"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Democracia fomenta economia


Idealistas defendem a democracia pelo conforto de viver sem medo de expressar opiniões ou sem a coação para aceitar que um determinado grupo tenha se apropriado do poder. Acontece que empresários pragmáticos podem ter mais interesse em defender ideais democráticos do que vários idealistas podem supor.

A democracia amplia possibilidades de negócios. Por exemplo, se toda a população só pudesse vestir um macacão azul e ler um livro vermelho, haveria uma séria limitação para o desenvolvimento da indústria têxtil e do mercado editorial.

O regime político que privilegia a pluralidade de opiniões e aceita padrões de consumo díspares viabiliza negócios criativos com trabalhos diferentes, que podem inserir e ocupar uma população crescente nos mercados da economia. Ademais, a economia de mercados viabiliza a liberdade de escolha, considerando a existência de infinitas combinações de preferências, decorrentes da complexidade da alma humana.

Quando uma obra é censurada, o trabalho intelectual não é remunerado, gastos pagos antecipadamente não são reembolsados e várias pessoas são privadas de novas fontes de renda. As perdas econômicas podem ser substanciais com a falta de democracia. Todavia, mesmo num regime democrático, não se deve falar, escrever ou fazer, o que se quer, sem avaliar as conseqüências, ainda que o regime democrático impeça a punição arbitrária por discursos, textos ou atos.

Todos devem se interessar pela coesão social, pois as revoluções comprovadamente favorecem poucos em detrimento de muitos, sem proporcionar alguma transformação benéfica e sustentável para todos.
Tanto a eclosão de revoluções quanto a formação de bolhas especulativas nos mercados financeiros decorrem da possibilidade de haver efeito manada. Nem sempre é possível identificar a liderança capaz de fazer um grupo crescente de pessoas se envolver com um tema e apoiar uma orientação sem entender o porquê.

Como detalho com mais profundidade no meu livro “Crise e Prosperidade Comercial, Financeira e Política” (Probatus Publicações), formadores de opinião, agindo em uníssono, comunicando com calma e clareza argumentos incorretos e incompletos, porém encadeados com uma lógica difícil de refutar e com palavras bem escolhidas, podem insuflar uma massa a derrubar um governo ou a contribuir para a desvalorização de uma moeda.

Por isso, o funcionamento da democracia requer lideranças, que podem ter interesses e expectativas diferentes e até divergentes, porém os líderes precisam ter um compromisso com a governabilidade. Quando acordos são inviáveis e há desrespeito às decisões de consenso (ou da maioria), tem-se um preocupante sintoma de ausência de coesão social com reflexos sobre as atividades econômicas.

Crises políticas comprometem a prosperidade econômica e social, notadamente quando um excesso na concentração de poder – sendo a concentração de renda um sintoma – impede a realização de trocas favoráveis para todos. Quem se sente auto-suficiente não é estimulado a estabelecer transações de bens, serviços e idéias. Por outro lado, miserável é quem não tem oportunidades de inserção social para estabelecer trocas.

O conceito de miséria, considerando a ausência de oportunidades, é muito mais amplo do que a simples falta de acesso ao dinheiro. Assim, a fome não é um problema estritamente econômico e, sim, político. A doação de dinheiro, ou mesmo de alimentos, aos famintos pode até ser uma solução de curto prazo, para uma situação de emergência (após uma enchente, por exemplo), mas não equaciona o objetivo primordial de inserir excluídos em um grupo, estabelecendo trocas, quando a vida é mais fácil e prazerosa, em comparação à vida solitária.

Quem procura estabelecer trocas, na realidade está reconhecendo que os outros têm algo a oferecer, ao passo que aquele que, apenas, faz doações, na essência reforça superioridade, condescendência e auto-suficiência. Por outro lado, aquele que simplesmente recebe doações, sem precisar conquistá-las ou demonstrar merecimento, pode se sentir inútil e prisioneiro. Relações de troca devem demonstrar um respeito mútuo, além de ampliar mercados.

Concluindo, problemas financeiros de pessoas, empresas e países não são resolvidos com medidas exclusivamente “técnicas”, porque tais problemas resultam de interações sociais e relações de poder. Crise e prosperidade comercial e financeira de pessoas, empresas e países resultam, portanto, de relações políticas, e sua duração dependerá do resultado de negociações que avaliem interesses, expectativas e poder dos envolvidos.
19 de fevereiro de 2005, do Jornal do Brasil.

Marcelo Henriques de Brito

Retrocesso


A decisão do ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, de que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde se registra o caso, tem caráter meramente simbólico, já que o Judiciário entrou em recesso. Tudo indica que a liminar tem o objetivo de marcar uma posição enquanto o plenário do STF não julga o mérito da ação. Por coincidência, a decisão do ministro foi divulgada uma semana depois que o CNJ mandou investigar nada menos que 23 tribunais regionais.


Não há indicações de que a posição de Marco Aurélio seja majoritária, mas o fato de o STF não ter conseguido julgar o caso até hoje deixa na opinião pública uma insegurança quanto aos reais interesses de se alcançar um sistema judiciário que inspire confiança aos cidadãos. A defesa da corporação está com os que querem um CNJ mais ativo, refletindo os anseios da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos. Foi justamente esse sentimento que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa, depois de anos de negociação.


Invertendo a judicialização da política, comum nos últimos tempos, o senador Demóstenes Torres (DEM) apresentou emenda constitucional que garante ao CNJ o direito de julgar e punir juízes. Na verdade, essa emenda remete ao espírito da lei que criou o CNJ e seria dispensável se não fosse a reação corporativa que levou a Associação dos Magistradosdo Brasil a entrar com ação no Supremo contra o conselho.


O CNJ não foi criado como um órgão revisor e tem amplos poderes para receber denúncias contra juízes, mesmo diretamente, sem a necessidade de que a reclamação passe pelos tribunais locais. Os poderes são tão amplos que ele pode agir por conta própria, e ele vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.


Recebi do presidente do STF, Cezar Peluso, uma mensagem a respeito da coluna de sábado, “Pressão política”, onde criticava o que julgava ser mudança de posição do ministro quanto ao exercício do “voto de qualidade”, prerrogativa do presidente pelo regimento interno do STF que ele utilizou para desempatar o julgamento a favor de Jader Barbalho depois de ter se recusado a fazêlo em julgamento anterior, alegando que não tinha vocação para déspota. 


Embora Cezar Peluso não peça “desmentido ou retificação”, sinto-me na obrigação de registrar que fui injusto com ele, pois sugeri que a mudança se devesse a “pressões políticas” do PMDB, e ele demonstrou que ela se deveu a fatores meramente técnicos do julgamento.


O ministro ressalta que na primeira sessão de julgamento sobre a chamada “Ficha Limpa”, quando se recusou a desempatar o julgamento, fez isso “simplesmente porque, apaixonada pela discussão, a maioria dos ministros presentes não concordou com a aplicação da regra regimental!”.


“Se a maioria decide — e esse é o verbo juridicamente correto — que não pode ser aplicada certa norma, eu só poderia aplicá-la por ato de força, em verdadeiro despotismo e mediante pronúncia contestável de todos os pontos de vista, senão também ineficaz. O respeito aos colegas e à própria instituição, que também me anima a estes esclarecimentos, não me pedia outra coisa”, ressalta Peluso.


No caso de Jader Barbalho, porém, “todos os ministros presentes, todos, inclusive os que tinham votado em sentido contrário, decidiram aplicar a regra regimental, permitindo fosse ultimado o julgamento segundo o teor do voto de qualidade do presidente, e concordaram, alto e bom som, com a proposta de deferir o requerimento formal do interessado”.


E fizeram-no, frisa Peluso, “não porque eu, como presidente, tivesse o dom de mudar, drástica e rapidamente, o convencimento dos meus pares, induzidos pela suposta ‘consultoria’ a parlamentares, mas — e a verdade é, deveras, quase sempre, muito mais simples do que a julgam as pessoas — porque já estavam de todo convencidos da legitimidade e da justiça da decisão adotada, como, aliás, V. Sa. bem observou no artigo de hoje”.


“Eles já haviam percebido, tal como o percebeu e escreveu V. Sa., que não seria justo que ‘a lei deva valer mais para uns do que para outros’. Simples e verdadeiro, não é? Nada por estranhar, pois.”


Quanto às pressões políticas sugeridas por mim na coluna, Peluso destaca que, em 44 anos de “magistratura impoluta”,amais cedeu à “pressão de quem quer que seja, pela boa razão de que jamais alguém ousou fazer-me, de modo direto ou indireto, pressão em julgamento, nem sequer o presidente da República que me nomeou, como ficou claríssimo no julgamento do famoso caso ‘Battisti’. Por que iriam fazê-lo parlamentares com os quais não tenho intimidade alguma, e num caso em que já nem era preciso tentar convencer os ministros?”.


Após lembrar que também recebeu em seu gabinete representantes do PSB do senador João Capiberibe, Peluso explica que “todos os presidentes e ministros recebem advogados e parlamentares a respeito de causas pendentes, em prática tradicional e equânime, que, embora não me agrade, como já assentei em entrevista à ‘Veja’, não consigo mudar. Mas daí a supor que cedam a pressões, vai, desculpe-me, uma distância intransponível de boa-fé”.


Se não pelo aspecto moral, até mesmo na parte jurídica é imprópria a fala da presidente Dilma quando ela insiste em que Fernando Pimentel não era ministro por ocasião dos fatos denunciados na imprensa.


A circunstância de o atual ministro do Desenvolvimento ter dado as “palestras” e prestado “assessoria” antes de sua nomeação no cargo de ministro não afasta, em tese, o crime de corrupção passiva, previsto no artigo 317, caput, do Código Penal, redigido nos seguintes termos:


“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas, em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.”


 Merval Pereira

Educação: as lições do professor Hanushek


Os países em desenvolvimento mais que duplicaram seus recursos em educação, nos últimos 20 anos. No geral, o esforço financeiro esteve associado à expansão. Em poucos casos, o recurso adicional se converteu em resultados, o que ocorreu especialmente em países da Ásia. Apenas contar com mais dinheiro não resolve. Muito menos quando o dinheiro bom é jogado num sistema ineficiente.


Há várias formas de aprender sobre o que funciona em educação. Mas há só uma forma rigorosa: aprender com base em evidências científicas e com as melhores práticas dos países que estão à frente. O professor Erik Hanushek mais uma vez nos surpreende pelo rigor da análise e simplicidade de suas conclusões em estudo recém concluído. De 9 mil casos examinados, ele acabou ficando com apenas 79 deles para realizar a sua meta-análise. Suas conclusões restringiram-se, no entanto, aos 13 estudos mais rigorosos.


Foram examinadas inúmeras variáveis relacionadas com a infraestrutura da escola, provisão de materiais, condições do professor e organização escolar. Pouparemos o leitor das explicações metodológicas. Eis as conclusões, em ordem de seu impacto nos resultados.


Primeiro, a infraestrutura é fundamental. Funcionam bem as escolas arrumadas e com qualidade mínima adequada, carteiras, quadro-negro, giz e bibliotecas impecáveis. A presença de livros didáticos tem impacto positivo, mas seu efeito não é tão consistente.


Segundo, o professor. O profissional que conhece os conteúdos do que ensina faz grande diferença. Sua presença diária e constante também. Titulação e tempo de serviço não afetam os resultados. Capacitação em serviço costuma atrapalhar, sobretudo quando impede a presença do professor em classe. Professores contratados tendem a produzir melhores resultados do que professores efetivos.


Terceiro, a organização. Além da presença do professor, o tempo de aula influi nos resultados, na direção esperada. Tudo o que não está mencionado – inclusive os computadores em sala de aula, merenda escolar, salários e gastos em educação – não apresenta resultados consistentes. Políticas do tipo bolsa-escola podem afetar a frequência e permanência na escola, mas sozinhas não melhoram o desempenho dos alunos.
Como interpretar esses resultados? Entendendo o contexto em que foram realizados os estudos. Basicamente, o conjunto deles mostra que há duas condições necessárias para a escola funcionar: uma infraestrutura minimamente adequada e bem cuidada e professores que saibam o conteúdo do que vão ensinar.


O resto pode ou não impactar, dependendo da organização da escola. Ou seja, quem tem compromisso mantém a escola limpa, escolhe professores que dominam o conteúdo e, possivelmente, faz o resto que precisa para que a escola funcione. Sem isso, o resto é resto.


Outra forma de interpretar esses resultados é cotejá-los com a evidência concorrente provinda de outros estudos. O estudo de Hanushek e seus colegas traz, como conclusão, que é necessário examinar com mais atenção a importância dos fatores locais. As evidências dos estudos sobre escolas eficazes corroboram as linhas gerais dessa premissa, mas detalham alguns instrumentos (programas de ensino) e ações gerenciais (clima de estudo, avaliação) que fazem a escola funcionar.


No nível de sistemas escolares, estudo da McKinsey, realizado em 2009/2010 e amplamente divulgado no Brasil, também aponta para a importância de intervenções compatíveis com o nível de desempenho de um sistema escolar: diferentes intervenções fazem sentido de acordo com o nível em que o sistema se encontra. Quanto mais baixo o nível, maior a necessidade de intervenções mais estruturadas, quanto mais competentes os professores, maior a importância de diferentes graus de autonomia e participação dos diretores em decisões pedagógicas.


Livros e materiais didáticos, por exemplo, podem funcionar se são adequados à capacidade de uso pelo professor. Na mesma linha, e com base na análise de reformas educativas realizadas em países mais avançados, Michael Fullan, um dos maiores estudiosos desse tema, aponta para a importância de reformas que abranjam todas as escolas de um dado sistema escolar – e não se concentrem em escolas individualmente.


No Brasil a ansiedade da expansão desenfreada não nos permite assegurar as condições necessárias – muito menos as suficientes. Isso vale especialmente para o que se refere aos professores e a regras básicas de funcionamento das redes de ensino. Os sistemas de incentivo ou são perversos ou adotam modismos de curto fôlego.


O Ministério da Educação e Cultura (MEC) opera como se fosse responsável por escolas imaginárias, supostamente habitadas por professores livres-docentes, e as Secretarias de Educação, em sua grande maioria, operam como se fossem delegacias do MEC, cuidando mais de pedagogia e de uma miríade de projetos do que de planejar e gerir a educação.


Ninguém dá a menor atenção para as evidências científicas, a começar pelas faculdades de educação. Estamos aumentando vertiginosamente os custos da educação, enrijecendo os gastos a título de assegurar “as conquistas da classe” e sem melhoria nos resultados.


Os dados da SAEB/Prova Brasil mostram que ainda não conseguimos retomar os níveis de 1995, ano em que essa prova começou a ser aplicada. Que tal se avaliássemos, com maior cuidado, a lição do professor Hanushek? Certamente gastaríamos menos, de forma melhor e com mais resultados.

Joao Batista Oliveira

domingo, 18 de dezembro de 2011

Disputa de classes ou quem paga o pacto?


A História de todas as sociedades conhecidas é a História das lutas de classe. (Marx e Engels na abertura do “Manifesto do Partido Comunista”, Londres, 1847).


O PT, tendo suas origens nos sindicatos de trabalhadores da Indústria do ABC, incorporou, ao longo do tempo, além de outras categorias laborais, a grande massa de funcionários do governo e das empresas estatais (enquanto perdia parte de seus simpatizantes originais para o sindicalismo de resultados)


Embora desfraldando bandeiras sociais, foi na defesa de benefícios corporativos que encontrou coesão e força para crescer, já que está no interesse particular, e não no ideal socialista, a motivação de grande parte de seus associados (ressalvados os intelectuais do Partido) para a luta política.


Tendo, no entanto, recebido a rotulação de partido da burocracia, o PT encontrava grande dificuldade em se credenciar para o comando da administração pública federal. Os empresários eram quase unânimes em rejeitá-lo, por temerem uma brusca socialização da economia, e a classe média, avessa a incertezas, mantinha dele certa distância, por desconfiar de possíveis “rupturas” e, também, por rejeitar favorecimentos indevidos. 


O projeto político da “nova classe” de servidores estatais parecia, assim, ter atingido seus limites em termos de alcance da Presidência da República, muito embora, em nenhum momento, burocratas e políticos tenham deixado de ampliar a sua fatia de comando sobre os recursos nacionais. (O projeto “neoliberal” de FHC permitiu que os gastos públicos federais, em termos reais, crescessem a taxa média anual de 6%, ao longo dos últimos oito anos, e que a carga tributária bruta evoluísse de 27% do PIB, em 1994, para 35% do PIB, em 2002).


Era preciso dilatar o campo de influência do Partido, o que fez surgir a brilhante idéia, recusada pelos petistas mais radicais, de cooptar o empresariado, enfraquecido que estava, em suas convicções, por anos seguidos de magro desenvolvimento econômico e de crescentes tensões sociais. Para dar conseqüência à idéia, foi convidado, como candidato a vice-presidente, na chapa de Lula, um bem sucedido e respeitado industrial, afiliado ao Partido Liberal (?). Recriou-se o conceito de Pacto Social, em cuja concepção empresários seriam chamados a participar de Conselhos formados no âmbito do Poder Executivo. 


Ainda com vistas ao “Pacto”, seriam criadas diversas Câmaras Setoriais que congregariam os interesses das classes patronais e dos sindicatos laborais, trazendo soluções acabadas para o governo. O retorno do planejamento centralizado e de uma política industrial ativa seriam também pontos de atração relevantes, dentro do contexto de uma política de proteção ao parque industrial instalado e a seus trabalhadores. 


Com este conjunto de providências, a política de defesa dos interesses corporativos dentro do Partido acabava de lançar seu manto paternal sobre mais uma categoria de protegidos: a população produtiva organizada, que não poderia deixar de atender a tão atraente chamado; e conquistava a “respeitabilidade” necessária ao alcance de seus objetivos políticos maiores.


Deve-se notar que o Corporativismo, quando organizado como força acessória ao Congresso e quando amplamente difundido por todas as camadas da população, pode até servir como instrumento de aperfeiçoamento democrático. Afinal de contas o legislador, diante da quantidade e complexidade das questões postas sob seu exame, necessita da cooperação dos representados para se informar e saber de suas aspirações; e uma boa distribuição de “lobbies”, que se compensariam, teria como resultante um equilíbrio democrático justo. 


O problema é que, no nosso caso, as coisas não parecem se estabelecer desta maneira. O mecanismo corporativista que se pretende organizar relaciona-se diretamente com o Executivo, através de Conselhos e Câmaras Setoriais. Juntamente com o recurso aos plebiscitos, tão ao gosto de nossas esquerdas, nos direcionaria para a democracia direta, passando ao largo do Congresso ou colocando-o sob constante pressão. 


Outro ponto é que, diferentemente dos EUA, onde os “lobbies” são institucionalizados e representam um amplo espectro da população, no Brasil os interesses difusos de consumidores, contribuintes e dos ³excluídos² ainda não conseguiram se organizar para vocalizar seus anseios adequadamente.


Teremos então duas categorias de cidadãos: os pertencentes às corporações organizadas e os outros. 


De um lado todos aqueles garantidos pelo emprego público ou protegidos da competição: políticos, funcionários públicos e de estatais, trabalhadores sindicalizados e empresários apoiados pelo governo. De outro, empresários sujeitos à competição, profissionais liberais, trabalhadores não sindicalizados e os participantes da economia informal. 


A primeira categoria, sempre interessada na expansão do poder do Estado. A segunda, cada vez mais pressionada e explorada por um sócio oculto incômodo e voraz.


A História, respaldando a nossa citação inicial de Karl Marx e Friedrich Engels, nos fala de uma sucessão de conflitos de classe: Senhores x Escravos, em diferentes épocas, Patrícios x Plebeus, na Roma antiga, Lordes x Camponeses, na Idade Média, Burguesia X Proletariado, nos anos pós Industrialização e Burocracia (A Nova Classe) x População Produtiva, nos países socialistas ou com forte intervenção estatal. 


De início, a violência caracterizava a luta de classes. Com o tempo, formas mais sutis de ação se desenvolveram e confrontos abertos e sangrentos deram lugar ao jogo de pressões e às negociações políticas para o encaminhamento das disputas. 


No Brasil, pelo visto teremos uma situação conflituosa cordial, mas diferente das acima mencionadas. A “Nova Classe”, de Djilas, se ampliará. Não só os que recebem salários do governo, mas também os que dele recebem favores, passam a compor um grupo com interesses comuns. A nova disputa se dará entre Protegidos e Desprotegidos e a população produtiva não mais estará unida contra a burocracia.


Com este novo quadro de alianças, amplia-se a fatia da população diretamente interessada na expansão do Estado e aproxima-se o ponto limítrofe a partir do qual uma maioria estatizante, faminta de poder e de recursos, cada vez mais imporá sua vontade sobre os demais membros da sociedade. Como conter este ímpeto? 


Como restringir, enquanto é tempo, o paternalismo estatal e o seu comando sobre os recursos econômicos? Esta é a tarefa a que deverão se dedicar todos aqueles que acreditam no primado da iniciativa privada e no ideal de uma sociedade realmente livre!

por: Rubem De Freitas Novaes

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Geisel e Lula


Não foi por acaso que parte da esquerda brasileira encantou-se com a política econômica do presidente Ernesto Geisel, na década de 70. 


O general, que trazia uma bronca dos americanos, tinha uma visão muito ao gosto da chamada ala desenvolvimentista da América Latina: o Estado comanda as atividades, investindo, financiando, subsidiando, autorizando (ou vetando) os negócios e a atuação de empresas. Mais ainda: com a força das estatais e seus bancos, o governo organiza companhias para atuar em determinadas áreas.


O presidente Geisel, claro, tinha mais poderes do que os governantes da democracia. Todos os setores importantes da economia estavam nas mãos de estatais, de modo que o controle era mais direto. Além disso, havia o AI-5. Quando o presidente dizia a um empresário ou banqueiro o que deveria fazer, a proposta, digamos assim, tinha uma força extra.


Mas Lula arranjou um modo de recuperar o modelo, no que foi apoiado e seguido por Dilma. Geisel, por exemplo, era o dono da Vale. Lula não era, mas pressionou a mineradora, impôs negócios e terminou substituindo o presidente da companhia. Geisel montou as famosas companhias da área petroquímica, tripartites, constituídas por uma empresa estrangeira, uma nacional privada e uma estatal, na base do um terço cada. 


Aliás, convém notar: não faltaram multinacionais interessadas. O capital não se move por ideologia, mas por… dinheiro. Devia ser um bom negócio entrar num país sem competição, com apoio de um governo local que não devia satisfações ao Legislativo, ao Judiciário ou à imprensa.


Do mesmo modo, as multinacionais do petróleo, hoje, vão topar (ou não) o novo modelo de exploração do pré-sal não por motivos políticos, mas pela possibilidade de ganhar (ou não) dinheiro.


Lula, no regime democrático, substituiu o AI-5 pela ampla base partidária, cooptada e/ou comprada com vantagens e cargos. Na economia, sobraram instrumentos poderosos, como os bancos públicos, especialmente o braço armado de empréstimos especiais do BNDES. Além disso, em um país de carga tributária tão elevada, qualquer redução dá uma vantagem enorme ao setor escolhido. O governo Lula-Dilma usa e abusa desse recurso.


Geisel ampliou a ação da Petrobras, levando-a à petroquímica, ao comércio externo e ao varejo dos postos de gasolina. O presidente Lula também mandou a Petrobras ampliar seus negócios e tratou de devolver à estatal parte do poder que perdera com a lei do petróleo de 1997, colocando-a como dominante no pré-sal.


Geisel tocou grandes obras, grandes projetos. Lula, idem. Não é coincidência que o petista tenha retomado usinas nucleares que constavam do Brasil Potência do general. Geisel tinha outra grande vantagem. Na época, não tinha licença ambiental, não tinha Ministério Público, nem sindicatos, nem juízes, nem ONGs para suspender obras.


Já Lula e Dilma passam o tempo todo tentando driblar esses “estorvos”, mas vai tudo mais devagar. Inclusive porque a repartição do governo por critérios partidários retira eficiência da administração, abre espaço para a corrupção.


O governo Geisel deixou uma ampla coleção de cemitérios fiscais e empresariais. Sua presidência beneficiou-se da estabilidade promovida pelas reformas da dupla Bulhões/Roberto Campos, no governo Castello Branco, e de uma conjuntura mundial favorável. Enquanto o Brasil conseguiu financiamento externo, com os bancos internacionais passando para os países em desenvolvimento os petrodólares, a juros baratos, o modelo ficou de pé. 


Com a crise mundial dos anos 70, com inflação e recessão, consequência da alta dos preços do petróleo, de alimentos e, em seguida, do choque de juros, a fonte secou e o Brasil quebrou.


Resultaram estatais tão grandes quanto ineficientes. E empresas privadas que não resistiam à menor competição. Sem as tetas do governo, simplesmente sumiram, deixando empresários ricos e uma conta para o contribuinte.


Convém pensar nisso quando Lula e Dilma forçam os bancos públicos a ampliarem seus financiamentos. Quando levam a Petrobras e empresas privadas a investimentos provavelmente acima de suas capacidades. Ou quando o governo toca essas obras enormes, como a transposição do Rio São Francisco ou o trem-bala.


Como Geisel, Lula também herdou uma estabilidade construída pela administração anterior e se beneficiou de um ambiente internacional extremamente favorável.


O ambiente internacional está mais hostil. E já são visíveis alguns ossos de esqueletos: obras atrasadas e mais caras, investimentos ficando pelo caminho, indústrias locais protegidas (e ineficientes), gasto público elevado, desequilíbrios econômicos voltando, como a persistente inflação.

sábado, 10 de dezembro de 2011

O que o Brasil tem de melhor


A corrupção é sem dúvida um dos limitadores do desenvolvimento brasileiro. Todos os dias surgem notícias de novos e mais elaborados casos de corrupção.


A corrupção não é monopólio do setor público. Ela se dá, na maioria dos casos, entre um agente público e um privado. Para cada deputado ou vereador que aceita uma propina, do outro lado do balcão está um empresário ou um simples cidadão fazendo o pagamento ou dando “aquela mãozinha” na hora da campanha.


Quais as causas da corrupção que hoje assistimos todos os dias na televisão e no rádio? De onde ela surgiu? Devemos nos espantar cada vez que for demitido um ministro de estado sob denúncias de corrupção?


A classe política é endógena, ela é escolhida pelo povo. Nas últimas décadas, o brasileiro concluiu que não tem problema roubar, quebrar sigilo bancário, distribuir propina ou deixar as crianças sem merenda escolar. Afinal, o brasileiro comete pequenos crimes no seu cotidiano: passa com sinal fechado, usa software pirata, assiste à programação da TV à cabo com o aparelho da Net-Cat, rouba produtos no supermercado, sonega impostos etc.


Recentemente, o brasileiro também gostou da ideia de receber sem trabalhar, se aposentar sem contribuir para a Previdência Social e passar de ano sem ter que estudar. Descobriu que é legal ter uma vaguinha reservada na faculdade e que é bom tomar um crédito com juros subsidiado.


Isso não vale só para os indivíduos e famílias. Vale também para os empresários. Eles se acostumaram às negociatas e a não ter concorrentes. Competição? Agências Reguladoras? Não são necessárias, pois teremos grandes empresas brasileiras. E se vier competição do exterior? O que fazem os grandes empresários brasileiros? Demandam um aumento de IPI ao governo e depois, na hora da campanha, retribuem o favor.


Isso mesmo, do outro lado do balcão da corrupção sempre tem um agente privado. Não esqueça disso!


Vem aí a Copa do Mundo? Estádio público, é claro! Tudo muito simples. Eles põem a mão no bolso do pessoal e fazem a máquina funcionar. Não sem antes dar aquela superfaturadinha e embolsar o “vosso”. E a população? Vota novamente na próxima eleição e ainda vai dizer que fizeram mais do que o antecessor.


E os corruptos que são descobertos? Esses ficam soltos porque, afinal, somos todos brasileiros. Muitos se identificam com o bandido, pois muitos já pediram desconto se o produto não tiver nota fiscal na hora da compra. E a Justiça? Bem, esta também tem muitos brasileiros que passaram em concursos públicos e que também se identificam com os corruptos. E os médicos do SUS? São também brasileiros. Muitos assinam um contrato de 8 horas e trabalham 4. São muitos os casos e situações. Todas com suas devidas exceções, obviamente. Nem todo mundo é corrupto.


E assim vai, todos são brasileiros. É tudo endógeno! Os políticos e suas decisões são um reflexo da sociedade brasileira. É o brasileiro na sua imagem mais cristalina. Segundo alguns, é o que o Brasil tem de melhor.


E porque parece que a corrupção só aumenta? Com o aumento da renda e do tamanho do Governo, os casos de corrupção cresceram exponencialmente. Nada fora do normal. Cresceu o bolo, cresceram os participantes da festa e cresceram os tamanhos das fatias. Só isso. Não se espante com a “queda” de mais um ministro. Um outro entrará no lugar dele.


Mais um exemplar do que o Brasil tem de melhor!