"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 30 de julho de 2013

O Estado e a sociedade

O primeiro governo Lula representou uma experiência inédita de inovação no recrutamento nas bases partidárias, sindicais e locais. Nas áreas de gênero e etnia (afrodescendentes) também iniciou um padrão de crescente participação, todavia, em patamares ainda irrisórios.

O trabalho “Elites burocráticas, dirigentes públicos e política no Poder Executivo do Brasil, 1995-2012″, da cientista política Maria Celina Soares D’Araujo, da PUC-Rio, compara o perfil dos altos dirigentes públicos no Brasil de 1995 a 2012, abrangendo os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula da Silva e os dois primeiros anos de Dilma Rousseff, num total de 18 anos de gestão pública federal, e chega à conclusão de que o primeiro governo Lula “foi um caso atípico na densidade da interface entre sociedade e Estado”.

Na coluna de ontem, vimos como o governo Lula destaca-se na utilização de petistas e sindicalistas no primeiro nível de assessoria, os DAS 5 e 6 e os cargos de Natureza Especial. Outra marca forte dos governos do PT observada nesta pesquisa é a presença de dirigentes públicos recrutados nos estados e municípios, em especial no primeiro governo Lula.

O trabalho analisa os vínculos do grupo de dirigentes com outras organizações e associações da sociedade civil, procurando detectar quantos desses dirigentes tiveram algum engajamento cívico ou associativo antes de assumir o cargo. Ele leva em conta movimentos sociais, experiências em gestão local e em conselhos vinculados a políticas públicas, bem como filiação a associações profissionais.

O engajamento associativo dos dirigentes públicos por governo mostra que os de Lula foram os que mais utilizaram experiências em movimentos sociais (46,5% no primeiro, 45,1% no segundo), enquanto nos de Fernando Henrique apenas 24% dos assessores tinham essa experiência, e 36% no governo Dilma.

O trabalho destaca “um estável percentual de cerca de 20% dos ocupantes de cargos de DAS níveis 5 e 6 que procedem do próprio órgão do serviço público federal em que passaram a atuar em cargo de confiança”. Juntando-se aos servidores de outros órgãos ou esferas “vemos que a grande maioria foi recrutada no serviço público desmontando, pelo menos parcialmente, a tese de que esse seria um espaço privilegiado para a nomeação aleatória de protegidos políticos”.

Os não servidores em cargos de DAS cresceram percentualmente nos governos do PT, mas nunca chegaram a ocupar um terço desses indicados. Maria Celina D”Araujo ressalta, porém, que “não se pode desconsiderar que entre esses servidores de carreira há pessoas altamente partidarizadas ou politicamente engajadas, especialmente no caso do PT, partido com forte atração entre os funcionários públicos em geral”.

Ainda sobre engajamento político deste grupo, foi examinado o envolvimento dos dirigentes públicos filiados a partidos em cargos de direção nas organizações partidárias a que pertenciam. No governo Fernando Henrique, o percentual era de 7,5%, subindo para 10,7% e 12,3% nos consecutivos governos Lula, baixando para 9,6% no governo Dilma.

Ou seja, conclui Maria Celina, em todos os casos, a julgar pela exiguidade dos cargos de direção em cada partido frente ao número de filiados, esse percentual é expressivo levando a supor que acesso a cargos de direção partidária, independente do partido, é um atalho eficaz para a administração pública. Provavelmente o inverso também é verdadeiro.

Dada a alta inserção do PT em governos locais tornou-se imprescindível localizar em que nível da federação foram recrutados os dirigentes que eram funcionários públicos, diz ela. Os dados parecem coerentes com a lógica partidária e com o perfil de cada presidente. Lula da Silva em seu primeiro mandato foi o que mais recrutou dirigentes nos municípios e nos estados, num total 27,5%.

Dilma voltou a aumentar o recrutamento nos municípios (5,4%), mas diminuiu a participação dos estados e aumentou a do nível federal. A presença de funcionários municipais nesses cargos era praticamente nula no governo Fernando Henrique o que atesta a tese de um maior compromisso dos governos do PT com o aproveitamento de suas bases locais, em alguns casos, considerados espaços de excelência.

Merval Pereira

Responsabilidade civil do Estado

A responsabilidade é inerente ao Estado de Direito. É também consequência necessária, devido à crescente presença do Estado nas relações sociais, interferindo cada vez mais nas relações individuais.

1. Aspectos gerais

Preliminarmente, responsabilidade civil é aquela que se traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização.

Atualmente é pacífico o entendimento, nos mais diversos ordenamentos jurídicos do mundo, de que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus agentes, tendo, consequentemente, o dever de ressarcir às vítimas, eventuais danos causados.

A responsabilidade é inerente ao Estado de Direito. É também consequência necessária, devido à crescente presença do Estado nas relações sociais, interferindo cada vez mais nas relações individuais.

Esse dever de responder caracteriza a “responsabilidade extracontratual” que não decorre de um contrato anterior, mas de uma obrigação imposta ao Estado de reparar eventuais danos causados por atos praticados por seus agentes, no exercício de suas atribuições.

Esse é, inclusive, o conceito utilizado por Celso Antônio Bandeira de Mello.

É importante entender que a atuação estatal é imposta aos administrados, que não tem como recusar a presença do Estado. O Estado age de forma imperativa, independente da vontade do indivíduo.

Por isso surge um tratamento especial para o administrado, e para o Estado um maior rigor quanto à responsabilização dos seus atos.

A responsabilidade civil do Estado tem princípios próprios e compatíveis com a sua posição jurídica, por isso é mais extensa que a aplicável às pessoas privadas.

Segue as mesmas linhas da responsabilidade civil privada, mas com algumas regras específicas que visam dar mais proteção aos administrados, considerando que a presença do Estado acontece quase todo dia, e a intensidade dos danos suscetíveis de serem causados aos administrados é bem maior.

A ordem jurídica nacional é una, sujeita a todos, inclusive o Estado. Trata-se da aplicação do princípio da isonomia.

Ainda dentro do contexto da isonomia, o Estado também é obrigado a indenizar um determinado administrado que sofre um prejuízo em razão de uma ação que trará benefícios para toda a sociedade.

O princípio da isonomia também serve como fundamento para a responsabilidade civil do Estado. Lembrando que a legalidade para o administrador é fazer tudo aquilo que a lei autoriza. Logo, se praticar algum ato fora dos padrões estabelecidos na lei, o Estado terá de arcar com eventuais danos causados.

Hely Lopes Meirelles prefere a designação “responsabilidade civil da Administração Pública”, já que em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração e não de atos do Estado como entidade política.

Esse, porém, não é o melhor entendimento, já que Administração é a máquina estatal e não a pessoa jurídica dotada de personalidade.

2. Evolução teórica

O tema passou por longo período de evolução, e ainda hoje recebe elementos de adaptação ao desenvolvimento social.

2.1. Teoria da irresponsabilidade do Estado

Num primeiro momento da história, aplica-se a teoria da irresponsabilidade do Estado, onde o governante era quem dizia o que era certo ou errado. Agia, segundo a máxima americana “the king do noto wrong” (o rei não erra nunca).

Ocorre que as sociedades evoluíram, e passaram a não mais aceitar esse modelo de Estado. A teoria da responsabilização do Estado começa a ganhar força. O Estado passa a ser responsabilizado em situações pontuais. No Brasil esse reconhecimento ocorre com o surgimento do Tribunal de Conflitos, em 1.873.

2.2. Teoria da responsabilidade subjetiva do Estado

Como o próprio nome diz, fundamenta-se no elemento subjetivo, na intenção do agente representante do Estado, e causador do dano.

Para o Estado ser chamado à responsabilidade era necessária a comprovação de quatro elementos: a conduta estatal; o dano; o nexo causal entre a conduta e o dano; e o elemento subjetivo, a culpa ou o dolo do agente.

A existência cumulativa dos quatro elementos era indispensável para não causar exclusão da responsabilidade.

Note que nesse momento a responsabilidade baseava-se na comprovação da culpa ou dolo do agente, o que para a vítima era um desafio enorme.

Com isso a responsabilidade evolui, mas continua dentro do campo da subjetividade. Passa de subjetiva na culpa do agente para subjetiva na culpa do serviço. Nesse momento a vítima não precisa apontar o agente, basta demonstrar que o serviço não foi prestado; ou não foi prestado quando deveria; ou, ainda, foi prestado de forma ineficiente (mal feito).

É o que Hely Lopes Meirelles chama de “Teoria da Culpa Administrativa”.

Muito embora essa evolução tenha facilitado o conjunto probatório, ainda era muito difícil demonstrar que o serviço havia sido prestado abaixo dos padrões.

Com isso a responsabilidade evolui mais uma vez, e a culpa passa a ser presumida em hipóteses que a vítima ficava desobrigada do ônus da prova.

Mas vale ressaltar que nem todo funcionamento defeituoso do serviço acarretava essa responsabilidade. Era necessário analisar o caso concreto e observar a diligência média que se poderia exigir do serviço.

É o que Hely Lopes Meirelles classifica como “Teoria do Risco Administrativo”.

Hely nos ensina, ainda, a “Teoria do Risco Integral”, que é uma modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa doutrina a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Essa teoria jamais foi aceita entre nós, embora haja quem sustente sua admissibilidade no texto das constituições anteriores (Mário Massagão, Curso do Direito Administrativo, 1960, p. 339; Otávio de Barros, Responsabilidade Pública, 1956, p. 103).

Com o passar do tempo a atuação estatal se torna cada vez mais incisiva. Surge com isso a necessidade de aumentar a proteção em relação aos administrados, e para isso a responsabilidade evolui novamente.

2.3. Teoria da responsabilidade objetiva do Estado

Embora já reconhecida como regra no Brasil, tornou-se constitucional com a Constituição Federal de 1.946, sendo adotada até hoje.

A Constituição de 1.988 aperfeiçoou essa teoria utilizando a expressão “agente”. Mais ampla ao se referir àqueles que atuam em nome do Estado. E também reconhecendo a responsabilidade civil decorrente tanto do dano material quanto do dano moral, reconhecendo este último como figura autônoma.

Nessa teoria, a caracterização se condiciona ao preenchimento de três requisitos: conduta estatal, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Note que não se exige a comprovação do elemento subjetivo do agente que age em nome do Estado. Não há se falar em culpa ou dolo no dano causado.

É importante ressaltar que na responsabilidade objetiva a obrigação de indenizar surge em razão de um procedimento lícito ou ilícito, que produza lesão na esfera juridicamente protegida de outrem.

Destaca-se, também, a hipótese de exclusão da responsabilidade objetiva, quando ausente um dos três requisitos.

Hoje, no Brasil, a responsabilidade civil do Estado está prevista no art. 37, §6º, da Constituição Federal.

A responsabilidade objetiva é a regra no país, acatada como padrão a teoria do risco administrativo.

Entretanto, doutrina e jurisprudência admitem a possibilidade de compatibilizá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos de danos decorrentes de atos omissivos, seguindo, nesse caso, a teoria da culpa do serviço.

Subsistem atualmente, portanto, de forma harmônica, as duas teorias, apesar de preferencialmente se reconhecer a teoria objetiva.

2.4. Outras teorias

a) Teorias civilistas (Maria Sylvia Zanella Di Pietro)

Teoria que teria sucedido a da irresponsabilidade do Estado (meados do século XIX).

Tinha sua base no Direito Civil.

Distinguia os atos do Estado em atos de império e atos de gestão. Os primeiros seriam praticados com todas as prerrogativas e privilégios, sendo regidos por um direito especial.

Os segundos, praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares.

Essa teoria foi alvo de grande oposição, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado; quer pela dificuldade de enquadrar-se o ato como sendo de império ou de gestão.

b) Teorias publicistas (Maria Sylvia Zanella Di Pietro):

Que se subdividem em “Teoria da Culpa do Serviço (ou da Culpa Administrativa) e Teoria do Risco (que Hely Lopes Meirelles desdobra em Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral)”.

3. Responsabilidade por ação e por omissão.

O Estado pode causar danos aos particulares por ação ou por omissão. Quando o fato administrativo é comissivo, podem os danos ser gerados por conduta culposa ou não. Nesse caso a responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos: o fato administrativo, o dano e o nexo causal.

Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui ou não fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos”.

O entendimento mais correto, portanto, é de que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só ocorrerá quando presentes os elementos que caracterizam a culpa.

*Artigos 927, parágrafo único, CC; art. 43, CC; art. 37, §6º, CF – esses dispositivos aplicam-se apenas às condutas comissivas.

4. Responsabilidade do Estado por atos do Poder Legislativo.

Em relação aos atos legislativos a regra é da irresponsabilidade, sob os seguintes argumentos:

1º. O poder legislativo atua no exercício da soberania, podendo alterar, revogar, criar ou extinguir situações, sem qualquer limitação que não decorra da Constituição Federal.

2º. O poder legislativo edita normas gerais e abstratas dirigidas a toda a coletividade; o ônus delas decorrentes é igual para todas as pessoas que se encontram na mesma situação, não quebrando o princípio da igualdade de todos perante os ônus e encargos sociais.

3º. Os cidadãos não podem responsabilizar o Estado por atos de parlamentares por eles mesmo eleitos.

Críticas:

- Mesmo exercendo parcela da soberania, o Poder Legislativo tem que se submeter à Constituição, de modo que acarreta responsabilidade do Estado quando edita leis inconstitucionais.

- Nem sempre a lei produz efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas, mesmo que se trate de normas constitucionais.

- A eleição de parlamentar implica delegação para fazer leis constitucionais.

5. Responsabilidade do Estado por atos do Poder Judiciário.

Em relação aos atos praticados pelo Poder Judiciário, também há divergência doutrinária.

Há quem defenda que o Poder Judiciário é soberano. Que os juízes têm de agir com independência no exercício das suas funções. Sem temor de que suas decisões possam ensejar a responsabilidade do Estado.

Para essa corrente da doutrina os magistrados não são funcionários públicos e, portanto, a indenização por dano decorrente de decisão judicial infringiria a regra da imutabilidade da coisa julgada, porque implicaria no reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei.

Críticas:

- A soberania é do Estado, não dos poderes.

- A ideia de independência não é aceita, já que inerente aos três poderes. Logo, o mesmo temor poderia ser utilizado como argumento pelos poderes Executivo e Legislativo.

- O argumento de não ser o juiz funcionário público não encontra respaldo do direito brasileiro, pois o magistrado ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria funcional. Ainda que se entenda ser ele agente político, estaria abrangido pela norma do art. 37, §6º, CF, que emprega precisamente o vocábulo “agente” para abranger todas as categorias de pessoas que prestam serviço ao Estado.

 Loester Ramires Borges

Ministério Público da União: considerações

O Ministério Publico, além de ser uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tem como papel a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis de acordo com o Art. 127/CF.

É sabido que na Constituição Federal de 1988, o Ministério Público está elencado nos artigos 127 ao 130-A, no capítulo denominado Funções essenciais à Justiça. Donde são regidas as funções, competências, prerrogativas e as subdivisões desta instituição.

O Ministério Publico, além de ser uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, tem como papel a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis de acordo com o Art. 127/CF.

Assim este órgão estatal, considerado por alguns doutrinadores e juristas, o 4º poder independente e harmônico, com os demais poderes, diga-se o Executivo, Legislativo e Judiciário, possui em si autonomia, atendendo aos requisitos de se auto-organizar, auto-administrar e auto-governar, de acordo com a lei.

I. Definição

De acordo com o art. 127, caput, da CF/88, o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O Ministério Público subdivide-se em:

1. Ministério Público Da União;

1.1. Ministério Público Federal;

1.2. Ministério Público do Trabalho;

1.3. Ministério Público Militar;

1.4. Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;

2. Ministério Público Estadual;

Esta definição existe, pois, da mesma forma que age o Judiciário, dividindo-se em Justiça Comum, como a Federal para casos que envolvam a União ou seus entes Públicos, e as Justiças Especializadas, diga-se à Militar, Trabalho e a Eleitoral, também se observa no Ministério Público que atua tanto na Justiça Comum, bem como na Estadual e nas especializadas.

O ingresso ao Ministério Público se faz perante concurso público de provas ou de provas e títulos.

II. Função

São funções do Ministério Público da União:

a) Defesa da ordem jurídica, ou seja, o Ministério Público deve zelar pela observância e pelo cumprimento da lei. FISCAL DA LEI, atividade interveniente.

b) Defesa do patrimônio nacional, do patrimônio público e social, do patrimônio cultural, do meio ambiente, dos direitos e interesses da coletividade, especialmente das comunidades indígenas, da família, da criança, do adolescente e do idoso. DEFENSOR DO POVO

c) Defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

d) Controle externo da atividade policial. Trata-se da investigação de crimes, da requisição de instauração de inquéritos policiais, da promoção pela responsabilização dos culpados, do combate à tortura e aos meios ilícitos de provas, entre outras possibilidades de atuação. Os membros do MPU têm liberdade de ação tanto para pedir a absolvição do réu quanto para acusá-lo.

Com isso denota-se a grande e essencial função deste órgão, que não somente é denominado 4º poder, como também essencial ao funcionamento do Estado.

III. Princípios

O art. 127, § 1.º, da CF/88 prevê como princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

· Unidade: sob a égide de um só Chefe, o Ministério Público deve ser visto como uma instituição única, sendo a divisão existente meramente funcional. Importante notar, porém, que a unidade se encontra dentro de cada órgão, não se falando em unidade entre o Ministério Público da União (qualquer deles) e o dos Estados, nem entre os ramos daquele;

· Indivisibilidade: corolário do princípio da unidade, em verdadeira relação de logicidade, é possível que um membro do Ministério Público substitua outro, dentro da mesma função, sem que, com isso, exista qualquer implicação prática. Isso porque quem exerce os atos, em essência, é a instituição “Ministério Público”, e não a pessoa do Promotor de Justiça ou Procurador;

· Independência funcional: trata-se de autonomia de convicção, na medida em que os membros do Ministério Público não se submetem a qualquer poder hierárquico no exercício de seu mister, podendo agir, no processo, da maneira que melhor entenderem. A hierarquia existente restringe-se às questões de caráter administrativo, materializada pelo Chefe da Instituição, mas nunca, como dito, de caráter funcional. Tanto é que o art. 85, II, da CF/88 considera crime de responsabilidade qualquer ato do Presidente da República que atentar contra o livre-exercício do Ministério Público.

IV. Instrumentos de Atuação do Ministério Publico da União

Os instrumentos são as formas que o Ministério Público tem de fazer cumprir a lei, não somente interpondo ao Judiciário, para que as julgue, como também aos demais poderes da Republica.

São as seguintes:

a) Promover ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade;

b) Promover representação para intervenção federal nos Estados e Distrito Federal;

c) Impetrar habeas corpus e mandado de segurança;

d) Promover mandado de injunção;

e) Promover inquérito civil e ação civil pública para proteger:

· direitos constitucionais;

· patrimônio público e social;

· meio ambiente;

· patrimônio cultural;

· interesses individuais indisponíveis, homogêneos e sociais;

· difusos ou coletivos;

f) Promover ação penal pública;

g) Expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública;

h) Expedir notificações ou requisições (de informações, de documentos, de diligências investigatórias, de instauração de inquérito policial à autoridade policial).

V. Garantias dos membros do Ministério Público

Assim como os Magistrados, os membros do Ministério Público possuem garantias constitucionais, para que possam exercer suas funções com todo afinco e destemor. São 3 as garantias:

· Vitaliciedade: Adquire-se a vitaliciedade após a transcorrência do período probatório, ou seja, 2 anos de efetivo exercício do cargo, tendo sido admitido na carreira, mediante aprovação em concurso de provas e títulos (art. 128, § 5.º, I, “a”). A garantia da vitaliciedade assegura ao membro do Ministério Público a perda do cargo somente por sentença judicial transitada em julgado.

· Inamovibilidade: O membro do Ministério Público não poderá ser removido ou promovido, unilateralmente, sem a sua autorização ou solicitação. Excepcionalmente, contudo, por motivo de interesse público, mediante decisão do órgão colegiado competente do Ministério Público por voto da maioria absoluta de seus membros, desde que lhe seja assegurada ampla defesa, poderá vir a ser removido do cargo ou função.

· Irredutibilidade de subsídios: De acordo com o art. 128, § 5.º, I, “c”, da CF/88, é assegurada ao membro do Ministério Público a garantia da irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do art. 39, § 4.º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI; 150, II; 153, III; 153, § 2.º, I. Como vimos ao comentar a irredutibilidade dos magistrados, o subsídio dos membros do Ministério Público não poderá ser reduzido, lembrando que está assegurada a irredutibilidade nominal, não se garantindo a corrosão inflacionária.

Entretanto, do mesmo modo que existe garantia, existe também proibições. De acordo com os arts. 128, § 5.º, II, § 6.º; e 129, IX, os membros do Ministério

Público não poderão:

· receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;

· exercer a advocacia;

· participação em sociedade comercial;

· atividade político-partidária;

VI. Procurador Geral da Republica

Sabe-se que o procurador-geral da República é o chefe do Ministério Público da União e do Ministério Público Federal. Ele é, também, o procurador-geral Eleitoral. Nomeado pelo presidente da República, após aprovação do Senado Federal, cabe a ele, dentre outras atribuições nomear o procurador-geral do Trabalho (chefe do MPT), o procurador-geral da Justiça Militar (chefe do MPM) e dar posse ao procurador-geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios (chefe do MPDFT).

O procurador geral da república, é nomeado pelo Presidente da República dentre os integrantes da carreira, maiores de 35 anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do Senado Federal (Sabatina), para mandato de 2 anos, permitida mais de uma recondução, sem qualquer limite. No entanto para cada nova recondução o procedimento e os requisitos deverão ser observados, já que a recondução é uma nova nomeação.

Vimos recentemente, casos ao qual o procurador geral da republica oferece a denuncia ao Judiciário, casos esses que são de competência do Supremo Tribunal Federal, onde gera grande repercussão nacional.

Conclusão

Aprendemos que o Ministério Público é um órgão de suma importância para o bom funcionamento do Estado. Vimos que os membros são dotados de garantias, para que assim possam exercer suas funções com todo afinco e destemor.

A função do Ministério Público, como vimos, seria ser o fiscal da lei, intervindo quando esta estiver sendo ameaçada, para isso existem os instrumentos de autuação do Ministério Público.

O Procurador Geral da Republica, depois de nomeado pelo Presidente da Republica e aprovado pelo Senado Federal, será o chefe do Ministério Público, cabendo a ele a criação de novos cargos e a governança deste órgão público.

Por fim, vale ressaltar que os direitos dos cidadãos, por diversas vezes colocados a mercê, deixados de lado pelo Estado, e já que o Judiciário, não é capaz de resolver a desigualdade, fazendo a devida “justiça”, esta justiça que nada tem a ver com o Direito. Portanto, nós enquanto cidadãos devemos recorrer ao Ministério Público, este que deve ser fortalecido, cada vez mais.

 Rodrigo Siqueira Ponciano Luiz

sexta-feira, 26 de julho de 2013

A Realidade do Movimento Monarquista Brasileiro

OS GRUPOS MONARQUISTAS,SE DESEJAM REALMENTE SER OUVIDOS,PRECISAM URGENTEMENTE REVER SUAS ESTRATÉGIAS.

Seria interessante darmos uma passada rápida de olhos nos problemas que rondam os monarquistas pensantes do Brasil.

Sim, pensantes, pois há muitos que bradam "Monarquia, monarquia!" mas nada conhecem sobre a questão , gostando mais do exotismo de ser monarquista do que, propriamente, da realidade da ideologia monárquica no Brasil do século XXI.

Eu listo a seguir alguns problemas que, na minha opinião, são os mais "gritantes" para os brasileiros monarquistas conscientes do século XXI:

1) Não casamento dos chefes da Casa Imperial do Ramo Vassouras

Dom Luis e Dom Bertrand não se casaram por um voto de castidade informal (sem validade nenhuma para a Igreja Católica Romana) que fizeram na TFP. Isso significa que, uma vez mortos, não haverá descendentes deles para assumirem a chefia da Casa Imperial. Agradeçamos à TFP e à sua ideologia "exótica" a ausência de linha sucessória no Ramo Vassouras.

2) A mistura entre Monarquia e "Catolicismo" Ultramontano-Tfpista

Mais um problema grave surgido no Ramo Vassouras.

Ao contrário de Dom Pedro I , Franco-Maçom (foi Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil), liberal e Dom Pedro II, que defendia a rigorosa separação entre Igreja e Estado estando mais para um Iluminista amante das Ciências (que causou furores na Igreja em algumas ocasiões) do que para um carola, Dom Pedro Henrique , pai de Dom Luis e de Dom Bertrand, era simpatizante da TFP e um católico fervoroso.
Dom Pedro Henrique era um simpatizante inocente, diga-se de passagem.

Ele freqüentava as sedes da TFP e não sabia que os membros da TFP eram orientados a se referirem aos próprios pais como "FMR" (Fonte de Minha Revolução), como "CDG" (Casa Daquela Gente), "CM" (Círculos Mundanos), "CDD" (Casa Daqueles Demônios) ou simplesmente como "Aquela Gente". Se soubesse, por certo que não teria deixado seus filhos freqüentarem tendo em vista que, isso é, além de tudo, contrário ao espírito verdadeiramente católico.

Também não sabia que se incitava contra o casamento dentro da TFP, ao ponto de alguns de seus membros casados pedirem ao "profeta", a "graça" de enviuvarem...

Também não sabia do culto delirante a Plínio Corrêa de Oliveira e da doutrina completamente anti-católica, anti-papal e anti-clerical que corria pelos veios secretos da TFP.

Ao contrário do que a TFP de ontem e de hoje (Instituto Plínio Corrêa de Oliveira) quer fazer crer, a TFP foi fartamente repelida pela hierarquia legítima da Igreja Católica Romana, o que pode ser comprovado por pareceres de bispos diversos, documentos da CNBB, pareceres teológicos (como o do douto canonista Pe. João Corso) e mais uma porção de documentos.

Os dois únicos bispos que apoiavam a TFP, Dom Mayer e Dom Sigaud, eram ridicularizados nos círculos internos da sociedade, chamados de "Bacho e Cacho". Esses mesmos dois bispos, depois de tomarem conhecimento do tipo de doutrina propagada por Plínio, se afastaram peremptoriamente e retiraram todo e qualquer aprovação eclesiástica legítima da dita sociedade.

O culto a Plínio chegava ao absurdo de se rezar uma "Ave Plínio", um simulacro ridículo da Ave-Maria em que se dizia:

"Ave Luiz Plínio Elias (nome de Plínio Corrêa de Oliveira na 'Sagrada Escravidão'), cheio de amor e de ódio, a Ssma. Virgem é convosco, bendito sois vós entre os fiéis, e bendito é o fruto do vosso amor e ódio - a Contra-Revolução. Ó sacral Luiz Plínio Elias, pai admirável e catolicissimo da Contra-Revolução e do Reino de Maria,rogai por nós capengas e pecadores, agora e na hora de nossa morte, Amém".

Note-se que, quando se rezava essa "Ave Plínio", o objeto da "oração" ainda estava vivo, bem vivo.
Também estava vivo quando os "eremitas" cultuavam os seus dedos amputados do pé direito (amputados por uma grave crise de diabetes), que eram ciosamente guardados numa caixa de prata que era beijada como a relíquia das relíquias no "Eremo de São Bento", hoje a "casa-mãe" dos "Arautos do Evangelho"...
Infelizmente, Dom Luis e Dom Bertrand se fizeram "Escravos" na "Sagrada Escravidão" ou "Sempre Viva", cultuando ao "profeta por antonomásia" Plínio e à sua mãe Lucília (que foi "remodelada" após a morte para atender às exigências cultuais do "profeta"), pronunciando os votos dos "eremitas" e tomando os nomes de Plínio Miguel (D. Bertrand) e Plínio da Cruz (D. Luis). Daí seu voto de castidade e sua relação próxima com os círculos da TFP.

Se isso ficasse no âmbito estritamente PARTICULAR de ambos, não haveria problema algum. Cada um acredita no que quer e no que bem entende. Só que, no caso, o problema começa a se pronunciar a toda vez que os monarquistas tfpistas resolvem enfiar suas crenças PESSOAIS no movimento monárquico que, DEVERIA SER, um movimento estritamente POLÍTICO.

Além disso, o tal voto de castidade informal cortou a sucessão do Ramo Vassouras.

Eu sou monarquista e, assim como Dom Pedro I, sou franco-maçom do Grande Oriente do Brasil. Aliás, há uma porção de quadros de Dom Pedro I e outros franco-maçons monarquistas famosos (José Bonifácio, Duque de Caxias etc) nas sedes do Grande Oriente do Brasil, uma instituição fundada em 1822.

É bom lembrar que, na Inglaterra, tradicionalmente, o Grão-Mestre da Grande Loja Unida da Inglaterra é o Duque de Kent.

Conheço, pelo menos, mais uma meia-dúzia de franco-maçons monarquistas, homens de pensamento e de ação que fariam uma diferença intelectual grande no movimento monarquista.

Só que nem eles nem eu podemos, com a consciência em paz, endossar idéias que privilegiam uma ideologia unilateral e exclui a todas as outras. O papo de "monarca católico", para nós não dá.

Eu, além de franco-maçom, sou arcebispo de uma instituição budista.

Queremos um monarca para TODOS OS BRASILEIROS e não um monarca para os católicos ou para os tfpistas. Instituir uma monarquia em moldes "plinianos" seria um horror para todos os que não se afinassem com as idéias tfpistas.

Monarquia sim, mas numa sociedade plural e livre, sem misturas entre religião (seja qual for) e estado.
Da mesma maneira, é absurdo querer "catolicizar" todos os movimentos ligados à ideologia monárquica ou nobiliárquica. Ser descendente de uma família de nobres da época do Império não quer dizer, necessariamente, ser católico. E muito menos quer dizer ser católico nos moldes da TFP.

Para mim é extremamente penoso ver príncipes da Casa Imperial do Brasil ligados a "Instituto Plínio Corrêa de Oliveira", aparecendo em suas palestras e encontros e assumindo posturas altamente comprometedoras para a imagem do movimento monarquista e dos monarquistas diante da sociedade brasileira contemporânea.

Mais uma que "devemos" ao exotismo ideológico tfpista...

3) Saudosismo e alienação da realidade

Esse é um mal grave, bastante comum em círculos monarquistas.

Não estamos mais no século XIX e o Brasil é, atualmente, uma república presidencialista.
O que isso quer dizer? Quer dizer que NÃO EXISTEM MAIS TÍTULOS DE NOBREZA VÁLIDOS.
Um título de nobreza é dado pelo monarca a um indivíduo, não à família.

Se não se tem mais um monarca legítimo, se não há mais leis monárquicas e não há mais côrte no Brasil, NÃO HÁ TÍTULO DE NOBREZA.

Acho que isso é difícil para certas pessoas compreenderem.

Título de nobreza não é um "souvenir" que se pendura no pescoço. É algo que tem uma determinada função social e deve ser considerado dentro dessa função social. Uma vez que não haja mais essa função, o título perde o sentido.

A república aboliu TODOS OS TÍTULOS DE NOBREZA do Império do Brasil.

Tudo bem que, por respeito e consideração para com o passado, chamemos os descendentes de Pedro I e Pedro II de "Príncipes" e que, em ambientes monarquistas os chamemos "SAIR" (Sua Alteza Imperial e Real) ou que tratemos bons amigos monarquistas descendentes de nobres históricos pelos títulos que eles "herdaram" em honra de seus ancestrais diretos. Só que isso é uma forma de ser delicado, de mostrar consideração, de ter cortesia. Não é uma realidade histórica e nem uma obrigação legal.

Tanto os descendentes reais dos dois Pedros quanto o Zézinho, filho da Joana que não sabe nem quem é o pai do Zézinho, perante o Estado Constitucional Brasileiro, têm os mesmos direitos.

Se trato a um amigo como "conde", "marquês" ou "príncipe", faço por uma questão de cortesia e de bons modos. Só que ninguém tem o direito de exigir esse tipo de tratamento. Um membro da família real brasileira foi processado por usar o título de "príncipe imperial" em um anúncio...

A coisa é tão verdadeira que, para que se conservasse o título de "Príncipe e Dom" no nome, alguns membros da família Orleans e Bragança foram registrados com o nome de "Príncipe Dom" antes do verdadeiro prenome, para que pudessem ser chamados assim sem ter problemas com a justiça. Só que aí, o "Príncipe Dom" é, para o Estado, apenas um nome (como José, João ou Pedro) e não um título...

Vamos lembrar que há muito pouco tempo atrás era proibido se fazer propaganda monarquista ou se organizar movimentos anti-republicanos.

Apesar disso tudo, há gente que continua vivendo nas nuvens do "antigamente", exigindo salamaleques, tendo posturas arrogantes diante das pessoas dizendo que "se não me chamarem assim (pelo pretenso título), nem respondo" ou outras idiotices do gênero. Isso destroça a imagem dos integrantes de movimentos monarquistas diante da opinião pública.

A monarquia e a nobreza já contam, no Brasil, com opiniões extremamentes desfavoráveis. As escolas vivem ensinando que os nobres eram "sanguessugas" que "exploravam" o povo. Nosso papel de monarquistas é desfazer essas más impressões e não reforçá-las com arrogância idiota e sem sentido.
Se queremos que a monarquia seja, pelo menos, uma possibilidade para as próximas gerações, a primeira tarefa é, justamente, limpar o terreno das objeções.

Um sujeito que se porta como se vivesse na corte do século XIX é um entrave para o sucesso de qualquer movimento monarquista sério.

Monarquistas devem ser REALISTAS, devem ter consciência do mundo em que vivem e da realidade que os cerca. Viver de fábulas, de sonhos do passado, de histórias da "côrte perfeita" ou dos rapapés de outrora, não ajuda em nada, muito pelo contrário.

Nossa ação deve se portar por valores internos, por atitudes concretas, por um modo de agir que busca a consecução de um fim e não por exterioridades frívolas e por saudosismos românticos.

4) Falta de preparo e de planejamento na institucionalização dos movimentos

Um grupo monarquista é, antes de tudo, um movimento político.
Como em todo movimento político, é necessário que haja um preparo adequado daqueles que assumirão determinados papéis dentro desse movimento.

Não é só colocar o sujeito que aprendeu uns bordões ou que é simpático para com os frequentadores de um grupo. É preciso que quem assume funções esteja preparado para lidar com vários tipos de situação, inclusive as mais adversas, com habilidade, destreza e de uma forma política que não comprometa a fiabilidade do discurso do movimento em si.

Sem isso e sem se fazer um planejamento claro e preciso do que se quer atingir com o movimento, quais as pessoas indicadas a fazerem parte ou qual é o modo de ação do grupo, a coisa toda está fadada ao mais fragoroso fracasso.

Infelizmente, com demasiada frequência, nos deparamos com monarquistas organizados cuja inépcia social e a completa falta de preparo para qualquer ação política é, por demais, gritante.

Os grupos monarquistas, se desejam realmente ser ouvidos, precisam urgentemente rever suas estratégias.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

A concretização de direitos sociais pelo Judiciário

Desde a sua inserção dos textos constitucionais, como se sabe, os direitos fundamentais sociais (saúde, educação, trabalho e moradia, para ficar nos exemplos mais conhecidos) têm sido alvo de sérias e numerosas objeções, que têm origem nos mais variados territórios da teoria e da prática jurídica.

Em primeiro lugar, lembra Robert Alexy, critica-se nos direitos fundamentais sociais o fato de não se alcançar — a partir do próprio Direito — fornecer com suficiência critérios racionais para a determinação da extensão e do seu conteúdo (em que consiste e qual a extensão, por exemplo, de direitos como saúde, educação, trabalho e moradia?). Como consequência, afirmam os críticos, a decisão sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais sociais seria nitidamente uma matéria reservada à Política.

Além disso, já agora no âmbito das competências constitucionais, como objeção de ordem formal, afirma-se, grosso modo, que a exigência de uma concretização judicial dos direitos fundamentais sociais implicaria a assunção pelo Poder Judiciário — especialmente, a jurisdição constitucional — de parte essencial da política orçamentária do Estado, tarefa, como se sabe, da mesma forma, eminentemente política.

Essa indevida transposição de planos e de competências, aliás, como facilmente se percebe, acabaria se concretizando em relevante colisão de normas constitucionais, travadas, de um lado, por normas de direitos fundamentais sociais, e, de outro, pela afirmação do princípio da separação de poderes e da legalidade orçamentária.

Em outros termos, os direitos fundamentais sociais exigiriam para a sua concretização por via judicial a desconsideração pelo Poder Judiciário, de forma tópica ou abstrata, do princípio da separação de poderes, já que, em primeiro lugar, cumpre ao Poder Legislativo e ao Executivo a implementação de políticas públicas. Além disso, a concretização direta pelo Poder Judiciário implicaria óbvia preterição do princípio da legalidade orçamentária, ao se consentir com decisões judiciais que podem adjudicar prestações materiais ao indivíduo (por exemplo, no âmbito da saúde pública, a outorga de medicamentos e ou intervenções cirúrgicas de alto custo) sem previsão orçamentária.

Do ponto de vista substancial, ainda segundo os críticos, a objeção que se pode lançar contra os direitos fundamentais sociais é a de que esses direitos não conseguem se realizar sem manifestarem colisão com outras normas constitucionais garantidoras de direitos e liberdades fundamentais (propriedade, liberdade de iniciativa, liberdade de mercado). Portanto, só com acentuada restrição à propriedade, à livre iniciativa e à liberdade contratual, por exemplo, é que se pode dar concretização a direitos sociais como saúde, educação e trabalho.

Assim, a tese central deste artigo é a de sugerir o princípio da proibição da insuficiência como um instrumento de racionalização do discurso de afirmação e concretização dos direitos fundamentais sociais, de tal ordem que a sua implementação direta não arraste o Poder Judiciário a uma luta essencialmente irracional que se trava no âmbito da arena política.

Da vinculação dos poderes públicos aos direitos fundamentais sociais

Como se sabe, da qualidade jurídico-objetiva dos direitos fundamentais deve-se deduzir não apenas, como parece óbvio, a obrigação de o Estado omitir-se de indevidas intervenções e restrições diretas nos bens e liberdades protegidas pelas normas de direitos fundamentais, mas, mais do que isso, dela derivam o dever de se proteger os bens e liberdades jusfundamentais diante de intervenções ilícitas por parte de pessoas e organizações não estatais, assim como resultaria da conformação mesma de alguns direitos fundamentais o dever do Estado a prestações fáticas aos titulares desses direitos.

Nomeadamente no caso dos direitos fundamentais sociais derivariam verdadeiros direitos subjetivos à proteção e a prestações fáticas por parte do Estado. As consequências jurídicas daqui resultantes são consideráveis.

Em primeiro lugar, dessa localização no âmbito dos direitos fundamentais sociais do dever de proteção e prestação por parte do Estado resultam vinculados, ante o princípio da supremacia da Constituição, todos os poderes do Estado, isto é, não apenas o legislador pela lei que produz, como também o Poder Executivo e Judiciário, quando, no exercício de suas funções precípuas, editam, respectivamente, atos administrativos ou jurisdicionais.

A vinculação do legislador a esse dever de proteção e prestação tem o inafastável significado de uma considerável restrição ao seu espaço e à sua liberdade de conformação legislativa, especialmente onde cuidar-se de proteger e assegurar os bens e liberdades fundamentais diante da intervenção de terceiros.

A vinculação da Administração (Poder Executivo) significa uma limitação à sua eventual discricionariedade quando do atendimento e execução de normas garantidoras de direitos fundamentais ou pode obrigá-la a prestar socorro (Hilfe) e proteção (Schutz) diante dos casos concretos.

No caso do Poder Judiciário, essa vinculação aos direitos fundamentais inclui, além de zelar pela obediência às tarefas de proteção por parte dos demais poderes estatais, incumbe-lhe não permitir que fique ao mero arbítrio dos demais órgãos estatais decidir por suficientemente preenchida a tarefa de proteção e de prestação dos direitos fundamentais. Mas, aqui apenas começam os problemas.

De um lado, se há um Poder que deve respeitar limites, com certeza, é o Poder Judiciário e, contudo, os direitos fundamentais sociais caracterizam-se comumente por sua indeterminabilidade e uma ausência clara de limites na sua extensão e profundidade; de outro, como se disse anteriormente, não se pode negar que, em qualquer quadrante em que se manifestem, os direitos fundamentais sociais (saúde, educação, trabalho e moradia, para ficar nos exemplos mais conhecidos), dificilmente, alcançarão realização sem colidir com outros direitos, princípios e bens com igual proteção constitucional.

Isso explica porque a concretização direta dos direitos fundamentais pelo Poder Judiciário acaba por atrair numerosas objeções, que têm origem nos mais variados territórios da teoria e da prática jurídica. Dessas numerosas objeções, as principiais permitem-se enfeixar em duas espécies de argumentos complexos: um de natureza formal, outro de natureza material.

Colisão de natureza formal (problema de competência)

— Do ponto de vista formal, as objeções aos direitos fundamentais sociais, segundo correta advertência de R. Alexy, acabam nos conduzindo a um verdadeiro dilema, pois, se se afirma que esses direitos sociais são, à semelhança de qualquer outro direito fundamental, juridicamente vinculantes (bindend), os diretos fundamentais sociais deslocam a competência do legislador em implementá-los para a órbita da jurisdição (especialmente a jurisdição constitucional); contudo, de forma diversa, se se nega o caráter vinculante dos direitos fundamentais sociais, no sentido de que não sejam eles vinculantes e ipso facto aplicáveis diretamente pelo Poder Judiciário, então, seria o mesmo que afirmar que os direitos fundamentais sociais representam uma clara violação ao princípio geral de que os direitos fundamentais, mais do que vinculantes, são aplicáveis imediatamente (art. 5º, §1º, da Constituição Federal), mesmo que para tanto seja necessária a intervenção do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal).

Contudo, não obstante a expressa dicção constitucional, também no Brasil, vê-se com frequência divulgar a objeção formal ao caráter juridicamente vinculante dos direitos fundamentais, o que se sustenta, aqui como na Alemanha de Alexy, ao argumento nada desprezível de que os direitos fundamentais sociais — por sua própria estrutura — não são justiciáveis (justitiabel), ou o são apenas em medida muito pequena, tudo porque o seu conteúdo se mostra acentuadamente indeterminado. De fato, perguntam com alguma razão os críticos, concretamente, qual o conteúdo, por exemplo, de um direito fundamental à moradia, à educação, ou à saúde?

Referindo-se especificamente ao direito social ao trabalho, Robert Alexy nos dá a exata medida da dificuldade de se determinar a extensão e a essência de seu âmbito de proteção. Pergunta-se o célebre pensador alemão:

“O que é, p. ex., o conteúdo de um direito fundamental ao trabalho?

A escala de interpretações imagináveis estende-se de um direito utópico de qualquer indivíduo a qualquer trabalho que ele queira, em qualquer lugar e a qualquer tempo, até a um direito compensatório a um auxílio-desemprego. Mas qual valor isso deve ter?

Os problemas para os outros direitos fundamentais sociais não se apresentam de forma muito diferente. Mesmo para o mais simples direito fundamental social, o direito a um mínimo existencial (ein Existenzminimum), a determinação do exato conteúdo prepara algumas dificuldades.”

Portanto, a objeção de ordem formal à justiciabilidade dos direitos fundamentais sociais baseia-se, em primeiro lugar, em um argumento de ordem semântica (dificuldade de determinação do conteúdo do direito), ao afirmar a impossibilidade estrutural de se alcançar juridicamente o conteúdo e a extensão dessa espécie de direitos. Por outro lado, como o próprio Direito não forneceria critérios suficientes para determinação da extensão e conteúdo dos direitos fundamentais sociais, a decisão sobre o âmbito de proteção dos direitos fundamentais sociais, segundo essa forma de ver, seria nitidamente uma matéria reservada à Política.

Em outros termos, a estar correta essa tese, a decisão sobre a extensão e a velocidade da implementação dos direitos fundamentais sociais seria função reservada ao legislador democraticamente eleito, não do Judiciário. Os tribunais, segundo essa visão, resume Alexy, só poderiam decidir no âmbito dos direitos fundamentais sociais quando o legislador já tivesse decidido.

Além disso, por demandarem consideráveis custos financeiros, a ideia de direitos fundamentais sociais diretamente exigíveis judicialmente, sobretudo quando tão generosamente previstos em uma Constituição como a nossa, conduziria a uma outra consequência indesejável, que é a assunção pelo Poder Judiciário — especialmente, a jurisdição constitucional — de parte essencial da política orçamentária do Estado, tarefa como se sabe eminentemente política.

Por isso que Alexy chega à conclusão de que, se a objeção formal for consistente, os direitos fundamentais sociais acabariam reféns de um dilema: ou deslocam inconstitucionalmente a política orçamentária para a esfera do Judiciário, ou perdem sua força vinculante.

Como se vê, esse dilema nada mais é do que uma óbvia colisão de outros princípios constitucionais de ordem formal com os direitos fundamentais sociais. De fato,colocam-se em colisão,de um lado, os direitos fundamentais sociais, a exigirem aplicação direta pelo Poder Judiciário; de outro, a afirmação do princípio (formal) da separação de poderes bem como do princípio democrático (no caso, concretizado na exigência de reserva legal orçamentária). Como tentaremos demonstrar mais abaixo, também aqui é apropriado supor que a ponderação de bens, ou seja, a proporcionalidade em estrito sentido, último nível do princípio da proporcionalidade (aqui, princípio da proibição da insuficiência), se mostre como elemento essencial de racionalização do discurso jurídico quando envolvido em colisão de direitos e princípios constitucionais.

Colisão de ordem substancial

— Do ponto de vista substancial, sob a lição de Alexy, a objeção que se lança contra os direitos fundamentais sociais é a de que esses direitos são incompatíveis com outras normas constitucionais. Com efeito, a afirmação de direitos fundamentais sociais, confronta-se necessariamente com normas constitucionais que afirmam em essência os direitos e liberdades constitucionais clássicas (propriedade, liberdade de iniciativa, liberdade de mercado). Com efeito, só com acentuada restrição à propriedade, à livre iniciativa e à liberdade contratual, por exemplo, é que se pode dar concretização a direitos sociais como saúde, educação e trabalho.

Por exemplo, se o Estado entendesse que o âmbito de proteção do direito fundamental ao trabalho consiste no oferecimento de vaga de trabalho a todos os desempregados, lembra Alexy, ou bem impõe às empresas privadas um número mínimo de contratações, ou bem eleva os impostos de ordem a poder oferecer ele mesmo, Estado, em seus quadros vagas e salários suficientes a todos os necessitados. De um jeito ou de outro, restrições a outros direitos fundamentais. Se de outro lado, se entende que o direito fundamental ao trabalho confere tão somente, no limite, um auxílio desemprego, ainda assim, a determinação de seu valor mínimo, como também do tempo máximo de proteção ao trabalhador desempregado, irá sempre depender de intervenções que o Estado implemente no âmbito de proteção de direitos fundamentais de outros cidadãos (por exemplo, intervenção na propriedade, por meio de limitações decorrentes de tributos, ou de restrições por meio de legislação trabalhista, de meio ambiente, saúde, etc.).

Além disso, não é difícil imaginar uma outra espécie de colisão de princípios ordem material, muito frequente, desta feita entre direitos fundamentais sociais e outros direitos fundamentais sociais, ou outros interesses coletivos também protegidos constitucionalmente, como seria o caso da colisão autêntica de direito fundamental à saúde de alguém com o direito à saúde de outras pessoas, concretizado, por exemplo, na exigência judicial de entrega de medicamentos, ou de intervenção cirúrgica, ou tratamento hospitalar, o que, de um jeito ou de outro, só possa ser realizado, entretanto, à custa da suspensão da entrega da mesma prestação a outrem (na circunstância nada incomum de o medicamento ou o tratamento não existir em suficiência para todos, ou demandar recursos que impeçam a entrega da mesma prestação aos outros).

Além disso, o exemplo sugerido também demonstra uma clara colisão, também nada incomum, do direito fundamental social com o princípio da igualdade.

Seja por se envolverem em colisão com princípios de ordem formal (problema de competência, separação de poderes e princípio democrático), seja pela colisão com princípios de ordem material (colisão com outros direitos fundamentais), os direitos fundamentais sociais, por serem princípios, isto é, mandados de otimização, devem, através da utilização da regra ou máxima da proporcionalidade (no caso, princípio da proibição da insuficiência), quando for o caso, justificar a sua primazia sobre outros bens constitucionais.

Obviamente, como todo resultado de ponderação de bens, nem sempre a balança penderá para o lado dos direitos fundamentais sociais. O resultado de toda ponderação de bens é uma primazia condicionada às possibilidades do caso concreto, que podem falar, em determinadas circunstâncias, a favor de um dos lados, isto é, de um dos princípios, como podem, em outras circunstâncias, falar a favor do outro princípio. Em termos mais diretos, nem sempre no confronto com aqueles princípios (separação de poderes, princípio democrático, ou outros direitos fundamentais), uma concreta ponderação de bens falará a favor dos direitos fundamentais sociais.

O importante aqui, entretanto, é saber que, precisamente, por tomar a sério todos os demais princípios constitucionais envolvidos na sua concretização, isto é, no momento em que se deseja exigir diretamente do Judiciário a implementação de direitos sociais, como se dizia, o importante é que, ao se valer do princípio, da máxima, ou regra da proibição da insuficiência, o operador do direito, sobretudo o magistrado, poderá afirmar racionalmente a primazia de um ou de outro princípio constitucional, à luz do caso concreto, demonstrando-se porque, por exemplo, no confronto com outras normas constitucionais, no caso específico, o direito fundamental social deve, ou não, merecer primazia.

A dupla face do princípio da proporcionalidade

Para avaliar a sua racionalidade, é necessário que se responda em que consiste mesmo o princípio da proibição da proteção deficiente. O princípio da proporcionalidade, na sua forma mais tradicional, revelada como proibição do excesso (Übermassverbot)por parte do Estado, obviamente, está vocacionado mais à proteção do cidadão quando se cuida de direitos que revelam em seu âmbito de proteção — como liberdade designadas como negativas — dever de abstenção por parte do Estado.

Diversamente, quando se cuida de direitos fundamentais, como os direitos sociais, em que o seu âmbito de proteção revela mais especificamente liberdades por assim dizer positivas, a exigirem do Estado um dever de atuação positiva, o princípio da proporcionalidade só pode ser invocado na forma de princípio da proibição da insuficiência (Untermassverbot).

Não obstante a similitude, é fácil perceber a distinção entre proibição do excesso e proibição da insuficiência. Com efeito, amplamente conhecido, o princípio da proibição do excesso divide-se em adequação, necessidade e proporcionalidade em estrito sentido; já a proibição da insuficiência divide-se em eficiência (eficácia), suficiência e proporcionalidade em estrito sentido, ou mandamento de ponderação.

O princípio da proibição da insuficiência

Assim, em similitude com o que ocorre com o a proibição do excesso, pode-se dizer que a máxima da proibição da insuficiência (Untermassverbot)é infringida quando:

(1) Eficiência ou eficácia — a máxima da eficiência ou eficácia é violada em relação aos direitos fundamentais sociais, quando, existindo meios à disposição do Estado, nenhuma medida apta à proteção do bem jurídico protegido pela norma de direito fundamental for adotada de tal ordem que se possa afastar a ameaça ou o perigo ao bem jurídico protegido, seja na forma de proteção, seja na forma de prestação material. Em outros termos,  o Estado permanece totalmente inativo, muito embora pudesse agir para entregar a prestação fática devida, ou proteger o indivíduo. Nesse caso, só por isso, há violação à máxima da proibição da insuficiência.

(2) Suficiência —existindo, contudo, mais de uma medida a ser adotada, sendo que uma dessas medidas assegura maior proteção ao bem jurídico-fundamental sem agredir com maior intensidade outros bens constitucionais (uma medida mais eficiente com mesma ou menor intensidade de restrição a outros princípios constitucionais), há violação a essa máxima (da suficiência) quando, nestas condições, o Estado opta pela medida menos eficiente.

(3) Proporcionalidade em estrito sentido (ponderação) — a admissão por parte do Estado de que a concretização do direito fundamental social pode colocar em perigo ou ameaça outros bens constitucionalmente protegidos, de tal ordem que se justificaria, mesmo com as cautelas das outras duas máximas (eficiência e suficiência), a verificação da primazia de um ou outro direito, ou bem constitucional envolvido em colisão, por intermédio de uma ponderação de bens, onde o jogo dos argumentos e contra-argumentos, à luz das condições fáticas e jurídicas do caso concreto, é que iria dar a chave para a solução do problema, oferecendo uma primazia condicionada a um dos princípios envolvidos na colisão. Em outras palavras,pode ser que sendo o meio eficaz emesmo sendo ele suficientepara a proteção do direito social (mais eficiente e menos gravoso a outro direito fundamental), no confronto com o outro direito fundamental ou princípio constitucional atingido, torna-se duvidosa a razoabilidade, isto é, a conveniência e a justa adequação da utilização desse meio. Nesse quadro, far-se-ia necessário um juízo de ponderação, onde se colocam em confronto os argumentos prós e contras ambos os princípios, tendo em consideração as circunstâncias concretas e jurídicas do caso.

Em resumo, quando a prestação material em que se concretiza o direito fundamental social não estiver prevista em lei e concretizada pela própria Administração, somente quando o direito fundamental social puder, em cada caso concreto de colisão com outros direitos e princípios constitucionais, afirmar em seu favor a eficácia, suficiência e proporcionalidade em estrito sentido (ponderação de bens) da medida a ser imposta pelo Estado-Juiz, é que se poderia considerar constitucional a sua aplicação e concretização direta pelo Poder Judiciário.

Néviton Guedes é desembargador federal do TRF da 1ª Região e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

É preciso ter humildade constitucional: o caso alemão

Entre alguns constitucionalistas alemães, é popular a visão de que a Constituição deve funcionar como uma ordem-moldura (Rahmenordnung). Sob essa perspectiva, a Constituição seria como a moldura de um quadro ou de uma tela. 

A moldura fixa e delineia limites; estabelece uma área do que é admissível.

Dentro da moldura, o legislador ordinário e infraconstitucional é livre para fazer escolhas por meio do processo democrático. Há algumas coisas que a Constituição proíbe e outras que ela exige. Para todas as outras, não há uma resposta constitucional pré-determinada. Já se chamou isso e outras coisas, no Brasil, de humildade constitucional (sobre o conceito, clique aqui).

Essa visão sobre a finalidade do texto constitucional é particularmente relevante no caso de Constituições como a brasileira, a americana, a alemã, a sul-africana etc. O constituinte brasileiro desejou, como os povos em geral desejam, de tudo um pouco. Ele quis adotar o rol mais amplo e belo de direitos e garantias, mas sem especificar, em pormenor, como eles deveriam ser aplicados.

Não é, por exemplo, porque a Constituição possui um capítulo que garante a proteção à família, que ela contém a resposta para todos os problemas de Direito de Família (ou das famílias). Não obstante, o lema de alguns juristas, inclusive de muitos civilistas, parece ser: “Só a Constituição salva!” É puro dogmatismo...

Os termos explícitos da Constituição criam, com frequência, conflitos entre dois ou mais valores que são igualmente constitucionais, sem que tais conflitos sejam resolvidos pelo texto constitucional.

Quando é que a liberdade de expressão deve ceder à proteção da privacidade, e vice-versa? Um membro da religião rastafári, por exemplo, pode ser condenado por usar maconha durante práticas religiosas? Casos análogos a esse — envolvendo o uso de drogas ilícitas e a liberdade religiosa — foram decididos de maneira diferente pela Suprema Corte dos EUA e pela Corte Constitucional da África do Sul. Há notícia de um caso semelhante no Brasil.

Nesse contexto, ao menos duas decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão (doravante, BVerfG) merecem atenção: Cannabis e Kopftuch.

Na decisão sobre a proibição da maconha (Cannabis-Beschluss), o BVerfG disse que fazia parte da margem de ação (Spielraum) do legislador criminalizar o uso dessa substância. O BVerfG entendeu que “não lhe cabe aferir, se a decisão do legislador é a mais correta, a mais racional ou a mais justa”; cumpre-lhe apenas verificar, se ela é compatível com as decisões fundamentais e basilares contidas na Lei Fundamental alemã. A margem de julgamento do legislador é ampla. A proporcionalidade serve apenas para coibir o que é excessivo (übermässig).

A criminalização do uso de maconha não é nem exigida, nem proibida pela Lei Fundamental. A proibição do excesso (Übermassverbot) comporta, em princípio, as duas soluções. Em tese, o mesmo vale para outras drogas. Afinal, não há, na Lei Fundamental, um direito à intoxicação (Ein ‘Recht auf Rausch’ gibt es nicht).

Também se registrou, na decisão, que o legislador possui uma margem de apreciação quanto aos fatos ou prognoses que toma por verdadeiros. Portanto, se a ciência discorda acerca dos efeitos maléficos da cânabis em geral ou da maconha, sobretudo em relação às outras drogas, prevalecerá a decisão do legislador.

Perceba-se, inclusive, que o BVerfG afastou a alegação de que a isonomia teria sido desrespeitada. Argumentou-se, perante o BVerfG, que o álcool e o cigarro não eram proibidos como a maconha e que isso feriria a máxima da igualdade. Na decisão em apreço, prevaleceu que as diferenciações feitas pelo legislador são, em geral, admissíveis. Elas apenas violam a isonomia, se se mostrarem arbitrárias (willkürlich). Trata-se, tão-somente, de saber se a distinção é desarrazoada (sachfremd) ou defensável (vertretbar). Basta ser meramente defensável para que seja constitucional.

Ademais, ainda que se admita que o álcool e o cigarro causam o mesmo mal à saúde que a maconha, esse não precisa ser o único critério para a criminalização de uma substância química.

No caso Kopftuch (Kopftuchurteil), uma professora de escola pública fora proibida de lecionar, uma vez que, por ser muçulmana, usava o véu em sala de aula. O BVerfG entendeu que a proibição, levada a efeito por membros da administração pública estadual de Baden-Württemberg, era inconstitucional, porque não havia lei formal que a autorizasse. Sem lei, trata-se de limitação a um direito fundamental que implica a sua violação; com lei, a limitação ao direito fundamental passa a ser admissível.

Entendeu-se que a margem de apreciação do legislador é ampla; que nem toda limitação ou restrição a direito fundamental importa a sua violação; e que enxergar um símbolo de opressão, no uso do véu por muçulmanas — professoras de escolha pública ou não —, é uma simplificação grosseira. O uso do véu também pode ser fruto de genuína autodeterminação.

Há uma tensão entre a liberdade religiosa da professora e a neutralidade religiosa e ideológica (weltanschaulich) que se impõe ao Estado. Portanto, diante da colisão de dois valores igualmente constitucionais, deve ter-se deferência para com os parlamentos estaduais, que são competentes para legislar sobre a matéria na Alemanha.

Em uma comunidade tolerante, não existe direito fundamental a não ser exposto a visões religiosas minoritárias, diversificadas ou plurais. Todavia, a questão toma outra forma, quando o Estado, por meio de seus agentes, manifesta opinião em favor de uma religião. O BVerfG frisou, igualmente, o papel paradigmático que uma professora desempenha perante crianças de pouca idade em uma escola pública.

Em apertada síntese, é possível extrair algumas conclusões das decisões brevemente analisadas.

Primeiramente, nota-se que, em um estado que se diz democrático, questões essenciais devem ser decididas pelo parlamento, independentemente de se concordar com as decisões que ele toma. Entender a Constituição como ordem-moldura, entre a demasia e a insuficiência, entre o Übermassverbot e o Untermassverbot, significa ser deferente ao parlamento, sem anular a superioridade hierárquica da Constituição em face das normas infraconstitucionais.

A Constituição e a jurisdição constitucional devem funcionar como uma navalha de Ockham. Os constitucionalistas não têm a resposta para todos os problemas morais, sociais, econômicos, políticos etc.

Com efeito, tão necessário quanto evitar uma subconstitucionalização do Direito é impedir uma hiperconstitucionalização do Direito. Basta a constitucionalização do Direito; basta a ordem-moldura.

Essa constatação vale, notadamente, para a isonomia. Na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), há elevadores exclusivos para professores. Isso pode ser declarado inconstitucional com base na assim chamada “eficácia horizontal” dos direitos fundamentais? As premissas defendidas por muitos, de maneira irracional, levam a asseverar que sim. Contudo, parece evidente que isso é um contrassenso, pois a Constituição não possui uma teoria completa e infalível da igualdade, que contenha todas as diferenciações imagináveis que sejam “corretas” ou “erradas”. A isonomia inscrita na Constituição é compatível com diversas respostas.

Se a Constituição é vista como ordem-moldura, amplia-se a democracia e diminui-se a suscetibilidade ao panprincipiologismo (sobre o abuso dos princípios e seu caráter autoritário clique aqui para ler artigo escrito nesta coluna por Marcelo Neves).

Há, ainda, três outras cruciais consequências da visão de Constituição como ordem-moldura.

Em primeiro lugar, aceita-se que a Constituição simplesmente não proíbe, nem exige inúmeras coisas (discricionariedade estrutural). Nesses casos, cabe ao legislador exercer seu juízo decisório sobre os fins a perseguir, sobre os meios para fazê-lo, bem como lhe compete definir o equilíbrio adequado entre esses fins e esses meios.

Em segundo lugar, como visto na decisão sobre a criminalização do uso da maconha, respeitam-se os fatos legislativos e os prognósticos que o legislador toma por verdadeiros (discricionariedade epistêmica de tipo empírico). Se se exigisse absoluta certeza quanto às premissas fáticas e empíricas de que parte o legislador, todas as limitações legais a interesses constitucionais seriam inconstitucionais.

Em terceiro lugar, quando não houver muita clareza quanto ao que a Constituição proíbe ou deixa de proibir (discricionariedade epistêmica de tipo normativo), a dúvida favorece o legislador. A incerteza cognitiva quanto aos limites da discricionariedade estrutural privilegia a atividade legislativa. Ou seja, na incerteza de até aonde vão os limites da moldura, a decisão é do parlamento.

Há algumas coisas que a Constituição proíbe e outras que ela exige. Para todas as outras, não há uma resposta pré-fixada. A Constituição é uma moldura. Ter consciência disso é ter humildade constitucional.

João Costa Neto 

O embate entre o STF e a jurisdição ordinária

Têm ganhado muita repercussão na mídia, há algum tempo, notícias acerca do confronto institucional entre o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional. 

Apenas para citar caso recente que ainda repercute nos meios de comunicação e nos corredores do Poder, podemos falar da decisão proferida pelo ministro Luiz Fux (cassada pelo Plenário do STF em julgamento ocorrido no último dia 27 de fevereiro) de impedir que o Congresso Nacional delibere acerca do veto parcial da presidente da República ao Projeto de Lei 2.565/2011 (que trata das novas regras de partilha de royalties e participações especiais devidos em virtude da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos) antes que aprecie, em ordem cronológica da respectiva comunicação ao Congresso Nacional, todos os vetos pendentes com prazo constitucional já expirado.

Um olhar mais atento pode perceber, no entanto, que o Supremo Tribunal Federal enfrenta hoje outros embates, mais silenciosos, mas não menos delicados e importantes. Refiro-me, aqui, à relação entre o STF e os demais órgãos do Poder Judiciário, no exercício da jurisdição.

Essa relação, que às vezes assume forma de contenda, pode ser percebida em diferentes contextos. Aquele que talvez seja o mais visível é o das reclamações constitucionais, nas quais se afirma haver desrespeito (ou risco de desrespeito) à autoridade das determinações emanadas da nossa Suprema Corte. Antes do advento da repercussão geral do recurso extraordinário, esse fenômeno era também verificado pelo expressivo número de recursos providos pelo STF para fazer prevalecer a jurisprudência consolidada da Corte.

Para dar contornos mais concretos a esse fenômeno, poderiam ser citados vários casos. Cabe mencionar, por exemplo, a discussão a respeito da responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo adimplemento das obrigações trabalhistas dos prestadores de serviços terceirizados contratados por licitação. Em novembro de 2010, o STF, no julgamento da ADC 16, declarou a constitucionalidade do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666, de 1993, segundo o qual “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento”.

Em vista desse julgamento, o Tribunal Superior do Trabalho, modificando a redação de sua Súmula nº 331, passou a adotar o entendimento de que “os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora”.

Ficou ainda esclarecido, nessa nova redação, que “a aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada”. Mesmo após esse ajuste, o STF tem considerado, em decisões monocráticas, que a Justiça do Trabalho tem incidido em desrespeito à decisão proferida na ADC 16. O fim desse embate, provavelmente, só virá no julgamento do RE 603.397 (Rel. Min. Rosa Weber), com repercussão geral reconhecida.

É também representativo dessa realidade caso no qual o STF determinou que o STJ se abstivesse de julgar recursos especiais que versassem sobre a legitimidade do Ministério Público para propor determinada espécie de ação civil pública. Nos autos do RE 576.155, recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida que discutia a legitimidade processual do Ministério Público para ajuizar ação civil pública por lesão ao patrimônio público, o STF decidiu, em junho de 2008, determinar o sobrestamento das causas relativas ao Termo de Acordo de Regime Especial (TARE) que estivessem em curso no Superior Tribunal de Justiça (e também no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios) até o deslinde da matéria pela Corte.

Nesse tema, merece ser destacado que o Superior Tribunal de Justiça, que examinava a questão apenas no plano infraconstitucional (estando, em princípio, imune aos efeitos da decisão do STF), tinha entendimento de que o Ministério Público seria parte ilegítima para impugnar o referido TARE.

Muitos outros casos, envolvendo juízes, tribunais ordinários e outros tribunais superiores poderiam ser citados para ilustrar uma guerra surda que se trava nos corredores da Justiça. De um lado, o STF, que, no exercício de sua jurisdição constitucional, tem tomado com frequência decisões sobre questões políticas, morais e jurídicas controvertidas, com eficácia erga omnes e efeito vinculante para o Poder Judiciário (e para a Administração Pública), esvaziando o poder decisório da jurisdição ordinária. De outro, juízes e tribunais ordinários que, premidos por fazer a justiça do caso concreto e buscando atuar no espaço de seu livre convencimento, contrapõem-se a essas decisões da Suprema Corte criando distinções de natureza factual ou jurídica para afastar a sua incidência.

Em vista da força com que o Supremo Tribunal Federal tem exercido sua jurisdição constitucional, é de esperar-se que essa tensão só aumente. Mirando a situação espanhola, Francisco Fernandes Segado observa que a existência de um Tribunal Constitucional cria um problema de articulação entre a jurisdição praticada pela Corte Constitucional e pelos outros Tribunais e juízes, cuja solução não passa por uma lógica cartesiana, que ofereça respostas inequívocas sobre a delimitação da competência das jurisdições. É o que ocorre em sistemas jurídicos em que ambas as jurisdições convirjam na tutela dos direitos constitucionais, como ocorre na Espanha e no Brasil.

Essa tensão entre o STF e os juízes e tribunais, desse modo, precisa ser encarada com certa naturalidade, mas enfrentada com comedimento. Nesse cenário, cumpre ao STF a grandeza de viabilizar uma relação mais harmônica com os juízes e Tribunais, como condição para fortalecer o seu papel institucional. De fato, é importante que o STF perceba que a sua autoridade e o respeito às suas decisões não podem se pautar apenas no poder de revisão das decisões judiciais que estejam em desconformidade com seus precedentes. Até porque nenhum poder tem condições de sustentar sua autoridade apenas pelo uso da força, sendo imprescindível que haja alguma adesão voluntária às suas decisões.

Em função disso, entende-se que a criação de uma melhor sinergia entre a Corte e os demais órgãos do Poder Judiciário passa necessariamente pelo reconhecimento e valorização de certas capacidades da jurisdição ordinária pelo STF.

Nessa medida, defende-se que o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questões de índole não constitucional (que muitas vezes são ancilares na apreciação de questões constitucionais) leve em consideração as construções já consolidadas no âmbito da jurisdição ordinária, prestando homenagem aos juízes e Tribunais (sobretudo ao entendimento firmado pelos Tribunais Superiores).

A proposição pode ser singelamente posta nos seguintes termos: na apreciação de uma questão constitucional, havendo a necessidade de o Tribunal Constitucional definir o correto sentido da moldura fático-jurídica do que lhe é submetido, o Tribunal Constitucional não deve desprezar o entendimento já firmado pelos juízes e tribunais ordinários.

Essa forma de ver e lidar com as tensões entre jurisdição constitucional (exercida pela Suprema Corte) e a jurisdição ordinária (exercida pelos demais Tribunais e juízes) encontra, na Itália, um exemplo relevante para a jurisdição pátria.

Lá, como aqui, não se olvida a função do Tribunal Constitucional na guarda da Constituição. Igualmente lá, na Itália, como aqui, no Brasil, há a aguda compreensão sobre a importância do princípio do livre convencimento dos juízes ordinários como expressão da imparcialidade do Poder Judiciário. Por isso mesmo, é inevitável que haja situações em que a decisão do Tribunal Constitucional desafie problemas de interpretação em face da jurisprudência e das práticas de aplicação que já se firmaram sobre o texto legal (e vice-versa).

Para lidar com essas tensões, o direito constitucional italiano desenvolveu, como princípio de interpretação constitucional, doutrina que se consagrou denominar como “direito vivente”, hoje incorporada por aquele Tribunal Constitucional, segundo a qual o Tribunal Constitucional deve considerar como um dado do problema constitucional a ser resolvido o significado judicial (sobretudo a fixada pelos Tribunais Superiores) de determinada matéria.

Prestigiar essa forma de ver o direito conduziria o STF — ao abordar temas que exijam definição a respeito do conteúdo de termos como “família”, “prestação de serviços”, “faturamento”, “relação de trabalho”, “evasão de divisas” — a prestar mais atenção ao entendimento sedimentado perante os tribunais de jurisdição ordinária (sobretudo os Superiores), que certamente podem oferecer um bom ponto de partida para a decisão que será tomada no âmbito da jurisdição constitucional, em vista do acúmulo de conhecimento que podem oferecer a respeito do direito civil, processual civil, tributário, penal, do trabalho etc.

Sem que haja qualquer desprestígio à competência do STF no exercício de sua função de garantir a supremacia da Constituição, é importante que a Corte se engaje no esforço de apreender os sentidos e os conceitos desenvolvidos pela jurisdição ordinária na construção de suas decisões, até para que seja reforçada a unidade e a organicidade do sistema jurídico.

Fábio Lima Quintas 

quarta-feira, 24 de julho de 2013

A postura do STF em questões de conflito federativo

Com a Proclamação da República nasceu a federação brasileira. Triunfante o movimento militar que depusera o Império, os republicanos de imediato editaram o Decreto 1, verdadeira “Constituição de bolso” — no dizer de Bonavides e Paes de Andrade — redigida por Rui Barbosa, que decretava em seu artigo 1º, como forma de governo da nação brasileira, a República Federativa.

O artigo 2º de tal decreto desde logo afirmava a constituição dos Estados Unidos do Brasil pelas antigas províncias do Império, agora “reunidas pelo laço da federação”; enquanto o artigo 3º determinava que “cada um desses Estados, no exercício de sua legítima soberania, decretará oportunamente a sua Constituição definitiva, elegendo os seus corpos deliberantes e os seus governos locais”.

Com esse “golpe de mão” constituinte, operado na madrugada do dia 15 para o dia 16 de novembro de 1889, a forma federativa de Estado era adotada no Brasil para não mais desaparecer ao longo dos mais de cem anos de vida institucional republicana. Todas as constituições que se seguiram à proclamação de Deodoro no Campo de Santana afirmaram a federação como a forma inafastável de organização do Estado brasileiro.

Entretanto, à aceitação inquestionável da forma federativa de Estado pelos textos constitucionais republicanos não correspondeu uma compreensão unívoca da federação no concerto de poderes que necessariamente exsurge de sua adoção. Sim, porque com a federação nascem diferentes órbitas de poder autônomo, as quais convivem numa constante disputa de poder que define, em concreto, a natureza do federalismo vigente.

É exatamente essa a percepção de Raul Machado Horta, para quem a administração da multiplicidade de ordens jurídicas inerente ao federalismo “é tarefa de laboriosa engenharia constitucional”.

Nesse quadro de natural tensão, têm sido comuns, ao longo dos quase 125 anos de República brasileira, as disputas de poder, de competências, evolvendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, aos quais — desde o artigo 68 da Constituição de 1891 — tem-se reconhecido autonomia, integrando-os, portanto, ao esquema federativo nacional.

Se há tensão e disputas, a estabilidade institucional do Estado federal passa a depender da definição dos procedimentos e do locus para a solução desses conflitos, reduzindo-se ao máximo a contradição entre coesão e particularismo, o que garante a permanência da união.

No Brasil — assim como nos Estados Unidos, matriz dos arranjos institucionais consagrados na República —, o locus de solução dessas controvérsias sempre foi a Suprema Corte. Se a Justiça Federal foi concebida, para utilizar a expressão de Campos Sales, como sendo um “guarda de fronteiras”, que impede a invasão do território normativo da União pelo legislador e pelo julgador locais, o Supremo Tribunal Federal, seu órgão de cúpula, desempenha o papel máximo nesse controle de limites de competência entre os diferentes níveis de poder na federação.

Coube ao Tribunal, ao longo dos anos republicanos, portanto, a definição concreta e real da forma do Estado brasileiro. À conformação estática prevista nos variados textos constitucionais conferiu o STF uma verdadeira dinâmica federativa, a qual, definindo em diversos momentos históricos o equilíbrio entre unidade e diversidade, caracterizou a essência do federalismo nacional.

Foi assim nos primeiros anos da República, quando as intervenções de fato e os estados de sítio inconstitucionais distorciam a nascente federação, provocando respostas indignadas do Supremo. E continua sendo assim sob a égide da Constituição de 1988, a cuja ordem federativa tem dado vida o Supremo Tribunal Federal por meio de seus diversos julgados sobre as relações de poder entre a União e as diversas autoridades locais; no que caracteriza uma especial ordem de jurisdição constitucional, a jurisdição federativa.

A presente análise tem como objetivo, pois, indicar, ainda que brevemente, uma tendência que se verifica nessa jurisdição federativa ao longo dos 25 anos de vigência da Constituição. Para tanto, foi selecionado — entre os vários temas relacionados com a federação — um especial aspecto enfrentado pelos ministros do Supremo na interpretação do federalismo de 1988, qual seja, o conceito de conflito federativo.

Inicialmente, a definição do conflito federativo é a chave para a determinação da abrangência da intervenção do Supremo Tribunal Federal nas disputas de poder entre os diferentes entes federados. É verdade que, sendo tais questões de índole constitucional, têm elas condições de ser apreciadas pelo STF independentemente de sua classificação, ou não, como conflito federativo, mas pelo simples fato de ser a Corte, nos termos do artigo 102 do texto constitucional federal, responsável pela guarda da Constituição.

Entretanto, sendo a controvérsia classificada como um conflito federativo, abre-se a competência originária do Supremo prevista na alínea f do inciso I do artigo 102 da Carta da República, impedindo que qualquer outro órgão do Poder Judiciário sobre ela se manifeste, em situação que reforça o papel do Tribunal como definidor do federalismo brasileiro e faz com que suas determinações nessa matéria sejam mais diretas e efetivas.

Portanto, quanto maior for a extensão do conceito de conflito federativo, maior o poder real do STF na fixação dos contornos da federação brasileira, atribuindo a cada ente federado seus verdadeiros poderes, suas competências próprias.

Tradicionalmente, a jurisprudência constitucional da Suprema Corte foi cautelosa no delineamento do conflito federativo, num entendimento que pode ser observado desde a Constituição de 1891. E, sob a égide do texto de 1988, o entendimento do STF acerca do conflito federativo manteve-se, de início, consideravelmente restritivo, limitando ao máximo o reconhecimento de sua existência e tornando sua apreciação pela Corte algo excepcional. As causas e os conflitos mencionados na referida alínea f do inciso I do artigo 102 da CF seriam somente aqueles com potencial desagregador da federação, aqueles nos quais seria necessário harmonizar as diversidades em nome da unidade.

Essa linha interpretativa é a que informa o decidido pela Suprema Corte no julgamento da Ação Cível Originária (ACO) 417 — Questão de Ordem (relator ministro Sepúlveda Pertence, Diário da Justiça (DJ) de 7 de dezembro de 1990). No caso, a lide entre autarquia previdenciária federal e um estado federado não foi classificada como conflito federativo. Isso porque, como afirmado no voto do relator, “a jurisprudência da Corte traduz uma audaciosa redução do alcance literal da alínea questionada da sua competência original: cuida-se, porém, de redução teleológica e sistematicamente bem fundamentada, tão manifesta, em causas como esta, se mostra a ausência dos fatores determinantes da excepcional competência originária do STF para o deslinde jurisdicional dos conflitos federativos”.

O substrato político de ordenação federal está na base, portanto, do conceito de conflito federativo para fins de caracterização da competência originária do Supremo. Disputas sem esse teor ficam fora da apreciação necessária e imediata do Tribunal da Federação, como indicam, entre vários outros precedentes, a ACO 447 (relator ministro Octavio Gallotti, DJ de 14 de maio de 1993); o Mandado de Segurança (MS) 23.482 – Questão de Ordem (relator ministro Ilmar Galvão, DJ de 5 de abril de 2002); e, mais recentemente, o Recurso Extraordinário (RE) 512.468 – Agravo Regimental, (relator ministro Eros Grau, DJ de 6 de junho de 2008).

Entretanto, esse critério contém um grau considerável de discricionariedade, com o qual administra a Corte a conveniência e a oportunidade de examinar algumas causas que, mesmo com questionável potencial desagregador da federação, apresentam conteúdo social, política ou economicamente relevante.

Tal movimento de relativização desse critério de risco à unidade federal, notado em reiterados julgados do STF, tem estendido o conceito de conflito federativo, acarretando — não raro — uma aplicação literal da alínea f do inciso I do artigo 102 da Constituição Federal.

Nessa linha de extensão, o Supremo passou a entender que a redução desenhada por sua jurisprudência na conceituação de conflito federativo opera-se, exclusivamente, em causas com mero conteúdo patrimonial. É o que se depreende, por exemplo, do voto proferido pelo relator da ACO 684 (DJ de 30 de setembro de 2005), ministro Sepúlveda Pertence: “Para temas como esses [da ACO 417], de cunho meramente patrimonial, é que entendo sustentável a ‘redução teleológica’ a que procedeu o Tribunal na dicção literal do artigo 102, I ‘f’, da Constituição”.

Esse entendimento, segundo o qual uma disputa entre um Tribunal de Justiça estadual e a seccional da Ordem dos Advogados do Brasil é um conflito federativo, foi rechaçado pelos ministros Marco Aurélio, Ayres Britto e Cezar Peluso, cujo voto expressa as diferentes possibilidades de delimitação do alcance dessa importante competência originária do STF: “A mim parece que o fato de reconhecermos que não se trata de entidade de direito privado [a OAB], mas de entidade especial, de âmbito federal, não significa, necessariamente, que ela represente ou encarne algum interesse específico da federação como tal e que, portanto, possa compor, no caso, um conflito federativo. A ordem dos Advogados não é ente federado!”.

Assim, se é verdade que se pode afirmar — concordando com o ministro Pertence na mesma ACO 684 — que os conflitos federativos não se resumem ao risco de iminente guerra civil ou similar, é igualmente verdade que a “controvérsia jurídica relevante sobre a demarcação dos âmbitos materiais de competência dos entes que compõem a federação” pode englobar um sem número de questões, as quais teriam no Supremo Tribunal Federal sua única instância jurisdicional.

Essa perspectiva de transformar-se a Suprema Corte em única instância de várias discussões tem-se concretizado em alguns julgados. Mesmo tendo definido que a redução teleológica da alínea f seria verificada somente em causas patrimoniais — conclusão expressa na ACO 684, julgada em 4 de agosto de 2005 —, o Tribunal, em 17 de novembro de 2005, vencido o ministro Marco Aurélio, entendeu ser competente para apreciar ação de repetição de indébito movida pelo estado de São Paulo contra a União e o INSS, tendo em vista sua natureza de conflito federativo. Trata-se da ACO 251 (relator ministro Marco Aurélio, DJ de 09 de junho de 2006), na qual uma causa evidentemente de caráter patrimonial foi considerada um conflito federativo.

Igualmente pode ser mencionada, como ilustração desse movimento jurisprudencial, a Reclamação 2.549 (relator ministro Joaquim Barbosa, DJ de 10 de agosto de 2006), por meio do qual o Supremo reconheceu como enquadrada da alínea f do inciso I do artigo 102 da Constituição de 1988 a lide estabelecida entre empresa pública estadual e a agência reguladora federal — de natureza autárquica — responsável por sua fiscalização. Para tanto, foram destacados, como traços caracterizadores do potencial conflito federativo, “o significativo impacto patrimonial a ser suportado pela União ou pelo estado de Pernambuco, conforme o desfecho da controvérsia” e “a relevância federativa da controvérsia, por opor-se à pretensão do estado-membro a atuação administrativa de autarquia federal em matéria compreendida em competência privativa da União”.

Todos esses precedentes indicam um evidente alargamento do conceito de conflito federativo, o que concentra no STF a discussão de diversas matérias, aumentando artificialmente o debate jurídico acerca do federalismo. Tal realidade tem beneficiado especialmente a União — a pessoa jurídica de direito público interno e não a unidade que caracteriza a forma federativa de Estado — em detrimento dos demais entes federados, reforçando processualmente uma centralização de poderes.

Dessa análise, pode-se afirmar que algumas conclusões exsurgem como necessárias, as quais devem ser brevemente indicadas para que se possa, de forma ordenada, efetuar algum tipo de reflexão sobre o federalismo brasileiro e a atuação do Supremo Tribunal Federal nos últimos 25 anos, em especial em sede de conflito federativo.

Em primeiro lugar, o estudo das decisões aqui referidas corrobora claramente o afirmado ao início: o STF desempenha um papel fundamental na definição dos reais contornos do Estado federal brasileiro, desenhando o real e efetivo pacto federativo nacional. Tal conclusão, aparentemente acaciana, tem o intuito de indicar — mais uma vez — que a compreensão do sistema federal brasileiro passa, sim, pelas normas escritas há 25 anos na Constituição Federal, mas passa, igual e principalmente, pelos acórdãos proferidos ao longo desses mesmos 25 anos — e nos futuros anos — pelo Supremo Tribunal Federal.

Assentada essa posição nuclear da Suprema Corte na matéria, deve-se reconhecer que tem ela atuado menos como um Tribunal da Federação — de sua unidade na diversidade — e mais como um Tribunal da União — tal qual nos casos em que se transforma num foro privilegiadíssimo no qual a União litiga com os Estados em controvérsias que muitas vezes passam ao largo do verdadeiro conflito federativo.

Atuando como Tribunal da União, o STF concentra decisões jurídicas e políticas que transcendem as relacionadas à função de árbitro do jogo federativo, tolhendo as particularidades locais e padronizando em demasia questões que deveriam ficar abertas à pluralidade típica do federalismo.

Auxilia, assim, no fortalecimento da União, na centralização do poder, enfim, na construção de um Estado unitário de fato ou de uma federação semântica, na qual a União se projeta dominadora sobre as searas de autonomia dos demais entes federados.

Essa constatação torna-se ainda mais alarmante quando — acrescentando o elemento político — é reconhecido “que a Federação é necessária para a governabilidade de um país como o Brasil, bem como para a sorte da própria democracia. Um acréscimo de centralização sufocaria o país e certamente ameaçaria a democracia”, impondo-se, assim, a reformulação da versão brasileira do federalismo e, em especial, de alguns entendimentos do STF sobre a questão.

Carlos Bastide Horbach é advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).