do comportamento destes que influencia o desenvolvimento das sociedades, devendo assim por todos ser respeitada, não importando a sua condição, implicando finalmente a ideia de Estado de Direito.

O Estado de Direito nos dias atuais tem um significado de fundamental importância no desenvolvimento das sociedades, após um amplo processo de afirmação dos direitos humanos, sendo um dos fundamentos essenciais de organização das sociedades políticas do mundo moderno.

Mesmo assim continuamos no Século XXI com o objetivo de buscarmos mecanismos de aperfeiçoamentos para o modelo do Estado para que o mesmo atinja o quanto antes o equilíbrio entre a liberdade e igualdade dos seres humanos e possa proporcionar o ideal de oportunidades de desenvolvimento com saúde, segurança, habitações dignas, educação para todos. 

Adairson Alves dos Santos


sexta-feira, 29 de julho de 2016

Sistemas políticos na atualidade: o desafio da verdadeira democracia

Francisco Mafra.


A presente monografia resulta do trabalho realizado para a apresentação em sala de aula na disciplina “Direito Constitucional Comparado”, parte do curso de doutoramento em Direito Administrativo  da UFMG, nos dias 28 e 29 de setembro de 1998. Trata-se de comentários e análises a respeito da obra “Democracia frente a Autocracia. Os Três Grandes Sistemas Políticos. O democrático, o socialista e o autoritário” de Juan Ferrando Badia, editado em 1989 na cidade de Madri, a sua segunda edição realizada pela editora tecnos.

O livro analisado é de autoria do Professor Catedrático de Direito Político em Valência, Espanha, é originário da obra publicada pelo mesmo autor em 1977 chamada “A democracia em transformação” e se justifica, pelo pensamento do autor de que a raiz fundamental da crise e transformação da democracia liberal se enraíza no fato de a mesma se basear em dois termos antagônicos que dificilmente trariam noções de harmonia quais sejam democracia e liberalismo.

Tanto a democracia quanto o liberalismo têm notas em comum e não podem viver separadamente, afinal a democracia traz a exigência de certas liberdades consideráveis “liberais” e o liberalismo não pode prescindir de certas exigências democráticas. Contudo, os mesmos são contraditórios em vários aspectos essenciais.

O liberalismo visa controlar o Estado dando origem às liberdades resistência frente ao executivo. Já a democracia se define essencialmente pela participação popular no processo político decisório levado a cabo pelos governantes.

O nascimento do liberalismo se deu pela revolta contra a Monarquia absolutista levada a efeito pelos burgueses e pelos intelectuais d então. Com ele surgiu o princípio de que a votação para a escolha do Poder político só seria dada pela participação de uma casta de pessoas – voto censitário. Já a democracia se daria pela realização do alcance de um sufrágio não censitário, mas universal. No sufrágio universal todos participam das eleições para a escolha dos representantes do povo na formação do Poder político.

Sabemos que o Poder político é aquele que cuida da criação dos comandos normativos que ditarão os comportamentos aceitáveis e os não aceitáveis dos indivíduos e das entidades integrantes daquela sociedade.

A democracia se caracteriza, assim, pela escolha por parte de todo o povo componente da sociedade em questão das pessoas que serão os gestores de seus interesses maiores, ou os seus representantes nas instituições mais importantes de sobrevivência do mesmo.

Com a luta e obtenção do direito ao sufrágio universal, ou escolha por todo o povo de seus representantes nas instituições do Estado (aqui já entendido como conjunto de território ocupado por um grupo de seres humanos conjugando esforços para a sobrevivência do grupo ou sociedade e dotado de representação em um nível maior que representa a vontade de todos e não se subssume aos outros Estados) foi estabelecida a democracia formal.

O autor intenta apresentar nesta obra fundamentalmente uma visão dinâmica do sistema democrático, ou seja, a democracia em transformação e evolução de uma democracia apenas política em uma democracia também econômica.

Dividida em três partes, a obra trata, nesta mesma ordem da introdução aos sistemas políticos e suas tipologias, do sistema democrático-liberal e pluralista e, finalmente, dos regimes não democráticos.

Na primeira parte, trata o autor dos sistemas políticos e suas diferenças das formas de Estado existentes e sistemas políticos e da tipologia adotada pelo autor dos sistemas democráticos clássicos e pluralistas, socialista e autoritário.

Em seguida, estudando o sistema democrático-liberal e pluralista, analisa o liberalismo, a democracia social e econômica e a dinâmica democrática.

Descreve, ainda, e aprofunda-se nos regimes democráticos propriamente ditos e nos autocráticos.



Tipologia dos sistemas políticos - os três grandes sistemas políticos

A divisão das Constituições dos Países em partes dogmáticas e orgânicas leva ao fato de que nesta última se encontram a maior parte das instituições jurídico-políticas governamentais e as suas próprias relações que geram sistemas parlamentares, presidencial e de assembléia. Esta última classificação exprime o domínio da instituição legislativa sobre a executiva.

Para o autor, a busca do conhecimento real do regime político vigente de um país deve ser feita com a pesquisa da realidade prática e teórica da vida política de um país. Assim exemplificado é o regime democrático pela existência de uma ordem jurídica elástica sobre a qual se assenta a dinâmica política apoiando-se esta nas forças políticas em ação legalizada e pela realidade política pluralista com o equilíbrio de forças e instituições.

 conceito de sistema e regimes políticos

O sistema político nasce da atividade política e faz parte do sistema social como um todo. Badia entende que:  

“...o estudo de um sistema político deve situar-se no contexto social global. Tal estudo deve incluir a visão de que sistema comporta uma dimensão estrutural e está inserido em um sistema social amplo que incluirá uma função social específica e sua dinâmica composta de relações funcionais e suas diversas variáveis.”

Podemos entender o sistema social que engloba as diferentes estruturas políticas como sistema político propriamente dito. A função atribuída de política é justamente coordenar, dirigir e representar os interesses dos diferentes grupos sociais e resolver os amplos conflitos daí surgidos. A política em si nasce da vida em sociedade e reflete na mesma a infra-estrutura social.

Esclarece ainda o autor:

“A visão dinâmica do sistema político leva a considerá-lo como conjunto de relações funcionais entre variáveis, desembocando-se então nas noções de fator, ação e reação, é dizer, nos conceitos básicos para uma interpretação dinâmica do sistema político.”
Por fatores compreendemos o poder, a atualidade, a decisão, a ideologia, motivação e força, dentre outros.

O estudo da dinâmica política deve levar em consideração, inclusive, os princípios fundamentais da interdependência global e reciprocidade de ações.

Citando Jimenes de Parga, Badia demonstra que regime político concreto é:

“...a solução política efetiva que adota uma comunidade”

e é imposta na lei maior. Ao complexo de instituições e regras de jogo em funcionamento denomina-se regime político. O regime político será, pois, em cada caso, resultado de um processo de divergências políticas. Opina o autor sobre regime político, considerando-o como um:

“...complexo de instituições objetivas trazido da ideologia política dominante na sociedade.”

A idéia concreta de regime político ou a expressão regime político engloba variados planos, aspectos que são realizados pelos conhecidos “grupos de pressão”. Tais grupos objetivam exercer influência sobre os políticos que tomarão decisões aos mesmos favoráveis. Os grupos de pressão não pertencem ao Estado mas estão presentes nos diferentes regimes políticos.

formas de estado e tipologias dos sistemas

Paolo Biscaretti di Ruffia distingue formas de Estado de formas de governo: 

1) formas de Estado – relacionam governo, povo e território, ou seja, os três elementos constitutivos do Estado; 

2) formas de governo determinadas pela maneira e posição e relações dos diferentes órgãos constitucionais do Estado. 

Até o ano de 1918 eram: 

a) Estado patrimonial, ou apenas um conjunto de potestades públicas e direitos patrimoniais; 

b) Estado de polícia ou absolutista, onde existiam direitos públicos ou privados mas só imperava a vontade do Rei; 

c) Estado de Direito, nascido com a Revolução Francesa. Governo Constitucional, marcado pela divisão de poderes e plena garantia dos direitos públicos subjetivos, ou seja, frente ao governo dos homens, o governo da lei.

Entre as duas guerras mundiais destacaram-se os Estados autoritários e os democráticos. Os Estados existentes atualmente seriam os de democracia clássica, democracia progressista ou socialistas e autoritários. Outras classificações como a de Georges Burdeau que apresenta os regimes democráticos e autoritários. 

Dentro dos democráticos o parlamentarista, o presidencialista e o de assembléia, já dos autoritários, o cesarismo empírico, a ditadura ideológica e o regime de poder individualizado. No Século XX aceita o autor as democracias governada e governante. Nessa, há a efetiva participação popular nos processos decisórios. O enfoque pessoal de Badia se destaca destes últimos, pois, para o mesmo, não há sistema político sem interação de estruturas de governantes e governados e não há estruturas sem interação do todo social. Fala também Badia em ideologias e cita Karl Lowenstein quando afirma que o conceito de sistema político não é mais que:  “a concreta institucionalização de determinadas ideologias políticas”

Pode-se dizer que ideologia política é um complexo de idéias, convicções e sentimentos acerca de como se organiza e se exerce por um grupo específico e determinado, o poder em uma sociedade política.

Quando se fala nas diversas tipologias dos sistemas políticos, o pesquisador que procura classificá-los encontra o primeiro critério da origem do poder, ou o do princípio da legitimidade. Por este distinguimos o sistema democrático liberal, o marxista e o autoritário. Outro critério aponta a participação popular na vida política. Existem o sistema pluralista e o monista totalitário. Karl Lowenstein  distingue entre sistema político democrático ou constitucional e sistema autocrático socialista ou até mesmo o fascista.

Utilizando a opinião de Marchal, Badia distingue sistema de regime explicando que em um sistema há coerência entre as diferentes estruturas componentes do mesmo conjunto e esta característica se faz presente em função das forças internas que unem as estruturas e dos obstáculos comuns internos, obstáculos estes que geram uma reação:

“concentrada ou espontaneamente sincronizada, ao passo que o regime se caracteriza justamente pela falta desta coerência.”

Ao expressar idéias concernentes ao regime político, Badia esclarece que a expressão regime político congrega as dimensões sociológica, jurídica e deontológica do termo política, além de, inclusive, compreender as atividades políticas exercitadas pelos poderes de fato. Aqui o mesmo considera que os grupos de pressão são componentes do processo político decisório.
Esclarece ainda que nas sociedades políticas históricas, a solução ao desafio da instituição e limitação do Poder político é determinante de certo modo das soluções encontradas para a eleição, controle e fins dos governos. Ainda, ao se questionar quem manda e por que manda, extraímos os próprios fundamentos do próprio Poder, sua legitimidade ou justificação.
Em uma acepção ampla, a tipologia dos sistemas considerará que qualquer feito social, além de histórico, é também geográfico, político, jurídico, ético, religioso etc, tudo isto somado em uma unidade. Ao se qualifica-los, deve-se Ter sempre em conta sempre o todo social.

O poder político será concentrado (monocracia) ou distribuído (policracia). A diferenciação do exercício compartilhado do Poder político e o controle não concentrado do mesmo
“cria o marco conceitual para a dicotomia fundamental dos sistemas políticos em constitucional democrático e autocracia.”

Distingue Badia o sistema democrático-constitucional do autoritário respectivamente pela estrutura pluralista ao contrário da estrutura monista do poder, pela formação aberta e pluralista da formação da vontade política ao contrário da formação monopolista da  vontade política e, por último, da integração mesmo que parcial entre sociedade e Estado ao contrário da total integração política dos mesmos. Nos sistemas democráticos liberais e pluralistas encontramos a ideologia do consenso político a fundamentar as próprias instituições do regime. Já nos sistemas social-comunista e autoritários, a ideologia do partido dominante se faz como a única forma de validade constitucional a ser aceita por todos.

Segundo Badia, os  três grandes sistemas políticos que, em função do critério e de legitimidade, existem são: democrático-pluralista, autoritário e social-marxista.

Prosseguindo a leitura, constatamos a seguinte análise apresentada pelo autor espanhol dos sistemas políticos acima indicados.

Democracia. Na busca do aperfeiçoamento da liberdade, a democracia repousa sobre conceitos jusnaturalistas e individualistas do mesmo fim. Citando Georges Vedel, indica Badia que a filosofia política da democracia liberal se sustenta sobre a aceitação da idéia de que a liberdade é um suposto humano irredutível. Daí, o Estado liberal de Direito se basear em afirmações de que o indivíduo tem direitos como vida, propriedade e liberdade ou de que deve existir a separação de poderes. Ambos os conceitos de democracia clássica e liberal expostos acima têm as ditas liberdades como limitações ao poder político de cada Estado. 

Ocorreu, ainda, ao longo da história, o desenvolvimento de instituições políticas ditas instituições de liberdade, quais sejam: 

1) o sufrágio universal como meio de aprovação do poder pelos cidadãos e um meio de limitação do mesmo; 

2) o equilíbrio entre os poderes a limitá-los pela sua divisão e possibilitar a apropriação dos mesmos pelo povo em si; 

3) pluralismo partidário como outro meio de pressão popular sobre o governo; 4) o autogoverno, através do qual as diferentes comunidades locais componentes da nação recebem do poder central a faculdade de auto administração; 5) a supremacia da lei. A lei a todos se impõe e todos iguala. Atualmente, e partindo do fim do século passado, as liberdades públicas têm se apresentado em crise. Isto devido a problemas políticos, técnicos, sociais ou econômicos. Tal situação levou a aceitarmos a não limitação dos governantes, e o que é mais sério, a transformação da concepção liberal das liberdades públicas e dando lugar à chamada democracia governante ou de participação. Tal pensamento aceita a intervenção do Estado em áreas nunca antes atingidas pelo mesmo.

A democracia se modela na aceitação de subtipos ou regimes democráticos. 

São eles: o regime presidencialista; o parlamentarista e o ; de assembléia.

A estrutura governamental do Estado em questão se integra de uma pluralidade de instituições políticas. As diferentes inter-relações  existentes entre o governo e o Parlamento de cada um desembocará em cada um dos mesmos. Quando as relações entre governo e parlamentos se apresentam desequilibradas, as mesmas geram um governo de Assembléia ou monocracias, ditaduras, etc.

No dizer de Badia, neste panorama dos diversos sistemas e regimes, o marxismo
“... promete ao proletário não a garantia de uma liberdade que não tem, senão a libertação da exploração.”

Para se alcançar o ideal da democracia marxista da liberdade da exploração, três são as etapas necessárias a se percorrer: a ditadura do proletariado; o socialismo; o comunismo. 

No socialismo as liberdades devem servir aos interesses da revolução proletária e o Estado é o garantidor destas condições de liberdade. O grande ponto de distinção do regime socialista em relação ao liberal – se assim podemos chamá-los é que no primeiro o poder é pertencente, é coisa dos cidadãos, é um instrumento ao seu serviço. Não representa perigo à integridade do seu povo porque estará a seu serviço. Citando G. Vedel, encerra Badia: 

“O regime político não tem necessidade, pois, de  recorrer a técnicas tais como a da separação de poderes (...) O que será antidemocrático em uma sociedade capitalista é democrático em um país socialista.”

Ou ainda, a respeito do sistema autoritário:

“O sistema autoritário demonstrou historicamente as transformações que sofre a teoria individualista das liberdades públicas.”

Regime que considera as massas populares naturalmente inferiores em relação às elites políticas e – principalmente – com o chefe político portador de excelentes qualidades.

Entre governantes e governados existe clara e radical separação:

“O Chefe e o partido único são os intérpretes das exigências da coletividade concebida como um todo unitário e orgânico.” Citando Rocco, Badia nos oferece o seguinte:

“O indivíduo não pode, segundo a concepção fascista, ser considerado como o fim da sociedade; não é mais que um meio. Toda a vida da sociedade consiste em fazer do indivíduo o instrumento de seus fins sociais (...). De onde a conseqüência de que, para o fascismo, o problema fundamental não é o dos direitos do indivíduo, ou das classes, senão somente o problema do  direito e do Estado do que depende o dever do indivíduo.”

O princípio estruturador e de funcionamento do autoritarismo, segundo Biscaretti di Ruffia, é o de que: “El interés de la colectividad, interpretado autoritariamente por el más capaz, prevalece sobre el interés de los particulares.”


O SISTEMA DEMOCRÁTICO-LIBERAL E PLURALISTA.
posse de Obama

O liberalismo

Historicamente surgido antes da democracia, foi do casamento dos mesmos que surgiu o sistema democrático. Juridicamente cristalizado nos regimes parlamentar, presidencialista e de assembléia, o sistema democrático tem, assim, o liberalismo em seus primórdios. Smith considera o liberalismo como:

“...a crença em um conjunto de métodos e práticas que têm como objetivo comum alcançar uma maior liberdade para os indivíduos.”

Liberdade e individualismo são elementos caracterizadores do liberalismo. Termo de origem e tradição espanhola, o liberalismo foi utilizado como sistema coerente de idéias e objetivos práticos na Inglaterra nos séculos XVII e XVIII. Desde então condenava-se a autoridade arbitrária e reafirmava-se o direito de livre expressão do indivíduo. Deixaremos de falar aqui do liberalismo clássico e do moderno, dois momentos históricos distintos para falarmos de um dos conceitos basilares do liberalismo que é o da liberdade. A liberdade como possibilidade de realizar por decisões livres os objetivos que são na opinião de Garcia Pelayo, o sujeito da liberdade individual ou grupal, o objeto vital do que fazer e os obstáculos ao cumprimento de tais objetivos. Repetindo G. Vedel, Badia nos diz que toda a filosofia política da democracia liberal:

“repousa na idéia de que é um suposto irredutível. Pode, sem dúvida, receber limitações, ainda que não mais porque existem homens, mas deve ser respeitada. Toda a organização dos poderes em uma democracia ocidental, tem como fim garantir-se à liberdade o desdobramento de suas possibilidades.”

Devemos relembrar sempre que a estrutura de poderes da democracia tem raiz histórica na luta da liberdade contra a sujeição. O Estado liberal de Direito repousa sobre a afirmação de que o indivíduo é sujeito de direitos inatos e de que deve existir regra técnica que sirva de garantia dos mesmos: a distinção ou separação de poderes.

No decorrer da história da humanidade no concernente aos direitos e às liberdades, reconhecimentos basilares no sistema em análise são  os dos direitos e liberdades fundamentais. São sempre garantidos e se desenvolveram com o transcorrer da história. A partir das franquias medievais, passando pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, pela “Bill of Rights” e pela Declaração dos Direitos da Filadélfia, até o que se passa hoje em dia.

Conclui Badia que “...as crises que sofrem as liberdades públicas desde os fins do Século XIX se devem a uma pluralidade de causas que desembocam, parte delas, em regimes que negavam as concepções individualistas de liberdade como o marxismo ou o fascismo, que as negava e eximia os governantes de quaisquer limitações e de outra forma, com uma transformação da concepção liberal das liberdades públicas, no seio da democracia clássica. Isto porque para defender esta última, bastante seria a regulação das liberdades fundamentais. A reforma e a crise da democracia liberal comportam a integração de um conteúdo social. Agora já como “Estado Social de Direito”.

A novidade trazida pelo liberalismo como característica essencial é a própria divisão de poderes, seu significado e alcance e, principalmente, o fato de tê-la como técnica para assegurar e garantir os direitos individuais. Pensada por Aristóteles e Locke, desenvolvida  por Montesquieu e aplicada como um esquema geral na Inglaterra, a doutrina da divisão dos poderes traz duas características marcantes. 

São elas: As funções mais importantes dentro do Estado cabem a cada um titular diferente;
Cada um dos titulares das mesmas se encontra vinculado a um sistema de corretivos.

Devemos ressaltar que muito mais que separação de Poderes, Montesquieu era partidário de uma verdadeira colaboração entre os mesmos. Isto porque devemos sempre Ter em mente que o que Montesquieu desejava era formular a sua teoria verdadeiramente como um princípio garantidor da liberdade.

Estudando a evolução do então conhecido como Estado de Direito, devemos destacar que este conceito pode ser entendido como o ponto principal e mais importante do sistema democrático liberal. De acordo com o mesmo, o Estado é sujeito ao próprio Direito que criou, ou seja, deve obedecer as normas jurídicas que ele mesmo cria e fiscaliza o respeito através dos seus distintos poderes representativos. Em última instância, é o Estado sujeito às leis da mesma forma que o seu povo e não apenas garantidor da ordem legal.

No mesmo a lei limitará a ação do próprio Estado. Há o chamado império da lei positiva. Com a opinião de E. Dias, define-se os elementos do Estado de Direito: Império da lei;  
Separação de poderes; Legalidade da Administração; Direitos e Liberdades fundamentais.

De tais características extraímos a primazia da lei formal, criada pelo parlamento. Parlamento este eleito democraticamente pelo povo representado. No mesmo devem os governantes e os governados buscar o pleno desenvolvimento da personalidade humana, a satisfação do interesse geral, daquilo considerado como conjunto de condições econômicas e sociais necessárias para o desenvolvimento integral do ser humano e da sociedade como um todo.

Do liberalismo à democracia

O sistema democrático-liberal ao conciliar os princípios de liberdade e igualdade conduz a uma demonstração social, política e econômica.

A democracia representa uma solução quanto ao problema da imputabilidade do Poder político dentro da própria sociedade. Na democracia o exercício deste poder cabe aos cidadãos, os quais são ao mesmo tempo, sujeito e destinatário do poder estatal.

Por sua vez, a impossibilidade de uma democracia direta forçou a criação do mecanismo técnico-político da representação. Por este são selecionados alguns poucos representantes que serão os atores, os protagonistas dirigentes do sistema democrático. A atividade democrática será baseada no princípio de  que a atividade político-estatal corresponde aos mesmos cidadãos e, portanto, têm estes a dupla condição de povo como sujeito e destinatário, à sua vez, do poder estatal. O mecanismo da representação democrática, por sua vez, possibilitará a formação  da democracia de massas e esta se distinguirá radicalmente da democracia ateniense de moldes praticamente municipais, Na democracia atual temos que considerar um dos dois conceitos de povo como nação a qual representa a realidade social incorpórea expressa pela mesma ou como aglutinação de massas ou  corpo político presente e atuante. Afinal, o conceito de nação básico para o constitucionalismo liberal.

Em referência ao papel da representação na democracia, podemos ressaltar que o pequeno número de eleitos representará todo o povo, toda a nação. Para o aperfeiçoamento do sistema democrático foi criado o instituto da revogação dos poderes dos votos na escolha de determinado representante político, e também, contrariamente aos EUA, Argentina, Brasil e Peru, o princípio da não reeleição dos titulares dos Poderes Executivos e a dos membros destes, corpos representativos por seus eleitores. Para a efetivação dos princípios acima devem ser aplicadas a revogação de mandatos eletivos por seus eleitores insatisfeitos com as correspondentes atuações dos primeiros e a limitação e rotação dos detentores do Poder.

Isto tudo porque como ocorre em países muito próximos do Brasil, em não tendo sido limitada a possibilidade de uma reeleição, ou o que simplesmente ocorrerá sua substituição do Podre de um para outro titular deste mesmo Poder institucionalizado, eleitos por uma população cegamente ludibriada ou eleitos pela minoria dirigente... É neste caso que pela falta de igualdade real de oportunidades políticas, a democracia se transforma em um simples oligarquia.

Isto tudo serve para alertarmos a seriedade da situação atual em que certas características fundamentais da democracia cedem à princípios opostos aos seus princípios de que qualquer um do povo pode ocupar diferentes postos políticos nas Instituições do Estado.
Tamanha é a seriedade da situação presente que podemos tomar como exemplo o Brasil e as sucessivas derrotas do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais do nosso país. Acima de tudo o que acontece nos dias de hoje e, apesar do intenso trabalho dos partidos de esquerda brasileiros, está na “boca do povo” que torneiro mecânico não serve para ser o representante máximo do povo no governo da nação.

A democracia clássica, segundo G.Vedel, representa a idéia da liberdade como pressuposto humano irredutível. Hoje em dia, as instituições que representam esta liberdade democrática são:  o sufrágio universal;  o equilíbrio das funções do poder;  o pluralismo partidário; o autogoverno das diferentes comunidades locais; a supremacia da lei.

Afinal , o objetivo maior dos diversos regimes democráticos pluralistas é a garantia da liberdade.

No chamado mundo livre são sempre destacados os problemas econômicos e sociais.  Trabalhistas, social-democratas ou socialistas encaram o problema através da chamada planificação econômica e social. No campo econômico, a busca do aumento e da melhoria da produção são as justificativas do planejamento. No campo político o plano é feito para que o exercício do voto seja  autêntico. Torna-se necessária, inclusive, a substituição dos conceitos de indivíduo para o de cidadão, a aceitação de que todos os cidadãos são – de fato – sujeitos dos mesmos direitos e liberdades, da busca do relacionamento direto do indivíduo com o Estado, sem a presença de intermediários e de que aceite-se, finalmente, a composição do corpo social por indivíduos que, somadas as suas vontades individuais, comporão a vontade de interesse geral – objeto maior de perseguição pelo Estado.

A função de controle, herança positiva do liberalismo, representa a limitação e mesmo o controle dos governantes mediante a atribuição aos governantes da liberdade política e de seu exercício individual ou em grupos sociais e partidos políticos. Esta democracia resultante do pluralismo, entretanto, tende a uma regulação crescente dos indivíduos sem asfixiá-los.

De tudo o que foi exposto até agora, podemos concluir, como alerta exposto pelo autor do livro em estudo, que o mundo ocidental deve buscar como nota comum para a sua própria sobrevivência o estabelecimento definitivo da democracia política social e econômica.   Também é necessário o estabelecimento de uma democracia menos formal e liberal e de uma democracia que respeite os seguintes fundamentos: existe a necessidade de estabelecimento de novas estruturas econômicas e sociais com força política de sustentação;
a conveniência de um Poder Executivo realizador, um Executivo que impulsione o resto do Estado; a busca de um maior crescimento econômico; o estabelecimento dos direitos sociais nas Constituições, medidas asseguradoras de todas as liberdades com força real;
possibilidade da nação controlar seus representantes eleitos, cobrança de responsabilidade dos governos; dificuldades para o exercício político dos conhecidos grupos de pressão.

Fala-se ainda no fortalecimento dos Executivos e na utilização de técnicos de diversas áreas que possam auxiliar os políticos nas tomadas de decisão nas mais diferentes áreas. Sabemos que estamos ainda vivendo um estado embrionário de democracia econômica, social e política que busca alcançar um humanismo integral e uma sociedade de plena participação. Afinal, a democracia governante ou de participação se nos impõe para que não caiamos em um regime totalitário, seja de direita, seja de esquerda.

Da legitimidade de um regime e de sua eficácia depende a sua estabilidade. Eficácia é o rendimento funcional de um regime no cumprimento de suas tarefas governamentais. Badia entende que a necessidade de um executivo independente do legislativo e com um mandado suficiente longo para o real estabelecimento de suas políticas imune aos sobressaltos do jogo político, mas ressalta que deve-se evitar o risco de um Estado tecnocrático.

 A DINÂMICA DEMOCRÁTICA

Como fatores da dinâmica política podemos elencar tanto as forças políticas como as para-políticas em sentido estrito (os agentes sociais da vida política). Ao se tratar de uma verdadeira interação ou troca de fatores sócio-políticos, afirma Badia:

“...é necessário Ter em conta que é decisivo para entede-los saber o que os fatores da dinâmica política, emergentes de uma situação, passam pela depuração das atitudes e comportamentos coletivos traduzindo-se ou não, então,  em forças políticas motrizes do sistema político. Não esquecendo de se dizer, é obvio, que sendo o sistema político uma relação de variáveis em interação, a mudança em uma destas produzirá alterações nos demais fatores que com ela se encontram em situação de interdependência e reciprocidade.”

Na dinâmica democrática, a vida política se desenvolve em um processo de conflitos e discussões que visam o atingimento do consenso. Isto se dá na busca do bem comum ou do interesse geral, que no final significam a mesma coisa. No decorrer deste processo de discussão e da influência do sistema de ideologia predominante surge o regime político. O comportamento das forças políticas e dos grupos de interesse se acham limitados por um complexo institucional. Tudo isto tendo-se em vista que a vida política deve girar sempre em torno da busca do total desenvolvimento da personalidade humana através do desenvolvimento e realização do interesse geral.

Procedendo-se uma análise da dinâmica da vida política chegamos ao conhecimento da própria noção do que é vida política. Cada vida política desdobrada em uma diferente sociedade caracterizará um regime político diferente. Para destacar os fatores marcantes da vida política, utilizaremos as palavras de J.Ellul na sua obra “L’évolution des techniques et la politique interieure des Etats” que são as que seguem: as expressões do Poder político, ou seja,  as suas Constituições; as relações do Poder político com a sociedade; a capacidade de experimentar formas, diferentes e novas, de Poder político; participação ou não dos cidadãos na vida política.

Em várias Constituições do mundo ocidental o que está escrito não cumpre a sua função de gerar elementos de realidade. Entretanto sempre poderemos alcançar alguma forma de participação política. Do ponto de vista dos graus e modalidades da participação política, os sistemas políticos se resumem ao democrático-pluralista e ao totalitário. O sistema totalitário se divide em social-comunista e autoritário-paternalista.

Implícito na idéia de participação política, o conceito de cidadão traz oposição à idéia de súdito como uma pessoa que não participa da gestão dos interesses públicos. O cidadão é aquele que participa ativamente na formação das grandes decisões políticas. Resumindo o dito acima, cidadão ou cidadania quer dizer a  pessoa e o dom de participação positiva do homem e da mulher na vida social.

As formas de participação política variam com os sistemas. Em função da ideologia política predominante, são os sistemas políticos democrático-pluralistas ou totalitários.

Neste ponto do desenvolvimento temático, cabe-nos aprofundar o exame da participação do cidadão no sistema democrático-liberal.  Considerada direito do cidadão, a participação política é livre. Não deve a mesma se restringir ao sufrágio,  ao ato de votar, mas, pelo contrário, deve ser estendido a todos os outros atos e meios dos cidadãos participarem da vida política  do país em questão. Nos países em que prevalece o sistema totalitário, a participação é obrigatória para todos os membros componentes daquelas comunidades, sob pena de sofrerem duras sanções. Em tais sistemas está sempre presente um partido único com estrutura igual à do próprio Estado. 

As características deste são basicamente: ser contrário a todos os outros partidos ou correntes internas e se apresentar como um bloco monolítico com uma só vontade, de uma só organização e um só programa ideológico; restrição de liberdade de opinião e subordinação como unidade de ação, o partido totalitário não admite e nem tolera em seu interior a existência de minorias discrepantes de sua vontade única; eleições controladas, tanto administrativas como políticas; condenação à clandestinidade das correntes internas dissonantes do próprio partido.

Falando-se no que se entende por ser cidadão, nos dias de hoje, constata-se que é a participação em diferentes grupos como família, escola, associações diversas ou partidos políticos. O homem está situado em uma grande e distinta quantidade de grupos sociais e políticos. Participar politicamente pode ser o ato do cidadão de votar, de entrar em contato direto com a estrutura do poder, participar de um partido político, em eleições, referendos, revoluções e outras mais. Atividades que se politizarão não em primeira mão serão as de participação em greves trabalhistas de alcance político, a leitura de jornais de conteúdo político e outras mais.

A participação política será individual ou em grupos. Indivíduos, partidos políticos e grupos de pressão são os melhores exemplos a serem citados neste momento. A cada dia que se passa, vê-se diminuir a participação direta dos indivíduos na vida política. Sem preocuparmos diretamente com as causas do fenômeno, devemos destacar a diminuição do interesse dos cidadãos em participarem da vida política.

Neste momento do texto, revela-se a descoberta d diferentes níveis de participação do cidadão na vida política.  D.Rokkan no livro “La participation des citoyens” assinala cinco níveis de participação política, sendo que cada um deles apresentará um grau maior ou menor. 

São eles: participação direta na elaboração das decisões, isto é, nas decisões dos titulares nos postos que se provêm oficialmente; participação na competição eleitoral; participação coletiva organizada; participação indireta nas competições e lutas políticas; pelo voto.

Na participação eleitoral dos cidadãos, diversos fatores de influência podem ser destacados. Dentre eles, destacamos três, quais sejam os individuais, os geográficos e os sociais. Como fatores individuais destacamos a composição por idade e sexo, a idade e a atitude política e a raça. Dentro dos fatores geográficos podemos apontar, como o faz o autor Juan Ferrando Badia, as comunicações e o tipo de comunidade, urbano ou rural. Como fatores sociais podemos destacar a possibilidade das decisões do governo afetarem os interesses de cada grupo, as probabilidades de informação de que cada grupo social pode dispor (p.ex. médicos e juristas), as pressões do ambiente, as religiões, as pressões contraditórias sobre cada indivíduo e, por último, todo o efeito negativo da despolitização.

Os eleitores podem ainda ser destacados pelos diferentes tipos como se apresentam, ou seja, existem, basicamente, três tipos diferentes de eleitores. 

São eles: os que são mais definidos, os que pensam ao votar e têm um candidato específico ou concreto – estes são minoria; os indecisos que não sabem em quem votarão e; os abstencionistas puros, ou seja, aqueles que se recusam terminantemente em votar.

Podemos destacar fatores que influenciam positiva ou negativamente na definição dos tipos de eleitores apresentados acima. São eles: atitudes políticas dos representantes; níveis de renda dos diferentes eleitores; cultura política predominante; influência da informação sobre os indecisos; classe social e atitudes políticas; influência da propaganda eleitoral;
influência do fator religioso; e influência da profissão de cada eleitor.

No momento em que são noticiadas, nos dias seguintes às apurações oficiais das últimas eleições gerais ocorridas no Brasil, a grande diversidade das pesquisas eleitorais dos institutos de pesquisa existentes e o que se deu realmente como escolha do eleitor, indaga-se a influência positiva ou negativa, a correição ou a manipulação simples para influenciar o eleitor despreparado pelos mais inescrupulosos políticos que, diferentemente das  pragas que atacam as lavouras eventualmente, estão constantemente a ludibriar os eleitores para manterem-se no Poder político e dele tirarem proveito, a despeito da grande massa de miseráveis pelos mesmos enganada com promessas falsas e compra de votos de maneira espúria.

Feita esta introdução, estudemos um pouco das pesquisas de opinião. Meios de sondar os resultados das eleições cada vez mais utilizado, as pesquisas de opinião não estão  restritas ao campo eleitoral. Inicia-se pela pesquisa e definição de que tipo de pessoas serão entrevistados e prossegue-se na mesma pela distribuição proporcional de eleitores por cada zona ou distrito eleitoral. A cada entrevista procede-se a uma série predeterminada de perguntas.

Neste momento, então, devemos analisar um dos fatores relacionados com o acima exposto, dentro do contexto em análise, que é o da politização de cada um do povo, ou seja a participação política de cada um no contexto político-eleitoral dos diversos países.

Badia inicia o ponto esclarecendo que um a sociedade política é sempre uma sociedade global, ou seja, estruturada e ordenada, a sociedade política exige uma certa estabilidade no convívio dos seus componentes. O próprio processo de politização da sociedade em cada país serve para garantir a sua própria subsistência através da instituição de estruturas orgânicas e legal. Citando P.Duclos em outro ponto de sua  já citada obra “Trois Exposés” , Badia demonstra que politizar uma sociedade é situá-la sob uma relação política, ou seja:
“...alterar mediante uma máquina social apropriada o curso espontâneo das relações sociais com vistas a obter (...) a continuidade de uma certa forma de coesão social.”

Dentro do processo político em análise, outro ponto a ser considerado é o da despolitização, ou seja, a partir do ponto de vista de que o pluralismo social ou político não conseguiu aumentar espontaneamente o nível de participação política. Conhecido como fenômeno do apoliticismo, a despolitização ocorre principalmente nas sociedades industriais e se caracteriza pela diminuição da participação dos cidadãos na vida política e pela apatia sempre maior das massas de população com os assuntos públicos. Ao se questionar a apatia crescente dos cidadãos, devemos levar em conta os questionamentos de quando, por que e como um cidadão participa da vida política de seu país. 

Para responder à primeira questão, Badia ressalta a competência ou a capacidade de cada indivíduo participar da vida política. Fatores como família, instrução e grau de participação política são capazes de exercer influência na participação política de cada cidadão. Também influenciará o tipo de educação recebida ou o “curriculum vitae”  da pessoa. Já no que concerne a variáveis referentes a situação da pessoa na vida, elencamos a sua situação familiar e no trabalho. Variáveis referentes à atividade social da pessoa, destacam-se o número de organizações privadas a que pertence a pessoa e seu grau de participação nas decisões que elas tomem. Finalmente, as variáveis referentes aos compromissos de ordem política são o compromisso ideológico, seu grau, com um certo partido político, o efetivo oficial dos partidos, as probabilidades de uma pessoa ser fiel a um partido, dentre outras. Disto tudo, pergunta-se: por que participar? 

O autor elenca fatores vários a favor e contra que influenciam os cidadãos. São eles: a consideração da participação política como obrigação moral, a possibilidade de obtenção de benefícios materiais, visão da política como meio de compensação sociológica. Já entre os fatores negativos são elencados a má reputação dos políticos e da política como um todo, os riscos que traz de se fazer uma escolha ruim e o sentimento de impotência de que a  sua participação pessoal será de pouca importância, além da baixa auto-estima de pensar que política é só para gente que entende, digamos assim.

O fenômeno da participação considerado em relação às forças políticas, traz à tona o fato de que por ser recente, a proliferação das forças sociais e políticas representa o aumento dos meios pelos quais os cidadãos participam da vida política. Fazem elas a ligação necessária para a politização dos fatos sociais. Forças sociais organizadas são  os grupos de interesse, promoção e pressão. Já as forças políticas são os partidos, as uniões, alianças, federações, dentre outros. Na opinião de Pablo Lucas Verdu em seu livro “Sobre el concepto de instituición”, força política é:


“...toda formação social que intenta estabelecer, manter ou transformar a ordem jurídica fundamental relativamente à organização e exercício do poder político segundo uma interpretação ideológica da sociedade”.

Na definição de força política, assim, devem estar presentes o ingrediente, segundo Badia, da ideologia política, da organização e exercício do Poder político e de determinada estrutura social sustentadora da força política.

Outro ponto de primeira importância para a análise por nós desenvolvida é o da oposição no sistema democrático liberal e pluralista. Ligada diretamente ao tema da  participação política, a oposição se encontra como realizadora da função de controle político dos governados sobre os governantes. Historicamente a sua institucionalização só se deu com o advento das democracias liberais. Sendo o pacto social que legitima o poder o mesmo que legitima a oposição. Embora recente a sua institucionalização, já em Roma e mais tarde, na Idade Média, podemos constatar a sua presença. Em Roma nos tribunos da plebe através do direito de intercessio ( uma espécie de veto) ou na Idade Média pela oposição da Igreja aos monarcas feudais. 

Porém, somente no Século XVIII foi possível a concretização de fundamentos ideológicos que a institucionalizaram em uma concepção liberal e democrática de oposição. Tal se deu pela limitação do Poder dos governantes sobre os cidadãos. Destruiu-se a estrutura monolítica do poder da Monarquia absoluta e dividiu-se o mesmo pela criação de diversas instituições titulares de funções distintas e independentes. Através da teoria de Montesquieu da divisão dos três poderes, foi criada uma oposição dentro dos próprios poderes, ou seja, limitado o poder pelo próprio poder e criando-se dentro do próprio Estado diferentes instituições que deteriam parcelas iguais de poder político e pudessem participar com igualdade e independência no processo de decisões políticas. 

A oposição liberal se exerce dentro do Estado, através de uma Assembléia Legislativa que limite e controle o monarca.

No decorrer do Século XIX ocorreu a democratização progressiva dos Estados e a natural conseqüência de transformação do chefe do poder executivo em símbolo de unidade nacional. Além disto, com a crescente utilização do sufrágio (direito de voto a todos os cidadãos), tornou-se necessária a presença de partidos políticos. Primeiramente como partidos de opinião, depois como de massas, os partidos políticos cresceram de importância e se firmaram nos respectivos cenários políticos dos Estados.

A concepção democrática de oposição, diz Badia:

“...se encarna em instituições mais ou menos organizadas pertencentes à comunidade, é dizer, em instituições que a exercem de fora da estrutura governamental, de fora do Estado-sujeito,”

Ponto de essencial importância para a democracia, a presença de um ou mais partidos de oposição pode descaracterizar um regime político distinto. Exemplo disto é o encontrado  nos regimes políticos da democracia liberal que aceita partidos políticos de oposição e nos regimes totalitários marxista e fascista que não concebem a existência dos mesmos em seu seio, em sua estrutura.

A oposição é quem fiscaliza o governo no jogo da política. É quem impede o imobilismo e a corrupção na vida política do Estado.

Para ressaltar  a presença de débeis partidos políticos nos Estados em via de democratização, Badia explica:

“A oposição é o contrapeso necessário, dentro do sistema democrático, da função de governo.”

A oposição deve se referir ao sistema político em nível abstrato ou ao regime e mesmo tão só a política proposta pelos governantes. Cada regime ou sistema políticos que queiram ser democráticos realmente devem conviver com uma oposição que não seja fraca ou domesticada, uma oposição que realmente controle e fiscalize as ações dos governantes. Afinal, em qualquer regime democrático é necessária a existência de uma oposição forte e realmente ativa.

Os regimes não democráticos 
     

Os regimes autocráticos              

Inicia Badia a sua exposição sobre os sistemas não democráticos ao enfocar a falta de trabalhos científicos a respeito. Cita Karl Lowenstein que distingue o sistema autocrático do constitucional-democrático. Explica este último:

“...o critério de distribuição e concentração do exercício” e “no caso de uma concentração do poder político nas mãos de um único detentor do poder o sistema político se qualifica como autocrático.”

Segundo opinião de E.H. Carr, é ainda a:

“ ...crença de que existe um grupo ou instituição organizada, seja a Igreja, o governo ou partido que tem um acesso especial à verdade”

é típica do sistema autocrático. Neste tipo de sistema a realidade constitucional somente se modela pelo que é conforme à ideologia do partido único. O pensamento político da elite governante é o único aceito.

Exemplos ilustrativos de Estados totalitários são a Espanha de Franco e os países que sofreram golpes militares de Estado e :

“...o ordenamento constitucional permaneceu em repouso, uma letra morta e seria a negação mesma do objetivo político original pretendido, qual seja, o de se criar um novo Estado.”

As principais características do sistema autocrático podem ser destacadas como a seguir:
concepção substantiva do poder – o poder é absoluto, é algo que está nas mãos dos governantes e não comporta qualquer limitação. Isto tudo por estar assentado na soberania proletária (Estado marxista) ou no carisma do líder (Estado fascista);

as liberdades na autocracia –o sistema autocrático exclui as eleições e as próprias liberdades. Com liberdades mínimas e inoperantes, os direitos dos cidadãos são aqueles emanados do ordenamento jurídico fundamental do próprio Estado autocrático. Tais direitos não se opõem e nem freiam a ação do Estado. Todos são sujeitos à vontade superior do líder maior. As liberdades individuais são meras concessões políticas.

Ao falar sobre as tipologias do sistema autocrático, Badia novamente discorda de K.Lowenstein para apresentar a sua própria nos seguintes termos:

“A soberania popular ou nacional será a base do sistema democrático liberal e pluralista; a soberania chamada proletária, com sua correspondente delegação vertical de poderes será o fundamento do sistema social-marxista; e por último, quando o poder dos governantes se assenta sobre presumidas qualidades excepcionais ou carismáticas dos mesmos haveremos desembocado no sistema autoritário.”

O sistema social marxista

As transformações sociais da Segunda metade do século XIX como o proletariado industrial e o urbanismo influenciaram decisivamente sobre a sociedade burguesa e o Estado liberal. Utilizando-se da opinião de Jürgen Habermas em seu livro “L’Espace Public” (Payot, Paris, 1978) desenha o autor o seguinte quadro:

“...no curso desta evolução, a sociedade burguesa foi obrigada a renunciar por completo à sua aparente posição de esfera neutralizadora das relações de poder. O modelo liberal, que na verdade correspondia a uma economia de produção limitada, não havia previsto senão as relações de câmbio horizontais entre proprietários individuais. Se a concorrência é livre, como é o procedimento de fixação de preços, nenhum proprietário deveria poder adquirir um tal predomínio que lhe permitisse dominar aos outros. Sem embargo, contrariamente a estas esperanças, o poder social se encontra nas mãos de alguns proprietários ou empresas privadas, sendo então quando se limita a concorrência e não se permite fixar livremente os preços. Assim, na rede de relações verticais entre unidades coletivas, se formam as relações de dependência unilateral ou de pressão recíproca. Os fenômenos de concentração e as crises desmascarando a idéia de câmbio eqüitativo descobrem a estrutura antagônica da sociedade.”

A crise do liberalismo fez surgir o Estado Social. Neste está presente uma nova noção de uma nova estrutura do poder público em sociedades capitalistas altamente industrializadas e de constituição democrática. Os movimentos trabalhistas buscam, então, a instituição de um novo modelo de ordem social. Graves conseqüências advindas deste movimento. Dentro deste contexto, os regimes liberais constitucionais parlamentaristas continuaram empenhando as bandeiras da liberdade e da igualdade. Porém, passada a febre revolucionária, tais liberdades se revelaram apenas formais, garantindo-se, assim, uma rígida separação entre as esferas política de formação da vontade pública e econômica. A crise gerada se caracterizou pela perda de garantia política. Diz o autor:

“...para manter a dominação econômica e, simultaneamente, com a perda de fundamento social para manter a democracia política.”

O autor aponta, neste momento, as soluções que poderiam ser dados a esta crise. Seriam elas: a sociedade burguesa tentaria manter a separação existente entre o poder político e o econômico, através da exigência da manutenção da democracia política e da economia privada.  Através de certo  controle e limitação governamental sobre a economia, busca-se maior justiça social e se desenvolvem, no próprio âmbito do Estado social, medidas caracterizadoras do próprio Estado do bem estar social; estender-se a todas as classes sociais produtoras de riquezas uma tendência que faça aproximarem-se mutuamente o socialismo e a democracia.

Neste intento concebe-se a utilização tanto de um modelo socialista que respeite a propriedade privada mas que interfira no processo econômico diminuindo as diferenças entre as classes quanto um modelo socialista revolucionário que aproprie-se dos meios de produção e retire do poder privado a capacidade de manter-se predominante sobre outras classes sociais.

A base metodológica deste sistema se encontra nos conceitos de materialismo histórico e materialismo dialético. A doutrina desenvolvida por Karl Marx, um dos principais pensadores revolucionários do socialismo apresenta, segundo o autor:“...a notável particularidade de estar constituída por duas disciplinas distintas, unidas uma a outra por razões históricas e teóricas, mas na verdade distintas uma da outra, por quanto têm objetos distintos: o materialismo histórico ou ciência da história e o materialismo dialético, ou filosofia marxista.”

O materialismo histórico  tem por objeto os modelos de produção que surgiram e que surgirão na história, procedendo-se à pesquisa e ao estudo da sua estrutura, constituição e formas de transição que possibilitem a transformação de um em outro modelo de produção. O materialismo histórico não se centra, como disciplina de estudo, nos meios de produção capitalistas, mas se refere a todos os modos de produção. Desta forma, muito se assemelha à manifestação de uma verdadeira teoria geral. Contudo, Marx e Engels acabaram por criar, desta forma, outra disciplina teórica: o materialismo dialético. Para explicar o materialismo dialético utilizaremos a opinião de L.Althusser em sua obra “Materialismo histórico e Materialismo dialético” citada por Badia:

“ O objeto do materialismo dialético está constituído pelo que Engels chama a história do pensamento, a história do trânsito da ignorância ao conhecimento.

Finalmente Althusser   sintetiza da seguinte forma:“...a história da produção dos conhecimentos em tanto que conhecimentos”.

Esta definição abarca e resume todas as outras definições possíveis: a diferença histórica entre ciência e ideologia, a teoria da história da cientificidade e etc...

O materialismo dialético, fator de constante discussão, é considerado tanto como a essência doutrinária do socialismo quanto arma teórica ainda não suficientemente desenvolvida. O primeiro problema a ser mostrado é o concernente à afirmação de que a fundação do materialismo histórico, ou ciência da história implica, necessariamente na fundação do materialismo dialético. Sendo isso constatado pelos efeitos decorrentes do surgimento de uma nova ciência na história do pensamento humano, efeitos modificadores e renovadores da filosofia já existente.

Ao se falar da concepção materialista da história é imprescindível abordar o materialismo histórico e a economia política.

“A economia política ou economia social é a ciência das leis sociais que seguem a produção e a distribuição dos meios materiais que servem para satisfazer as necessidades humanas”
Com  esta definição inicia  o autor o estudo do ponto da  economia política relacionada com o materialismo histórico. A seguir denomina bens econômicos:  “os objetos materiais susceptíveis de satisfazerem as necessidades humanas.”

Quando tais bens requerem uma transformação em sua natureza para serem aproveitados, estaremos tratando de  bens econômicos restritos ou, no seu conhecimento mais comum, produtos.

Bens livres, por usa vez, são aqueles obtidos  na natureza ou os que não requerem transformação substancial para serem aproveitados. Por sua vez, produção e trabalho são a atividade humana que visa a criação de bens a partir de matéria prima e trabalho é o que diz Karl Marx em sua obra “O Capital”:

“O trabalho é, em primeiro termo, um processo entre a natureza e o homem, processo em que este realiza, regula e controla mediante sua própria ação, seu intercâmbio de matérias com a natureza. Neste processo, o homem se enfrenta com um poder natural com a matéria da natureza. Põe em ação as forças naturais que formam a sua materialidade para deste modo assimilar-se, sob uma forma útil para a sua própria vida, as matérias que a natureza lhe presenteia. E a par que deste modo atua sobre a natureza exterior a ele e a transforma, transforma sua própria natureza, desenvolvendo as potências que cochilam no mesmo. O trabalhador não se limita a fazer mudar a forma a qual se lhe brinda a natureza, senão que, ao mesmo tempo, realiza seu fim na mesma, fim que ele sabe que vige como uma lei as modalidades de sua atuação e ao que tem que necessariamente sujeitar a sua vontade.”

Ao tratarmos os meios de produção e os meios de consumo, temos que começar falando que o trabalho, como ato de produção, distingue-se, logicamente, dos diferentes materiais nele utilizados. Os materiais podem ser classificados em bens de produção que só satisfazem às necessidades de forma indireta e em bens de consumo. Os bens de consumo satisfazem as necessidades diretamente. Badia, citando Karl Marx em seu “Trabalho Assalariado e Capital” assim expõe a respeito do caráter social da produção e da distribuição:

“Quando se fala de produção, se trata sempre da produção de um grau determinado do desenvolvimento social da produção de indivíduos que vivem em sociedade.”
E conclui:

“O caráter social da produção se deriva do caráter social do trabalho mediante a cooperação e a divisão do mesmo, o trabalho individual não é senão uma parte do trabalho social, cujo produto está representado pelos bens que, direta ou indiretamente, satisfazem as necessidades humanas na sociedade. A distribuição dos produtos é em parte uma repartição entre indivíduos, ligada ao consumo individual e em parte, pelo contrário, uma distribuição entre grupos organizados de indivíduos ligados ao consumo coletivo. Por processo econômico entendemos uma atividade humana que se repete constantemente; e somente em um processo em uma atividade humana que se repita constantemente, podem manifestar-se leis. A tarefa da economia política se centra, pois, em determinar as regularidades deste processo e em investigar as leis sociais que regem o processo econômico.”

Ao tratar-se das relações sociais e econômicas, há que se distinguí-las pelo fato de que estas últimas são realizadas através de objetos materiais que servem para atender as mais distintas necessidades. As relações econômicas podem ser apresentadas em dois aspectos distintos, ou seja, produção e distribuição. As relações de produção, resultantes do caráter social do trabalho, podem ser apontadas como maneira e meios empregados na atuação humana sobre a natureza no processo produtivo. Já as de distribuição são aquelas relacionadas à produção como uma conseqüência da mesma. Ou seja, segundo Karl Marx aponta em sua “Contribuição à Crítica da Economia Política”:

“Por isso as relações e modos da distribuição aparecem simplesmente como o reverso dos agentes da produção. Um indivíduo que participa na produção sob a forma de trabalho assalariado, participa sob a forma de salário na repartição dos produtos, nos resultados da produção. A estrutura da distribuição se encontra completamente determinada pela estrutura da produção. A distribuição é um produto da produção, e isto é certo, não somente no que concerne ao objeto – posto que unicamente podem ser distribuídos os resultados da produção – senão também no que se refere à forma de distribuição, ao modo preciso de participação na produção que determina as formas particulares da distribuição, é dizer, sob que formas irá participar  o produtor da distribuição.”

As relações de produção dependem das forças produtivas sociais e são articuladas sobre a propriedade dos meios de produção. Propriedade, lembremos. É a possessão dos meios de produção. Historicamente são conhecidos cinco tipos fundamentais de modos de produção.

 São eles:  comunidade primitiva; escravidão; feudalismo; capitalismo; socialismo.

A economia política tem como objeto o estudo dos diversos aspectos do processo econômico cujo desdobramento é revelado pelas leis econômicas. Na obra “Anti-Dühring” quando já do ano de 1878, F.Engels apontava:

“A economia, como ciência das condições e das formas sob as quais produzem e modificam  o produzido as diversas sociedades humanas, e sob as quais portanto, se distribuem os produtos em cada caso concreto – a economia política neste sentido amplo – está ainda por criar-se. Tudo o que até hoje possuímos de crença econômica se reduz quase exclusivamente à gênesis, ao nascimento e desenvolvimento do modelo capitalista de produção.”

A economia política utiliza de um método de pesquisa com três procedimentos que se sucedem no tempo. São eles:  abstração. Separação conceitual dos elementos conceituais do processo econômico, além dos nexos ou relações continuadas que se produzem entre os mesmos; concretização progressiva do resultado obtido. Busca o aprofundamento em questões detalhadas do processo econômico e de suas relações; verificação. Pela mesma é estabelecido o confronto dos resultados obtidos através da concretização progressiva com o desenvolvimento do processo econômico real observado nas condições dadas anteriormente.
Na busca de um conhecimento verdadeiro o cientista deve agir assim: Partindo da experiência até a abstração. E, desde esta, através da concretização progressiva, voltar à primeira. Badia colhe subsídios neste sentido em Lenin:

“O pensamento que se eleva do concreto ao abstrato não se afasta, - sim é correto da verdade – que, ao contrário, dela se aproxima.”

Ainda, Mao-Tse-Tung, esclarece que a busca do conhecimento da realidade obedece o resultado da mediação entre a percepção sensível com o mundo exterior, a elaboração racional a ser concluída pela abstração e concretização progressiva e verificação pela prática. A abstração na economia política consiste em esclarecer o intrincamento ou a compilação das ações humanas suscetíveis de repetição e descobrir as relações econômicas que atuam no caso considerado. Por isto busca-se eliminar mentalmente o acontecido ocasionalmente e ressalta o que é essencial ou necessário.

Estrutura política do sistema socialista

O nascimento da teoria marxista de Estado se deu a partir da publicação da obra entitulada “Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, em 1843. Karl Marx opôs-se radicalmente contra as idéias predominantes na mesma. O seu pensamento era o de que o Estado proposto por Hegel, a satisfação por parte do mesmo das necessidades dos cidadãos, na verdade, a racionalização política do estado traria, sim, o aumento da miséria e da injustiça econômica na sociedade em si. A teoria marxista começa com o estabelecimento de um princípio. Pelo mesmo, diz Badia:
“...todos os objetos fornecidos pelos filósofos, pelos teóricos e pelos práticos da política, tais como a Nação, o Estado, o povo, a Constituição, o direito, etc, são parciais e como tais ininteligíveis. Não é possível explicá-los sem referi-los à infra-estrutura é o conjunto dos modos e sistemas de produção vigentes em dada sociedade. Por isso, é evidente que a ordem estatal, esteja sob a forma da monarquia Kzarista ou prussiana e inclusive da mais ou menos tolerante democracia liberal, só tem por objeto manter e reforçar o modo e as relações de produção capitalistas.”

A base política do Marxismo se centra primeiramente na crítica ao Estado burguês e às relações de exploração nele constantes. Define, neste momento a análise crítica da luta política através do materialismo histórico.

Os princípios da teoria marxista do estado

Certamente Marx e Engels não elaboraram uma teoria geral do Estado. No entanto, podemos encontrar alguns subsídios como os expostos no prefácio de 1859 da edição da obra “Contribuição à Crítica da Economia Política” e da obra “O Capital” expostas a seguir:
“Na produção social de sua existência, os homens mantêm determinadas relações de produção necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto das relações de produção consiste na estrutura econômica da sociedade, na base concreta sobre a qual se articula uma super-estrutura política e jurídica a que correspondem determinadas formas de consciência social.”

Neste momento, acrescenta o autor que no livro “O Capital” está expressado que se há de buscar nas relações imediatas entre o proprietário dos meios de produção e o produtor direto, os fatores ocultos que revelam a forma específica que, em um período determinado, reveste o Estado. Oportuna a lembrança do que F.Engels  diz no livro “L’Origine de la familie...”, exposto abaixo:
“...este poder nascido da sociedade, que se coloca fora dela e cada vez mais se resulta estranho, isto é o Estado.”

O conceito aproximado de Estado presente no Manifesto Comunista de 1848 de que o mesmo seria capaz de manter e desenvolver os interesses comuns dos membros de dita classe e sob quais formas institucionais ou ideológicas se pode resumir a sociedade civil de uma época é também elemento que contribui para o desenvolvimento da presente idéia.

Teoria geral da democracia marxista

Para introduzirmos a matéria utilizaremos, primeiramente a demonstração das fases da democracia marxista:

O Estado como  instrumento de dominação. Teoria da destruição do Estado. Para Karl Marx somente com a destruição do capitalismo o proletariado seria livre, pois, desta forma, seria eliminada a exploração do homem pelo homem. Para o alcance da democracia marxista seriam necessários três momentos de amadurecimento de uma idéia a ser concretizada, que são a ditadura do proletariado, o socialismo e o comunismo. Com o alcance do comunismo, tornar-se-ia desnecessária a própria existência do Estado e seus governantes. Na primeira fase são reconhecidos vários poderes ao Estado para possibilitar a destruição do Estado burguês e a construção do socialismo. Também certas desigualdades sociais permanecem, pois, como é sabido, a divisão de bens se realiza proporcionalmente ao trabalho e às necessidades. Por último, são transferidos ao Estado proletário todos os meios de produção que antes pertenciam à órbita privada. A ditadura do proletariado se constitui de etapa transitória na qual o Estado desaparece paulatinamente. Nela busca-se a destruição da antiga sociedade e a construção  e sedimentação das bases do Estado Socialista Comunista. Para conclui este ponto, junto com Badia, citaremos F. Engels:

“Todo complexo de condições de vida que até agora  dominou os homens sucessivamente será dominado pelos mesmos, que se converterão desta forma, pela primeira vez, em donos da sua própria sociedade; as leis de sua atividade social, que existiam fora deles, como leis estranhas que os vinculavam, serão aplicadas e dominadas pelos próprios homens com pleno conhecimento de causa. A sociedade mesma, que se apresentava aos homens como imposição da natureza e da história mesma, se converterá em sua obra livre e própria; as forças estranhas e objetivas, que até então haviam dominado a história serão controladas pelos homens. Somente a partir deste momento, poderão esperar das causas sociais que porão em prática a maior parte dos efeitos desejados, em uma proporção cada vez maior. E o salto do gênero humano, do reino da necessidade ao reino da liberdade.”

Para os marxistas a consideração do Estado como ordenador do bem comum representa apenas mais um meio de esconder a exploração de uma classe dominante. O Estado, disse Lenin:
“...é uma máquina feita para manter a dominação de uma classe sobre a outra.”
A idéia acima foi exposta por Maurice Duverger  e Vladimir Lenin.

Lenin, por sua vez, já alertava que decidir, uma vez em cada vários anos, qual membro da classe dominante oprimirá o povo no parlamento, representa o fundo verdadeiro do parlamentarismo burguês. De qualquer forma, o Estado constitui-se em um progresso em relação aos antigos Estados autocráticos. Demonstra o autor citando Lenin, que a democracia burguesa é uma etapa na rota que conduz ao Estado Socialista.

A estrutura orgânica e funcional dos estados socialistas - os princípios político-constitucionais da democracia marxista: distribuição do poder e instituições representativas

Seguindo o pensamento teórico da concepção de Estado e seus poderes, o caráter obrigatório de todas as suas leis e as decisões de seus órgãos depende de sua conformidade com o projeto revolucionário, atesta Badia. Para reforçar a idéia, cita ainda o autor o seguinte:

“Esta importante circunstância que posta em relevo pelos autores soviéticos que, como disse Vychinski, mantinham que o essencial em cada caso de criação ou aplicação das normas era o efeito do ato, e não a sua natureza jurídica nem o caminho ou os meios que os originaram.”

Merece destaque, ainda, a construção doutrinária pelos tratadistas ocidentais de que os princípios jurídicos do Estado soviético fazem-no como que pura fatalidade e que o seu direito não contenha nenhum significado em si próprio. Em função da lei  maior do Estado socialista girar em torno de fatores e interesses econômicos, as diferenças que porventura existirem entre constituição, lei ordinária, regulamentos e ordens administrativas tendem se extinguir para serem firmadas as normas gerais de procedimento que articulam e tratam da estrutura política e jurídica do Estado. Aqui constata-se a confusão entre os poderes do Estado soviético, pois, ao invés de separação ou repartição entre os poderes, nota-se uma delegação vertical de poderes.

O Estado e a sociedade política soviéticas não concebem, diz Badia:
“...nem a separação de poderes, nem a legalidade ordinária, nem a distinção sociológica entre o poder formal e o real, nem sequer reconhece a contradição entre o interesse social e o individual por quanto não estabelece distinção entre a gestão econômica e a política do país.”

Princípios político-institucionais das democracias socialistas: tipologia geral dos sistemas democrático-marxistas. aspectos gerais.


Os princípios constitucionais dos atuais regimes marxistas são o contraponto dos liberais. O principal ponto a se levar em consideração é o de que tudo deve servir ao desenvolvimento da sociedade comunista. Outro ponto primordial do socialismo é a superação da alienação. Badia cita  “O Capital” no seguinte:

“A liberdade (...) só pode consistir em que o homem socializado, os produtores associados, regulem racionalmente seu intercâmbio de matérias com a natureza, ou  coloquem sob seu controle comum, ao invés de deixar-se dominar pelo mesmo como um poder cego, e o levem a cabo com o menor gasto possível de forças e nas condições mais adequadas e mais dignas de sua natureza humana. Mas, mesmo assim, sempre seguirá sendo este universo de necessidade. Ao outro lado de suas fronteiras, começa o desdobramento das forças humanas que, sem dúvida, só pode crescer tomando como base aquele reino da necessidade.”

Note-se, devemos salientar, que a concepção originária do pregado por K.Marx não se apresentava autoritária só vindo a sê-lo como resultado da influência de Vladimir Lenin. Lembremos que o que o regime socialista pregava era um humanismo total, no qual se alça realizar o desaparecimento dos conflitos entre as classes e a transferência da propriedade dos meios de produção para os respectivos Estados.

Falando-se na democracia socialista soviética, devemos iniciar por rememorar que em 1917 originaram-se historicamente os regimes socialistas. Lenin transformou o pensamento de Karl Marx e fez prevalecer a prévia destruição da democracia burguesa para o nascimento da sociedade sem classes. A democracia socialista soviética se baseava no princípio da centralização e do monopólio do poder pelo Estado, ou, seja, pelo partido. Na verdade, porém, a dominação antes exercida pelos capitalistas passou a ser exercida pelos dirigentes do partido. A democracia soviética marxista, não representou a soberania proletária e de governo do proletariado. Apresentou, isto sim, uma democracia dirigida para uma nova classe e um regime de controle sobre o proletariado por parte do partido político.

Outro ponto a ser destacado é o relativo às democracias populares. As democracias populares podem ser consideradas como democracias marxistas mais suaves, como as democracias marxistas que permitem ao mesmo tempo, por exemplo, a coletivização  dos meios de produção e alguns tipos de sociedade privada. Há um partido comunista, mas são aceitos, também, outros partidos políticos.

Também cabe citar a democracia de autogestão social. Inspirado em Marx e Lenin, o socialismo iugoslavo era  diferente do soviético nos aspectos de relações entre os Estados socialistas da burocracia relacionada com o próprio socialismo. A Constituição iugoslava de 1974 buscava o desenvolvimento da democracia d base e da autonomia local através da autogestão social e desaparecimento do Estado.

Algumas conclusões sobre os princípios fundamentais do sistema sócio-político socialista foram apresentadas pelo autor com base em Maurice Duverger em suas “Instituitions politiques” que comentando a parte introdutória da constituição iugoslava  de 1963 e de pontos distintos das constituições da União Soviética, Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia e Tcheckoslováquia, como a seguir:

“Os princípios fundamentais do sistema sócio-político socialista são uma conseqüência de tudo o que foi dito até aqui. Quer dizer que os sistemas sócio-econômicos e sócio-políticos formam uma unidade compacta. A ponte de transição do sistema sócio-econômico ao sócio-político forma os direitos sócio-políticos, advindo-se do princípio de autogestão social que todo produtor leva consigo como um direito inviolável. Desta maneira, o cidadão socialista é um produtor-cidadão.”

Os princípios fundamentais do sistema político socialista são os sobre o princípio que Duverger chamaria soberania proletária: “A noção de povo se confunde com a de classe social mais numerosa, que é também a seguintes:

- o povo trabalhador será  - ao menos teoricamente – o único titular do poder     político e da gestão dos assuntos sociais. A democracia socialista repousa classe explorada, o proletariado”. O princípio da soberania proletária resulta explicitado de uma maneira cabal no princípio da autogestão social, expressão nova da realização ativa e direta da soberania do povo trabalhador;

o produtor-cidadão exerce teoricamente ao menos – de fato é o partido comunista o que domina a situação – o poder político e gere os assuntos sociais, bem diretamente, bem através dos seus delegados eleitos para formar os corpos representativos das comunidades sócio-políticas e dos demais órgãos de autogestão. Estamos na presença de um dos princípios básicos de toda democracia socialista que queira merecer tal qualificação: a unidade de poder frente ao princípio clássico da separação de poderes, base das democracias liberais. 

Em todas as democracias de tipo socialista, a teoria da separação de poderes é substituída pela teoria da delegação vertical de poderes. Todo poder emana da soberania proletária. Este poder popular único elege e revoga os seus representantes legislativos. Os  corpos representativos elegem e revogam os órgãos políticos executivos que não são outra coisa que uma simples delegação dos corpos representativos, seja qual for  a comunidade sócio-política em questão: município, distrito, províncias autônomas, repúblicas e federação. Disto deriva o terceiro princípio;

o órgão essencial de toda democracia do tipo socialista é a assembléia; a democracia socialista – propriamente dita – se separa notavelmente de quaisquer outros tipos de democracia soviética ou simpatizante à mesma, como facilmente se pode constatar de uma simples comparação dos princípios e instituições do regime político de autogestão social: a democracia socialista, com os correspondentes dos outros regimes análogos.

sistemas  autocráticos : o sistema autoritário

As monocracias clássicas e contemporâneas. fundamentos e características.

o fundamento do governo monocrático

Concentração de poder. Este é o ponto chave que exprime as formas políticas monocráticas. O governo das instituições cede lugar ao governo do homem. Autocracia representa o governo de uma só pessoa que não é responsável por sua atividade. O governante faz o que quer. Há unidade e unicidade do poder nas mãos do titular do próprio, do seu titular (monarca, ditador, partido, etc.).

O líder detém o poder de Ter as suas decisões consideradas como definitivas. Além de possuir o monopólio do poder, também possui o monopólio da legitimidade de fato ou da ideologia política.

Os princípios a serem destacados são os seguintes:

personalidade – o titular do poder político decidirá sozinho, prescindindo de qualquer debate. O autoritarismo é a modalidade por excelência da autocracia e realiza a concentração total do poder nas mãos de um só indivíduo;

autoridade – autoridade não institucionalizada nem legitimada, mas como princípio de distanciamento e supra-ordenação hierárquica;

ortodoxia – a decisão do chefe ou do partido não é uma opinião. É um dogma. Instaura uma ortodoxia. A sua doutrina cria uma escolástica;

exclusividade – a intolerância ideológica supõe a abrogação do princípio da liberdade. Sacrificam-se todas as diferenças para o estabelecimento de uma pseudo-comunidade através do dirigente carismático e do partido único. Ponto a ser destacado é o pessimismo expressado pela filosofia da decepção, do descrédito da liberdade.

Tipologia do sistema autoritário

Segundo a opinião de Karl Lowenstein na obra “Direito Constitucional e Instituições Políticas”, as modernas formas de regimes antidemocráticos são o sistema social-marxista ou socialista, e o sistema autoritário. G.Burdeau classifica, por sua vez, as modernas formas autoritárias como cesarísmos empíricos – baseado no poder de um só chefe enérgico que sabe se fazer obedecido, como ocorreu com freqüência na América Latina – e por ditaduras ideológicas – que são formas “mais refinadas de autoritarismo, onde o poder não se contenta com possuir a força que o instaure, senão que a dota de uma ideologia política antidemocrática que a legitima”.

  o fascismo: seus princípios

Os sistemas autocrático pressupõem uma inferioridade das massas em relação às elites políticas. O chefe carismático é quem representa esta superioridade e a soma de virtudes que só um homem excepcional pode ter  e que por isso deve estar emanado de todo o poder necessário para dirigir o Estado.  O fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha são movimentos de massa. Segundo Bladen Ogle, os princípios do fascismo são quatro, a saber:
“Os mitos, a liderança venerada e glorificada em uma só pessoa, a desigualdade entre os homens predestinados  ou não e a fé ou a paixão como método de ação política.”
os fascismos contemporâneos        

Os dois mais marcantes fascismos contemporâneos foram o italiano (1922 – 1943) e o nacional socialista alemão (1933 – 1945). A palavra fascismo refere-se especificamente ao regime político que vigorou nos países acima pelos períodos em parêntese.
Badia cita Duverger e explica:

“As feições características do fascismo se resumem em umas idéias e umas feições institucionais típicas...”

São elas o caráter irracional, a desigualdade natural dos homens, a base comunitária ou totalitária e a exaltação da violência. Além destas encontramos o absolutismo do chefe, o partido único e o sistema plebiscitário. Como doutrina irracional que era, o fascismo combatia a elevação de importância da razão através da afirmação do sangue, da raça, da família, da tradição e de todas essas forças obscuras e naturais. Segundo Duverger:

“Ao cidadão abstrato, ao homo políticus dos democratas, o fascismo pretende opor o homem real, localizado, histórico, situado: o homem concreto. Insiste no peso fundamental das tradições e do passado.”

Para o fascismo, utilizando teorias de Pareto e Nietzche, existe uma desigualdade natural entre os homens, através da qual, há pessoas destinadas a mandar e há outras destinadas a obedecer. Aqui o poder não pertence ao povo, mas à elite naturalmente destinada a exercê-lo.  

Também entre os povos existem raças superiores, destinadas a mandar e raças inferiores, destinadas a obedecer. O fascismo também é comunitário ou totalitário, ou seja, os indivíduos são apenas partes integrantes de um grupo maior. É no grupo que residia importância. São eliminadas todas as liberdades políticas e todos os direitos individuais.
Violento, agressivo e revolucionário, o fascismo exalta a guerra, considerando-a meio normal de ação política. Todo o poder será concentrado nas mãos do ditador, do providencial chefe de todo o aparato do Estado. Nas instituições políticas, o fascismo é regime de partido único, o partido do Estado. Sua doutrina é um dogma e só ela pode existir. O fascismo é ainda um regime plebiscitário. Na Itália, de forma indireta, através de eleições de candidatos únicos e, na Alemanha, de forma direta, mas, apenas como cerimônia significando a unanimidade nacional em torno de uma só pessoa. 

princípios do fascismo italiano

O fascismo italiano se apresentava como anti-liberal e anti-marxista, além de afirmar o valor absoluto do Estado e da Nação.

 meios do fascismo italiano

Partido único, sindicato e educação estatais eram os principais meios do fascismo italiano.

caracteres essenciais do fascismo italiano

O Estado fascista italiano estava baseado no ordenamento sindical-corporativo  do mesmo. As diferentes categorias sociais podiam se organizar em associações profissionais ou sindicatos para a defesa de seu interesses econômicos, instrução profissional, etc. Também caracterizado totalitário, o Estado fascista possuía partido político único e controlava todas as manifestações da vida nacional. Suprimia-se, assim, as liberdades políticas do cidadão e, em um segundo momento, suprimia-se também as liberdades do cidadão. Além da liberdade de expressão do pensamento através da imprensa. O Estado fascista era o supremo autor de toda a vida nacional, material e espiritual do próprio povo. Nada escapava do controle e direção do próprio Chefe do Estado. Já dizia Mussolini:

“O Estado que absorve em si, para transformá-la e potencializá-la, toda a energia, todos os interesses, toda a esperança de um povo.”

o nacional-socialismo alemão – VOLKEGEMEINSCHAFT

Ao significado desta palavra alemã acima escrita e ao que ela representava estava subordinada toda a coletividade daquele país. O seu guia e intérprete infalível era o Führer. Comunidade racional, biológica. Era o predomínio e “superioridade” da raça ariana. No nazismo os direitos dos indivíduos não existem. O que existe é somente o reconhecimento da pessoa como membro da coletividade racial. Ponto a ser destacado é o de que as liberdades dos indivíduos componentes do mesmo grupo são meras concessões políticas.
A ditadura de Hitler atravessa três fases distintas, segundo Prelot, em sua obra ”Instituitions Politiques” citado por Badia. São elas:

1933 – A ascensão de Hitler ao poder, constitucionalmente;

Até 1934 – A estruturação do regime em uma ditadura constituída;

O regime ditatorial até 1945.

Na Alemanha a prática do racismo e do anti-semitismo foi capaz de separá-la do fascismo italiano. A doutrina nazista estava arraigada nas teorias racistas de Chamberlain que, no século passado, já pregava a superioridade das raças ariana e alemã ou teutônicas. Entendia-se que a raça alemã era superior a todas as outras.

O Volk é conceito básico que fundamentava o nacional-socialismo alemão. Ele expressa um conjunto de elementos reais do povo alemão. O Volk é a comunidade ética e racial de todo o povo alemão. Escreve Badia:

“Não é exterior nem estranho à pessoa, senão, pelo contrario, está formado por um grupo de pessoas e comunidades hierarquizados. O homem, neste sistema, não está plasmado por um Estado tirânico, senão que continua existindo, se bem que não pode ser considerado como indivíduo, senão como membro da comunidade.”

“O homem é totalmente absorvido pelo Volks, é uma peça do mesmo. A pessoa como indivíduo não é nada.”

Hitler sonhava alcançar a supremacia dos super-homens da raça ariana sobre os infra ou sub-homens, principalmente pela eliminação dos judeus, dos eslavos e dos marxistas. Falas de Hitler confirmam este espírito:

“Quando as pessoas nos taxam de intolerantes, nós o admitimos com orgulho. Sim, tomamos a inexorável decisão de extirpar o marxismo da Alemanha, totalmente, até a sua última raiz.

Dusseldorf, 27 de janeiro de 1932”

O povo eslavo deveria servir aos alemães nos trabalhos braçais, enquanto que os intelectuais da mesma raça que não se acostumassem a esta nova condição seriam simplesmente eliminados. A nação alemã é substituída pela idéia da comunidade racial (Volksgemeinschaft), elemento fundamental do nazismo.

O Estado alemão deveria ser um simples instrumento a serviço do Volk. O Estado é apenas uma máquina administrativa a serviço do interesse geral expresso na vontade do Führer.
A fonte do direito alemão se encontrava na raça. Não aceita a concepção kelseniana (judia) do Direito como um sistema hierarquizado de normas , mas apenas como um conjunto de regras e situações jurídicas úteis à comunidade da raça germânica.

Considerada a desigualdade como fundamento do nazismo, o indivíduo que mais se identificasse com o espírito do Volk devia ser o seu chefe nato. A essência deste princípio era de que deveria ocorrer a consagração da personalidade racial de uma nação e também a consagração da personalidade mais forte existente dentro da minoria racial. Na pessoa do Führer estão concentrados o poder e o direito. O Führer é a personificação doVolkgeist, a personificação das virtudes da raça alemã. Nas palavras de Göering, sobre o nazismo:
“...o homem providencial no qual a alma alemã       se reconhece a si mesma e que dá forma ao direito segundo a idéia do direito que vive nele.” 

Última característica a ser ressaltada é a de que também o nazismo possuía partido único, estatização da economia, educação e propaganda, além do objetivo de depuração da raça.

Observações finais

Dizem os sábios que o mundo dá voltas. A explicação para tal é a de que os fatos de hoje refletem diretamente no que vai acontecer em breve. A existência de regimes considerados “fortes”, independentemente do ideal político escolhido, foi uma dura realidade do passado século XX que pode repetir-se no milênio que se inicia.

Os regimes fortes do século passado estavam envolvidos diretamente com as raízes da revolução soviética e da reação do mundo capitalista. À medida que a revolução bolchevique mudou os rumos da Rússia e demais repúblicas soviéticas, os demais países do ocidente como um todo viveram regimes que teoricamente se opunham ao ideal socialista-comunista.
O que podemos e devemos temer é o surgimento de “ditaduras” econômicas sob o manto de democráticas que visem, sobretudo, à dominação dos países mais fracos e pobres que possuem as reservas naturais de florestas, petróleo e água, bens ainda tão necessários ao futuro do planeta terra.