"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

D.Luis de Orleãns e Bragança


Pronunciamento do Chefe da Casa Imperial

O transcurso recente do 7 de setembro e das comemorações da Semana da Pátria conduzem minhas reflexões para um dos mais importantes marcos de nossa História. Ao fazê-lo tenho em mente todos os brasileiros que, independentemente de seu credo político e de sua simpatia ou não pelo regime monárquico, de coração sincero buscam o bem do Brasil e se preocupam com seu destino.



O grande talento de Pedro Américo soube registrar para a posteridade o momento em que, às margens do Ipiranga, Dom Pedro I consumou nossa Independência.
O conjunto da cena pintada pelo eminente artista, o movimento que anima os diversos personagens, o colorido de toda a tela, transmitem-nos a relevância do momento e as promessas que pairavam sobre a nação que ali se firmava.



Esse momento histórico não esteve envolto nos estertores revolucionários que caracterizaram outros processos independentistas, nem pode ser visto como um momento de ruptura com nosso passado.



A Independência do Brasil, ainda que marcada mais proximamente por certas influências políticas controversas, foi, a bem dizer, o culminar de um longo processo de emancipação, conduzido com sabedoria por nossos monarcas, sem um planejamento dirigista, mas ao sabor das circunstâncias históricas.



Processo esse que, acelerado pelas guerras e revoluções que abalaram o Continente europeu, teve na transferência de D. João, Príncipe Regente e da Corte portuguesa para nossa terra, um momento decisivo para a definição da nacionalidade.
O Brasil independente que surgiu a 7 de setembro de 1822 era, pois, a continuação desse germinar social, cultural, político e econômico, iniciado mais de três séculos antes, fruto da operosidade e da fé da nação lusa.



A permanência da própria Dinastia, sua não derrocada ou substituição violenta, foram disso prova e, ao mesmo tempo, fator de estabilidade.



Um dos legados mais preciosos desse processo histórico foi, por certo, nossa integridade territorial e nossa unidade social, em um tão vasto e tão diversificado território.



O Brasil tornou-se um Império, mas jamais almejou a dominação das nações vizinhas. Pelo contrário, procurou sempre manter com elas relações fraternas e até em suas disputas diplomáticas soube agir com dignidade, com altivez, com senso de justiça e com habilidade, jamais com agressividade ou prepotência.



Se em determinada altura se envolveu em um conflito bélico, de consideráveis proporções, não foi a ele movido pelo desejo da conquista ou da dominação, mas para repelir a agressão injusta.



Aliás, o Brasil - onde um frutífero e vasto processo de miscigenação, entre portugueses, indígenas e negros, havia plasmado um povo com características únicas - soube aqui acolher gentes provenientes das mais variadas regiões do mundo. Europeus de todas as latitudes e origens étnicas, até orientais das mais remotas paragens, muitas vezes fustigados por circunstâncias políticas ou sociais dolorosas, aqui se radicaram e prosperaram, acolhidos com benevolência, sob a solicitude de nossos Imperadores, usufruindo dessa atmosfera de cordialidade, sem rancores nem tensões, que constitui um dos encantos da convivência brasileira.



Ao celebrarmos a semana da Pátria é, pois, com júbilo que considero tal passado, a tantos títulos inspirador. Mas é também com inegável apreensão que me volto para um presente convulsionado e para um futuro cada vez mais incerto.



* * *
Não é minha intenção debruçar-me aqui sobre os inúmeros desmandos do regime republicano, que estão à vista de todos, e que não fazem senão ressaltar a inorganicidade de um regime político que, pela violência abrupta, veio truncar essa continuidade benéfica. Desmandos esses que levam a opinião pública a não ver na classe política a expressão autêntica do que o Brasil pensa e quer.



Minha atenção é atraída para um processo mais subtil e, entretanto, mais nocivo, que atinge nossa vida pública.



Em um ambiente de aparente normalidade, sem que o Brasil seja alvo de uma agressão militar externa, múltiplos fatores vão contribuindo para corroer no seu âmago esta continuidade histórica, tão intrínseca a nossa vida como Nação independente.



Vozes políticas apelam a uma “refundação” do País, prometendo fazer aos brasileiros - sobretudo aos menos favorecidos - uma justiça que lhes teria sido sistematicamente negada. Para tal fim, jogam na vala comum da História todo o nosso passado, considerado, numa distorção falaciosa, fonte de todos os males que o País atravessa.



Apelando a estranhas doutrinas sociológicas, antropológicas, ambientalistas e até religiosas, paladinos de ideologias merecidamente sepultadas pela história recente maquiam-nas com novos contornos revolucionários e tentam introduzir na vida do País fatores próprios a desagregar nossa organização político-social.



* * *
Partidários de um verdadeiro e extremado apartheid cultural, desejam confinar nossos irmãos indígenas a uma estagnação deteriorante, negando-lhes as vantagens de um sadio progresso e, sobretudo, os benefícios indizíveis da Verdade revelada, e reclamam para eles imensas extensões de terras, que, a médio ou longo prazo, se tornarão enclaves independentes, de onde, desde já, brasileiros são violenta e arbitrariamente expulsos, como se deu recentemente em Roraima e se anuncia para breve em Mato Grosso do Sul.



Processo idêntico se dá com a chamada “revolução quilombola”, pela qual comunidades ou indivíduos que se auto-intitulam remanescentes de quilombos, habilmente manipulados por agitadores, reivindicam para si largas áreas do território nacional, em inteiro desrespeito ao legítimo e estabelecido direito de propriedade.
Aliás, em todo este processo, o legítimo proprietário, sobretudo o rural, que com seu esforço e dedicação tantos benefícios tem trazido ao País, inclusive na mais recente crise econômico-financeira mundial, é o grande vilão a ser perseguido e, se possível, eliminado.



Vai igualmente sendo introduzida no Brasil uma política de classificação de raças, que tenta negar e subverter a identidade nacional, claramente construída sobre a miscigenação, com todos os seus corolários psico-sociais de harmonia e bom entendimento.



Eivado de preconceitos ideológicos, esse multiculturalismo segregacionista tenta impor a política de “discriminação positiva” - com as chamadas cotas raciais - em nome da qual se pretende criar o clima de conflito próprio a dilacerar nossa unidade.
Nossa diplomacia, famosa por seus grandes vultos, pela excelência e discrição de sua atuação, percorre hoje, lamentavelmente, descaminhos perigosos, tão avessos a nossa índole como nação independente.



O Brasil, que naturalmente alcança uma projeção internacional condizente à sua importância, tem optado por alianças e posturas políticas no âmbito externo que podem acarretar graves conseqüências para todos nós.



Em sua política exterior o governo brasileiro tem multiplicado suas alianças e seu apoio a regimes ditatoriais, e utilizado fóruns internacionais para acobertar práticas tirânicas, o que lhe tem valido severas críticas, provenientes dos mais variados quadrantes.



Além disso, no âmbito da América Latina, é cada vez mais aberta e reconhecida a subserviência de nossa política externa a um projeto ideológico do chamado eixo bolivariano, em nome do qual o governo tem abdicado de direitos e aceitado duríssimos golpes aos interesses nacionais. Isso sem falar das estranhas alianças com regimes acobertadores ou até promotores do terrorismo internacional.



* * *
Este elenco não tem a pretensão de ser exaustivo, mas apenas um enunciado dos fatores que considero como graves ameaças a nossa autêntica independência, proclamada por Dom Pedro I, a 7 de setembro de 1822, às margens do Ipiranga.



Creio ser dever de todos os brasileiros - e me dirijo, neste momento, com particular solicitude aos que trazem vivas em seus corações as esperanças monárquicas - ter noção clara de tais ameaças, estimular ativamente o debate a respeito das mesmas, evitando assim uma apatia ou um comodismo que poderiam ser fatais, e trabalhar ativamente, sempre dentro dos limites da legalidade, para evitar ao Brasil tais descaminhos.



* * *
Ao encerrar estas reflexões sobre nossa Independência e sobre os riscos que a envolvem, volto meu olhar saudoso e filial para a figura de meu Pai, o Príncipe Dom Pedro Henrique, cujo centenário de nascimento nestes dias comemoramos.



Modelo de príncipe católico, tinha ele a convicção de que uma singular predestinação cercou desde os primeiros instantes nosso querido Brasil, e que nosso progresso teve desde seu início sentido marcadamente missionário.



Era para o ideal dessa trajetória histórica que - sem saudosismos estéreis - convidava a se voltarem os que com ele mantinham contacto ou aqueles a quem dirigia seus escritos, para que nesse passado encontrassem orientação, conselho e roteiro.



Por tal motivo, tinha, pois, meu Pai a entranhada convicção de que à Família Imperial cabia representar um conjunto de tradições e valores morais cuja ação modeladora se exerce de maneira profunda e eficaz na sociedade. E não considerava a restauração monárquica como uma ambição pessoal, de onde pudesse auferir vantagens, mas encarava tal perspectiva como missão perene a cumprir, para a qual estava pronto - e para a qual preparou seus filhos - sempre em vista do bem do Brasil.


* * *
Dom Pedro I, proclamador de nossa independência, houve por bem consagrar nosso País a Nossa Senhora da Conceição Aparecida. Nos passos de meu antepassado, é para Ela que me volto, rogando-Lhe que deite sobre o Brasil um olhar de benevolência misericordiosa, e com suas bênçãos assegure ao Brasil a plenitude de sua independência, bem como o cumprimento de sua providencial missão entre as nações.




Rio de Janeiro, 13 de setembro de 2009
Dom Luiz de Orleans e Bragança
Chefe da Casa Imperial do Brasil

sábado, 28 de novembro de 2009

Como Passa por Cima do Estado de Direito




Existem diversas formas de se fazer isso e pelo jeito, no Brasil, muitas delas são utilizadas.
Antes de qualquer coisa é preciso relembrar as funções de cada um dos Três Poderes, pelo menos de forma básica e cremos que cada cidadão tem uma boa idéia do que se trata. Ainda mais quanto a separação e independência harmônica de cada um.

A busca de argumentos jurídicos para “construir” uma fundamentação jurídica com o objetivo de se negar a extradição de Battisti para que ele cumpra a prisão perpetua na Itália, por seus crimes hediondos, é uma delas. Com a decisão final nas mãos do Presidente da República, em uma verdadeira atitude de Pilatos tomada pelo STF, fica clara a interferência – quem sabe até o comando, se não estivermos exagerando – da Suprema Corte nacional pelo Executivo, que, afinal, indicou oito de sue onze ministros. Mesmo que dois deles não tenham votado. Se a decisão é do Presidente então porque o STF foi acionado? Porque se buscar uma “orientação” da mais alta corte, se cabe à esta a defesa do Estado de Direito? Se, na dúvida entre o Direito e a Justiça se deve praticar a Justiça, não seria justo que o criminoso fosse extraditado de nossas terras para seu país de origem, cumprindo tratados legais e morais?

Outra maneira de se passar por cima de outro Poder, o Legislativo, é a convocação da chamada “Sociedade Civil Organizada”. Para se “construir” novo corpo de regras que subvertam o que está estabelecido, o Poder Executivo organizou um conjunto de “conferências estaduais” em assuntos diversos, como direitos humanos e agora, comunicação, a tal da Confecom, no próximo dia 14.12. Tudo sob o eufemismo da “necessidade de democratização” disso ou daquilo. Nessas conferências comparecem delegados de todo o País, que dizem representar grupos sociais diversos, organizados cada um por meia dúzia de participantes alimentados com verbas federais e até estrangeiras, discutindo e votando assuntos que terão documentos diligentemente redigidos dentro dos interesses maiores do Poder Executivo e dos que o apóiam.

Antes que isso possa parecer uma acusação leviana, basta analisar via Google, o formato de cada conferência regional, estadual e a grande apoteose da “representatividade de movimentos sociais” na conferência nacional, composta por milhares de delegados pagos com recursos não se sabe bem de onde. Infelizmente poucos perceberam que tal ato, tido como democrático, é na verdade, um by pass no Congresso, no Poder Legislativo. Os deputados e senadores da República é que são os portadores da representatividade do Povo e não delegados que dizem representar uma tal de “sociedade civil organizada”.

E, para não deixar pedra sobre pedra, o Poder Executivo utiliza muito bem o modelo redistributivista que é delineado sob a prática da extorsão de recursos do Povo em todo o País, centralizando 75% de tudo que é arrecado em tributos na esfera federal, para controlar o Congresso, barganhando liberação de verbas com parlamentares, ampliando sobremaneira a tal “base de apoio” no lugar do que se faz em países civilizados, a conhecida “coalizão para governar”, no interesse da Nação.

Com os poderes amplamente dominados pelo Poder Executivo, acrescido do já comprovado aparelhamento de todas as instituições de Estado, vai se fechando o cerco da centralização que terminará em algo que será difícil de ser desmontado, graças à força do processo plutocrático que sustenta toda a operação. São as conseqüências da centralização. Considerando que o uso da força para manter a sociedade afivelada no cinto de segurança pode não funcionar em razão da interdependência econômica e a conseqüente insegurança no fluxo de investimentos, resta a esperança de que o sistema imploda em dado momento, graças a impossibilidade de se cooptar a todos por todo o tempo. A reação, quando chegar a ser considerada de escala, será calcada mais na inteligência, comunicação, estratégias e táticas. Será uma guerra assimétrica composta de novos elementos, isso se a internet, último baluarte da livre comunicação, não for controlada “democraticamente”.

A descentralização dos poderes teria evitado isso tudo...

sábado, 14 de novembro de 2009

Imperatriz Mãe do Brasil



Maria Elisabeth Franziska Theresia Josefa von Wittelsbach und Croy-Solre, Princesa da Baviera, nasceu aos 9 de setembro de 1914, no Castelo de Nymphenburg, em Munique, capital do então Reino da Baviera, na Alemanha.


É a segunda filha de S.A.R. o Príncipe Real Franz da Baviera (*1875 †1957), filho de Ludwig III, último Rei reinante da Baviera, e de S.A.S. a Princesa Isabelle de Croy (*1890 †1982). Sua madrinha era sua tia-avó, a Princesa e Duquesa Marie Salvatrix de Arenberg (*1874 †1957), Princesa Étienne de Croy.


A Princesa Maria nasceu no início da I Guerra Mundial. Grande parte de seus parentes, inclusive seu próprio Pai, o Príncipe Franz, que era General do Exército Real bávaro, tiveram que lutar nesse terrível fratricídio. Ela teve uma infância e juventude bastante problemática, em virtude dos regimes que se foram estabelecendo na Alemanha, após o desastroso fim da Guerra. Em 1918, seu avô, o Rei Ludwig, teve que abdicar ao trono e partir para o exílio, juntamente com a Família Real, pois um bando de comunistas instalou-se no poder em Munique, proclamando uma república. Ele morreu em 1921, na Hungria.Sua segunda infância e adolescecência a Princesinha Maria a passou toda no Castelo de Sarvar, na Hungria, propriedade herdada por sua Avó, a Rainha Maria Theresia, que era nascida Asburgo-Este (Princesa de Módena, Arquiduquesa da Áustria, Princesa da Hungria, etc.)


A Família Real retornou à Baviera nos anos 30. Contra a popularidade dos Wittelsbach nada se podia fazer e o governo republicano se viu obrigado a lhes devolver os castelos e bens confiscados, ou pelo menos grande parte deles. Aliás, até no governo da República, existiam monarquistas!


Os tempos na Alemanha do pós-guerra foram sombrios, sobretudo na Baviera; o famoso putsch dos nazistas ocorreu em Munique. Preocupado com a ascensão dos ideais totalitaristas, pela sua extremada fidelidade aos princípios da Religião Católica, contrária a qualquer regime opressivo - e especialmente no caso do nazismo, anti-semita -, o Príncipe Senhor Rupprecht (*1869 †1955), Chefe da Casa Real da Baviera, a quem em 1933, ofereceu-se a restauração do Trono, logo desarticulada pelo temor às gigantescas fileiras extremistas que vinham se formando, desde a morte de seu Pai em 1921, decidiu declarar-se publicamente adversário de Adolf Hitler e seus comparsas. Tal bravura custou caro a ele e aos seus. Os membros da Família Real tiveram de fugir para a Itália; sua segunda esposa, a Princesa Senhora Antonia (*1899 †1954), nascida Nassau-Weilburg (Princesa de Luxemburgo), foi interceptada pela milícia nazista, que aprisionou-a em Buchenwald, e lhe torturou impiedosamente. Em decorrência disso, ela faleceu anos depois.


A Princesa Maria recebeu dos Pais esmerada educação. Fala fluentemente o Alemão, o Francês e o Português. De suas preceptoras inglesas, pôde ainda adquirir uma prática invejável nessa Língua, a qual infelizmente perdeu-se com o tempo. É pintora, especializada em porcelanas, arte tradicional da Baviera.Em 19 de agosto de 1937, pouco antes do início da II Guerra, ela foi desposada, tendo oficiado a cerimônia Sua Eminência o Cardeal Faulhaber, Arcebispo de Munique, na Capela do Castelo de Nymphemburg, por S.A.I.R. o Príncipe Senhor D. Pedro Henrique (*1909 †1981), Chefe da Casa Imperial do Brasil... e a bela Princesa bávara tornou-se a Imperatriz do Brasil no exílio!


O casamento serviu de pretexto ao Duque da Baviera para enfrentar o Governo Nazista; afinal, compareceram dois Soberanos e diversos Chefes de Casa da Europa, entre os quais o Rei exilado de Espanha, D. Alfonso XIII e a Grã-Duquesa de Luxemburgo, Charlotte I; os altos comandantes alemães não foram convidados...


Na França, onde residia nossa Família Imperial, nasceram seus quatro primeiros Filhos: o Príncipe Imperial D. Luiz (*1938), o Príncipe D. Eudes (*1939), o Príncipe D. Bertrand (*1941) e a Princesa D. Isabel (*1944).Em 1945, findada a Segunda Grande Guerra, o Casal Imperial finalmente chegou ao Brasil. Aqui, foram primeiramente instalados no Palácio do Grão-Pará, em Petrópolis, logo partindo porém a uma casa no bairro do Retiro, onde nasceram o quinto e o sexto Filhos: o Príncipe D. Pedro de Alcantara (*1945) e o Príncipe D. Fernando Diniz (*1948).Na Cidade Maravilhosa vem ao mundo mais um Imperial Infante, o Príncipe D. Antonio João (*1950). Em 1951, o Senhor D. Pedro Henrique adquire uma propriedade agrícola, a Fazenda Santa Maria, na cidade de Jacarezinho, interior do Estado do Paraná, onde a Família irá residir até 1964.No Paraná, nascem os últimos cinco filhos de Dom Pedro Henrique e Dona Maria: a Princesa D. Eleonora (*1952), o Príncipe D. Francisco (*1955), o Príncipe D. Alberto (*1959) e as Princesas gêmeas D. Maria Thereza e D. Maria Gabriela (*1959).


Em 1965, a Família Imperial já está morando em Vassouras, cidade do interior do Estado do Rio de Janeiro, cuja fama é remanescente do Império, quando era um polo cafeeiro. Em 5 de julho de 1981, o Príncipe Senhor D. Pedro Henrique falece em Vassouras. Seus funerais, aos quais comparecem centenas de monarquistas de todo o Brasil, foram uma grande demonstração do encanto, da magia, que o antigo regime ainda exerce sobre nós. O Príncipe, a quem seu primogênito e sucessor costuma denominar "Condestável das Saudades e da Esperança", foi pranteado por figuras ilustres das sociedades civil e militar brasileiras.


Seu filho mais velho, o Príncipe Senhor D. Luiz, ascendendo à Chefia da Casa Imperial, Dona Maria tornou-se a Princesa Mãe (ou Imperatriz Mãe) do Brasil. Ela, que sempre recorda docemente o carinho com que foi recebida pelos brasileiros, ao desembarcar aqui em 1945, continua a cumprir, embora numa escala bem menor, suas obrigações sociais, não desleixando nunca das religiosas. É sobretudo prazeroso à Princesa Mãe o auxílio na educação dos netos, que já beiram a casa dos trinta.


Ela é considerada uma "mulher do Evangelho", nas palavras do Bispo D. José Carlos de Lima Vaz SJ (atual titular da Diocese de Petrópolis): os exílios, revoluções, perseguições e privações de toda ordem pelos quais passou, resignando-se e orando, desde o seu nascimento, confirmam esta idéia.


"Dona Maria da Baviera", como é chamada pela sociedade brasileira, tem dividido seu tempo entre o Sítio Santa Maria, em Vassouras, onde seus netos lhe cercam aos fins de semana, o Castelo de Beloeil, na Bélgica, onde reside a Princesa D. Eleonora e seus filhos, os Castelos de Berg e Leutstetten, na Baviera, onde ela revê seus irmãos, sobrinhos e primos reunidos e, finalmente, Tervuren, no interior da Bélgica, onde agora reside a Princesa D. Maria Thereza de Orleans e Bragança.


Sua Alteza é Dama das Veneráveis Ordens de Santa Isabel e Santa Teresa, da Baviera e é Dama Grã-Cruz de Justiça de todas as Imperiais Ordens do Brasil e da Ordem Constantiniana de São Jorge, das Duas Sicílias.


fonte: Imperial e Real




terça-feira, 10 de novembro de 2009

Congresso Monárquico !!!!


Acontecerá em Santo Antônio de Pádua - RJ


Dia 05 de dezembro de 2009 um Congresso Monárquico com a presença de D. Antônio e D. Rafael.


Todos são convidados a participar! Maiores informações pelo e-mail:



Andréa Caldas


Chanceler do Círculo Monárquico de Santo Antônio de Pádua - RJ






segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Passado que não passa, futuro que não chega


Centenário das mortes de Machado de Assis e de Artur Azevedo traz reflexões sobre o fim do século 19, se é que ele findou.


Por: Flávio Aguiar
01/07/2008


O século 19 brasileiro só terminou em 1910. Já sob o governo do marechal Hermes da Fonseca, foi deflagrada a Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Candido, que graças ao episódio ganharia a alcunha de “O Almirante Negro”. Na Marinha os castigos corporais com chibata foram abolidos em 1889, com a proclamação da República. Mas foram restabelecidos em 1890. Diante da marinhagem, na maioria constituída por negros, mulatos, caboclos, a oficialidade, predominantemente de ascendência européia, só se sentia segura se tivesse tal instrumento para impor disciplina.


As penas falavam em pelo menos 25 chibatadas em público. Ao fim de novembro daquele ano um marinheiro recebeu 250. O castigo deflagrou a revolta.
Os amotinados apoderaram-se de alguns navios em frente à capital federal e ameaçaram bombardeá-la. Pediam o fim da chibata, melhorias na alimentação e nas condições de trabalho. Enquanto o restante da esquadra preparava-se para atacar os amotinados, o Parlamento votou uma anistia e o fim dos castigos corporais. Mas o triunfo dos revoltosos foi breve. Muitos foram confinados na Ilha das Flores, onde a pretexto de nova rebelião foram atacados e massacrados mesmo depois de se terem rendido. Centenas foram deportados para províncias do norte, onde nunca chegaram, mortos que foram pelo caminho. Quase uma vintena foi jogada num calabouço subterrâneo e sufocada com cal viva. Apenas dois não morreram, um deles João Candido, que, expulso da Marinha, viveu de pequenos expedientes até a década de 1960.


O episódio é baliza da vida brasileira, esse contínuo choque de um passado que não passa e de um futuro que não chega. É verdade que pôs fim à última cicatriz formal da escravidão. O Brasil comprara modernos cruzadores e couraçados na Europa. Os marinheiros, muitos ex-escravos ou filhos de escravos, adestravam-se na Europa para lidar com o maquinário. Por outro lado, mostra como o pacto surdo entre as elites brasileiras logo se reafirmou na perseguição e extermínio dos que ousaram “ir além do seu galho”, reivindicando com as armas de que dispunham um tratamento mais humano.


Mas o término do século 19 (se é que se completou até hoje...), na verdade, dera sinais um pouco antes. Dois deles em Paris: em 1901 Santos Dumont fez a primeira circunavegação da Torre Eiffel com seu balão dirigível; e em 1906 fez o vôo do 14-Bis no Campo de Bagatelle. Transformou-se num dos personagens que o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes chamava de “Bodes Exultórios” da brasilidade, e foi saudado pela marchinha que fez história: “E a Europa curvou-se ante o Brasil...”.


Tudo ainda sob o clima da belle époque parisiense que antecedeu a Primeira Guerra Mundial.


Letras e palcos


Mas como “sentimento do tempo” mais propriamente o século 19 começou a terminar em 1908. É que nesse ano dois representantes eminentes do “espírito do século”, tão grandes quanto contrastantes, desapareceram da vida carioca e brasileira. Em 29 de setembro morria Machado de Assis, aos 69 anos, já reconhecido como primeiro nas letras brasileiras, presidente da Academia. E em 22 de outubro desaparecia o dramaturgo maranhense Artur Azevedo, aos 53 anos, reconhecido como o primeiro nos palcos brasileiros. Eram amigos. Artur dedicara a Machado seu primeiro livro de contos, de 1889. Juntos, participavam das rodas literárias da capital e fundaram a Academia Brasileira de Letras, modelada pela francesa, entre 1896 e 1897. Machado de Assis ocupava a cadeira de número 23, cujo patrono era José de Alencar, e Artur Azevedo a de número 29, e o seu patrono era Martins Pena.


Eram e foram dois escritores muito diferentes, no temperamento e no destino, durante suas vidas e depois de suas mortes. Mas tiveram em comum a faceta de reinar em seus respectivos domínios, embora a fortuna crítica de ambos seja muito diversa. Machado de Assis vinha de família muito pobre, do subúrbio carioca. Começou a vida intelectual como tipógrafo, depois como colaborador dos jornais da Corte. Sua primeira realização de vulto foi tornar-se o melhor crítico de teatro brasileiro do século 19. Mas fez carreira literária como cronista e, sobretudo, como contista e romancista.


A fortuna crítica (conjunto de artigos e livros escritos sobre a obra de um escritor) atravessa o século 20 com abundância. Todos os grandes críticos e pensadores da ficção brasileira se mediram, alguma vez, com sua obra: Sílvio Romero, José Veríssimo, Alcides Maya, Augusto Meyer, Lúcia Miguel Pereira, Astrojildo Pereira, Afrânio Coutinho, Mário de Andrade, Eugenio Gomes, Brito Broca, Raimundo Faoro, Antonio Candido, Roberto Schwarz, Alfredo Bosi, Jean-Michel Massa, John Gledson, apenas para citar alguns. Sua obra chegou ao século 21 envolta numa aura de contemporaneidade perene e incluída na pauta dos estudos acadêmicos europeus e norte-americanos.


Mais ainda: sua obra tornou-se pedra fundamental na reflexão não só sobre a literatura brasileira, mas sobre o próprio Brasil. Machado de Assis é hoje tido e lido como o escritor do século 19 que mais bem interpretou essa maldição que se abate sobre a vida de nossa sociedade de modo ao mesmo tempo intermitente e permanente: como no caso da Revolta da Chibata, o passado que não passa e o futuro que não chega.


Alicerces íntimos


Tradicionalmente, a crítica dividiu a obra machadiana em duas fases, a de um romantismo tardio e a de um realismo que permanece até hoje de vanguarda. Para ficarmos na ficção, à primeira pertenceriam os romances e contos escritos antes de 1881, como Contos Fluminenses, Ressurreição, A Mão e A Luva, Helena e Iaiá Garcia, entre outras obras. Na segunda estariam os grandes clássicos machadianos, como o conto O Alienista, os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Histórias sem Data, Quincas Borba, Dom Casmurro, Várias Histórias, Páginas Recolhidas, Esaú e Jacó, Relíquias da Casa Velha, Memorial de Aires, este último publicado depois da morte da mulher, Carolina, e um pouco antes da sua. Machado de Assis passou em revista todo o Segundo Império, algumas vezes atravessando seus limites, seja para antes (raramente), seja para depois (como em Esaú e Jacó). Lido a partir de hoje vê-se que, embora levasse vida pública modesta e recatada, embora fosse monarquista liberal, ou melhor, republicano desiludido, em sua literatura não ficou pedra sobre pedra daquele mundo do século 19 e de sua “continuação” no 20.


Machado recorta o universo ético contraditório da elite brasileira, e expõe os alicerces íntimos da construção de um mundo onde tudo e nada valem ao mesmo tempo. Não há princípios, não há indivíduos, não há vontades fortes em conflito em nome de valores que julgam universais ou eternos. O que há é só e sempre acomodação, favor, clientelismo, oportunismos. Sem desmerecer os demais livros, pode-se ressaltar dois extremos, Memórias Póstumas de Brás Cubas e Dom Casmurro. No primeiro, o ponto de vista é o de um defunto que escreve suas memórias, evocando uma vida insossa, só movimentada por uma relação de adultério com sua paixão Virgília. Assim mesmo a paixão se realiza mitigada, pois a uma fuga romântica para a Europa ou para a roça, ambos preferem compartilhar o seu brilho na Corte (todos sabem do caso, até o marido “enganado”) com os encontros obscuros numa casinha suburbana, onde vegeta uma pobre senhora que acaba morrendo miseravelmente.


Em Dom Casmurro temos as memórias escritas por um rico herdeiro das propriedades maternas que se casa com a moça pobre (Capitu, uma das personagens mais fascinantes da literatura brasileira) que ele ama de verdade mas não compreende, em sua busca de ascensão e brilho na crepuscular Corte do século 19. Termina acusando-a de um adultério, num gesto onde se confundem observação e fantasia, onde a primeira fantasia e a segunda observa. O resultado é a trágica mas quieta dissolução de duas vidas, sem alardes, sem estrépito, sem vontades que se arrostam, apenas conveniências que se acomodam.


Esse mesmo “desossamento” ético fez parte dos contos, crônicas e do teatro de Artur Azevedo. Chegando à Corte em 1873, ele imperou num gênero que faria história até meados do século 20: o teatro de revista, que relia os acontecimentos do ano anterior, com números feéricos de dança, canto e correrias com dezenas de personagens. Além de, entre 1878 e 1908, produzir essas revistas anuais, Azevedo criou dezenas e dezenas de comédias, operetas, dramas, artigos e crônicas. Seus melhores testamentos teatrais são A Capital Federal, de 1897, em que atravessa o Rio de Janeiro com seu olhar clínico, mas bonachão e alegre, ao contrário do vetusto de Machado; e O Mambembe, de 1904, declaração de amor ao teatro, com a qual um grupo do Rio percorre o interior do Brasil.


Com a morte de ambos, cujo centenário é lembrado neste ano, começou a fanar-se o mundo intelectual do século 19, embora suas cicatrizes culturais, sociais, políticas e econômicas permaneçam vivas. Em 1909 morria tragicamente, num tiroteio movido a ciúme, Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, espécie de summa teológica de interpretação do Brasil do ângulo do pensamento positivista do fim do século 19, inspirador do movimento republicano que desaguou na República Velha, dos Coronéis, que subjugou os marinheiros de 1910 e perdurou até 1930. Em 1910, no começo do ano, morrera em Washington, onde era embaixador, aos 50 anos, Joaquim Nabuco, o “Tribuno da Abolição”. Não testemunhou a traição do fim do ano que exterminou os marinheiros cujo sacrifício aboliu de vez a chibata.


Sobre o Brasil de herança escravista e emperrado, Machado e Azevedo deixaram, cada um a seu modo, seu legado – aquele mais engalanado hoje, este mais modesto. Seu brilho foi seu tribuno para a posteridade. Os marinheiros não tiveram seu tribuno. Mas nem por isso seu legado tornou-se menos importante, inclusive como marca tão indelével quanto a boa literatura e o bom teatro sobre esse Brasil do passado que não passa e do futuro que não chega.

Futebol e Politica


Artigo de Alberto Rosa,


28/09/2009.

Realmente irritado sobre o último incidente no Campeonato Brasileiro de Futebol, quando dirigentes da Portuguesa foram, juntamente com seguranças armados, ao vestiário dos jogadores para reclamar (e intimidar) os atletas sobre a má situação do clube no Campeonato Brasileiro (Serie B), Rogério Ceni, um dos mais famosos goleiros brasileiros na atualidade, jogador do São Paulo F.C disse: “Não entendo porquê as pessoas não vão ao Senado Federal para protestar da mesma forma contra os políticos. Isso só acontece quando o assunto é futebol.”


Após seu desabafo, eu estava pensando: “Porquê os brasileiros não agem do mesmo jeito sobre os problemas políticos?” Eu sei, é sempre errado (e um crime também) portar armas de fogo para intimidar pessoas, e certamente quem fez isso será severamente processado e possivelmente até preso. Mas o que eu estou falando é sobre a atitude, de exigir mudanças quando as coisas estão indo mal. Porquê só agimos assim quando o assunto é futebol?Eu posso responder estas questão com apenas uma palavra: DISTANCIAMENTO.


Explico:


A razão pela qual somos tão exigentes sobre futebol é a certeza de que, se fizermos isso, mudanças virão. Sabemos que podemos fazer a diferença, que podemos participar. Além do mais, é fácil, o estádio do nosso clube fica a poucas quadras de nossa casa, resumindo, o problema, quem é responsável, e quem sobre com ele, vivem na mesma comunidade.


Entretanto, ainda respondendo a pergunta de Rogério Ceni, o atual sistema político e eleitoral brasileiro foi feito para manter as pessoas distantes, contribuindo para a impunidade. O Brasil concentra todas as principais decisões políticas (o responsável) em Brasilia, esta, construída apenas para sediar o Governo Federal (o problema), e que fica muito distante para quase todos os brasileiros, principalmente dos grandes centros econômicos (quem sofre). Somando a distância geográfica entre Brasília e cidadão, com a distância legal entre políticos e eleitores, fica praticamente impossível para o povo brasileiro reclamar e ser ouvido sobre as demandas políticas de sua realidade. Resultado disto é o distanciamento, a descrença de que possa existir bons políticos. O povo está cansado desta impunidade que impera na capital.


O caminho mais fácil para fazer o povo brasileiro novamente acreditar e participar da política brasileira seria os políticos começarem a mostrar melhores resultados, e consequentemente reconquistar a confiança do cidadão, mas como isso poderia acontecer se este distanciamento é exatamente o que maus políticos desejam e precisam para continuar no poder, e continuar com suas praticas criminosas?Consigo ver apenas um caminho: REFORMA TOTAL. O Brasil precisa de um novo sistema político, que descentralize o poder do Governo Federal, dando-o para os estados e municípios. Os políticos precisam estar mais perto de suas comunidades. Somente quando isto acontecer (respondendo ao Rogério) é que o povo conseguirá realmente exigir e participar do destino político do Brasil, da mesma forma como no futebol.


Por muitos anos o cidadão brasileiro tem sido iludido com falsas promessas, com as mesmas e inúteis soluções para os velhos problemas, entretanto, um novo movimento intelectual que está crescendo rapidamente com uma proposta que poderá resolver o maior problema do Brasil; o distanciamento.


Trata-sedo Federalismo e este Instituto Federalista pode ser a melhor alavanca para se iniciar uma mudança de mentalidade no Brasil. Publicado originalmente em Instituto Federalista

Percepcao Politica


por. Regina Caldas*


A vida de Brunetto Latini (1220-1294), coincide com um dos períodos mais agitados da história política florentina. Tendo recebido formação para se tornar notário, Brunetto foi treinado para escrever em latim nas mais variadas formas de contratos e na redação de atos e documentos governamentais. Como praticante de notário, atestou mortes, atos de ultima vontade, acordos de negócios particulares e do estado, entre Florença e outras cidades.


Brunetto Latini foi uma proeminente figura da vida pública florentina. Ocupou vários cargos de confiança como chefe de chancelaria, conselheiro e por duas vezes, embaixador. Foi também escritor, e seus livros são relatórios baseados em experiências adquiridas na vida pública. Foi na França, durante um curto período de exílio, como Dante e Machiavelli, que escreveu seus melhores livros: “Li Livres dou Tresor” (no estilo das enciclopédias medievais), o inacabado “Il Tesoretto”, um trabalho alegórico e didático em versos, e “Rettorica”, um comentário do livro de Cícero, “De inventione”. Seus escritos revelam a sua maior paixão na vida pública: a palavra e seu efeito na vida comunitária.


Aos olhos de Brunetto, a vida urbana significava a verdadeira forma de sociedade civilizada. Exagerando uma visão de Cícero, ele considerava a retórica, a suprema ciência de governar uma cidade. A arte de falar sem a qual a cidade não existia, pois faltariam justiça e solidariedade. Para ele a civilização originava-se na palavra, unindo os homens e levando-os a viverem juntos em algum lugar e debaixo de leis.


“Li Livres dou Tresor”, foi a primeira enciclopédia a ser escrita para ensinar as leis, e dirigida aos burgueses. Entretanto isto também trata de teologia, ciências naturais e história, mas os temas centrais são a ética, retórica e governo urbano. Seus mentores intelectuais foram Aristóteles e Cícero. O primeiro ajudou o autor a perceber as conexões entre ética, vida comunitária e política, enquanto com o segundo aprendeu a importância da retórica. Mas ele foi além de endossar seus inspiradores revelando uma extrema preocupação com os problemas políticos e morais dos espaços urbanos. Discutiu a dinâmica dos negócios e do dinheiro, a civilidade, a usura, o serviço comunitário, os departamentos de estado, a autoridade política e a justiça civil. A parte mais importante do Tresor aparece no livro III. Aqui ele trata da retórica e da “boa fala”, e se envolve com as cidades italianas e seus regimes comunais durante o período central do século XIII, discutindo as funções do “podestà”.


Seus escritos nos oferecem uma percepção do homem como indivíduo e também uma visão acurada dos problemas de seu tempo. Ele aborda a natureza e origem dos governos, a ligação ideal entre o “podestà” e a comunidade, incluindo eleições e qualidades requeridas num bom governante. Trata também de todas as formalidades necessárias à chegada de um novo governante, a relação com o seu staff, reuniões com os conselhos comunitários, indicação de embaixadores, administração da justiça, suas responsabilidades sobre os direitos e propriedades dos cidadãos, preparo de seu sucessor, e tudo o que deve executar antes de deixar o governo. O livro é dirigido ao “podestà” e aos cidadãos. É um tratado prático e preciso, que além de ensinar as solenidades do cargo, também fala de justiça, imparcialidade, vontade divina e os benefícios da paz.


Uma preocupação de Brunetto a respeito das eleições para o cargo de governar uma cidade, referia-se a seleção dos candidatos, quase sempre de origem nobre. Ele recomendava aos cidadãos que, ao fazerem suas escolhas considerassem acima de tudo a nobreza do coração, uma vida de costumes honrados, seu trabalho e seu lar. Para tanto ele concluía: “Muitas pessoas não consideram os hábitos do candidato, mas sim o poder que ele comanda para a sua linhagem ou para os seus desejos. Eles estão, entretanto enganados, pois o ódio e a guerra têm se multiplicado entre nós, sendo isto o sinônimo de uma divisão entre os burgueses. E os cidadãos que amam uma facção odeiam as outras.” Tiranos como Ezzelino da Romano, Torriani e outros, desfilavam aos olhos de Brunetto como resultado da tendência popular de eleger candidatos na base do seu poder, de suas ambições ou sua popularidade. Para ele, o poder deveria ser partilhado entre a experiência, os bem sucedidos e as eminências. Nas sociedades fortemente marcadas pelo status, deferências e intelectualidade, a tendência é que as altas classes tornem-se elitistas e cuidem apenas de proteger seus próprios interesses.


Outra preocupação do notário, relativa ao governo, era de que os governantes deveriam manter afastadas suas relações de amizade enquanto ocupassem cargos de poder, já que isto diminuiria a dignidade do cargo, levantava suspeitas e estimulava a discórdia civil. A implicação era de que o “podestà” poderia ser tentado a ajudar os amigos violando as leis. Um podestà jamais deveria vender justiça ou receber presentes, afirmava ele. E concluía que sendo a comunidade sempre dividida pelos interesses dos vários grupos sociais, a melhor maneira de se impor barreiras à corrupção e às dissidias seria obedecer a lei e temer a Deus.


O código de Brunetto, a ser seguido pelo bom governante determinava:


* Não aceite um segundo termo;

*Não faça amigos enquanto estiver governando;

*Não mantenha contactos pessoais;

*Não adquira débitos com pessoa alguma;

*Não se permita ser louvado pelo conselho;

*Esteja acima das partes e facções;

*Sempre consulte os cidadãos mais capazes;

*Favoreça a opinião e o conselho da maioria;

*Obedeça estritamente a lei em todas as circunstancias;

*Não aumente as taxas e impostos deixando a população endividada, salvo por manifesto benefício à cidade e pela aprovação do conselho.


Como fica muito claro na concepção do notário, justiça não soluciona todos os problemas existentes dentro de uma comunidade, pois as pessoas diferem umas das outras e assim sempre será. O homem sempre tem uma concepção arbitrária ao reclamar para si os bens terrenos. Mas, estando a justiça no meio deles torna-se possível a convivência social.


Em vários aspectos de seus escritos, Brunetto manifestou pensamentos e atitudes que retrataram a percepção local própria do século XIII. Porém, quando fala de política e sociedade, seus pensamentos são extraídos de um forte apego à cidade tendo-a como um fim em si mesma. E, numa época em que todo ato de governo era considerado fruto da vontade divina, sua visão política vai além de seu tempo. A noção medieval de que todo poder político provinha de Deus não era uma abstração. Continuamente, nas falas públicas o homem era conduzido a aceitar plenamente a vontade divina em seu destino.


A doutrina era enunciada sob o juramento de que reis e governantes reconheciam a origem divina de sua autoridade. As conseqüências eram de ordem prática. Se toda a atividade política origina-se de uma concepção religiosa e sujeita à uma ordem de valores eternos, quem governava estava imbuído de um poder superior incontestável para criar as leis, julgar, administrar e decidir os destinos da cidade e de seus cidadãos, conduzi-los à guerra ou à paz.


E as conseqüências para os cidadãos eram claras, os heréticos eram condenados à morte. Foi Brunetto Latini que, durante o tempo em que esteve exilado na França, primeiro manifestou sua compreensão da necessidade de separar a gestão do Estado de suas origens de cunho espiritual tornando-o secular. Mas para que a semente de seu pensamento se espalhasse, e provocasse mudanças para governos seculares, levou tempo.



* Formada em Administração de Empresas; exerceu cargos de diretoria e Conselho na Associação de Mulheres de Negócios e Profissionais do Estado de São Paulo (BPW), na União Cívica Feminina, no Voto Consciente, Federação Internacional de Amigos de Museus e fez parte do Instituto Liberal (SP).


FHC x LULA


01/11/2009


Lula exerce "autoritarismo popular", com "decisões esdrúxulas", diz FHC em artigo


O ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso assina um artigo veiculado neste domingo (1º), em diversos jornais de circulação nacional e local, por meio do qual faz duras críticas à gestão Lula, que seria o responsável pela “enxurrada de decisões governamentais esdrúxulas”. Segundo FHC, Lula exerce um “autoritarismo popular” velado, com a anuência de uma sociedade satisfeita por um contexto de avanços.


“Diferentemente do que ocorria com o autoritarismo militar, o atual não põe ninguém na cadeia. Mas da própria boca presidencial saem impropérios para matar moralmente empresários, políticos, jornalistas ou quem quer que seja que ouse discordar do estilo ‘Brasil-potência’. (...) Se há lógica nos despautérios, ela é uma só: a do poder sem limites. Poder presidencial com aplausos do povo, como em toda boa situação autoritária, e poder burocrático-corporativo, sem graça alguma para o povo”, disserta o tucano.


Intitulado “Para onde vamos?”, o texto inicia a argumentação mencionando a suposta acomodação da opinião pública diante de um governo com alguns êxitos, e de um presidente com elevada aceitação popular e tido como um dos expoentes da nova ordem mundial. “(...) alguns estão de tal modo inebriados com ‘o maior espetáculo da Terra’, de riqueza fácil que beneficia a poucos”.


O ex-presidente desfila sua erudição de sociólogo formado na francesa Sorbonne e faz analogias a obras literárias como O príncipe, de Nicolau Maquiavel, e à famosa frase atribuída a Luís XIV de Bourbon, ‘L’État c’est moi’, na qual o monarca absolutista da França demonstra como encarava seu reinado. É quando FHC faz referência à “mal ajambrada” reforma na legislação do petróleo, um dos “pequenos assassinatos” supostamente perpetrados por Lula e “engolidos sem tempo para respirar” pelo Congresso Nacional.


“Por que anunciar quem venceu a concorrência para a compra de aviões militares se o processo de seleção não terminou? (...) Pouco a pouco, por trás do que podem parecer gestos isolados e nem tão graves assim, o DNA do ‘autoritarismo popular’ vai minando o espírito da democracia constitucional”, diz FHC, citando episódios e ações de governo em nível nacional e internacional, como a relação com o presidente iraniano Ahmadinejah e às recentes rusgas em torno da gestão da Vale, maior empresa privada do país.


“(...) o presidente já declarou que em matéria de objetivos estratégicos (como a compra dos caças) ele resolve sozinho. Pena que estivesse esquecido de acrescentar ‘L’État c’est moi’. Mas não se esqueceram de dar as razões que o levaram a tal decisão estratégica: viu que havia piratas na Somália e, portanto, precisamos aviões de caça para defender ‘nosso pré-sal’. Está bem, tudo muito lógico”, arremata o tucano, retomando o título do artigo ao encerrá-lo.


“Comecei com para onde vamos? Termino dizendo que é mais do que tempo dar um basta ao continuísmo antes que seja tarde.”

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Cara é o Brasileiro


O brasileiro acredita que será a pessoa mais feliz do mundo, daqui a cinco anos: de 0 a 10, vai ser 8,78, maior nota atribuída por pessoas de 132 países considerados numa pesquisa mundial, citada pela FGV em seu mais recente trabalho sobre a classe média, divulgado nesta segunda, 21 de setembro.


Na verdade, empataram com o brasileiro os habitantes da Dinamarca, da Irlanda e da Jamaica, o país de Usain Bolt, lembra o titular do estudo, Marcelo Cortes Neri. O brasileiro vai estar melhor que seu país, segundo a mesma pesquisa: daqui a cinco anos, a nota do Brasil vai ser 6,7 e, aí, perdemos da Irlanda (8,14).


A pergunta de Neri: como pode um país ser o melhor para cada indivíduo e não ser bom para todos os seus habitantes? Essa dissonância é explicada por Neri à moda de La Fontaine: "somos mais cigarras que formigas; sempre esperamos um futuro melhor. Mas, ao contrário das formigas, não somos os melhores seres para viver em coletividade. As altas e históricas taxas tupiniquins de inflação, desigualdade e criminalidade refletem essa característica", explica o economista, que dá "uma boa notícia: estamos melhorado.


Mas, tal como na fábula, não nos preparamos para o futuro". A renda do trabalho explica apenas 67% da queda da desigualdade nos últimos sete anos, o Bolsa Família garante 17%, a renda de previdência, 15% e as transferências privadas, 1%.Estamos melhorando, pelo sim pelo não.


Com dados da mais nova Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad, do IBGE veja em www.ibge.gov.br), a FGV e Neri calculam ter o consumidor brasileiro crescido, em número, em quase 20% entre 2003 e 2008 e, com isso, cerca de 32 milhões de brasileiros passaram a fazer parte do mercado consumidor nacional. Está aí a boa notícia: no ano passado, com crise e tudo, a classe C perdeu 1,5 milhão de pessoas, que subiram para as classes AB.


A classe C ganhou nada menos de 5,3 milhões de pessoas, das quais 900 mil resgatadas da classe D, a pobre, e 3,8 milhões da classe E, a miserável. Outra notícia, senão boa, pelo menos, menos ruim: agora quase metade da população brasileira (49,2% ou 97,1 milhões de brasileiros) é da classe média, a C (renda de R$ 1,1 mil a R$ 4,8 mil/mês).


A classe alta (AB, renda acima de R$ 4,8 mil) soma 10,4% do total ou 9,4 milhões de pessoas. A pobreza caiu em 43,04%, ou o equivalente a 19,4 milhões de brasileiros resgatados. Na miséria, ainda estão 29,9 milhões de pessoas. A divisão de classes segundo a renda espanta muitas pessoas - para quem não se pode ser classe média com renda de R$ 1,1 mil mensais. Neri entra no assunto discutindo o que se chama hiato de renda, ou quanta renda falta para uma família viver ou sobreviver.


No estudo da FGV, calcula-se que, no ano passado, "o déficit médio expresso em termos monetários de cada brasileiro miserável seria de R$ 56,29 mensais." Façam as contas, senhores. Diz mais a FGV: calculando o custo da erradicação da miséria em 2008, seriam necessários R$ 9,01 em média por pessoa para aliviar totalmente a pobreza no Brasil. Ou seja, R$ 1,7 bi mensais. (21/09/2009)


por: Joelmir Beting

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Da Campanha " O Petróleo É Nosso " aos Desafios do Pré-Sal



Por: Luiz Paulo Vellozo Lucas

A história da indústria do petróleo no Brasil é marcada por dois períodos. No embalo da campanha “O Petróleo é Nosso”, o primeiro teve início com a Lei n.º 2004 de 1953, que criou a Petrobras e deu à empresa o monopólio da exploração, produção, refino e transporte da commodity e seus derivados no país.


O segundo período, reflexo do processo de abertura econômica e de reforma do Estado, começou em 1995 com a aprovação da Emenda Constitucional n.º 5, que permitiu a exploração por empresas privadas dos serviços locais de gás canalizado. Com a promulgação da Lei n.º 9 478 de 1997, a Lei do Petróleo, culminou a definição do novo marco regulatório do setor.


Ainda em 1995, a Emenda Constitucional n.º 9 tornou flexível o monopólio da Petrobras e permitiu a atuação de grupos privados em toda a cadeia do segmento econômico.Ao longo de pouco mais de meio século, o Brasil foi considerado um país dotado de poucas reservas e, portanto, condenado à condição de importador da commodity. Atingiu a auto-suficiência em 2006. E agora sonha com a possibilidade de entrar para o seleto grupo dos grandes exportadores, depois da descoberta das expressivas reservas do pré-sal.


O presente artigo traz um breve histórico da indústria petrolífera no Brasil: da fundação da Petrobras até a quebra do monopólio estatal na década de 1990. Em seguida, apresenta avaliação dos resultados obtidos com a mudança do marco legal. Por fim, lista as oportunidades e desafios do pré-sal para o futuro do país diante de um cenário de crise financeira internacional.Do início ao fim do monopólio.


Criada em 1953 pela Lei nº 2004, sancionada pelo presidente Getúlio Vargas no dia 3 de outubro daquele ano – data de aniversário da Revolução de 1930 –, a Petrobras iniciou suas operações em 1954. A empresa nasceu com a responsabilidade de promover as pesquisas de petróleo e realizar todas as operações do setor no país, como produção, transporte, refino e comércio de petróleo e derivados.


O processo de exploração e produção de petróleo no Brasil pode ser dividido, de modo geral, em três fases bem delimitadas. A primeira delas, denominada fase terrestre, inicia-se com a própria criação da Petrobras e vai até 1968, quando começam as explorações no mar.


O período acabou marcado pelo chamado Relatório Link, conjunto de cartas do geólogo americano Walter Link, ex-funcionário da Standard Oil of New Jersey, para a direção da Petrobras. De acordo com Link, o Brasil não possuía reservas economicamente viáveis nas bacias terrestres. Deveria, portanto, voltar-se para o mar.Durante quase uma década, Link foi o responsável pelo Departamento de Exploração da estatal. A opinião causou grande polêmica em um período caracterizado pelo nacionalismo exacerbado.


A partir de 1968, o país intensificou as atividades em áreas marítimas. No princípio, a exploração concentrou-se nas bacias localizadas no Nordeste. Em 1973, com o primeiro choque do petróleo, quando o valor do barril passou de US$ 2 para US$ 10 a preços da época, o Brasil teve de buscar alternativas para a importação da commodity em larga escala, pois o cenário de oferta abundante e preços baixos ficara no passado.


Vale lembrar que o Brasil vivia a fase do chamado “milagre econômico”, com taxas de crescimento acima de 10% do pib, o que resultava em aumento da demanda por petróleo. Sem recursos para manter os níveis de compra no mercado internacional e sem reservas conhecidas, a Petrobras manteve o foco no Atlântico, onde havia perspectivas de se encontrarem novas jazidas.Em 1974, ocorreu a primeira descoberta comercial na bacia de Campos. A partir daí, houve intensificação de atividades na área, resultando em vários campos em águas rasas, com lâminas d’água inferiores a 400 metros.


Até 300 metros de profundidade, a exploração pode contar com o auxílio de mergulhadores. Depois disso, todo o processo tem de ser feito por meio da robótica. Com a fronteira das jazidas cada vez mais distante da costa e em profundidades sempre maiores, o país acabou por figurar na vanguarda do desenvolvimento tecnológico para produção e exploração em águas cada vez mais profundas.No entanto, o óleo extraído das reservas da bacia de Campos era pesado para o perfil das refinarias instaladas no país. O fato tornou-se novo desafio para a Petrobras. Por meio do projeto “Fundo de Barril”, a estatal conseguiu fazer com que as refinarias operassem com 85% de óleo nacional.


O segundo choque do petróleo em 1979, quando o valor do barril chegou a US$ 35 a preços de então, obrigou o país, mais uma vez, a se voltar para o oceano em águas cada vez mais profundas. O quadro externo também incentivou o investimento em fontes alternativas de energia. O Pró-álcool é um exemplo. Mais tarde, o programa viria a se tornar o embrião das pesquisas em biocombustíveis.Mesmo em cenário adverso, a produção offshore permitiu que o país alcançasse a meta de produzir 500 mil barris de petróleo por dia em 1984, com um ano de antecedência.


Desde então, o país vive a terceira fase de exploração e produção, denominada de marítima de águas profundas. O período teve início com a descoberta dos campos de Albacora, no final de 1984, e de Marlim, no início de 1985. Os dois campos estão localizados em águas profundas, com lâmina d’água acima de 400 metros.


Segundo Fernández e Pedrosa, no trabalho citado, as atividades na área permitiram a descoberta de novos campos gigantes em águas ultraprofundas (com lâmina d’água acima de mil metros), como Albacora Leste (1986), Marlim Leste (1987) e Marlim Sul (1987).


Contudo, o contrachoque do petróleo registrado em 1985, com o preço do barril em torno dos US$ 15, criou dificuldade na obtenção de capital para investimentos na área. O desenvolvimento desses campos só se tornou possível após 2001, depois de superadas as limitações técnicas e asseguradas as fontes de recursos.Do novo marco legalà auto-suficiência.


A Constituição de 1988 manteve o monopólio da Petrobras, mas introduziu a idéia de um órgão regulador para o setor. Isso despertou a empresa para a necessidade de se preparar para os novos tempos.Depois de 35 anos de criação, a estatal lançou o seu primeiro plano estratégico em 1989. O projeto tinha como diretrizes as necessidades de investimento em eficiência, competitividade, recursos humanos e tecnologia, além da integração do processo produtivo (upstream e downstream). A proposta revelava diretrizes que se contrapunham aos princípios adotados por uma estatal monopolista.


Nos anos 1990, dentro do contexto da reforma do Estado, inicia-se uma nova fase institucional para o setor. Em agosto de 1995, a Emenda Constitucional n.º 5 permitiu que os serviços locais de gás canalizado fossem explorados por empresas privadas. Em novembro daquele mesmo ano, a Emenda Constitucional n.º 9, que flexibiliza o monopólio da Petrobras e permite a atuação de empresas privadas em todos os elos da indústria do petróleo, intensificou o processo de reestruturação setorial, que culminaria com a Lei n.º 9 478, em 1997.


O novo marcou legal manteve o monopólio da União sobre as reservas de petróleo, gás e demais atividades da cadeia produtiva. No entanto, as atividades de exploração e produção passaram a ser regidas por contratos de concessão firmados entre a Agência Nacional do Petróleo (anp) – autarquia criada pela lei para promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades do setor – e as empresas vencedoras das licitações de blocos promovidas anualmente. A Petrobras teve garantido o direito sobre os campos em produção e as áreas em que tivesse realizado investimentos na exploração.


A anp tornou-se o braço da União para realizar os poderes de concessão, fiscalização e regulamentação. O modelo regulatório instituído obteve, ao longo dos últimos onze anos, os resultados esperados: atração de novos investimentos, maior participação dos entes federativos sobre as receitas geradas pelas atividades do setor e, sobretudo, o fortalecimento da Petrobras.Submetida à concorrência, a empresa foi oxigenada. Assimilou novas práticas. Inovou na sua gestão. Construiu novas parcerias. Mudou a sua forma de relacionamento com o governo federal. Aprimorou práticas de responsabilidade social e de cuidados com o meio ambiente, aumentando a transparência em relação ao mercado.


Já não mais protegida sob o guarda-chuva do monopólio legal, a estatal adquiriu maior relevância internacional. O próprio Estado passou a utilizar menos a empresa como instrumento político e procurou aproveitar melhor os fluxos de lucros, dividendos, impostos e participações governamentais pagos pela empresa .


Por essas razões, o processo de abertura do setor no Brasil é reconhecido internacionalmente. Ele se destaca pela transparência e pela estabilidade de regras, elementos que possibilitam aos agentes econômicos previsibilidade e planejamento de longo prazo. Depois dessas mudanças, o setor aumentou consideravelmente sua participação no pib, crescendo sempre acima da média.


A Tabela 1 apresenta dados do setor de petróleo e gás, comparando os anos de 1997 e 2007:Vale lembrar que a lei foi aprovada sob forte oposição dos que hoje estão no governo, a exemplo do que ocorreu com outras reformas estruturais. Dizia-se à época que quebrar o monopólio era franquear as riquezas brasileiras a investidores estrangeiros, em prejuízo da nação. Os fatos mostraram o contrário. Não apenas o país tornou-se um produtor mais relevante de petróleo, como a própria Petrobras tornou-se mais eficiente.


Dez anos depois da abertura do setor, existem hoje mais de 70 grupos econômicos atuando em exploração e produção de petróleo e gás no país, dos quais boa parte de origem estrangeira. A média diária de produção cresceu 120% no período.Como se vê, o Brasil ganhou muito ao se abrir à concorrência externa e permitir que investidores privados ingressassem em áreas antes cativas do Estado – algo que a ideologia do atual governo sempre execrou.


Em resumo, o novo marco regulatório foi idealizado para criar regras claras à participação dos agentes nas atividades anteriormente desempenhadas de modo exclusivo pela Petrobras. O objetivo era promover a entrada de novos atores no setor, fomentar a competição e atrair novos investimentos. Os números demonstram o sucesso da lei.


O padrão de contrato de concessão adotado pelo novo modelo prevê a apropriação pela sociedade – por intermédio da União, dos estados e dos municípios – de parte da renda obtida pela produção de petróleo e gás. São as participações governamentais, mecanismo adicional às obrigações tributárias previstas legalmente.


A Lei n.° 9 478 alterou substancialmente esse mecanismo para ampliar a fatia governamental sobre a renda auferida nas atividades de exploração e de produção, regidas pelos contratos de concessão, conforme o quadro abaixo:(...)


O bônus de assinatura é pago pelo vencedor do leilão das áreas concedidas para exploração. O valor é repassado integralmente à União. Conceitualmente, o bônus precifica o risco exploratório associado ao bloco e à bacia ofertados. Já o pagamento pela ocupação ou retenção de área refere-se aos valores pagos por quilômetro quadrado retido pela concessionária durante a fase de exploração e de produção. O montante também acaba repassado integralmente para a União.


Os royalties recaem sobre a renda bruta da produção e pode variar de 5% a 10%, sendo hoje de 9,7% na média ponderada. Os valores da renda bruta são calculados em função do preço internacional do barril e do câmbio. Representam uma compensação financeira pela exploração de um recurso mineral não-renovável.


As participações especiais são aplicadas a campos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade. Recaem sobre a renda líquida de acordo com alíquotas progressivas que variam em função do volume de produção de um determinado campo. Expressam a captura financeira pelo Estado de parcela da rentabilidade das atividades de produção no setor de petróleo, como faz o Imposto de Renda.


Os royalties e as participações especiais contemplam União, estados e municípios, em percentuais distintos, conforme apresentado na Tabela 4. Repartem-se aproximadamente na proporção de 50% para União e 50% para estados e municípios. Pode-se observar que o total da distribuição das participações governamentais entre União, estados e municípios depende significativamente do valor do bônus de assinatura auferido na licitação anual, uma vez que estes são repassados integralmente à União.


Da transformação na indústria do petróleo resultou o crescimento quase exponencial da participação do governo nas receitas do setor. Considerando royalties, participação especial, bônus de assinatura e pagamento por retenção de área, ela somou mais de R$ 82 bilhões desde 1998 até o ano passado.A evolução das Participações Governamentais, desde a promulgação da Lei, e a evolução de sua distribuição entre os entes federativos são apresentadas nas Figuras 1 e 2.


Diante do cenário de aumentos de produção, investimentos e participações governamentais, a produção nacional atingiu a auto-suficiência em meados de 2006 com o início das operações da plataforma P-50 no campo Albacora Leste, na bacia de Campos. A produção nacional chegou a 1,85 milhão de barris, superando pela primeira vez a capacidade de processamento das refinarias.O resultado – a despeito da estratégia do Planalto de vender a tese de que a auto-suficiência reflete ações adotadas a partir de 1º de janeiro de 2003 – apenas ratifica a importância e o sucesso do marco regulatório.


Mais: representa décadas de trabalho de exploração e produção durante sucessivos governos.Mas na prática, mesmo com toda a comemoração do governo, ainda temos de importar óleo leve e continuamos tendo déficit na conta petróleo. Em agosto deste ano, o Brasil teve de importar US$ 818 milhões em petróleo, por exemplo.


As oportunidades e desafios do pré-sal


De forma semelhante ao período da campanha “O petróleo é nosso”, há mais de meio século, o tema está de volta à ordem do dia. Depois do anúncio da descoberta da existência de bilhões de barris de petróleo no campo de Tupi – extensa área localizada na camada de sal do Oceano Atlântico que vai do Espírito Santo a Santa Catarina – em meados do ano passado, o petróleo voltou à ribalta nacional. E mais uma vez, o atual governo arvorou-se de único responsável pela descoberta.Na verdade, os esforços exploratórios nos blocos do pré-sal tiveram início com a segunda rodada de licitações da anp, realizada em 2000. Portanto, ainda no governo passado. Durante o período do monopólio estatal não foram realizadas atividades exploratórias significativas nessa área. No entanto, o novo cenário, a partir das recentes descobertas no pré-sal, estimulou o debate quanto ao modelo regulatório do país.


As atividades de exploração e produção de petróleo e gás são regidas internacionalmente por três modelos principais: contrato de concessão, contrato de partilha e prestação de serviços. No contrato de concessão (adotado no Brasil), o monopólio dos recursos naturais é da União, mas o risco da exploração é da concessionária, que em caso de sucesso torna-se proprietária do óleo produzido pelo período de vigência do contrato.


O país recebe compensações financeiras, por meio das participações governamentais e de bônus de assinatura que precificam o risco exploratório.


O processo é altamente transparente e permite o planejamento da utilização de áreas para exploração, inclusive à luz de definições estratégicas de políticas públicas.Já no contrato de partilha, o custo do risco exploratório é da empresa contratada. Em caso de sucesso da empreitada, a empresa desconta os custos de exploração e de desenvolvimento da produção do óleo, que é repartido entre a empresa e a União em percentuais preestabelecidos. De modo geral, os custos no modelo de partilha são maiores.


Na prestação de serviços, o plano de trabalho é definido entre a empresa operadora e o Estado. O pagamento à empresa é realizado em dinheiro e o óleo fica nas mãos do Estado, que é responsável por sua comercialização. A prestação de serviços é o modelo adotado por México e por Irã, por exemplo.


O debate sobre o tema tem despertado paixões, deslocando o foco da discussão para o modelo regulatório, quando a grande questão – do ponto de vista da sociedade – está na fatia apropriada pelo Estado da renda oriunda da produção de um bem não-renovável.O modelo regulatório utilizado não determina a fatia apropriada. A apropriação maior ou menor pode se dar em qualquer modelo. Essa deveria ser a questão central do debate.


A passagem de um modelo monopolista em toda a cadeia para uma realidade concorrencial exige um processo contínuo de ajustes com vistas ao máximo ganho para a sociedade. No entanto, sob a retórica da defesa do interesse nacional, a mudança no modelo como um todo pode fazer o país voltar no tempo, andar na contramão da tendência internacional e paralisar o desenvolvimento do setor, estratégico para o crescimento da economia.


Não se trata, portanto, de buscar subterfúgios para – diante da nova realidade representada pela descoberta do pré-sal – alterar o cerne de um modelo em que as atividades de exploração e produção se fazem por licitação transparente e sob contratos de concessão.De fato, algumas condições mercadológicas e tecnológicas se alteraram desde a entrada em vigor do marco legal pós-monopólio. Mas os ajustes à nova realidade podem ser feitos sem mudança do conteúdo da lei em vigor. A variação do preço internacional do petróleo e o volume estimado das recentes descobertas na camada pré-sal levam à necessidade de revisão da fatia governamental auferida nas atividades de produção de petróleo e gás, em função da alta rentabilidade.


A lei contempla essa possibilidade: a participação especial, regulamentada por decreto presidencial, pode ter suas alíquotas ajustadas levando-se em conta todos os elementos da rentabilidade.


Acresce que o bônus de assinatura, que precifica o risco, tende, pelo processo de concorrência, a apresentar valores mais elevados onde o risco exploratório for menor, como na camada do pré-sal.Diversas propostas foram apresentadas para a destinação dos recursos das participações governamentais associadas à exploração das jazidas dessa camada. Nenhuma delas é incompatível com o modelo de contrato de concessão. Obstáculo, se houver, será o contingenciamento de recursos para fins de geração de superávit primário. É essa prática que impede a efetiva aplicação de recursos com base em destinações preestabelecidas em lei.


O modelo atual tampouco dificulta o planejamento de longo prazo relativo à utilização das reservas do país. Para isso, existe o Conselho Nacional de Política Energética.


Enfim, todas as condições estão dadas para, mantida a estabilidade atual, continuar atraindo investimentos, melhorar o conhecimento de nosso subsolo e fortalecer ainda mais os orçamentos dos entes federativos com novos recursos oriundos da renda petróleo.


Conclusões e perspectivasLogo após o anúncio da descoberta das reservas da camada pré-sal, o governo retirou da nona rodada de licitação de blocos da anp as áreas de pré-sal localizadas nas bacias de Santos, Campos e Espírito Santo. A decisão veio a reboque de estimativas otimistas e prematuras. A Petrobras chegou a estimar um volume de oito bilhões de barris apenas em Tupi e de mais de 70 bilhões de barris no pré-sal das Três Irmãs.


Se os cálculos estiverem corretos, as reservas brasileiras passariam a figurar entre as dez maiores do mundo, atrás apenas dos países do Oriente Médio, da Rússia, da Nigéria e da Venezuela.Diante desse cenário de euforia, o governo conseguiu transformar uma boa notícia em problema e ainda vendeu para a população a idéia de que todos os males do país serão resolvidos com os recursos do pré-sal.


Sem saber para onde caminha o setor, os investimentos em petróleo no Brasil entraram em compasso de espera antes mesmo de os efeitos da crise financeira internacional atravessarem o Atlântico. Como no restante da economia, a crise pegou o governo desprevenido também no que se refere ao pré-sal.


Já antes do anúncio da descoberta de Tupi, a oitava rodada de licitações fora suspensa por decisão judicial, tomada em 2006. Posteriormente, a liminar foi derrubada, mas o governo seguiu sem definir como e quando retomará a rodada porque nela estão dez blocos localizados nas “franjas” do pré-sal. Nesse cenário de crise internacional, fica claro o prejuízo que o governo causou ao retirar a área do pré-sal dos leilões da anp no momento em que o preço do barril do petróleo batia sucessivos recordes.


Mais uma vez, o governo Lula perdeu o bonde da história.


A verdade é que as reservas da camada pré-sal estão localizadas a mais de seis quilômetros do nível do mar. Em média, as jazidas se encontram sob dois mil metros de lâmina d’água, mais dois mil metros de rocha, além de outros dois mil metros de pré-sal. Isso sem falar que alguns campos estão a mais de 300 quilômetros da costa.


Qualquer atividade nessas circunstâncias não é trivial, ao contrário do que fazem crer os discursos ufanistas de nossas autoridades. Embora, diga-se, exista toda a tecnologia desenvolvida no país para exploração em águas ultraprofundas, reconhecida internacionalmente.


O desafio de explorar o pré-sal ultrapassa a fronteira da tecnologia encontrada hoje no mundo. Estamos diante de um desafio semelhante ao de desenvolver programas nucleares ou de viagens espaciais. Uma das dificuldades é enfrentar a composição geológica das áreas a serem perfuradas.


A profundidade é outro problema, que faz aumentar a pressão e a temperatura. A cada 30 metros de profundidade, a temperatura aumenta um grau centígrado. A seis mil metros de profundidade, encontram-se temperaturas de, no mínimo, 180 graus centígrados.Esses são apenas alguns dos desafios a serem superados para que as empresas possam extrair o petróleo submerso em condições economicamente viáveis. O país ainda não tem tecnologia para isso. O desafio não é apenas da Petrobras ou das empresas que atuam no setor. O sucesso ou o fracasso devem ser compartilhados.


Outro ponto fundamental são as restrições de ordem econômica. Como conseguir recursos para transformar o pré-sal em riqueza para os brasileiros, sobretudo nesse momento de crise financeira internacional?


Assim como as estimativas do volume das reservas, as cifras necessárias para exploração do pré-sal variam bastante.Há apenas um consenso: o valor será expressivo. Os números vão de US$ 600 bilhões a US$ 1 trilhão, algo entre 40% e 60% do pib. Vale lembrar que, neste momento de volatilidade dos ativos, fica difícil fazer qualquer previsão.


Nesse cenário de incertezas, é possível fazer apenas uma afirmação precisa: o pré-sal, após investimentos da ordem de bilhões de dólares, levará alguns anos para ser explorado de modo economicamente viável e em quantidades significativas.


Desse modo, estamos na fase em que o projeto de exploração e produção requer trabalho árduo e investimentos expressivos, que ainda estão longe da fase de retorno. Para isso, o fundamental nesse momento é a manutenção do marco legal. A hora é do trabalho da formiga e não do canto da cigarra.


Eloi Fernández e Oswaldo Pedrosa, “Exploração & Produção: Diagnóstico e Propostas”, em Adriano Pires, Eloi Fernández y Fernández & Julio Bueno (orgs.), Política Energética para o Brasil: Propostas para o Crescimento Sustentável, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2006.
Adriano Pires & Leonardo Campos Filho, “A Abertura do Setor Petróleo e Gás Natural: Retrospectiva e Desafios Futuros”, em Fabio Giambiagi, José Guilherme Reis & André Urani (orgs.), Reformas no Brasil: Balanço e Agenda, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2004.

Dez Mitos Sobre defesa Nacional no Brasil


Por: João Paulo Soares Alsina Jr.


Este artigo aborda o que se poderia chamar de incompreensão generalizada sobre as questões de defesa nacional




A idéia demito é empregada no sentido adquirido no senso comum: o de argumentação falaciosa que possui relevância em vista de sua ampla aceitação em um determinado contexto social. Procuro demonstrar a inconsistência dos argumentos que sustentam visões dominantes sobre a problemática brasileira de defesa, sem utilizar citações e notas de rodapé.




Mito 1. O Brasil não precisa de Forças ArmadasEsse mito deriva da incompreensão sobre o papel das Forças Armadas prevalecente em amplos setores da sociedade brasileira. Sua origem encontra-se no pacifismo anti-militarista proveniente de duas matrizes não-excludentes:a ingenuidade bem-intencionada e o preconceito puro e simples contra as instituições de Estado que se ocupam da administração da coerção organizada. No primeiro caso, supõe-seque o sistema internacional tende à harmonia de interesses – embora os defensores dessa tese raramente sejam capazes de formulá-la em termos estruturados; no segundo caso, rejeita-se a instrumentalidade das organizações de força nacionais com base em seu suposto papel repressivo e na sua pretensa ausência de função social. Ambas as vertentes desse pacifismo à ou trance, que nega, na prática, a necessidade de defesa da soberania e o papel do aparato militar na construção de sociedades democráticas, são pobres do ponto de vista conceitual. Com freqüência, não passam do nível do preconceito e da ignorância tout court, não estando respaldados pela Carta de 988.




Mito 2. O Brasil não precisa de Forças Armadas com alta prontidão operacional e apreciável poder combatenteEsse mito merece explicação detida. Suas origens podem ser encontradas em visões, não necessariamente estrutura das do ponto de vista teórico-conceitual, presentes de maneira difusa na mídia, em setores da sociedade civil, no meio diplomático e mesmo nas hostes militares!Qualquer medida de poder combatente – entendido como o quantum de capacidade destrutiva passível de ser aplicado pelas Forças Armadas em um conflito – deve ser sempre comparativa. Neste ponto, o analista depara-se com uma dificuldade de base: como definir os antagonistas com os quais o poder combatente do país deverá ser comparado? A resposta está longe de ser consensual, tanto do ponto de vista acadêmico quanto do político. Em todo caso, ela terá de ser apresentada a partir de uma posição normativa passível de poucas restrições, uma vez que a Constituição brasileira e a Política de Defesa Nacional (PDN) permitem ampla margem para a interpretação do que constituiria ameaça à soberania e aos interesses nacionais.Portanto,para que se possa afirmar que o Mito dois é de fato mito, faz-se necessário demonstrar a necessidade de o Brasil contar com Forças Armadas com alta prontidão operacional e significativo poder combatente.




A apresentação da teoria que embasa os argumentos apresentados a seguir levaria este texto longe demais. No entanto, vale dizer que ela se fundamenta em inferências analíticas derivadas dos trabalhos de Barry Buzan, OleWaevere David Mares. Abaixo, apresentam-se as premissas que justificam a necessidade de aumento do poder combatente e da prontidão operacional das Forças Armadas brasileiras:




• o poder militar continua a ser fundamental para a mensuração do poder no plano das relações internacionais. Embora a capacidade de o poder militar servir de suporte em outras áreas de barganha (sua fungibilidade) seja limitada, ela de forma alguma pode ser considerada igual a zero;




• a força armada domina as demais expressões do poder em contextos de interação em que não haja limitações significativas ao seu emprego;




• o poder militar pode ser utilizado tanto coercitiva quanto persuasivamente Logo,ele constitui uma ferramenta útil para a consecução dos interesses de um Estado específico;




• a imprevisibilidade de um sistema internacional de contornos indefinidos, a interconexão em tempo real permitida pelos meios de comunicação,os fluxos de pessoas e mercadorias entre Estados, os problemas ambientais de escala planetária, a diminuição do custo de utilização da força armada devido ao gigantesco gap tecnológico entre exércitos de países desenvolvidos e em desenvolvimento, entre outros fatores,fazem com que a eclosão e a escalada dos conflitos interestatais se processe de modo acelerado;




• logo, as Forças Armadas brasileiras precisam possuir alta prontidão operacional de modo que estejam prontas a dar resposta imediata a contingências que atentem contra a soberania e os interesses brasileiros. Da mesma forma, a alta prontidão justifica-se como fator dissuasório e de projeção internacional do Estado;




• como a garantia da soberania é atributo das Forças Armadas, estas devem estar prontas a impor custos elevados a qualquer Estado que pretenda coagir o Brasil militarmente – seja de modo explícito ou velado;• tendo em vista a atual inexistência de contencioso sou de séria incompatibilidade de valores entre o Brasil e os países mais poderosos do Ocidente – aqueles que teriam condições de empreender ações do tipo mencionado no item anterior –, bastaria ao país ser capaz de mobilizar poder combatente suficiente para ele varacima de zero o custo de qualquer ação como a citada no item acima;




• em contrapartida, as Forças Armadas também precisam garantir a supremacia militar brasileira no subcontinente, forma de demonstração da vontade nacional de liderar o processo de integração regional.Em vista do que precede, afirma-se que se trata de mito a idéia de que o Brasil não precisa de Forças Armadas com alta prontidão operacional e apreciável poder combatente. Nessa linha, proceder-se-á à enumeração dos argumentos que estão por trás do Mito 2,de acordo com uma versão estilizada, própria a cada um dos atores que se ocupam de reproduzi-lo.A mídia não se pronuncia sobre o projeto de forças brasileiro e o nível desejável de prontidão operacional das Forças Armadas. Praticamente não há discussão pública sobre esses temas no Brasil.




No entanto, com freqüência, programas de aquisição de sistemas de armas são avaliados a partir de uma perspectiva economicista, que se ocupa exclusivamente de ressaltar o valor da transação. Não raro, esse valor é cotejado com a resultante do investimento caso fosse aplicado na área social. Decorre desse nível de superficialidade no tratamento do tema a inferência difusa de que o aumento do poder combatente e da operacionalidade das Forças Armadas não constituem objetivos socialmente válidos.




A representação política da sociedade civil pouco interesse demonstra em acompanhar e fiscalizar os assuntos militares. Essa abdicação de controle dá ensejo a todo tipo de distorções – circunstância inerente às burocracias desprovidas de supervisão. Os temas relacionados coma prontidão operacional e o poder combatente das forças são praticamente estranhos aos parlamentares brasileiros.




À retórica de valorização das Forças Armadas corresponde a ausência de interesse em destinar recursos para um setor não-identificado com os imperativos do clientelismo e da patronagem. Tudo isso ocorre em um contexto de profunda apatia da sociedade civil em relação às questões castrenses. Estruturada conceitualmente a partir da apropriação seletiva do legado de Rio Branco, a diplomacia brasileira não encara o poder militar como ferramenta essencial de projeção dos interesses nacionais. Isso se deve a variadas razões, sendo a mais saliente delas o fato de que, ao longo do século xx, o Itamaraty jamais pôde contar com um aparato militar que lhe permitisse maior latitude de atuação. Ademais, a retórica relacionada com a identidade internacional brasileira como a de uma potência pacífica limita a utilização clausewitziana da força armada.




Logo, o plano declaratório da política externa não é conducente ao incentivo ao aumento do poder combatente das Forças Armadas. Mais do que isso, a possibilidade desseaumento é suficiente para suscitar temores de desequilíbrio do balanço estratégico regional e de eventuais conseqüências negativas no que se refere à percepção do Brasil por parte de seus vizinhos .




Os próprios militares não raro agem de maneira contrária ao incremento do poder combatente e da prontidão operacional das instituições a que pertencem Essa postura pode ser identificada em três circunstâncias distintas: quando existe a possibilidade de um trade-off entre o aumento de poder combatente e a manutenção ou ampliação de benefícios corporativos (salários, aposentadorias, pensões etc. );quando alguma modificação organizacional coloca em perigo a autonomia corporativa das forças singulares (por exemplo,o processo de criação do Ministério da Defesa); e quando a prioridade da instituição não é o incremento de poder combatente per se,mas a consecução de algum outro objetivo (preservação da ordem interna,no caso do Exército; desenvolvimento científico, tecnológico e da infra-estrutura aeroespacial,no da Aeronáutica,por exemplo)Mito 3. O Brasil não deve incrementar seu poder militar sob pena de provocar desequilíbrio estratégico na América do Sul e fomentar corridas armamentistas




O conceito de equilíbrio estratégico, ao contrário do que supõe-seu uso vulgar, é controverso do ponto de vista acadêmico. Torna-se ainda mais difícil falar em equilíbrio em uma região como a América do Sul, que se notabiliza por ser uma das menos armadas do mundo. A baixa capacidade de projeção de poder das Forças Armadas da região,acoplada aos limita dos estoques de armamentos,acrescenta uma nota adicional de dificuldade em supor a existência de um equilíbrio estratégico que seja instrumental para a manutenção de relações amistosas entre os Estados sul-americanos. Na melhor das hipóteses,poder-se-ia falar em um equilíbrio na irrelevância,termo em si contraditório, pois a essência da tese defendida pelos partidários do equilíbrio estratégico é a crença realista de que a balança de poder garantiria a paz enquanto permanecesse ajustada Ora,é difícil sustentar que a ausência de conflitos recorrentes na América do Sul se ja o resultado da operação da balança de poder. No máximo,esse poderia ser considerado um entre outros fatores que explicam tal circunstância.Corolário da suposição de que o balanço estratégico seria instrumental para a manutenção da paz é a tese de que corridas armamentistas adviriam de eventual desequilíbrio.




Novamente, trata-se um tema controverso como se fora um dado inequívoco da realidade . Os partidários dessa suposição raramente consideram que não há parâmetros consensuais para diferenciar esforços de reaparelhamento militar e corridas armamentistas. Da mesma forma,desconsideram as diferenças de percepção decorrentes da existência de uma estrutura social das relações entre os Estados da região mais tendente ao conflito ou à cooperação. Com efeito,iniciativas de modernização militar podem ser vistas como corridas armamentistas ou reaparelhamento corriqueiro, de acordo com o nível de confiança mútua existente.




Esse fato parece escapar aos que temem corridas aos armamentos em conseqüência de desequilíbrios estratégicos. A estes escapa, ainda, a dimensão da política doméstica – essencial para a tradução de inputs externos em ações internas – e da viabilidade material de uma reação ao que se conceba como desequilíbrio militar. Assim, a dinâmica da política doméstica e a disponibilidade de recursos modularão a reação de um país ao que entende ser um aumento de capacidades militares por parte de seu vizinho . Mesmo que as elites dirigentes de um país.




A entendam que a nação B está a ponto de adquirir vantagem militar considerável, isso não significa que terão coesão, vontade ou capacidade de reagir a essa circunstância . Portanto,o modelo ação-reação implícito na idéia de corrida armamentista não se sustenta empiricamente, pois não pode ser generalizado.




Logo, não é possível antever a priori reações negativas a um incremento do poder militar brasileiro Ao contrário, pode-se supor que essas reações, consubstanciadas em corridas armamentistas, não ocorrerão. Isso porque prevalece um ambiente de distensão entre o Brasil e seus vizinhos, além do fato de que nenhum deles teria condições de acompanhar os esforços de reaparelhamento brasileiro mesmo que entendessem assim proceder, uma vez que o Brasil pode dispor de recursos mais abundantes do que todos eles. Conclui-se que a tese que encara o fortalecimento de capacidades militares como prejudicial às relações brasileiras com os países lindeiros não possui solidez. Ela supõe como certos efeitos que são duvidosos e que não estão respaldados pela experiência regional recente .




De outra parte,subjaz ao mito em questão a desconsideração pela influência que os planos hemisférico e global exercem sobre a política de defesa. Ainda que o Brasil,na condição de potência regional militarmente débil, não exerça papel sistêmico importante no que se refere à segurança internacional, isso não quer dizer que os desenvolvimentos globais não afetem o país. As recentes descobertas de petróleo no litoral sudeste provavelmente aproximarão o Brasil de um dos mais tradicionais eixos de conflito entre Estados: a disputa por recursos energéticos. Desconsidera respossibilidade equivale a agir de modo autista.




Logo, o Mito três é ainda mais falacioso por supor que a inserção internacional de segurança do país limitar-se-ia ao espaço sul-americano.




Mito 4. As Forças Armadas brasileiras possuem poder de dissuasão adequadoEssa idéia é sustentada por dois grupos distintos: aqueles que pouco conhecem sobre as Forças Armadas e aqueles que crêem que aposição internacional do Brasil recomenda a manutenção de um baixo perfil militar – supostamente adequado à realidade de país em desenvolvimento . O primeiro grupo sustenta essa posição baseado em uma visão nacionalista ingênua e irrealista, que entende que as Forças Armadas representam uma instituição imaculada – centrada nos valores do patriotismo, da retidão moral, da abnegação etc..




Essa visão, contudo, não merece ser tratada em detalhe. O segundo grupo, por sua vez, poderia ser subdividido em vários subgrupos. O que une todas as vertentes que gravitam em torno da idéia de que o perfil estratégico brasileiro estaria adequado à sua estatura internacional é a concepção de que o país não pode aspirar a ser mais do que atualmente é:Estado em desenvolvimento não assolado por ameaças externas prementes,fraturado por seriíssimo problema de insegurança pública,debilitado por gravíssimas desigualdades sociais etc . Essas vulnerabilidades tornariam impossível a adoção de um perfil distinto do hoje prevalecente no plano militar. Ora, não se pode negar as debilidades brasileiras.




No entanto, a visão descrita acima encerra um notável derrotismo, além de não considerar as contradições inerentes à política de defesa levada a cabo no presente. Se se considera que o perfil estratégico nacional é adequado, deve-se acreditar, por analogia, que a aplicação dos recursos destinados à defesa é satisfatória. Uma pesquisa superficial sobre os países que mais investem em defesa no mundo e seus respectivos arsenais indicará que esse não parece ser o caso. Sinteticamente, o Brasil encontra-se entre os dezesseis países que mais investem em suas Forças Armadas em termos absolutos




No entanto, há um abismo em termos de capacidades militares entre o nosso país e qualquer um dos quinze que se encontram à sua frente no ranking




O mesmo ocorrendo em relação aos cinco que se situam logo atrás dele Isso se processa pelo fato de que mais de 80% do orçamento da defesa se destina ao pagamento de salários, aposentadorias e pensões. Nessas condições, caso fossem implementadas reformas que diminuíssem gastos com pessoal, mas mantivesse no mesmo orçamento, haveria possibilidade de aumentar os investimentos no aparelhamento das Forças Armadas; o que, ipso facto,negaria a tese de que o Brasil não poderia possuir capacidades militares mais importantes do que as atuais.




Assim,oderrotismoparalisantedaquelesquecrêemnadapoderserfeitonãosóémenos realista do que parece como também referenda um estado de coisas que é extremamente negativo, ou seja:o país investe tanto quanto muitos dos Estados melhor aparelhados em termos militares sem que obtenha retorno semelhante ao alcançado por estes últimos.




Mito 5. As Forças Armadas devem cumprir seu papel social por meio de ações cívico-sociais e da manutenção do sistema de recrutamento universal obrigatórioPor trás dessa visão, encontra-se mais ou menos formalizada a idéia de que o Brasil pode prescindir de Forças Armadas como instrumentos de garantia da soberania nacional Essa rationale supõe que:




• não haveria ameaças externas contra as quais o Brasil precisasse se preparar militarmente;




• as Forças Armadas, nesse contexto, precisariam “ser úteis”ao país por meio de ações não diretamente relacionadas com a preparação para a guerra;




• diante das grandes desigualdades sociais e da tibieza da presença do Estado em setores importantes da vida nacional,uma forma de conferir utilidade às Forças Armadas seria a de empregá-las nas chamadas ações cívico-sociais;




• nessa mesma linha, a ampliação do recrutamento de jovens das camadas mais desfavorecidas da população serviria como forma de inculcação de valores cívicos e de transmissão de conhecimentos básicos.O serviço militar obrigatório funcionaria, então, como um instrumento civilizatório.




De início, há um problema central relacionado com esse tipo de perspectiva: a Constituição Federal Esta estabelece que uma das duas funções precípuas das Forças Armadas é a defesa da soberania nacional Logo,do ponto de vista legal,estas não podem abdicar dessa tarefa. Ocorre que o assistencialismo relacionado com a perspectiva mencionada encontra-se em direta contradição com a tarefa de defesa da soberania. Isso se dá porque existe um conflito entre a natureza das funções aludidas A guerra moderna implica a necessidade de forças detentoras de alta prontidão operacional,capazes de atuar de modo coordenado com os demais ramos das Forças Armadas, tecnologicamente atualizadas, flexíveis .




Essas características requerem a existência de oficiais e praças altamente qualificados – tanto em termos de capacitação intelectual e técnica quanto de adestramento. Recrutas temporários de baixa instrução não têm nenhuma condição de atender aos requisitos para a formação de um soldado apto a operar no campo de batalha digital contemporâneo.




Não resta dúvida de que a lógica do Mito cinco conduz a uma contradição fundamental de quase impossível resolução Portanto, a manutenção de Forças Armadas cuja estrutura organizacional não privilegia a preparação de profissionais adaptados às exigências da guerra contemporânea significa insistirem um modelo que, a um só tempo, não elimina as desigualdades sociais e não proporciona ao país forças aptas a garantir satisfatoriamente a defesa da soberania nacional.




Mito 6. O orçamento militar brasileiro é baixo




Mito 7. As Forças Armadas podem colaborar decisivamente no combate à criminalidade, o que lhes conferiria utilidadeEsse mito é uma variante especialmente grave do Mito 5 Os partidários dessa tese acreditam que o emprego das Forças Armadas em substituição ou complementação às polícias seria capaz de resolver ou minorar os problemas relacionados com a criminalidade, conferindo utilidade àquelas Há diversos problemas envolvidos nesse tipo de mitologia O primeiro deles é o que se refere aos aspectos legais.




Não há no Brasil legislação que proporcione às Forças Armadas garantias suficientes para que tal tipo de atuação possa desenrolar-se de maneira juridicamente segura e eficaz – tanto no que toca às prerrogativas dos agentes do Estado, os soldados, quanto na definição da cadeia de comando entre militares federais e polícias estaduais.




O segundo é o que se refere à eficiência desse tipo de atuação As intervenções realizadas até o presente demonstram que o emprego das Forças Armadas proporciona tão-somente uma sensação temporária de segurança. Não sendo possível manter grandes efetivos militares 24 horas por dia, sete dias por semana, nas ruas, a insegurança volta a aflorar assim que os soldados são retirados de suas posições. Deve-se ressaltar, ademais, que a maioria desses últimos é formada por recrutas não-instruídos em aspectos básicos das tarefas policiais.




O terceiro aspecto é o relacionado com a flagrante incompatibilidade entre as missões de segurança pública e de defesa da soberania nacional. Assim, a convivência de demandas profissionais tão distintas em uma mesma instituição, em essência o Exército, faz com que esta não seja capaz de desempenhar nenhuma delas com a proficiência ideal. O quarto aspecto é o que diz respeito à exposição das Forças Armadas à corrupção decorrente de seu emprego em missões de caráter policial. Resta claro que esse é um risco não-desprezível, que colocaria em perigo instituições ainda preservadas da infiltração pelo crime organizado.




Mito 8. As Forças Armadas devem visar o desenvolvimento da Nação, aceitando trocar poder combatente imediato por projetos de desenvolvimento científicotecnológico de prazo incertoA noção de que o Brasil vive em um paraíso kantiano no plano de suas relações exteriores dá ensejo à visão de que o país pode dar-se ao luxo de trocar poder combatente imediato por iniciativas de desenvolvimento científico e tecnológico de prazo incerto (por exemplo, o Veículo Lançador de Satélites – vls – e o submarino de propulsão nuclear). Segundo esse raciocínio, a ausência de percepção de ameaças externas iminentes permitiria que se investissem os parcos recursos destinados à aquisição de sistemas de armas em projetos nacionais de desenvolvimento tecnológico – alguns deles não – relacionados diretamente com a produção de armamento, como no caso do vls .




Esse tipo de mitologia esbarra em três aspectos da realidade contemporânea . Em primeiro lugar, parte da premissa controversa deque as Forças Armadas brasileiras não precisariam de alta prontidão operacional – que incluia posse de armamento pronto a ser utilizado Em segundo lugar, o trade-off poder combatente imediato versus desenvolvimento tecnológico de longo prazo encontra um obstáculo insuperável na ausência de recursos para a rápida conclusão dos sistemas de armas pretendidos.




Assim, a ausência de recursos dá origem alonguíssimos ciclos de desenvolvimento,o que resulta na produção de armamento inevitavelmente obsoleto em comparação com o que se fabrica nos principais países inovadores. Essa circunstância acaba por limitar a utilidade e a capacidade de exportação de tais sistemas de armas – ultrapassados antes mesmo de nascerem. Em terceiro lugar,a baixa capacidade e aquisição desses sistemas pelas Forças Armadas brasileiras acaba tornando seus custos de produção proibitivos e desincentivando a consolidação de um parque nacional de material bélico capaz de fornecer armamentos atualizados às forças singulares.




O quadro acima descrito revela o caráter problemático da manutenção de visões desenvolvimentistas que acabam por gerar efeitos duplamente perversos: não contribuem decisivamente para o desenvolvimento científico e tecnológico do país, tampouco provêem os sistemas de armas necessários para garantir a adequada prontidão operacional das Forças Armadas brasileiras. Exceção parcial a esse modelo é a representada pelo projeto naval nuclear, que, se, por um lado, deu ao país o domínio tecnológico do ciclo completo do enriquecimento de urânio, por outro, não foi capaz até o momento (30 anos depois de seu início!) de produzir o reator necessário à propulsão de submarinos .




Mito 9. A política externa de um país periférico como o Brasil não precisa estar respaldada por poder militar apreciável – sendo este somente útil no que concerne às operações de manutenção da pazEste mito é uma variação sobre o tema dos mitos anteriores Parte do pressuposto deque a força armada não é útil ou utilizável por parte de um país como o Brasil . Naturalmente, também vem embutida nessa perspectiva a noção de que o plano internacional tenderia ao kantianismo ou de que, mesmo que não tendesse, o país nada poderia fazer para resguardar seus interesses por meio de instrumentos militares.




A exceção a essa regra seria a das operações de manutenção da paz da ONU. Por não envolverem o uso direto da força e por possuírem caráter essencialmente humanitário, esse tipo de operação constituiria uma forma válida de afirmação internacional do Brasil Ademais, por não serem muito exigentes em termos de preparação militar e de meios materiais, poderiam ser desempenhadas por nossas Forças Armadas –o que reiteraria o comprometimento nacional com os esforços em prol da paz, legitimando as pretensões brasileiras de ocupar assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas .




Embora não haja dúvida deque a participação em operações do gênero tenha como efeito o aumento do prestígio e da visibilidade internacional do Brasil,não se pode negligenciar os aspectos potencialmente negativos derivados da especialização das Forças Armadas em operações de manutenção da paz. Em primeiro lugar, é por demais duvidosa a premissa de que esse tipo de operação possa vir a constituir o cerne da política de defesa brasileira – por inúmeras razões, entre as quais a da dimensão do contingente militar brasileiro. Em segundo lugar,não é consensual a visão de que a participação nelas possa por si só influenciar a comunidade internacional a aceitar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança .




Em terceiro lugar,é controversa a suposição de que as operações de manutenção da paz possam ser instrumentais para aumentar a prontidão operacional das Forças Armadas – tendo em vista a ausência de identidade entre esse tipo de operação e as tarefas de defesa da soberania Em quarto lugar, deve-se mencionar que o caráter para policial de operações desse tipo pode contribuir para reforçar as correntes de opinião que enxergam no envolvimento das Forças Armadas na segurança pública uma espécie de bala de prata para a resolução dos problemas de criminalidade registrados no Brasil .




Em quinto lugar, a utilização das operações de manutenção da paz como argumento em favor do aparelhamento e da modernização das Forças Armadas constitui uma faca de dois gumes, isso porque reforça a percepção de que Marinha, Exército e Aeronáutica não teriam papel relevante a exercerem termos de segurança militar externa (defesa stricto sensu).Em resumo,as operações de manutenção da paz não podem constituir o alfa e o ômega da política de defesa,sob pena de se negligenciara capacidade de defesa brasileira.




Mito 10. As questões de defesa não são prioritárias e, portanto, não há necessidade de maior integração entre as Forças Armadas por meio de um Ministério da Defesa forte e atuanteEsse mito vem sendo propalado de maneira intermitente pelo estamento militar como forma de preservar sua autonomia corporativa, tendo sido utilizado durante o processo de redação da Carta Magna de 988 e as discussões que deram origem ao I Plano de Defesa Nacional,em 996,e ao Ministério da Defesa,em 999. Ele é desmentido pelos conflitos militares recentes e pela prioridade que os países desenvolvidos vêm atribuindo ao fortalecimento da capacidade de articulação de seus respectivos ministérios da defesa e ao incremento da interoperabilidade de suas forças.




A noção contemporânea de guerra baseada em redes, por exemplo, contradiz cabalmente a idéia de que cada ramo das Forças Armadas pode atuar de modo isolado dos demais.Portanto, não resta dúvida de que somente um md forte e atuante poderá exercera direção necessária ao atingimento da meta de garantira interoperabilidade das forças, a eficiência na aplicação dos recursos disponíveis, a aderência às diretrizes emanadas do poder político,bem como a coordenação eficiente da política de defesa com a política externa brasileira.




Conclusão




A enunciação dos dez mitos demonstra a indigência do debate público sobre política de defesa no Brasil Enquanto a sociedade brasileira em geral e as suas elites dirigente sem particular não forem capazes de encarar de maneira madura as questões relacionadas coma defesa nacional, o país continuará atolado em terreno pantanoso Isso porque, sem direção política clara, sem definições precisas sobre suas atribuições, sem meios mínimos para garantira soberania da nação, as Forças Armadas (em especial o Exército)são cada vez mais empurradas para as tarefas de garantia da lei e da ordem.




Parece evidente que às forças singulares restará, ceteris paribus, apenas o papel de intervenção no campo da segurança pública – uma vez que a incapacidade de atuar no plano da defesa elimina a possibilidade de que esse papel seja sustentado como útil do ponto de vista de sua legitimidade social Levando em conta o que precede, a essência do problema relacionado com o lugar das Forças Armadas em uma sociedade desigual como a brasileira poderia ser resumido de modo singelo: a incompreensão generalizada sobre a funcionalidade social das instituições responsáveis pela administração da coerção coletivamente organizada conduz à sua utilização errática.




Senão se compreende que o cerne da função social exercida pelos militares é justamente sua capacidade de provimento de segurança militar externa (defesa), mantém-se aberta a caixa de Pandora da transformação de funções subsidiárias (substituição das polícias em situações várias, apoio a ações assistenciais etc.) em primordiais.




É preciso, portanto, que se alertem os formadores de opinião sobre o extremo perigo que o Brasil corre ao optar na prática – ainda que não na teoria – pela utilização das Forças Armadas no campo da segurança pública Exemplos abundam sobre a inconveniência e a ineficiência do emprego dos militares em tarefas policiais ou para policiais. Se o país pretende combater a criminalidade, não será uma (falsa) solução de emergência – o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem – que lhe permitirá dar conta da questão.




O difícil encaminhamento do problema da segurança pública será alcançado se, e somente se, o governo federal, juntamente com os estados,for capaz de empreender um amplo processo de reforma das instituições que têm a atribuição primária de combater o crime (polícias,sistema carcerário,sistema judicial etc. ) Essa reforma é extremamente complexa, tanto do ponto de vista burocrático quanto do político . No entanto, terá de ser levada a cabo,sob pena de o Estado perder jurisdição sobre parcelas crescentes do território nacional,que seriam dominadas pelo poder paralelo do crime organizado.




Note-se,de outra perspectiva,que o Brasil não se encontra idilicamente isolado do mundo e que sua crescente importância no campo da energia,eixo tradicional dos conflitos interestatais, poderá expor o país a pressões externas de variados tipos Essas pressões podem dar se, inclusive, no campo militar . Somente essa circunstância deveria ser o bastante para que os tomadores de decisão conferissem atenção especial à política de defesa Ocorre que as preocupações brasileiras no campo da segurança internacional não podem restringir-se apenas ao aspecto energético.




Deve-se considerar também as implicações de uma ampla gama de fatores eventualmente perturbadores da lógica de baixa conflitividade entre os Estados prevalecente no sistema internacional contemporâneo. São eles:• a diminuição do custo de utilização da força causada pelo aumento contínuo do abismo tecnológico entre as forças armadas de Estados desenvolvidos e em desenvolvimento (o que permitiria que as grandes potências viessem a utilizar seu poder militar contra Estados fracos militarmente com total impunidade);




• o aumento da conflitividade sistêmica causado;pela disputa por recursos escassos em um contexto de degradação ambiental crescente;• instabilidade crônica no complexo de segurança regional sul-americano causada pelo aprofundamento das contradições sociais e pela fragilidade institucional dos países que o compõem;• disputas pelo acesso a recursos produzidos ou contidos em território brasileiro (petróleo, biocombustíveis, água doce, alimentos,material genético etc. );




• disputas sobre eventual opção brasileira em desenvolver tecnologias de uso dual;




• disputas sobre questões relacionadas com os direitos humanos de minorias indígenas, passíveis de serem instrumentalizadas contra o Brasil;• ameaça à integridade física e à propriedade de populações brasileiras residentes em áreas de fronteira onde haja instabilidade política e social;




• infiltração,em território nacional,de células de grupos terroristas (em especial de organizações hostis à superpotência);• associação entre grupos terroristas estrangeiros e o crime organizado doméstico.Tendo em conta o cenário esboçado, o Brasil encontra-se diante de um impasse. As Forças Armadas nacionais custam ao erário uma soma não desprezível de recursos.




No entanto, esses recursos não se traduzem em capacidade de dissuasão convencional aceitável, tampouco em forças aptas a dar conta satisfatória da garantia da lei e da ordem Ainda que a discussão sobre o que fazer para modificar o atual status quo não esteja contemplada neste artigo, surge de maneira inequívoca a idéia do que não se deve fazer.




Empregar Marinha, Exército e Aeronáutica em tarefas policiais e para policiais é o que se deve evitar a todo custo. Esse tipo de emprego praticamente assegura a materialização de dois fenômenos profundamente indesejáveis: a corrupção das forças constitucionalmente responsáveis pela defesa da soberania nacional (expostas ao convívio com a marginalidade) e a não-resolução da crise da segurança pública (ao manter indefinidamente esquemas paliativos de intervenção que não atacam o cerne do problema)Cabe a indagação:é isso que desejamos para o Brasil?