"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Democracia fomenta economia


Idealistas defendem a democracia pelo conforto de viver sem medo de expressar opiniões ou sem a coação para aceitar que um determinado grupo tenha se apropriado do poder. Acontece que empresários pragmáticos podem ter mais interesse em defender ideais democráticos do que vários idealistas podem supor.

A democracia amplia possibilidades de negócios. Por exemplo, se toda a população só pudesse vestir um macacão azul e ler um livro vermelho, haveria uma séria limitação para o desenvolvimento da indústria têxtil e do mercado editorial.

O regime político que privilegia a pluralidade de opiniões e aceita padrões de consumo díspares viabiliza negócios criativos com trabalhos diferentes, que podem inserir e ocupar uma população crescente nos mercados da economia. Ademais, a economia de mercados viabiliza a liberdade de escolha, considerando a existência de infinitas combinações de preferências, decorrentes da complexidade da alma humana.

Quando uma obra é censurada, o trabalho intelectual não é remunerado, gastos pagos antecipadamente não são reembolsados e várias pessoas são privadas de novas fontes de renda. As perdas econômicas podem ser substanciais com a falta de democracia. Todavia, mesmo num regime democrático, não se deve falar, escrever ou fazer, o que se quer, sem avaliar as conseqüências, ainda que o regime democrático impeça a punição arbitrária por discursos, textos ou atos.

Todos devem se interessar pela coesão social, pois as revoluções comprovadamente favorecem poucos em detrimento de muitos, sem proporcionar alguma transformação benéfica e sustentável para todos.
Tanto a eclosão de revoluções quanto a formação de bolhas especulativas nos mercados financeiros decorrem da possibilidade de haver efeito manada. Nem sempre é possível identificar a liderança capaz de fazer um grupo crescente de pessoas se envolver com um tema e apoiar uma orientação sem entender o porquê.

Como detalho com mais profundidade no meu livro “Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política” (Probatus Publicações), formadores de opinião, agindo em uníssono, comunicando com calma e clareza argumentos incorretos e incompletos, porém encadeados com uma lógica difícil de refutar e com palavras bem escolhidas, podem insuflar uma massa a derrubar um governo ou a contribuir para a desvalorização de uma moeda.

Por isso, o funcionamento da democracia requer lideranças, que podem ter interesses e expectativas diferentes e até divergentes, porém os líderes precisam ter um compromisso com a governabilidade. Quando acordos são inviáveis e há desrespeito às decisões de consenso (ou da maioria), tem-se um preocupante sintoma de ausência de coesão social com reflexos sobre as atividades econômicas.

Crises políticas comprometem a prosperidade econômica e social, notadamente quando um excesso na concentração de poder – sendo a concentração de renda um sintoma – impede a realização de trocas favoráveis para todos. Quem se sente auto-suficiente não é estimulado a estabelecer transações de bens, serviços e idéias. Por outro lado, miserável é quem não tem oportunidades de inserção social para estabelecer trocas.

O conceito de miséria, considerando a ausência de oportunidades, é muito mais amplo do que a simples falta de acesso ao dinheiro. Assim, a fome não é um problema estritamente econômico e, sim, político. A doação de dinheiro, ou mesmo de alimentos, aos famintos pode até ser uma solução de curto prazo, para uma situação de emergência (após uma enchente, por exemplo), mas não equaciona o objetivo primordial de inserir excluídos em um grupo, estabelecendo trocas, quando a vida é mais fácil e prazerosa, em comparação à vida solitária.

Quem procura estabelecer trocas, na realidade está reconhecendo que os outros têm algo a oferecer, ao passo que aquele que, apenas, faz doações, na essência reforça superioridade, condescendência e auto-suficiência. Por outro lado, aquele que simplesmente recebe doações, sem precisar conquistá-las ou demonstrar merecimento, pode se sentir inútil e prisioneiro. Relações de troca devem demonstrar um respeito mútuo, além de ampliar mercados.

Concluindo, problemas financeiros de pessoas, empresas e países não são resolvidos com medidas exclusivamente “técnicas”, porque tais problemas resultam de interações sociais e relações de poder. Crise e prosperidade comercial e financeira de pessoas, empresas e países resultam, portanto, de relações políticas, e sua duração dependerá do resultado de negociações que avaliem interesses, expectativas e poder dos envolvidos.
19 de fevereiro de 2005, do Jornal do Brasil.

Marcelo Henriques de Brito

Retrocesso


A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde se registra o caso, tem caráter meramente simbólico, já que o Judiciário entrou em recesso. Tudo indica que a liminar tem o objetivo de marcar uma posição enquanto o plenário do STF não julga o mérito da ação. Por coincidência, a decisão do ministro foi divulgada uma semana depois que o CNJ mandou investigar nada menos que 23 tribunais regionais.


Não há indicações de que a posição de Marco Aurélio seja majoritária, mas o fato de o STF não ter conseguido julgar o caso até hoje deixa na opinião pública uma insegurança quanto aos reais interesses de se alcançar um sistema judiciário que inspire confiança aos cidadãos. A defesa da corporação está com os que querem um CNJ mais ativo, refletindo os anseios da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos. Foi justamente esse sentimento que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa, depois de anos de negociação.


Invertendo a judicialização da política, comum nos últimos tempos, o senador Demóstenes Torres (DEM) apresentou emenda constitucional que garante ao CNJ o direito de julgar e punir juízes. Na verdade, essa emenda remete ao espírito da lei que criou o CNJ e seria dispensável se não fosse a reação corporativa que levou a Associação dos Magistradosdo Brasil a entrar com ação no Supremo contra o conselho.


O CNJ não foi criado como um órgão revisor e tem amplos poderes para receber denúncias contra juízes, mesmo diretamente, sem a necessidade de que a reclamação passe pelos tribunais locais. Os poderes são tão amplos que ele pode agir por conta própria, e ele vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.


Recebi do presidente do STF, Cezar Peluso, uma mensagem a respeito da coluna de sábado, “Pressão política”, onde criticava o que julgava ser mudança de posição do ministro quanto ao exercício do “voto de qualidade”, prerrogativa do presidente pelo regimento interno do STF que ele utilizou para desempatar o julgamento a favor de Jader Barbalho depois de ter se recusado a fazêlo em julgamento anterior, alegando que não tinha vocação para déspota. 


Embora Cezar Peluso não peça “desmentido ou retificação”, sinto-me na obrigação de registrar que fui injusto com ele, pois sugeri que a mudança se devesse a “pressões políticas” do PMDB, e ele demonstrou que ela se deveu a fatores meramente técnicos do julgamento.


O ministro ressalta que na primeira sessão de julgamento sobre a chamada “Ficha Limpa”, quando se recusou a desempatar o julgamento, fez isso “simplesmente porque, apaixonada pela discussão, a maioria dos ministros presentes não concordou com a aplicação da regra regimental!”.


“Se a maioria decide — e esse é o verbo juridicamente correto — que não pode ser aplicada certa norma, eu só poderia aplicá-la por ato de força, em verdadeiro despotismo e mediante pronúncia contestável de todos os pontos de vista, senão também ineficaz. O respeito aos colegas e à própria instituição, que também me anima a estes esclarecimentos, não me pedia outra coisa”, ressalta Peluso.


No caso de Jader Barbalho, porém, “todos os ministros presentes, todos, inclusive os que tinham votado em sentido contrário, decidiram aplicar a regra regimental, permitindo fosse ultimado o julgamento segundo o teor do voto de qualidade do presidente, e concordaram, alto e bom som, com a proposta de deferir o requerimento formal do interessado”.


E fizeram-no, frisa Peluso, “não porque eu, como presidente, tivesse o dom de mudar, drástica e rapidamente, o convencimento dos meus pares, induzidos pela suposta ‘consultoria’ a parlamentares, mas — e a verdade é, deveras, quase sempre, muito mais simples do que a julgam as pessoas — porque já estavam de todo convencidos da legitimidade e da justiça da decisão adotada, como, aliás, V. Sa. bem observou no artigo de hoje”.


“Eles já haviam percebido, tal como o percebeu e escreveu V. Sa., que não seria justo que ‘a lei deva valer mais para uns do que para outros’. Simples e verdadeiro, não é? Nada por estranhar, pois.”


Quanto às pressões políticas sugeridas por mim na coluna, Peluso destaca que, em 44 anos de “magistratura impoluta”,amais cedeu à “pressão de quem quer que seja, pela boa razão de que jamais alguém ousou fazer-me, de modo direto ou indireto, pressão em julgamento, nem sequer o presidente da República que me nomeou, como ficou claríssimo no julgamento do famoso caso ‘Battisti’. Por que iriam fazê-lo parlamentares com os quais não tenho intimidade alguma, e num caso em que já nem era preciso tentar convencer os ministros?”.


Após lembrar que também recebeu em seu gabinete representantes do PSB do senador João Capiberibe, Peluso explica que “todos os presidentes e ministros recebem advogados e parlamentares a respeito de causas pendentes, em prática tradicional e equânime, que, embora não me agrade, como já assentei em entrevista à ‘Veja’, não consigo mudar. Mas daí a supor que cedam a pressões, vai, desculpe-me, uma distância intransponível de boa-fé”.


Se não pelo aspecto moral, até mesmo na parte jurídica é imprópria a fala da presidente Dilma quando ela insiste em que Fernando Pimentel não era ministro por ocasião dos fatos denunciados na imprensa.


A circunstância de o atual ministro do Desenvolvimento ter dado as “palestras” e prestado “assessoria” antes de sua nomeação no cargo de ministro não afasta, em tese, o crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, redigido nos seguintes termos:


“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas, em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.”


 Merval Pereira

Educação: as lições do professor Hanushek


Os países em desenvolvimento mais que duplicaram seus recursos em educação, nos últimos 20 anos. No geral, o esforço financeiro esteve associado à expansão. Em poucos casos, o recurso adicional se converteu em resultados, o que ocorreu especialmente em países da Ásia. Apenas contar com mais dinheiro não resolve. Muito menos quando o dinheiro bom é jogado num sistema ineficiente.


Há várias formas de aprender sobre o que funciona em educação. Mas há só uma forma rigorosa: aprender com base em evidências científicas e com as melhores práticas dos países que estão à frente. O professor Erik Hanushek mais uma vez nos surpreende pelo rigor da análise e simplicidade de suas conclusões em estudo recém concluído. De 9 mil casos examinados, ele acabou ficando com apenas 79 deles para realizar a sua meta-análise. Suas conclusões restringiram-se, no entanto, aos 13 estudos mais rigorosos.


Foram examinadas inúmeras variáveis relacionadas com a infraestrutura da escola, provisão de materiais, condições do professor e organização escolar. Pouparemos o leitor das explicações metodológicas. Eis as conclusões, em ordem de seu impacto nos resultados.


Primeiro, a infraestrutura é fundamental. Funcionam bem as escolas arrumadas e com qualidade mínima adequada, carteiras, quadro-negro, giz e bibliotecas impecáveis. A presença de livros didáticos tem impacto positivo, mas seu efeito não é tão consistente.


Segundo, o professor. O profissional que conhece os conteúdos do que ensina faz grande diferença. Sua presença diária e constante também. Titulação e tempo de serviço não afetam os resultados. Capacitação em serviço costuma atrapalhar, sobretudo quando impede a presença do professor em classe. Professores contratados tendem a produzir melhores resultados do que professores efetivos.


Terceiro, a organização. Além da presença do professor, o tempo de aula influi nos resultados, na direção esperada. Tudo o que não está mencionado – inclusive os computadores em sala de aula, merenda escolar, salários e gastos em educação – não apresenta resultados consistentes. Políticas do tipo bolsa-escola podem afetar a frequência e permanência na escola, mas sozinhas não melhoram o desempenho dos alunos.
Como interpretar esses resultados? Entendendo o contexto em que foram realizados os estudos. Basicamente, o conjunto deles mostra que há duas condições necessárias para a escola funcionar: uma infraestrutura minimamente adequada e bem cuidada e professores que saibam o conteúdo do que vão ensinar.


O resto pode ou não impactar, dependendo da organização da escola. Ou seja, quem tem compromisso mantém a escola limpa, escolhe professores que dominam o conteúdo e, possivelmente, faz o resto que precisa para que a escola funcione. Sem isso, o resto é resto.


Outra forma de interpretar esses resultados é cotejá-los com a evidência concorrente provinda de outros estudos. O estudo de Hanushek e seus colegas traz, como conclusão, que é necessário examinar com mais atenção a importância dos fatores locais. As evidências dos estudos sobre escolas eficazes corroboram as linhas gerais dessa premissa, mas detalham alguns instrumentos (programas de ensino) e ações gerenciais (clima de estudo, avaliação) que fazem a escola funcionar.


No nível de sistemas escolares, estudo da McKinsey, realizado em 2009/2010 e amplamente divulgado no Brasil, também aponta para a importância de intervenções compatíveis com o nível de desempenho de um sistema escolar: diferentes intervenções fazem sentido de acordo com o nível em que o sistema se encontra. Quanto mais baixo o nível, maior a necessidade de intervenções mais estruturadas, quanto mais competentes os professores, maior a importância de diferentes graus de autonomia e participação dos diretores em decisões pedagógicas.


Livros e materiais didáticos, por exemplo, podem funcionar se são adequados à capacidade de uso pelo professor. Na mesma linha, e com base na análise de reformas educativas realizadas em países mais avançados, Michael Fullan, um dos maiores estudiosos desse tema, aponta para a importância de reformas que abranjam todas as escolas de um dado sistema escolar – e não se concentrem em escolas individualmente.


No Brasil a ansiedade da expansão desenfreada não nos permite assegurar as condições necessárias – muito menos as suficientes. Isso vale especialmente para o que se refere aos professores e a regras básicas de funcionamento das redes de ensino. Os sistemas de incentivo ou são perversos ou adotam modismos de curto fôlego.


O Ministério da Educação e Cultura (MEC) opera como se fosse responsável por escolas imaginárias, supostamente habitadas por professores livres-docentes, e as Secretarias de Educação, em sua grande maioria, operam como se fossem delegacias do MEC, cuidando mais de pedagogia e de uma miríade de projetos do que de planejar e gerir a educação.


Ninguém dá a menor atenção para as evidências científicas, a começar pelas faculdades de educação. Estamos aumentando vertiginosamente os custos da educação, enrijecendo os gastos a título de assegurar “as conquistas da classe” e sem melhoria nos resultados.


Os dados da SAEB/Prova Brasil mostram que ainda não conseguimos retomar os níveis de 1995, ano em que essa prova começou a ser aplicada. Que tal se avaliássemos, com maior cuidado, a lição do professor Hanushek? Certamente gastaríamos menos, de forma melhor e com mais resultados.

Joao Batista Oliveira

domingo, 18 de dezembro de 2011

Disputa de classes ou quem paga o pacto?


A História de todas as sociedades conhecidas é a História das lutas de classe. (Marx e Engels na abertura do “Manifesto do Partido Comunista”, Londres, 1847).


O PT, tendo suas origens nos sindicatos de trabalhadores da Indústria do ABC, incorporou, ao longo do tempo, além de outras categorias laborais, a grande massa de funcionários do governo e das empresas estatais (enquanto perdia parte de seus simpatizantes originais para o sindicalismo de resultados)


Embora desfraldando bandeiras sociais, foi na defesa de benefícios corporativos que encontrou coesão e força para crescer, já que está no interesse particular, e não no ideal socialista, a motivação de grande parte de seus associados (ressalvados os intelectuais do Partido) para a luta política.


Tendo, no entanto, recebido a rotulação de partido da burocracia, o PT encontrava grande dificuldade em se credenciar para o comando da administração pública federal. Os empresários eram quase unânimes em rejeitá-lo, por temerem uma brusca socialização da economia, e a classe média, avessa a incertezas, mantinha dele certa distância, por desconfiar de possíveis “rupturas” e, também, por rejeitar favorecimentos indevidos. 


O projeto político da “nova classe” de servidores estatais parecia, assim, ter atingido seus limites em termos de alcance da Presidência da República, muito embora, em nenhum momento, burocratas e políticos tenham deixado de ampliar a sua fatia de comando sobre os recursos nacionais. (O projeto “neoliberal” de FHC permitiu que os gastos públicos federais, em termos reais, crescessem a taxa média anual de 6%, ao longo dos últimos oito anos, e que a carga tributária bruta evoluísse de 27% do PIB, em 1994, para 35% do PIB, em 2002).


Era preciso dilatar o campo de influência do Partido, o que fez surgir a brilhante idéia, recusada pelos petistas mais radicais, de cooptar o empresariado, enfraquecido que estava, em suas convicções, por anos seguidos de magro desenvolvimento econômico e de crescentes tensões sociais. Para dar conseqüência à idéia, foi convidado, como candidato a vice-presidente, na chapa de Lula, um bem sucedido e respeitado industrial, afiliado ao Partido Liberal (?). Recriou-se o conceito de Pacto Social, em cuja concepção empresários seriam chamados a participar de Conselhos formados no âmbito do Poder Executivo. 


Ainda com vistas ao “Pacto”, seriam criadas diversas Câmaras Setoriais que congregariam os interesses das classes patronais e dos sindicatos laborais, trazendo soluções acabadas para o governo. O retorno do planejamento centralizado e de uma política industrial ativa seriam também pontos de atração relevantes, dentro do contexto de uma política de proteção ao parque industrial instalado e a seus trabalhadores. 


Com este conjunto de providências, a política de defesa dos interesses corporativos dentro do Partido acabava de lançar seu manto paternal sobre mais uma categoria de protegidos: a população produtiva organizada, que não poderia deixar de atender a tão atraente chamado; e conquistava a “respeitabilidade” necessária ao alcance de seus objetivos políticos maiores.


Deve-se notar que o Corporativismo, quando organizado como força acessória ao Congresso e quando amplamente difundido por todas as camadas da população, pode até servir como instrumento de aperfeiçoamento democrático. Afinal de contas o legislador, diante da quantidade e complexidade das questões postas sob seu exame, necessita da cooperação dos representados para se informar e saber de suas aspirações; e uma boa distribuição de “lobbies”, que se compensariam, teria como resultante um equilíbrio democrático justo. 


O problema é que, no nosso caso, as coisas não parecem se estabelecer desta maneira. O mecanismo corporativista que se pretende organizar relaciona-se diretamente com o Executivo, através de Conselhos e Câmaras Setoriais. Juntamente com o recurso aos plebiscitos, tão ao gosto de nossas esquerdas, nos direcionaria para a democracia direta, passando ao largo do Congresso ou colocando-o sob constante pressão. 


Outro ponto é que, diferentemente dos EUA, onde os “lobbies” são institucionalizados e representam um amplo espectro da população, no Brasil os interesses difusos de consumidores, contribuintes e dos ³excluídos² ainda não conseguiram se organizar para vocalizar seus anseios adequadamente.


Teremos então duas categorias de cidadãos: os pertencentes às corporações organizadas e os outros. 


De um lado todos aqueles garantidos pelo emprego público ou protegidos da competição: políticos, funcionários públicos e de estatais, trabalhadores sindicalizados e empresários apoiados pelo governo. De outro, empresários sujeitos à competição, profissionais liberais, trabalhadores não sindicalizados e os participantes da economia informal. 


A primeira categoria, sempre interessada na expansão do poder do Estado. A segunda, cada vez mais pressionada e explorada por um sócio oculto incômodo e voraz.


A História, respaldando a nossa citação inicial de Karl Marx e Friedrich Engels, nos fala de uma sucessão de conflitos de classe: Senhores x Escravos, em diferentes épocas, Patrícios x Plebeus, na Roma antiga, Lordes x Camponeses, na Idade Média, Burguesia X Proletariado, nos anos pós Industrialização e Burocracia (A Nova Classe) x População Produtiva, nos países socialistas ou com forte intervenção estatal. 


De início, a violência caracterizava a luta de classes. Com o tempo, formas mais sutis de ação se desenvolveram e confrontos abertos e sangrentos deram lugar ao jogo de pressões e às negociações políticas para o encaminhamento das disputas. 


No Brasil, pelo visto teremos uma situação conflituosa cordial, mas diferente das acima mencionadas. A “Nova Classe”, de Djilas, se ampliará. Não só os que recebem salários do governo, mas também os que dele recebem favores, passam a compor um grupo com interesses comuns. A nova disputa se dará entre Protegidos e Desprotegidos e a população produtiva não mais estará unida contra a burocracia.


Com este novo quadro de alianças, amplia-se a fatia da população diretamente interessada na expansão do Estado e aproxima-se o ponto limítrofe a partir do qual uma maioria estatizante, faminta de poder e de recursos, cada vez mais imporá sua vontade sobre os demais membros da sociedade. Como conter este ímpeto? 


Como restringir, enquanto é tempo, o paternalismo estatal e o seu comando sobre os recursos econômicos? Esta é a tarefa a que deverão se dedicar todos aqueles que acreditam no primado da iniciativa privada e no ideal de uma sociedade realmente livre!

por: Rubem De Freitas Novaes

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Geisel e Lula


Não foi por acaso que parte da esquerda brasileira encantou-se com a política econômica do presidente Ernesto Geisel, na década de 70. 


O general, que trazia uma bronca dos americanos, tinha uma visão muito ao gosto da chamada ala desenvolvimentista da América Latina: o Estado comanda as atividades, investindo, financiando, subsidiando, autorizando (ou vetando) os negócios e a atuação de empresas. Mais ainda: com a força das estatais e seus bancos, o governo organiza companhias para atuar em determinadas áreas.


O presidente Geisel, claro, tinha mais poderes do que os governantes da democracia. Todos os setores importantes da economia estavam nas mãos de estatais, de modo que o controle era mais direto. Além disso, havia o AI-5. Quando o presidente dizia a um empresário ou banqueiro o que deveria fazer, a proposta, digamos assim, tinha uma força extra.


Mas Lula arranjou um modo de recuperar o modelo, no que foi apoiado e seguido por Dilma. Geisel, por exemplo, era o dono da Vale. Lula não era, mas pressionou a mineradora, impôs negócios e terminou substituindo o presidente da companhia. Geisel montou as famosas companhias da área petroquímica, tripartites, constituídas por uma empresa estrangeira, uma nacional privada e uma estatal, na base do um terço cada. 


Aliás, convém notar: não faltaram multinacionais interessadas. O capital não se move por ideologia, mas por… dinheiro. Devia ser um bom negócio entrar num país sem competição, com apoio de um governo local que não devia satisfações ao Legislativo, ao Judiciário ou à imprensa.


Do mesmo modo, as multinacionais do petróleo, hoje, vão topar (ou não) o novo modelo de exploração do pré-sal não por motivos políticos, mas pela possibilidade de ganhar (ou não) dinheiro.


Lula, no regime democrático, substituiu o AI-5 pela ampla base partidária, cooptada e/ou comprada com vantagens e cargos. Na economia, sobraram instrumentos poderosos, como os bancos públicos, especialmente o braço armado de empréstimos especiais do BNDES. Além disso, em um país de carga tributária tão elevada, qualquer redução dá uma vantagem enorme ao setor escolhido. O governo Lula-Dilma usa e abusa desse recurso.


Geisel ampliou a ação da Petrobras, levando-a à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. O presidente Lula também mandou a Petrobras ampliar seus negócios e tratou de devolver à estatal parte do poder que perdera com a lei do petróleo de 1997, colocando-a como dominante no pré-sal.


Geisel tocou grandes obras, grandes projetos. Lula, idem. Não é coincidência que o petista tenha retomado usinas nucleares que constavam do Brasil Potência do general. Geisel tinha outra grande vantagem. Na época, não tinha licença ambiental, não tinha Ministério Público, nem sindicatos, nem juízes, nem ONGs para suspender obras.


Já Lula e Dilma passam o tempo todo tentando driblar esses “estorvos”, mas vai tudo mais devagar. Inclusive porque a repartição do governo por critérios partidários retira eficiência da administração, abre espaço para a corrupção.


O governo Geisel deixou uma ampla coleção de cemitérios fiscais e empresariais. Sua presidência beneficiou-se da estabilidade promovida pelas reformas da dupla Bulhões/Roberto Campos, no governo Castello Branco, e de uma conjuntura mundial favorável. Enquanto o Brasil conseguiu financiamento externo, com os bancos internacionais passando para os países em desenvolvimento os petrodólares, a juros baratos, o modelo ficou de pé. 


Com a crise mundial dos anos 70, com inflação e recessão, consequência da alta dos preços do petróleo, de alimentos e, em seguida, do choque de juros, a fonte secou e o Brasil quebrou.


Resultaram estatais tão grandes quanto ineficientes. E empresas privadas que não resistiam à menor competição. Sem as tetas do governo, simplesmente sumiram, deixando empresários ricos e uma conta para o contribuinte.


Convém pensar nisso quando Lula e Dilma forçam os bancos públicos a ampliarem seus financiamentos. Quando levam a Petrobras e empresas privadas a investimentos provavelmente acima de suas capacidades. Ou quando o governo toca essas obras enormes, como a transposição do Rio São Francisco ou o trem-bala.


Como Geisel, Lula também herdou uma estabilidade construída pela administração anterior e se beneficiou de um ambiente internacional extremamente favorável.


O ambiente internacional está mais hostil. E já são visíveis alguns ossos de esqueletos: obras atrasadas e mais caras, investimentos ficando pelo caminho, indústrias locais protegidas (e ineficientes), gasto público elevado, desequilíbrios econômicos voltando, como a persistente inflação.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O que o Brasil tem de melhor


A corrupção é sem dúvida um dos limitadores do desenvolvimento brasileiro. Todos os dias surgem notícias de novos e mais elaborados casos de corrupção.


A corrupção não é monopólio do setor público. Ela se dá, na maioria dos casos, entre um agente público e um privado. Para cada deputado ou vereador que aceita uma propina, do outro lado do balcão está um empresário ou um simples cidadão fazendo o pagamento ou dando “aquela mãozinha” na hora da campanha.


Quais as causas da corrupção que hoje assistimos todos os dias na televisão e no rádio? De onde ela surgiu? Devemos nos espantar cada vez que for demitido um ministro de estado sob denúncias de corrupção?


A classe política é endógena, ela é escolhida pelo povo. Nas últimas décadas, o brasileiro concluiu que não tem problema roubar, quebrar sigilo bancário, distribuir propina ou deixar as crianças sem merenda escolar. Afinal, o brasileiro comete pequenos crimes no seu cotidiano: passa com sinal fechado, usa software pirata, assiste à programação da TV à cabo com o aparelho da Net-Cat, rouba produtos no supermercado, sonega impostos etc.


Recentemente, o brasileiro também gostou da ideia de receber sem trabalhar, se aposentar sem contribuir para a Previdência Social e passar de ano sem ter que estudar. Descobriu que é legal ter uma vaguinha reservada na faculdade e que é bom tomar um crédito com juros subsidiado.


Isso não vale só para os indivíduos e famílias. Vale também para os empresários. Eles se acostumaram às negociatas e a não ter concorrentes. Competição? Agências Reguladoras? Não são necessárias, pois teremos grandes empresas brasileiras. E se vier competição do exterior? O que fazem os grandes empresários brasileiros? Demandam um aumento de IPI ao governo e depois, na hora da campanha, retribuem o favor.


Isso mesmo, do outro lado do balcão da corrupção sempre tem um agente privado. Não esqueça disso!


Vem aí a Copa do Mundo? Estádio público, é claro! Tudo muito simples. Eles põem a mão no bolso do pessoal e fazem a máquina funcionar. Não sem antes dar aquela superfaturadinha e embolsar o “vosso”. E a população? Vota novamente na próxima eleição e ainda vai dizer que fizeram mais do que o antecessor.


E os corruptos que são descobertos? Esses ficam soltos porque, afinal, somos todos brasileiros. Muitos se identificam com o bandido, pois muitos já pediram desconto se o produto não tiver nota fiscal na hora da compra. E a Justiça? Bem, esta também tem muitos brasileiros que passaram em concursos públicos e que também se identificam com os corruptos. E os médicos do SUS? São também brasileiros. Muitos assinam um contrato de 8 horas e trabalham 4. São muitos os casos e situações. Todas com suas devidas exceções, obviamente. Nem todo mundo é corrupto.


E assim vai, todos são brasileiros. É tudo endógeno! Os políticos e suas decisões são um reflexo da sociedade brasileira. É o brasileiro na sua imagem mais cristalina. Segundo alguns, é o que o Brasil tem de melhor.


E porque parece que a corrupção só aumenta? Com o aumento da renda e do tamanho do Governo, os casos de corrupção cresceram exponencialmente. Nada fora do normal. Cresceu o bolo, cresceram os participantes da festa e cresceram os tamanhos das fatias. Só isso. Não se espante com a “queda” de mais um ministro. Um outro entrará no lugar dele.


Mais um exemplar do que o Brasil tem de melhor!

sábado, 26 de novembro de 2011

O 15 de Novembro Nada a Comemorar


O amanhecer de 15 de Novembro de 1889 encontrou o Rio de Janeiro e o Império sendo regidos por um monarca  constitucional,  com  um gabinete parlamentarista, e um país consolidado e independente, tendo terminado com a escravatura, sem sangue, e com  a primeira mulher a exercer a chefia de estado, na ausência do titular, tendo na última vez que exerceu a regência, assinado a Lei Áurea. Foi a única nos séculos 19 e 20 no Brasil.


No fim da manhã, o Gabinete Ouro Preto já estava deposto pelo golpe, quando Floriano Peixoto, ajudante do Ministério da Guerra, se negou a intervir diante da meia dúzia de revoltosos, o que resultou na queda do gabinete em virtude da crise militar. Na oportunidade o país tinha  três partidos políticos, a saber: Conservador, Liberal e Republicano, este em inexpressiva posição.


Os governos eram civilistas e, nos vários Gabinetes que se sucederam, muitas vezes os Ministros da Marinha e de Guerra foram civis. Existia plena liberdade de  imprensa, que inclusive faziam charges do Imperador. O país estava pacificado, com as fronteiras consolidadas, recebendo enorme imigração européia, que veio para substituir os escravos e criar a pequena propriedade rural, principalmente no sul do país. 


À tarde, deposto o governo, e o Imperador já preso no Rio, pois tinha vindo para arbitrar a queda do Gabinete Ouro Preto por outro que não chegou a ser formado, pois o Conselheiro Silveira Martins, ao chegar no Rio, foi preso. Logo a Família Imperial já seguia para o exílio. A tudo isso o povo assistiu sem entender nada. À tarde, sem governo, pois Deodoro após depor o governo, se retirou para casa, achacado por problema respiratório, José do Patrocínio, sim, aquele que beijou as mãos da Princesa Isabel no 13 de maio, por influência de Benjamim Constant, proclamou a República, em sacada de  jornal, tendo os  conspiradores pressa em embarcar a Família Imperial pela madrugada, com medo de que o povo impedisse o exílio da Família. 


122 anos se passaram e o que temos em pleno século 21 no Brasil? Roubalheira disseminada, Presidencialismo, com uma ditadura de 4 anos, renovável por mais 4 anos, sem que os 
governos caiam antes do tempo, sociedade com péssima distribuição de renda. 


No primeiro governo de uma mulher na República, em 10 meses, 6 ministros caíram, sendo que 5 foram por conivência com a corrupção; 29 partidos políticos sem ideologia definida, exatamente por participar do botim, mexicanização da política, caudilhismo, roubalheira generalizada, anarquia política, ameaças à liberdade de imprensa, reforma eleitoral fajuta, sendo apelidada de política para enganar os incautos etc, etc.


Valeu a pena? 

Aldo B. Campagnola

Politicagens


O secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, utilizando-se, sem dar o devido crédito, de uma definição do deputado Miro Teixeira, do PDT do Rio, avisou publicamente que estamos em um regime presidencialista, e, portanto, quem nomeia e demite ministros é a presidente Dilma Rousseff.
Com isso, ele quis avisar aos partidos políticos que fazem parte da base aliada que, na reforma ministerial que vem por aí, não há lugar reservado para qualquer um deles, podendo a presidente decidir até mesmo encurtar o tamanho de seu Ministério, que, como já avisou publicamente o empresário Jorge Gerdau, é inadministrável com 40 cargos de nível de primeiro escalão.
Não quer dizer que a presidente terá condições políticas de enxugar seu Ministério, mas há uma tentativa nesse sentido em curso.
Mas o que Carvalho visava mesmo era avisar ao PDT que não adianta querer se adiantar à presidente e substituir o ministro atual, Carlos Lupi, por alguém da legenda a fim de escapar da reforma ministerial, garantindo o Ministério do Trabalho para o partido, com outro nome.
Tudo indica que essa capitania hereditária que o PDT herdou desde o segundo governo Lula não continuará sob o domínio dos pedetistas, assim como o PP pode perder o Ministério das Cidades depois de mais um escândalo envolvendo o ministro Mário Negromonte.
A presidente Dilma mudou de tática no tratamento que dá ao combate à corrupção, deixando os dois ministros da nova safra de condenados pela opinião pública a apodrecer em plena praça, sem remover o entulho político para longe.
Parece ser um passo a mais no processo de desmoralização dos partidos políticos, que vem dando à presidente um prestígio popular alto.
Pesquisas indicam que a população se convenceu de que qualquer presidente, de qualquer corrente ideológica, só consegue governar se atender às demandas dos congressistas.
A saída que a presidente Dilma teria encontrado seria expor as entranhas da classe política, e por isso é bem avaliada pela população.
Nessa mudança de maneira de agir – anteriormente ela demitira nada menos que cinco ministros envolvidos em corrupção, mas deixou que os partidos permanecessem em seus feudos, indicando um substituto -, há um risco, diante da constatação de que a maneira anterior estava sendo bem recebida pela população.
A limpeza ética torna Dilma uma presidente popular, sobretudo na classe média, cerca de cem milhões de pessoas que representam mais de 50% da população e o maior poder de compra, mais que A e B juntas, e que, em geral, dão importância a questões como valores morais.
Ao mesmo tempo, a oposição também tem pesquisas que indicam que toda essa discussão de controle da corrupção acabará por atingir a própria presidente, à medida que ficar claro para a população que ela é a verdadeira responsável por ter políticos corruptos em seu Ministério.
A corrupção teria chegado mais perto do PT, que perdeu a fama de ser um partido puro e estaria fragilizado nessa área.
A boa vontade com a presidente pode desaparecer com o tempo se a oposição conseguir marcar junto ao eleitorado que Dilma é seletiva nessa limpeza, por interesse partidário.
Ao mesmo tempo, o PSDB pretende manter uma posição moderada, fiscalizadora, sem radicalismos, que é a mais bem sintonizada com a expectativa da opinião pública.
O estudo demonstra que há grande relação entre as eleições intermediárias para prefeitos e vereadores e as das bancadas de deputados estaduais e federais subsequentes, o que dá às eleições municipais do próximo ano uma importância vital para a tentativa de soerguimento oposicionista, especialmente em relação ao DEM, que vive um período de baixa e vai ter como adversário direto o novo PSD, nascido basicamente de suas entranhas e que quer dominar o mesmo nicho eleitoral que um dia já foi do PFL e do próprio DEM.
Há uma grande expectativa, por isso, quanto às medidas que o governo venha a tomar para enfrentar a crise econômica internacional, que só faz piorar, principalmente na Europa.
Os efeitos da crise na economia brasileira, se semelhantes aos de 2008, podem trazer problemas para o governo justamente num ano eleitoral.
A queda da desigualdade sofreu um retrocesso em decorrência da crise, ficando praticamente estagnada em 2009, e os mais pobres foram atingidos mais diretamente.
Esse mesmo fenômeno pode voltar a acontecer se a crise deste ano vier com a mesma intensidade da anterior, possibilidade que já aparece nos cenários mais realistas dentro do governo.
O governo vinha sendo beneficiado nos últimos anos pelo crescimento econômico, o que permitiu ao ex-presidente Lula montar um esquema político amplamente majoritário em torno de sua candidata, a hoje presidente Dilma.
A crise econômica internacional só eclodiu em setembro de 2008, de modo que as eleições municipais daquele ano não foram afetadas por suas consequências.
Embora o ano de 2009 tenha sido de estagnação econômica, houve tempo para uma forte recuperação no ano passado, com um crescimento de 7,5% do Produto Interno Bruto.
Desta vez, porém, o timing da crise parece ser contrário ao governo, que está tendo que enfrentar este ano os efeitos da gastança governamental do ano da eleição presidencial, ao mesmo tempo em que começa a ser afetado também pela crise internacional.
O ano que vem promete ser menos propício a gastos, o que sempre é ruim em anos eleitorais e provoca em alianças políticas que vivem na base da fisiologia ambiente de instabilidade propício a traições.
Merval Pereira

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Poder Imperial


A existência de um órgão acima das disputas político-partidárias poderia ser um bom caminho para o desenvolvimento político e institucional de nosso sistema político.


Sabe-se que, diferentemente dos Estados Unidos, em que a separação tripartite dos Poderes representa um arranjo adequado de instituições para a sociedade americana, fortemente consensual em sentido social, o Brasil adentrou na era da axiologia constitucional sem um projeto coerente e racional de instituições políticas. 


Para a realidade americana, a tripartição de poderes aparece como um modelo de consagração histórica, existente desde a fundação do país e que, por isso, mostra-se extremamente adequado à realidade norte-americana, firmemente sustentada em princípios tais como o common law e o self-government, próprios da cultura anglo-saxônica. 


O self-government, enquanto princípio, refere que a sociedade americana é uma sociedade formada da base para o topo, isto é, uma sociedade que precede a formação do Estado, razão pela qual é uma sociedade fortemente detentora da capacitação para empreender projetos políticos e sociais a partir de si mesma, sem a necessidade de uma intervenção massiva do governo. 


Desta maneira, a tripartição de poderes, nos Estados Unidos, representa um modelo acidental de instituições políticas, uma vez que a maior parcela de poder é concentrada na própria sociedade e esta, organizada na base, possui condições sociais e políticas suficientes para controlar os poderes políticos, equilibrando-os. 


A democracia social americana, de que falou TOCQUEVILLE, representa um modelo político em que o monopólio da legitimidade de poder e de controle não se situa dentre os poderes, mas na própria base social. 


A sociedade, assim, possui condições de controlar o poder e, ao assim proceder, vivenciar na prática a democracia constitucional. Em um certo sentido, é apropriado dizer que nos Estado Unidos, a sociedade, e não o Estado, é o verdadeiro centro de poder. Tanto é, que ROBERT DAHL chama tal sistema de Poliarquia.


Este forte caráter de autogoverno presente na sociedade americana é devido ao processo histórico que resultou na revolução americana, verdadeira fundação do país. A América foi formada por um processo de emigração de famílias inglesas que se organizaram socialmente, em comunidades coloniais. Os Estados Unidos não conheceram um passado feudal, o que afastou o país das heranças baseadas nos ideários sociais de estratificação e sustentação tradicional do poder. 


Por estas razões, o consenso na América não é um atributo das instituições políticas, mas uma função desempenhada pela própria sociedade americana que, por meio do consenso social e do alto grau de poder que concentra e controla efetivamente o poder político (poliarquia). 


Sobre isto, CEZAR SALDANHA SOUZA JUNIOR demonstra que "nos Estados Unidos, a fonte sócio-política do poder está no povo, na comunidade. Lá a afirmação de que 'o poder emana do povo' não soa como simples princípio jurídico, um 'dever-ser' inscrito na Constituição, mas corresponde ao que foi, na realidade histórica, a formação americana. Conseqüentemente, o povo é politicamente forte em relação ao poder estatal que ele próprio criou".


Tais características da sociedade política americana são diametralmente diferentes da realidade brasileira. A formação de nossa sociedade ocorreu de modo distinto daquele sucedido entre os norte-americanos. No entanto, a partir de 1891, com a adoção do modelo republicano em território brasileiro, transportamos para nossa realidade as instituições consagradas nos Estados Unidos.


Tais instituições, em sua gênese, consistiam em dois pontos: primeiro, na adoção de um presidencialismo de estirpe norte-americana, em que as funções de chefia de estado e chefia de governo passariam, de imediato, a ser compreendidas em uma mesma pessoa que, ocupando o poder executivo (a presidência da república), exerceria duas funções distintas: a função de Estado e a função de Governo; o segundo ponto seria a transplantação de um arranjo tripartite de poderes, em que Executivo, Legislativo e Judiciário estariam em posições eqüidistantes e eqüipotentes, sem a presença de um poder acima destes para estabelecer o equilíbrio e a manutenção moderadora da integridade política.


A Constituição republicana de 24 de fevereiro de 1891, assim, fez tabula rasa das instituições do Império e consagrou entre nós um presidencialismo forte, bem como uma separação de poderes à moda clássica (vigente nos Estados Unidos). 


Com isto, derrubou o sistema tradicional do Império, em que existia um quarto poder, a saber, o poder moderador, responsável pela função de chefia de Estado e de árbitro dos demais poderes. Este, em suas atribuições constitucionais, controlava e limitava a atuação dos demais em função da manutenção da unidade política e da integridade do consenso.


JOÃO CAMILO DE OLIVEIRA TÔRRES é claro a esse respeito: "Depois do Poder Legislativo, isto é, do poder que tem a nação de determinar regras gerais para o comportamento de seus membros e de autoconstituir-se, vem o Poder Régio, aquele que possui a nação de reger-se a si mesma, de auto-determinar-se. 


Pela Constituição, tal função cabia ao Imperador, que exercia o Poder Moderador, o poder de manter em equilíbrio a máquina do Estado e de representar a nação perante o mundo. Uma prova da consciência toda especial que tinham os homens da primeira fase da história do Império do caráter essencialmente moderador das funções imperiais dá-nos a educação ministrada a D. Pedro II em menino. 


Pretendiam (e, no caso, conseguiram-no) fazer dele um homem em quem as paixões não deveriam nunca ter lugar e que, em tudo e por tudo, se fizesse inspirar pelos princípios abstratos da razão. E que pusesse os ideais espirituais e éticos acima de tudo. 


A grandeza e a fraqueza dos tediosos e quase tétricos educadores do 'pupilo da Nação' estava em que, no século do capitalismo e na América, criaram um chefe de Estado que colocava os fins morais do Estado acima dos valores econômicos. Daí a ditadura da moralidade e a tacha de inimigo do progresso que muitos deram a D. Pedro II. 


A Constituição de 1824, ao tratar do Poder Moderador, reproduzia em suas linhas mestras o conceito tradicional da realeza medieval. O Imperador, como chefe de Estado, continuava gozando das prerrogativas de seus antepassados".


Nesse sentido, o art. 98 da Constituição do Império brasileiro de 1824 falava que "o Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao imperador como chefe supremo da nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos". 


Como se observa, o Poder Moderador era, à época imperial, o poder responsável pela manutenção do consenso político, a saber, pela manutenção da ordem política brasileira e, assim, da unidade da nação em seus valores comuns.


O fim da era imperial brasileira e o advento da República entre nós representou, portanto, a adoção de um modelo consagrado em território norte-americano, em que as características de formação social e política diferem em muito do caso brasileiro. 


Estas diferenças de formação, em razão de distintas posturas das sociedades políticas norte-americana e brasileira frente ao poder, ocasionaram também diferenças nos resultados em cada um dos países. Por que isso aconteceu?


SEYMOUR MARTIN LIPSET diz que "deve-se atentar para o fato de que o caráter dos regimes democráticos pode variar consideravelmente, dependendo dos diversos elementos na estrutura social das nações com os quais as instituições políticas devem entrelaçar-se". 


Completando, OLIVEIRA TÔRRES é salutar, ao referir que "em países diferentes as instituições serão diferentes, mesmo fundadas em leis iguais. Talvez que, se as Constituições tivessem tido redações dessemelhantes, os resultados se assemelhassem. Importa, pois, apurar a diferença, isto é, a razão pela qual os países da América Ibérica diferem, quanto à política, dos Estados Unidos".


Parece claro que a diferença substancial entre os dois países reside na formação de suas sociedades políticas. Enquanto nos Estados Unidos a Sociedade precede a Política, havendo um consenso social forte e efetivo, a saber, um self-government, no Brasil, assim como em todos os países da América Ibérica, o Estado precede e forma a Sociedade, sem o qual esta não existiria. 


Na verdade, a precedência do Estado sobre a formação social, entre nós, caracteriza na sociedade brasileira, um forte apego às coisas do Estado, anteriormente à sociedade em si mesma. Por essa razão, a sociedade brasileira é uma sociedade altamente dissensual na base e ausente em forças sociais que possam mobilizá-la em direção a um projeto comum. Este apego às coisas do Estado intensifica-se com a herança de uma cultura altamente patrimonialista ofertada pela civilização lusitana, formadora do Brasil.


Por esse motivo, viu-se a adoção de uma versão republicana à moda norte-americana sendo transportada para o Brasil, uma realidade social em que o Estado é forte, patrimonialista e precedente em relação à sociedade. Quais as conseqüências desse fato?


Primeiro, o presidencialismo brasileiro acabou com a função moderadora do chefe de Estado, como era vigente na Constituição do Império. Assim, a partir da República, o presidente passa a concentrar duas funções: chefia de Estado e Chefia de Governo. Segundo, com a versão tripartite dos poderes, tal como temos hoje, não há um órgão para estabelecer o consenso político acima dos demais. Em razão disso, pressupunha-se que a sociedade brasileira pudesse realizar um forte controle efetivo sobre os poderes. 


Porém, tal não sucedeu. A sociedade brasileira, por herança patrimonialista e concebida pelo Estado, não o controla efetivamente. Muito pelo contrário. Por ele age e por ele é condicionada. A conseqüência disso foi uma inadequação das instituições americanas ao nosso contexto, que começou com a República e perpassa até os dias atuais.


A importação indevida das instituições americanas para o Brasil e também para toda a América Ibérica em geral, acabou assim, por concentrar uma alta carga de poderes nas mãos do Poder Executivo, o que durante o século XX se agravou com diversas ondas de golpes de Estado e de Autoritarismos que marcaram a região nesse período.


Este agravamento se deve ao fato de que, diferentemente dos Estados Unidos, a sociedade brasileira e latino-americana de um modo geral não possui forças sociais capacitadas para estabelecer um controle eficaz e poliárquico sobre o Poder do Governo, razão pela qual os golpes e regimes de exceção são facilitados frente ao fraco caráter controlador das sociedades da América Ibérica.


Assim, na realidade, a adoção do presidencialismo e sua perpetuação na história da República brasileira representou e continua a representar uma paulatina inviabilidade para todo e qualquer projeto político sério e comprometido com o bem comum. A saber: o sistema presidencialista e a tripartição clássica dos poderes demonstra um anacronismo em relação ao que a democracia constitucional brasileira aspira em termos práticos.


Os bens e valores do sistema democrático brasileiro são postados em nossa Constituição de 1988 como fins da democracia constitucional. Todavia, como vimos, tais finalidades são realizadas de modo mais concreto e eficiente quando o Estado de Direito e o arranjo de suas instituições estão organizados para corresponder às exigências do bem comum.


Ora, diante disso, qual o problema sociológico evidente que atrapalha para a melhor concretização da democracia constitucional brasileira, na realidade social? Ou melhor, como podemos pensar um caminho eficaz para a efetividade social das normas constitucionais que tratam da composição ontológica de nosso sistema político?


Se a sociedade brasileira foi fundada de cima para baixo, como ficou evidenciado, sendo o Estado e não a sociedade o verdadeiro pólo de poder entre nós, fato é que o caminho para um melhor arranjo de instituições rumo ao consenso não pode começar na sociedade, mas no Estado, gênese da existência nacional. O consenso, em razão disso, deve ser primeiro político, para depois almejar a comunidade.


Por essa razão, o presidencialismo e a tripartição clássica dos poderes não ofertam terreno sadio para nossa democracia constitucional. Isso por duas razões. Primeiro, ao elevar o caráter unipessoal do presidente da república na figura de chefe de estado e de chefe de governo confunde na mesma pessoa, duas funções diametralmente diferentes. 


Como define SOUZA JUNIOR, "estado não é o mesmo que governo. Enquanto o primeiro é a sociedade política global - o todo -, governo é um dos elementos do Estado, ou seja, o elemento diretor ou o conjunto de órgãos que detém o poder na sociedade política. 


E, em sentido mais estrito (...) governo é o grupo que exerce, num determinado Estado e em dado momento, a 'função executiva'. Se o Estado, como unidade social, permanece no tempo, os governos, ao contrário, passam, sucedem-se uns aos outros. Ademais, o Estado, como sociedade global, não se identifica com raças, classes, regiões ou partidos, mas os transcende; já os governos devem exprimir, o melhor possível, a opinião político-partidária dominante. Enfim, o Estado tem objetivos próprios que não se confundem com os objetivos próprios dos governos".


Enquanto o Estado cuida do consenso político, a saber, da unidade integral acerca dos valores éticos comuns partilhados na comunidade política, o governo, por ser produto de uma disputa político-partidária, representa interesses e aspirações de cunho ideológico e setorial, sendo controlado por uma oposição institucionalizada. Assim, como se vê, as funções de chefia de Estado e de chefia de Governo são diferentes, pois enquanto o primeiro cuida do consenso, o segundo, nasce do conflito ideológico.


Por isso, quando se misturam no mesmo órgão unipessoal duas funções tão distintas, acaba-se por, não raras vezes, confundir-se Estado com Governo, a saber, valores e consenso, com partidos e ideologias. Além disso, os objetivos setorizados do governo dificilmente, são partilhados com a oposição, o que não acontece com a chefia de Estado, que busca a integração nos valores do bem comum. 


Sendo assim, resta clara a imprescindibilidade de uma separação funcional e institucional entre tais funções, no sentido de que a manutenção dos valores e do consenso político não sejam instados por objetivos ideológicos presentes nas aspirações de um chefe de governo.


SOUZA JUNIOR, acerca disso, sustenta que "como corolário dessa distinção, extrai-se que os processos de preenchimento da chefia de Estado e da chefia de Governo não podem ser idênticos, mas devem se conformar à natureza específica de cada uma.


A forma de designação do titular da chefia de Estado vede propiciar a escolha de alguém que seja, o máximo possível, desvinculado das correntes partidárias disputantes do poder. 


Já, ao contrário, a forma de indicação do ocupante da chefia de Governo deve conduzir à escolha de um líder de partido que esteja identificado com as aspirações da opinião pública dominante. 


Esses os critérios que nos devem orientar na busca da forma de designação ou de eleição mais conveniente à sociedade política, uma vez que a função de chefia de Estado exige, como condição para bom exercício, a imparcialidade e a neutralidade partidárias, ao passo que a chefia de Governo requer a condição de líder da corrente partidária prevalecente. 


Nomear o chefe de Estado segundo critérios político-partidários não quer dizer democracia política, mas parcialização da suprema magistratura do Estado, aliás perigosíssima para a sobrevivência da democracia.


Eleger o chefe de governo segundo critérios avessos à opinião política, isto sim, é limitar ou negar o princípio democrático de participação popular no governo".


Diante disso, é fundamental ter presente a necessidade de se construir um caminho para uma nova engenharia de instituições políticas que assegure o consenso político. Entre nós, o presidencialismo acabou por concentrar alta carga funcional para o Poder Executivo, pois que lhe conectou as necessárias funções de chefiar o estado e chefiar o governo. 


Além disso, resultou em outra conseqüência própria do regime presidencialista: a de que o presidente é eleito diretamente pelo povo e, por isso, só a ele presta contas.


Fato é que, conforme já observamos, a sociedade brasileira é passiva e paternalista, pois tudo espera do Estado. Isso é assim porque em nossa formação, o Estado cria, concebe e forma a sociedade de cima para baixo, tornando-a dependente das castas políticas que formam o Estado brasileiro.


Ora, diante de uma sociedade fraca, com baixos fatores de consenso internos, paternalista e dependente do Estado, é evidente que ela não consiga estabelecer modos efetivos de controle sobre o poder político de baixo para cima, tal como a sociedade americana. 


Nesta, o self-government faz com que o meio social, tal como vimos em TOCQUEVILE, exerça efetivamente, um controle rigoroso sobre o poder. Diferentemente, a sociedade brasileira, formada de cima para baixo, não possui condições sociais e de formação histórica suficientes para estabelecer um controle efetivo sobre o poder.


Dessa forma, quando nossas elites políticas importaram o regime presidencialista e a tripartição clássica dos poderes, logo no advento da República, desconheciam os resultados que tal decisão poderia resultar para o futuro do Estado brasileiro. 


Sim, pois se a sociedade brasileira é paternalista e fraca para estabelecer controles eficazes sobre o poder político, como poderia controlar o poder do presidente da república e fazer com que o mesmo lhe prestasse contas? 


Ou ainda: como tal sociedade, sem caráter consensual de base, poderia estabelecer um controle sobre os três poderes políticos entre si, arbitrando-os em situação de conflitos? 


Ou mais: como podemos almejar o consenso se nem a sociedade brasileira, nem tampouco as instituições do presidencialismo possuem, na tripartição clássica, condições funcionais para um verdadeiro consenso político?


Se o Brasil é um país em que o Estado precede a formação social, a gênese de nossa existência política nacional perpassa os quadros burocráticos e patrimoniais do Estado brasileiro. 


Assim, a construção de um consenso efetivo sobre valores partilhados em comum pela sociedade brasileira não pode começar no próprio seio social, mas na arquitetura das instituições políticas do Estado, razão pela qual o consenso entre nós não pode ser "social", como nos Estados Unidos, mas "político", respeitando-se aí o processo de formação histórica brasileira.


Um país marcado por diferenças culturais e regionais, deve organizar as suas instituições políticas para garantir o consenso político sobre os valores éticos comuns. 


E esse consenso só é possível, conforme vimos, quando se institucionaliza um órgão acima das disputas ideológicas partidárias, a saber: um poder político suprapartidário e localizado acima das ideologias e interesses setoriais. 


Enfim, uma instituição política (com funções políticas bem definidas), que assegure a preservação dos valores e assim, do consenso. Por essa razão, tal poder não pode ser o Poder Executivo, órgão governamental de direção política que, dinamizado pelos conflitos ideológicos e plurais ocorridos no espaço público em que partidos e tendências diametralmente opostas, competem em vista desse cargo. 


O órgão de que estamos falando é um poder que tem como função chefiar o Estado como um todo, buscar a unidade do país e a integração dos bens partilhados em comum por toda a sociedade brasileira. Por isso, sua principal missão é manter o consenso e assegurar a existência dos demais poderes políticos do Estado.


Separar Estado e Governo e, assim, dividir as funções hoje presentes em nosso presidencialismo, em atribuições cabíveis para dois órgãos distintos, parece ser o primeiro caminho para a construção de um modelo institucional mais eficiente e comprometido com o bem comum.


Vemos essa necessidade porque, diferentemente dos Estados Unidos, em que o consenso é social, motivo pela qual o governo é um mero acidente e não representa ameaça ideológica para a integração que já existe na base social (pois os partidos políticos norte-americanos não possuem diferenças ideológicas, mas apenas estratégicas diante do consenso que já existe na sociedade), o Brasil é um país em que o consenso só é possível por intermédio da política estatal. 


Para isso, o Estado deve arranjar suas instituições e conceber um poder acima das disputas ideológicas partidárias para manter a unidade da nação e a integração sobre os valores comuns. Eis porque, a chefia de Estado e a chefia de Governo devem estar em campos separados.


Ademais, dentro da estrutura política da tripartição de poderes brasileira, o presidente não poderia exercer o papel de um poder moderador, uma vez que nesse arranjo institucional há uma rígida separação entre os órgãos, não podendo, em tese, haver interferência de um poder sobre o outro. 


Assim, não há possibilidade de existir um controle efetivo sobre os poderes, uma vez que, nem a sociedade (fraca) e nem o Executivo (impossibilitado funcionalmente), podem estabelecer um controle efetivo sobre os poderes entre si. Daí, a necessidade de um poder acima dos demais para representar o consenso político e manter a integridade da nação, os valores comuns e, assim, cuidar do bem comum.


Para nossa democracia constitucional se dinamizar em direção ao seu fim (bem comum), é importante que todas as demais causas estejam em sintonia. Assim, a comunidade política é mais soberana quando a cidadania é mais plural e mais universal. A cidadania é plena quando a dignidade da pessoa é assegurada de modo concreto pelas instituições do Estado de Direito. 


E estas, quando melhor arquitetadas, facilitam a realização do bem comum. E, o melhor arranjo institucional para nosso sistema político é aquele que fomenta o consenso político, entendendo que a sociedade brasileira não é ativa para organizar por si própria, um consenso social. 


E, o consenso político só subsiste quando há um poder do Estado institucionalizado para manter a unidade e a integração, que esteja acima dos interesses partidários e dos grupos de pressão, enfim, que não comprometa o bem comum com posições ideológicas (típicas do órgão de direção política governamental).


KARL LOEWENSTEIN, constitucionalista alemão, tratou das diferenças entre democracias e autocracias dizendo que a marca das primeiras está na distribuição do poder. No presidencialismo, o poder é fortemente concentrado nas mãos do presidente da república, que concentra funções de Estado e de Governo que, em princípio, são incompatíveis.


Diferentemente disso, sugerimos que a distribuição política das funções indicadas em poderes distintos ocasionaria três resultados satisfatórios para a efetivação prática e sociológica das normas constitucionais que constituem nossa democracia constitucional: 


1º) o surgimento de um órgão - chefia de Estado- para a preservação do consenso político; 


2º) a divisão do poder executivo que, no modelo anacrônico do presidencialismo brasileiro, concentra várias funções políticas, tais como funções de Estado, Governo, Administração e Exército;


3º) a separação entre Estado e Governo, assim, acarretaria um distanciamento entre as duas funções que, agora ajustadas em dois poderes distintos, corresponderiam a duas atividades antagônicas: com relação ao Estado, haveria um órgão para a defesa do consenso político, para a preservação da unidade nacional e para a manutenção da integridade política dos demais poderes. 


Já com relação ao governo, existiria um órgão de direção política embasado em uma determinada ideologia representativa das aspirações sociais no momento eleitoral oportuno, em que o partido vencedor procuraria dinamizar o país rumo às exigências da sociedade, empreendendo a direção política em virtude das tendências legitimadas pela sociedade política no período eletivo.


A chefia do Estado, então, se justificaria como meio de manutenção da integridade dos valores comuns frente ao pluralismo de ideologias e interesses. Ao mesmo passo, porém, ter-se-ia um órgão institucionalizado - chefia de governo - para o conflito do pluralismo ideológico entre grupos, partidos, grupos, associações e todos os cidadãos que participassem na esfera pública.


Todavia, hoje, verificamos no Brasil um arranjo de instituições que une a mesma pessoa e o mesmo poder, funções estas que deveriam ser distintas. Apesar disso, a manutenção do modelo anacrônico de separação de poderes e do presidencialismo não impede "totalmente" a concretização do bem comum entre nós. 


Pari passu ao inadequado arranjo de instituições políticas, a democracia constitucional brasileira ainda assim procura, na medida do possível, realizar os valores consagrados no texto da Constituição de 1988.


As causas do sistema democrático constitucional brasileiro estão em sintonia normativa (Direito Constitucional) e justificativa (Filosofia Política), mas precisam corresponder de modo mais empírico à realidade democrática nacional. 


E isso é possível quando as instituições políticas, responsáveis pela própria existência do Estado de Direito e, assim, da própria matéria prima democrática, mostrem-se arquitetadas de modo coerente e realista com as finalidades éticas da ordem política postadas na Constituição.


RAMOS diz que "é verdade que não se pode conceber uma Democracia sem as divergências de opiniões, inerentes á liberdade de pensamento. Entretanto, não é menos verdadeiro que qualquer sistema democrático implica sempre em um mínimo de consenso: exatamente no que toca valores e instituições fundamentais da própria Democracia. 


As lutas político-partidárias, expressão do choque ideológico entre os diferentes segmentos sociais, devem ser travadas no plano da ação governamental, sem colocar em risco os pilares sobre os quais está assentado o edifício político".


No caso brasileiro, o sucesso real de nossa democracia constitucional somente irá caminhar de modo mais seguro em direção aos valores e ao consenso quando nossas instituições políticas forem arranjadas de maneira a garantir o próprio consenso e a preservação dos valores. A existência de um órgão acima das disputas político-partidárias poderia ser um bom caminho para o desenvolvimento político e institucional de nosso sistema político. 


O advento de órgão responsável pelo Estado - chefia de Estado - não apenas asseguraria o consenso político e a integridade nacional, como também impediria instabilidades e possíveis golpes de Estado que formam o caráter genético das instituições de praticamente, todos os países latino-americanos, sobretudo, o Brasil. 


Além disso, facilitaria um jogo equilibrado e interativo entre os demais poderes políticos, uma vez que existiria, a partir de então, um poder funcional responsável pela harmonia dos demais.