"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 29 de outubro de 2016

CNBB contra a PEC 241


CNBB lança nota incisiva e chama PEC 241 de “injusta e seletiva”. Segundo a entidade, a medida faz com que o povo pobre e trabalhador pague a conta da crise enquanto beneficia os detentores do capital financeiro. Leia a íntegra

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou ontem (27) nota contra a PEC 241. A proposta, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados na terça-feira (25), limita os gastos públicos, afetando investimentos sociais da saúde e educação.

“A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres”, defendeu a entidade.

A CNBB avaliou que a PEC 241 vai beneficiar os donos do capital financeiro, já que limita os gastos sociais, de saúde e educação, por exemplo, mas não o pagamento de juros da dívida.

Para a organização católica, a PEC 241 supervaloriza o mercado em detrimento do Estado, afronta a Constituição Cidadã de 1988 e deve ser combatida com mobilizações populares.
“É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241”, defendem os bispos.



NOTA DA CNBB SOBRE A PEC 241

“Não fazer os pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida.”
(São João Crisóstomo, século IV)

O Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunido em Brasília-DF, dos dias 25 a 27 de outubro de 2016, manifesta sua posição a respeito da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2016, de autoria do Poder Executivo que, após ter sido aprovada na Câmara Federal, segue para tramitação no Senado Federal.

Apresentada como fórmula para alcançar o equilíbrio dos gastos públicos, a PEC 241 limita, a partir de 2017, as despesas primárias do Estado – educação, saúde, infraestrutura, segurança, funcionalismo e outros – criando um teto para essas mesmas despesas, a ser aplicado nos próximos vinte anos. Significa, na prática, que nenhum aumento real de investimento nas áreas primárias poderá ser feito durante duas décadas. No entanto, ela não menciona nenhum teto para despesas financeiras, como, por exemplo, o pagamento dos juros da dívida pública. Por que esse tratamento diferenciado?

A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública.

A PEC 241 supervaloriza o mercado em detrimento do Estado. “O dinheiro deve servir e não governar! ” (Evangelii Gaudium, 58). Diante do risco de uma idolatria do mercado, a Doutrina Social da Igreja ressalta o limite e a incapacidade do mesmo em satisfazer as necessidades humanas que, por sua natureza, não são e não podem ser simples mercadorias (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 349).

A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional. A partir de 2018, o montante assegurado para estas áreas terá um novo critério de correção que será a inflação e não mais a receita corrente líquida, como prescreve a Constituição Federal.

É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241.

A CNBB continuará acompanhando esse processo, colocando-se à disposição para a busca de uma solução que garanta o direito de todos e não onere os mais pobres.

Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, continue intercedendo pelo povo brasileiro. Deus nos abençoe!

Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo S. R. Krieger, SCJ
Arcebispo de São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner, OFM
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB”

terça-feira, 25 de outubro de 2016

O Poder Moderador e sua importância para a tripartição dos Poderes


André de Oliveira da Cruz

Este artigo de caráter histórico tem como objetivo explicar e desmitificar o poder moderador em sua essência, eliminando os mitos e lendas arraigados em sua existência que, desde a proclamação da república, tem servido de base para ataques por parte dos republicanos, desmistificação esta muito importante, pois trata do passado constitucional do país, em uma época de ouro para o Brasil, o qual foi considerado o 11° maior império da humanidade. O presente artigo busca de forma resumida e sincera mostrar qual a importância deste poder ao sistema tripartido dos poderes e consequentemente, importante para a democracia e a liberdade do cidadão.



DO PODER MODERADOR

Quando se fala no Poder Moderador logo vem em mente um poder despótico, totalitário e sem responsabilidade alguma por seus atos, mas é de todo errado analisá-lo desta forma, é desonesto dizer que o Poder Moderador era antidemocrático e retrógrada, sua função era de extrema importância para a democracia, e para esta ele servia de ancora, pois a função do poder moderador era a de velar pela liberdade e democracia evitando possíveis abusos resultantes de uma falta de virtuosidade do sistema de divisão tripartido dos poderes, e que por sinal seria de grande valia na atual situação política brasileira.

Para entender a finalidade do poder moderador cabe, primeiramente, examinar o funcionamento do sistema tripartido. Distinguido por Aristóteles a existência da divisão dos três poderes, que foi mais tarde aperfeiçoada pelo filósofo político Montesquieu após analisada por ele na constituição da Inglaterra, a divisão tem como princípio evitar que o poder seja exercido de forma despótica e que acabasse por vir a ferir a liberdade do cidadão, juntamente com o sistema de freios e contrapesos, pois segundo ele somente poder freia poder, tornando assim todos os poderes autônomos.

Esta divisão consiste em um poder uno que é dividido em três funções, o executivo, legislativo e o judiciário, são os três monopólios do Estado, que são as ferramentas do Estado para a manutenção da ordem social, os poderes (funções) são dados a entes diferentes, para garantir que o poder não se acumule em um ente apenas e este possua poder capaz de ser autoritário e déspota.

Porém, esta divisão dos poderes gera um problema em relação à harmonia dos poderes, pois, um poder não pode efetivamente influir sobre o outro com o intuito de regulá-lo, visto que eles estão engajados de poderes específicos e sua mera influência pode ser considerada como uma atitude autoritária e, portanto insuficiente para proteger a liberdade individual, como expõem o Doutor Braz florentino Henriques de Souza:



"Em resumo: ou os três poderes marcham de acordo, ou estão em divergência. No primeiro caso, eles formarão uma unidade, sua ação será absoluta e soberana, e poderão abusar do poder, tanto quanto um monarca, tanto quanto o povo mesmo. No segundo caso não haverá ação, os conflitos estorvarão o regular andamento dos negócios, o ciúme recíproco dos poderes obstará a que eles se entendam para fazer o bem. Haverá imobilidade ou anarquia". (FLORENTINO, 1864)


Então surge o poder moderador, um poder neutro suprapartidário que tem as características de um poder capaz de regular os demais poderes do Estado de forma a realizar a manutenção da harmonia e unidade entre eles, darem-lhes a força necessária para torná-los um todo orgânico, pois, pela separação dos poderes e sua individualização a unidade é de alguma forma corrompida, e é esta unidade que o poder moderador busca realizar, mediado por um chefe supremo, o Imperador, o qual Ruy Barbosa tratou em um de seus discursos:


“Havia uma sentinela (monarca) vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.”(RUY BARBOSA, 1914)


Segundo o artigo 98 da Constituição de 1824 “o poder moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador, como chefe supremo da Nação e seu primeiro representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes políticos”. Este poder não foi criado ou inventado por Dom Pedro I, este poder foi teorizado por Henri-Benjamin Constant de Rebecque, um intelectual francês cujo pensamento serviu de base para o parlamentarismo moderno, este mesmo trata o poder moderador como:



"Poder legislativo, executivo e judiciário, são três molas que devem cooperar, cada uma de sua parte, para o movimento geral; mas quando essas molas desconcertadas cruzam-se, chocam-se e estorvam-se mutuamente é necessária uma força que as reponha em seu lugar. Esta força não pode estar em nenhuma dessas molas, porque lhe serviria para destruir as outras, é necessário que ela esteja fora, que seja neutra de alguma sorte, para que sua ação se aplique por toda a parte onde é necessário que seja aplicada, e para que seja preservadora e reparadora sem ser hostil". (CONSTANT, 1968)

            
A constituição de 1824 define as atribuições do poder moderador em seu artigo 101 e seus respectivos incisos, os quais delimitam a atuação deste poder em relação aos demais, mostrando como ele deve atuar em casos específicos, visto isto nota-se que não se trata de um poder ilimitado e dotado de prerrogativas pessoais, o detentor do poder moderador agiria de forma a alcançar o bem da nação, limitado por normas constitucionais. Dentre as prerrogativas que a constituição de 1824 garantia ao poder moderador prerrogativas estavam: nomear senadores, perdoando e moderando as penas impostas aos réus em caso que ele notasse erro no julgamento, Prorrogando, ou adiando a Assembléia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que exigir a salvação do Estado convocando imediatamente outra, que a substitua, e demais casos, sempre visando o bem da nação e a soberania.

            
O Poder moderador era exercido pelo Imperador como chefe de Estado, enquanto o poder executivo era exercido pelo primeiro ministro como chefe de governo, portanto não havia uma concentração do poder executivo e moderador em uma mesma pessoa.

Nota-se, portanto, que finalidade salientada é a de zelar pelo equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos (legislativo, executivo e judiciário), não tinha como natureza dar poderes absolutistas ao imperador, existia uma responsabilidade dos atos deste poder para se evitar abusos, quem respondia pelos atos do poder moderador eram os ministros e os conselheiros por seus maus conselhos, como o descrito no artigo 143 da constituição de 1824 “São responsáveis os Conselheiros de Estado pelos conselhos que derem opostos às leis, e ao interesse do Estado, manifestamente dolosos.”, e em face da Lei nº 234 de 23 de Novembro de 1841 em seu artigo 4° diz que “Os Conselheiros de Estado serão responsáveis pelos Conselhos, que derem ao Imperador, opostos á Constituição, e aos interesses do Estado, nos negócios relativos ao exercício do Poder Moderador; devendo ser julgados, em tais casos, pelo Senado, na forma da Lei da responsabilidade dos Ministros de Estado.”, visto a inviolabilidade da pessoa do imperador prevista no artigo 99 da constituição imperial, irresponsabilidade esta necessária para manter o ponto unificador que era o elemento monárquico, como um ente de suprema inspeção. Portanto caso houvesse abuso do poder moderador responderia os conselheiros de estado, se aconselharam mal a coroa, e o ministro que não só aconselhou-a mal, mas incumbiu-se de, por um decreto, que leva a sua referenda, dar à execução o abuso.



Por fim, ao analisar todos os casos de forma resumida conclui-se que o poder moderador tinha o papel de ser o ponto unificador, e evitar possíveis intromissões dos demais poderes no exercício do outro e de certa forma equilibrar o poder dos partidos políticos, que é um problema atual brasileiro.

Alicerce: termo importante para a Política


Larissa Gama

O alicerce é importante para todo tipo construção civil. No mundo político não é diferente: para se construir um país baseado na boa cidadania é necessário compreender como funciona o topo e a base do poder político. É fundamental!

A idéia de poder é, muitas vezes, comparada a uma pirâmide:  o grande encontra-se no topo e o menor localiza-se na base. Contudo, quando se observa bem, percebe-se que a base é maior que o topo.

Quando se olha bem para a pirâmide imaginária constata-se que o topo é não só menor que a base como também menos necessário que a mesma! Observe: dizer que algo é menos necessário não significa dizer que não é necessário. Assim é a idéia da palavra Fundamental: um conceito extremamente importante não só na sua significância, mas principalmente na sua utilidade! E este termo encontra-se não no topo da nossa pirâmide imaginária: localiza-se na base.

A razão de se entender que o topo parece ser mais importante do que a base encontra-se na nossa lógica de que o que é mais importante está em cima e o menos importante está em baixo. Contudo, atentando-se firmemente, não é necessário inverter a pirâmide para colocar a base como mais importante do que o topo.

A pirâmide necessita, deve e tem que ser do jeito que é: o topo em cima, a base em baixo. Sabe por que? Porque a importância da base reside justamente no fato de ela se encontrar em baixo do topo! Por qual motivo? Pela razão de que, se a base não se encontrasse abaixo do topo, este não dependeria da mesma como seu sustentáculo.

A importância da base é fundamental, pois sem a base o topo não existiria. Este conceito é imprescindível para o conceito de cidadania, para a nossa visão otimista e confiante de nós como povo.

O Poder encontra-se no topo, os cidadãos encontram-se na base e, por causa disso, é o povo maior e elevado em importância do que o Poder no sentido de que aquele é quem valida, constitui e sustenta o Poder daqueles que o próprio povo colocou no topo! Sem os cidadãos o Poder não tem sua razão de existir, não pode vir a ser sem os indivíduos que são a razão primeira da sua constituição no Topo, da Administração.


E, assim como a base é maior em tamanho, o Povo é maior do que aqueles que são constituídos de Poder em número. Assim como o Poder, para ser legítimo, precisa ser apoiado pelo Povo, assim o faz a base com o topo da nossa pirâmide imaginária, sem necessitar ser invertida.

Então, qual é a significância do termo fundamental? Não é senão o alicerce de algo,  e este não se encontra no topo, mas na base. O topo não se mantém por si mesmo, quem o segura é a base, a qual vem antes daquele e é ela que o sustenta e valida. O topo precisa da base, mas esta não deixa de subsistir sem aquele, sendo ele somente a extensão da base. Assim também o Poder de um povo é tão somente a extensão daquele povo. Se é um povo atuante, que faz valer os seus direitos, que não é negligente nem omisso com seus Pactos Sociais, então o Poder deste povo será um verdadeiro promotor de direitos e deveres em sua sociedade, de forma a ser a extensão dos valores básicos consagrados pelo seu alicerce, o povo.

Se o Poder que rege um povo não reflete a sua base, ou seja, não é a extensão da essência e dos anseios do povo, isso significa que a própria base dele está debilitada ou inativa.

Igualmente, a Magna Carta de uma Nação consiste no Topo político dela, pois nada mais é do que a extensão da essência sólida dos valores e hábitos intrínsecos daquele Povo.

Vê-se que, quando se tem a sensação de que o topo deixa de depender da base, percebe-se que ele tende a extinguir-se por si próprio por falta de sustentação, pois da base ele é servido e por este motivo não pode deixar de "beber" da fonte daquela base. Uma sociedade de verdadeiros cidadãos é aquela que  não só entende, mas tem como hábito, como costume compreender que aqueles que detém o poder deixam de o ser quando deixam de servir o Povo da mesma maneira com que é servido.

Este conceito não é novo, mas infelizmente é um conceito muito desconhecido por parte dos entes políticos da maioria, senão todas, das nações que se auto intitulam Democráticas de Direito.


Base e topo se complementam, existem juntas e possuem sua razão de ser e sua própria importância! 

Poder e povo, igualmente. Ambos precisam exercer suas funções, caso contrário o caos é certeiro. Um povo omisso gerará soberanos negligentes e uma nação assim não subsistirá! 

Portanto, está mais do que na hora, principalmente no Brasil nesse período eleitoral, de refletir sobre o corpo político-coletivo como um todo e fazer, depois, os devidos reparos, pois somente assim construiremos um Estado Político capaz de suprir as ânsias de seus cidadãos!

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A intervenção do Estado na ordem econômica e a Constituição de 1988

  

Dinara de Arruda Oliveira

          
O tipo de modelo estatal (no caso do Brasil, o modelo adotado é Estado Democrático Social de Direito, sendo que, todavia, apesar da adoção o Pais  ainda não o utiliza de forma plena) caracteriza-se, principalmente, pela intensidade com que o Estado atua no campo econômico, pois no modelo liberal, por exemplo, o Estado pouco, ou nada, intervém na Economia; diferentemente do Estado Social, que muito intervém na Economia. E, é por intermédio da intervenção que se verifica de que forma o Estado atua na seara econômica, demonstrando, portanto, a imprescindibilidade da análise do referido instituto.


É sempre importante traçar elementos históricos dos institutos jurídicos e, não poderia ser diferente com a intervenção estatal. Desde tempos imemoriais, o Estado (ainda que não da forma conhecida atualmente) já intervinha de alguma forma, na Economia. E, foi assim, no Egito – onde tanto a produção agrícola como a industrial – se mantinham sob o controle estatal; na Grécia antiga e em Roma, que, com seu caráter militar e, portanto, conquistador intervinha, principalmente, nos Estados dominados, visando à obtenção de riqueza, para o patrocínio de novas expedições militares.


O modelo de Estado que surgiu com a Revolução Francesa e, que perdurou e preponderou por todo o século XIX, foi o Estado liberal, o qual operava de maneira dissociada entre a Economia e a Política, impondo, assim, o afastamento do Estado do domínio econômico, deixando este praticamente livre para agir da forma que melhor lhe conviesse, até porque o Estado era apenas uma “mão invisível” atuando sobre o econômico.


Com a evolução do Estado liberal, para o Estado do bem-estar-social (também chamado de welfare state),  tem-se a necessidade de uma intervenção do Estado na ordem econômica, já que a Economia deixa de ser livre (com mínima interferência estatal), para ser regulada pelo Estado, a fim de que as relações sociais possam se tornar mais equilibradas e, até mesmo, igualitárias, garantindo-se, assim, a plenitude do social.


A Igreja Católica teve grande influência na modificação do modelo estatal, ao trazer noções de justiça social e bem comum, entre outras, noções estas que pretendia que fossem aplicadas nos Estados, de forma plena. A Encíclica Papal Rerum Novarum (Papa Leão XIII, em 1891) é um exemplo disso, já que conclama, aos governantes, que protejam a sociedade e, para tanto, necessário se faz que exista um concurso de ordem geral, consistindo em regulação das leis, instituições e da própria Economia, estabelecendo não ser justo que o indivíduo, ou a até mesmo a família, sejam absorvidos pelo Estado, mas é justo, pelo contrário, que ambos tenham faculdade de proceder com liberdade, desde que não atentem contra o bem geral e não prejudiquem ninguém. Propõe uma nova reconstrução econômico-social, voltada para a justiça.


O Papa Pio XI, na Encíclica Quadragesimo Anno (1931), da mesma forma, condena o vício do Liberalismo, em face de que tal modelo levou à deformação do próprio Estado. Mais uma vez se verifica a afirmação de necessidade de implementação do intervencionismo estatal, para que o equilíbrio e a justiça possam prevalecer, em face do capitalismo demasiado, que acarreta, somente, injustiças e desigualdades sociais, que resultam em uma indignidade humana, a qual não pode ser permitida.


O Papa João XXIII, na Encíclica Mater et Magistra (1961), também prega a necessidade de interferência do Estado nas relações sociais e econômicas, para a garantia do bem comum, tendo asseverado que o Estado não pode manter-se afastado do mundo econômico, já que a razão de ser deste é a realização do bem comum. 


Deve, portanto:


[...] intervir com o fim de promover a produção duma abundância suficiente de bens materiais, cujo uso é necessário para o exercício da virtude, e também para proteger os direitos de todos os cidadãos, sobretudo dos mais fracos, como são os operários, as mulheres e as crianças. 


[...] Mas é preciso insistir sempre no princípio de que a presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e penetrante que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade na iniciativa pessoal dos cidadãos; mas deve, pelo contrário, garantir a essa esfera a maior amplidão possível, protegendo, efetivamente, em favor de todos e cada um, os direitos essenciais da pessoa humana.


Na mesma esteira, André Ramos Tavares lembra que as Constituições ditas sociais trazem a necessidade de um modelo estatal intervencionista, em oposição ao modelo liberal, em que o Estado pouco ou nada fazia, com relação à interferência nas relações privadas e, na própria ordem econômica:


As constituições sociais correspondem a um momento posterior na evolução do constitucionalismo. Passa-se a consagrar a necessidade de que o Estado atue positivamente, corrigindo as desigualdades sociais e proporcionando, assim, efetivamente, a igualdade de todos. É o chamado Estado do Bem Comum. Parte-se do pressuposto de que a liberdade só pode florescer com o vigor sublimado quando se dê igualdade real (e não apenas formal) entre os cidadãos. É bastante comum, nesse tipo de Constituição, traçar expressamente os grandes objetivos que hão de nortear a atuação governamental, impondo-os (ao menos a longo prazo). Não por outro motivo tais Constituições são denominadas, com CANOTILHO, ‘dirigentes’.


Veja-se que o intervencionismo é implantado, de forma efetiva, no Estado do bem-estar-social, com as Constituições Sociais, com maior determinação após o advento do movimento constitucionalista, quando já se encontrava consolidada a idéia de Estado de Direito, estando o Poder Público limitado por uma ordem jurídica e, pronto para estabelecer limites à atividade privada.


O intervencionismo, modernamente conhecido, tem como marco zero, a legislação americana (antitruste, de 1890). Todavia, o divisor de águas ocorreu em outro momento. Após a Revolução de 1917, na Rússia (com o levante do proletariado, que não suportou o Liberalismo exacerbado que provocava uma disparidade excessiva entre as classes detentoras de riqueza e os que pouco ou nada detinham) e, posteriormente com a crise econômica dos anos 20 e 30, que culminou com o “crack” da Bolsa de Nova York, ocasionando a quebra de milhares de bancos, o que resultou em uma elevação, inimaginável (para a época) no número de desempregados, além da desvalorização da moeda norte americana, o modelo econômico liberal, da forma que estava posto, não tinha mais como se sustentar.


Para tentar restabelecer o mercado, bem como, para dar dignidade à população de seu País (já que em face do ocorrido, muitos ficaram sem a mínima condição de sobrevivência e, portanto de dignidade), o Presidente dos Estados Unidos da América do Norte, Franklin Delano Roosevelt, adotou inúmeras medidas intervencionistas, visando a recuperação econômica e, conseqüentemente, objetivando o restabelecimento das condições dignas dos indivíduos norte-americanos. Referidas medidas, intervencionistas, foram necessárias, em face de que havia a necessidade de se impor, de alguma forma, contrariamente ao Liberalismo. E, o intervencionismo tem esse caráter, posto que ao traçar limites, estabelecer regras dentro do sistema econômico, se posiciona de maneira adversa àquela doutrina.


O intervencionismo moderno teve seu termo, portanto, com fins de assegurar à todos a existência digna, já que o mercado livre não estava garantindo a dignidade da pessoa humana, devendo, dessa forma, sofrer limites estatais, para a total garantia da própria pessoa humana. Assim, o intervencionismo surge para regular a economia, visando à coibição de abusos por parte do mercado, para que sejam garantidas as condições de sobrevivência de toda a população.

            
A intervenção é, portanto, o modo pelo qual o Estado,


[...] toma a si o encargo de atividades econômicas, passando a exercer, além das funções de manutenção da ordem jurídica, da soberania e segurança nacionais, outras que visem ao bem-estar social e ao desenvolvimento econômico. O intervencionismo visto sob o prisma do Direito Econômico, varia de intensidade, que pode ir da ação supletiva (intervenção branda) ao monopólio estatal (intervenção total). 


Segundo os doutrinadores, no chamado neo-capitalismo, essa intervenção se faz sentir pela legislação que protege a sociedade dos abusos do poder econômico, através do que denominam Direito Regulamentar Econômico (espécie do Direito Econômico) comparecendo o Estado na atividade econômica para assumir as atividades demasiadamente onerosas ou desinteressantes para a iniciativa privada.


A intervenção é, na realidade, a possibilidade do Estado intervir na atividade econômica, para garantir o cumprimento e, assim, a efetividade, das normas constitucionais, para que o mercado possa crescer, nos limites estabelecidos por lei. 


O Estado pode intervir na Economia tanto como agente normativo, ou seja, impondo regras de conduta à vida econômica e, também, como parte do processo econômico. Assim, tem-se o Estado como norma (Direito Regulamentar Econômico) e o Estado como agente (Direito Institucional Econômico).

            
E, o intervencionismo se justifica em face de que o direito à livre iniciativa apesar de assegurado pelo ordenamento jurídico vigente, inclusive pela própria Constituição Federal, não é mais ilimitado, recebendo, pois um condicionamento, em decorrência da própria condição em que vive a sociedade atualmente, visando, sobretudo, a promoção da pessoa humana e, conseqüentemente, de sua dignidade.

            
Têm-se, adotando a classificação de alguns autores (como Celso Ribeiro Bastos, João Bosco Leopoldino da Fonseca, Paulo Roberto Lyrio Pimenta, Américo Luís Martins da Silva, entre outros), duas modalidades de intervenção na atividade econômica; a direta e a indireta. 


A primeira encontra-se prevista no Art. 173 da Constituição, onde prevê que o Estado agirá de forma direta, dentro do campo econômico, por intermédio de empresa pública, sociedade de economia mista ou subsidiária. Nesta hipótese, o ente Público pratica operações mercantis, passando, desse modo “[...] a atuar como empresário, comprometendo-se com a atividade produtiva, quer sob a forma de empresa pública quer sob a de sociedade de economia mista.” Além disso, esta intervenção pode ocorrer, ainda, quando o Estado assume a gestão da empresa privada, passando a dirigi-la, desde que interesses sociais exijam referida espécie de intervenção. Paulo Roberto Lyrio Pimenta entende que na modalidade de intervenção direta:


[...] o Estado, na qualidade de agente econômico da atividade produtiva não está submetido ao regime jurídico de direito público, por ser este incompatível com os fins e meios da ordem econômica. Assim, o Estado não goza de superioridade em suas relações com os particulares. Aqui, o ente estatal comercializa, importa, produz, enfim, pratica atos típicos de direito privado.


Na segunda forma de intervenção, o Estado irá atuar como agente normativo e regulador da atividade econômica, como se verifica do disposto no Art. 174 da Constituição. Aqui, o Estado atua de forma a exigir que o mercado cumpra com o que está disposto nas normas constitucionais e infraconstitucionais, acerca da matéria. 


Nesta hipótese, o Estado não visa lucro, mas, sim, o efetivo cumprimento das normas, objetivando o bem comum; a justiça social e a dignidade da pessoa humana, de forma primordial. Nesta modalidade, o Estado, pode exercer a função de fiscalizador, agente regulador e, também, fomentador, ao constituir políticas econômicas, visando o combate ao abuso praticado pelo mercado econômico, que atinge frontalmente a dignidade da pessoa humana. Um exemplo de intervenção indireta ocorre quando o Estado atua por intermédio das Agências reguladoras, que visam a proteção dos princípios trazidos pela Constituição Federal, oportunizando-lhes a concretização efetiva.

            
Sobre o tema, Américo Luís Martins da Silva, afirma que:


[...] o Estado pode atuar direta ou indiretamente no domínio econômico. A atuação direta assume a forma de empresas públicas (empresas públicas propriamente ditas e sociedades de economia mista). Na atuação indireta, o Estado o faz através de normas, que têm como finalidade fiscalizar, incentivar ou planejar. Em outras palavras, o Estado atua diretamente, através de entes da administração descentralizada ou surge como agente do processo econômico, sendo que em certas oportunidades, por via indireta, usa seu poder normativo, disciplinando e controlando os agentes econômicos.

            
Ressalta-se que, as limitações da intervenção do Estado, no campo econômico, deverão observar os princípios dispostos no Art. 170 da Constituição da República, que tem o princípio da dignidade da pessoa humana como vetor da ordem econômica e fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, já que o Estado intervirá somente quando necessário, em decorrência de imperativos da segurança nacional, de relevante interesse coletivo e, quando houver definição legal. Portanto, a intervenção do Estado na ordem econômica prima pela manutenção da dignidade humana, servindo de instrumento para a sua concretização.


INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA BRASILEIRA: A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988


A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em outubro de 1988, trouxe, em seu Título VII, “Da Ordem Econômica e Financeira”, estabelecendo o norte a ser seguido, em relação aos princípios básicos do direito econômico, pois como bem elucida o doutrinador Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “a democracia não pode desenvolver-se a menos que a organização econômica lhe seja propícia” e, a Democracia, encontra-se como valor absoluto dentro da referida Constituição, valor este que tem que ser observado de forma plena por todos, Estado e indivíduos. 

                                                                                                                                                             
É importante, para que ocorra a plenitude da Democracia em um Estado, que haja uma organização econômica, devidamente regulamentada, que possa dar efetividade às garantias fundamentais do ser humano, garantias estas reconhecidas pela própria Constituição.  


E, com tal visão, o Poder Constituinte de 1988, mais uma vez, incorporou a ordem econômica como preceito a ser regido pela Lei Maior, introduzindo-a em capítulo próprio.


O pensamento de Champaud, citado por João Bosco Leopoldino da Fonseca expressa a importância do Direito econômico, corroborando assim com o merecido destaque dado pela Constituição.


Se o Estado desempenha um papel primordial na constituição e na vida das grandes unidades de produção e distribuição de massa, o Direito Econômico é essencialmente composto de regras que regem as relações do Estado e de suas unidades. Ele aparece então como um Direito Público. Se sua criação e sua animação é, no essencial, deixada à iniciativa privada, o Direito Econômico é quase exclusivamente formado de regras que regem relações entre particulares. Apresenta-se então com um Direito Privado.


[...]


Na realidade, mais que uma disciplina, o Direito Econômico é uma ordem jurídica decorrente das normas e das necessidades de uma civilização ainda em via de formação.


Todavia, a presença do Direito econômico em uma Constituição brasileira não é privilégio da Constituição de 1988, já que desde a Constituição da República de 1934, o mesmo se faz presente, de forma constitucionalizada, sendo que “o que se extrai da leitura despida de senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se transforma na medida em que assume novo caráter, social.”  Além disso, desde a época do Brasil-Colônia já existia a preocupação de se tratar de algumas questões econômicas, ou até mesmo de alguma espécie (ainda que de forma tímida) de intervenção estatal, na área econômica, dentro da Lei Maior, como se verifica no item anterior.


Mas, foi a partir do término da 1ª Grande Guerra, num fenômeno mundial, que o constitucionalismo assumiu uma feição diferenciada, perdendo a vinculação com o liberalismo. As Constituições passaram, então, a marcar o advento do constitucionalismo social, não focalizando apenas o indivíduo em abstrato, mas também, como parte integrante da sociedade. Houve a consagração dos direitos sociais, via declarações expressas, nos Textos Constitucionais, tendo o constitucionalismo se enquadrado em novos moldes, dos quais não mais se dissociou.


A Constituição da República de 1988, seguindo a tendência do mundo, hoje globalizado, trouxe o Direito econômico, em seu bojo, procurando primar pelo social, estabelecendo regras e limites à ordem econômica, com fins de resguardar o ser humano, dando-lhe oportunidade de uma vida digna, primando pelo trabalho, justiça social, defesa do consumidor, do meio ambiente (protegendo as gerações presentes e futuras), redução das desigualdades regionais e sociais e, limitando o direito à propriedade, exigindo que a mesma cumpra sua função social, como preceitua o Art. 170:


Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I- soberania nacional;

II- propriedade privada;

III- função social da propriedade;

IV- livre concorrência;

V- defesa do consumidor;

VI- defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII- redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII- busca do pleno emprego;

IX- tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede e administração no País;

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.[11]

            
Comentando o supra transcrito Art. 170, o doutrinador André Ramos Tavares, assim se posiciona:

Além daqueles princípios fundamentais – livre iniciativa e valor social da iniciativa humana – enumerados em seu caput, o art. 170 das Constituição relaciona em seus nove incisos os princípios constitucionais da ordem econômica, afirmando que esta tem por fim assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social, respeitados os seguintes princípios: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego e tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país. 


Estes princípios perfazem um conjunto cogente de comandos normativos, devendo ser respeitados e observados por todos os “Poderes”, sob pena de inconstitucionalidade do ato praticado ao arrepio de qualquer deles. Portanto, serão inadmissíveis (inválidas) perante a ordem constitucional as decisões do Poder Judiciário que afrontarem estes princípios, assim como as leis e qualquer outro ato estatal que estabelecer metas e comandos normativos que, de qualquer maneira, oponham-se ou violem tais princípios.


Em outra oportunidade, o mesmo autor trata das finalidades da ordem econômica, tendo constatado que a existência digna e a justiça social são os objetivos primordiais dessa ordem, a serem atingidos por intermédio da implementação dos ditames constitucionais, justificando, assim, a intervenção do Estado no domínio econômico.

            
Esta intervenção na Economia, para garantia do social, é reflexo do aprimoramento do Estado que, de Liberal (com pouca ou nenhuma intervenção na Economia) evoluiu, transformando-se em Estado do bem-estar-social (intervindo na Economia para a garantia de manutenção dos direitos trazidos pela Constituição). E, esse Estado garante a livre iniciativa e a livre concorrência (permitindo o desenvolvimento e enriquecimento do setor privado e, fortalecimento do Capitalismo), mas o faz desde que a iniciativa privada siga os princípios determinados pela Constituição Federal (o Estado intervindo, portanto, no privado, para garantia da coletividade, do social). Princípios estes estabelecidos no corpo da Constituição da República de 1988, merecendo destaque os outrora citados e encontrados no Art. 170, com o objetivo de que o indivíduo possa ter garantida a observância dos direitos que lhe foram concedidos pela própria Constituição.

            
Interessante lição acerca do tema traz Américo Luiz Martins da Silva ao expor que:


Vale lembrar que os Estados sócios-liberais, como o nosso, conquanto reconheçam e assegurem a propriedade privada e a livre empresa, condicionam o uso dessa mesma propriedade e o exercício das atividades econômicas voltadas ao bem-estar social. Portanto, há limites para uso e gozo dos bens e riquezas particulares e, quando o interesse público o exige, intervém na propriedade privada e na ordem econômica, através de atos de império tendentes a satisfazer as exigências coletivas e a reprimir a conduta anti-social da iniciativa particular.


Como vimos, modernamente, o ‘Estado de Direito’ aprimorou-se no ‘Estado do Bem-Estar’, em busca de melhoria das condições sociais da comunidade. Não é o ‘Estado Liberal’, que se omite ante a conduta individual, nem o ‘Estado Socialista’, que suprime a iniciativa particular. É o Estado orientador e planejador da conduta individual no sentido do bem-estar social. 


O reflexo desse Estado, que deixa de ser mínimo (que pouco, ou nada, intervém na Economia) e passa a ser regulador (intervindo quando necessário), resulta em uma Constituição que permite a obtenção de lucro (modelo de uma sociedade capitalista), desde que não haja violação dos princípios garantidos pela referida Lei Maior, já que o Estado intervêm, somente quando for necessário, no sentido de que permite a livre concorrência e a livre iniciativa, desde que não infrinja os preceitos regidos pela Constituição.

            
Para que se verifique a ocorrência deste fenômeno, a norma constitucional deve ser interpretada de forma sistemática (como exposto anteriormente), ou seja, deve-se verificar todo o texto normativo da Constituição, para aplicação efetiva da norma, sob pena de se cometer abusos contra a Constituição Federal, motivo pelo qual não se pode afirmar que a garantia da livre iniciativa é plena, posto que a mesma deve obedecer todos os preceitos determinados pela Lei Maior, no sentido de que há sim garantia da ordem econômica; há sim, garantia da livre iniciativa, desde de que estas não interfiram nas demais garantias expressas, desde que não infrinjam a dignidade da pessoa humana e tudo aquilo que dela decorre, como o direito à vida, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor etc.


Contribuição importante traz Eros Roberto Grau ao afirmar que:


Em síntese: a interpretação do direito tem caráter constitutivo – não pois meramente declaratório – e consiste na produção, pelo intérprete, a partir de textos normativos e dos fatos atinentes a um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para a solução desse caso, mediante a definição de uma norma de decisão. Interpretar/aplicar é dar concreção [= concretizar] ao direito. Neste sentido, a interpretação/aplicação opera a inserção do direito na realidade; opera a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular; em outros termos, ainda:  opera a sua inserção na vida.

           
Diante disso, tem-se que, apesar da ordem econômica ter sido privilegiada dentro da Constituição da República, não significa que a mesma reina absoluta, já que a interpretação e aplicação efetiva da norma, emanada do ordenamento jurídico brasileiro, dentro da realidade, devem obedecer a certos requisitos, como outrora mencionado.


O Art. 170 da Constituição da República ainda estabelece os princípios gerais da ordem econômica, trazendo garantias para a mesma, como a liberdade de iniciativa do setor privado, mas disciplinando, também, limites a serem seguidos, tendo em vista alguns valores, tidos como absolutos, na própria Constituição, como o é a dignidade da pessoa humana. Deve, também, a ordem econômica se balizar por outros princípios constitucionais, como, o primado do trabalho, na garantia de uma subsistência do cidadão (garantindo-lhe emprego), de forma digna (garantia de um mínimo para a sua sobrevivência digna – como se encontra em vários artigos da Constituição Federal – como a garantia de saúde, habitação, lazer, educação etc.).


Rizzato Nunes, em sua obra “Curso de direito do consumidor”, bem esclarece estas limitações, ao escrever que:


Ora, a Constituição Federal garante a livre iniciativa? Sim. Estabelece garantia à propriedade privada? Sim. Significa isso que, sendo proprietário, qualquer um pode ir ao mercado de consumo praticar a ‘iniciativa privada’ sem nenhuma preocupação de ordem ética no sentido de responsabilidade social? Pode qualquer um dispor de seus bens de forma destrutiva para si e para os demais partícipes do mercado? A resposta a essas duas questões é não.


Os demais princípios e normas colocam limites – aliás, bastante claros – à exploração do mercado. 


Desta maneira, percebe-se que a Constituição limita, objetivando o bem comum, a iniciativa privada, restringindo dessa forma o próprio regime capitalista, na tentativa de dar melhores condições de vida a todos os indivíduos, garantindo-lhes uma existência digna.

            
O interesse coletivo, pelos valores constitucionais, está acima do interesse privado, passando a prevalecer (quando há conflito entre as normas), como disciplinado pela Constituição da República de 1988, os princípios que norteiam a pessoa humana (e sua dignidade), sendo estes, o primado do trabalho, na dignidade, a preservação e conservação do ambiente, o direito do consumidor, dentre outros. Assim, a Constituição, apesar de resguardar, também os interesses privados, como, por exemplo, o interesse das empresas de iniciativa privada, não permite que estes prejudiquem os demais princípios constitucionais, servindo os mesmos de barreira aos primeiros, na medida em que a iniciativa privada tem o direito à livre iniciativa e à livre concorrência, não podendo, todavia, colidir, por exemplo, e, especialmente, com a dignidade da pessoa humana e, da mesma forma, não podendo infringir o direito ambiental, direito do consumidor etc., devendo, ainda, utilizar a propriedade privada de forma a cumprir o seu papel social.

            
A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa, portanto (assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição, os quais asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a dignidade da pessoa humana, o primado do trabalho, o ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.


1) Os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica na Constituição da República de 1988

            

A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, nos Arts. 3º e 4º os objetivos fundamentais da ordem constitucional, sendo eles:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I- construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Art. 4º. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. 

            
Veja-se que a República brasileira objetiva a construção de uma sociedade livre, justa, solidária e igualitária, pois com a igualdade conseguirá obter a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, além de conseguir a promoção do bem para todos. E, ao alcançar esses pontos conseguirá obter uma dignidade plena para todos os indivíduos.


Pela leitura do Art. 170, verifica-se, também, como fundamento e objetivo da República, a própria ordem econômica, em especial, os princípios limitadores da ordem econômica, dispostos no referido artigo.


Para Celso Ribeiro Bastos:


Uma observação genérica sobre a disciplinação jurídica da ordem econômica no Texto Constitucional aponta para os seguintes fatos. Em primeiro lugar, há uma definição muito clara dos princípios fundamentais que a regem, quais sejam liberdade de iniciativa, propriedade privada, regime de mercado etc. Existe, portanto, uma intenção bastante nítida, de limitar a presença econômica do Estado. Há uma clara definição pelo sistema capitalista, do ponto de vista principiológico. [...] Afigura-se, portanto, alentador o quadro oferecido pela Constituição de 1988, no que diz respeito aos princípios adotados na seara econômica.

            
Destarte, imperativo analisar o Art. 170 da Constituição Federal de 1988, que traz, no seu interior, os objetivos e fundamentos formadores da ordem econômica.


2) A intervenção na ordem econômica: análise do Art. 170 da Constituição da República


A Constituição brasileira, em seu Art. 170, estabelece os fundamentos da ordem econômica, assim como os princípios gerais da atividade econômica, princípios estes que servem de limites fixados, pelo legislador constitucional à livre iniciativa e, portanto, ao próprio mercado, com fins de que o mercado se desenvolva, levando em conta os ditames estabelecidos pela Lei Máxima, em especial, os da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
            

Passa-se a analisar todo o Art. 170 da Constituição, verificando-se os fundamentos e princípios que norteiam referido artigo, servindo de parâmetro limitador para toda a ordem econômica e financeira.


A dignidade da pessoa humana como fundamento inspirador da ordem econômica constitucional


A Constituição da República do Brasil trouxe, como valor fundante, o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo, portanto, princípio regulador da própria ordem econômica (aliás, de toda a ordem jurídica). Assim, a ordem econômica apresenta-se como livre – em decorrência da livre iniciativa, assegurada, também, pelo Art. 170 -, devendo, todavia, ter como paradigma, como norte a ser seguido, a dignidade da pessoa humana, o que levará à obediência e, portanto, à observância, dos demais princípios ali estabelecidos.


João Bosco Leopoldino da Fonseca enfoca a norma jurídico-econômica e o princípio da dignidade da pessoa humana, apontando que a direção dada por uma política econômica não deve perder o foco de que o Direito é uma criação do homem, não sendo, todavia, uma criação livre, arbitrária; havendo, sempre (ou devendo existir) a necessidade de uma mútua influência entre o dado econômico e o ideal vislumbrado pelo Direito. Além disso, o Texto Constitucional, ao colocar a dignidade da pessoa humana como fundamento, consoante consta no Art. 1º, III, da Constituição, não significa que fez constar algo eminentemente abstrato, mas, sim, a algo concreto, até porque, “não existe política econômica alheia às exigências de respeito e de concretização da dignidade humana. Os direitos sociais devem figurar de forma primacial neste quadro de exigências.” 


Além disso, “o fim último da atividade econômica é a satisfação das necessidades da coletividade”  e, ao elevar a dignidade da pessoa humana à título de fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, a Constituição a está colocando como uma das mais importantes (se não a mais) necessidades a serem supridas, não só pela ordem econômica, mas por todo o sistema jurídico brasileiro.


A finalidade precípua da ordem econômica constitucional é assegurar à todos uma existência digna e, para isso, necessário se faz que a vida econômica seja organizada em consonância com os princípios da justiça. Portanto, a dignidade da pessoa humana pode e, deve, ser considerada como fundamento inspirador de toda a ordem econômica.


A dignidade da pessoa humana será analisada, de forma mais detida, no capítulo subseqüente.


A valorização do trabalho humano


Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o trabalho na Antigüidade não era considerado digno, sendo desempenhado pelos menos favorecidos, já que os nobres não deveriam se envolver em atividades consideradas tão baixas. Somente no período Medieval esse conceito sofreu modificações, em face do Cristianismo, passando a ser vislumbrado como “um vetor contributivo da dignidade.” 


Desde a Constituição de 1934 se verifica, de forma mais efetiva, o interesse pelo social, trazendo referida Constituição, princípios fundamentais relativos ao Direito do trabalho.


A Carta Constitucional de 1967, alterada pela Emenda nº 1, de 1969, em seu Art. 160, II, já previa a valorização do trabalho humano como condição da dignidade humana, já incorporando, neste momento, um valor social ao trabalho humano.


Celso Ribeiro Bastos entende que “o Texto Constitucional refere-se à valorização do trabalho humano no sentido também material que a expressão possui. É dizer, o trabalho deve fazer jus a uma contrapartida monetária que o torne materialmente digno.” [21] Além disso, referido autor aponta que o trabalho deve receber a dignificação da sociedade, por servir de instrumento de concretização da própria dignidade, pois não há como obter dignidade plena se não há condições mínimas de subsistência. E, a valorização do trabalho passa justamente por isso, pois ao dar melhores condições e oportunidades de trabalho ao indivíduo, fornece subsídios para que o mesmo atinja a dignidade, que lhe é assegurada, em toda a sua plenitude, pela Constituição Federal.

A livre iniciativa

 A livre iniciativa, símbolo máximo do liberalismo (liberdade acima de tudo) deixa de ser ampla e irrestrita, como outrora, para ser elemento balizado por outros princípios constitucionais, já que é permitida a livre iniciativa, desde que observados os demais fundamentos e princípios dispostos na Constituição Federal, em especial, os do Art. 170 da Lei Máxima.


Desde a Carta Imperial de 1824, que o constitucionalismo brasileiro adota o princípio da livre iniciativa, o fazendo, é claro, de forma diferenciada em cada um dos Textos, até porque houve uma mudança, no decorrer da História, do modelo econômico, refletindo-se, assim, no próprio modelo estatal.


A liberdade de iniciativa, na concepção liberal:


[...] é uma expressão ou manifestação no campo econômico da doutrina favorável à liberdade. O liberalismo vem a ser um conjunto de ideais, ou concepções, com uma visão mais ampla, abrangendo o homem e os fundamentos da sociedade, tendo por objetivo o pleno desfrute da igualdade e das liberdades individuais frente ao Estado. A liberdade de iniciativa consagra-se tão-somente a liberdade de lançar-se à atividade econômica sem encontrar peias ou restrições do Estado, que, por sua vez, constitui uma das expressões fundamentais da liberdade humana.


No modelo estatal dos dias de hoje não se admite a liberdade de iniciativa de forma plena, em face dos preceitos constitucionais. Até mesmo o Direito contratual, exemplo maior da liberdade de iniciativa (refletida na liberdade de contratar), sofre alterações, para se ajustar ao momento atual, onde a liberdade de iniciativa só pode persistir se estiver delimitada pelos demais preceitos constitucionais.


O contrato, sob aquele enfoque, âmbito maior do ranço clássico do patrimonialismo, e seu princípio nuclear (liberdade contratual) não saem ilesos, pois o princípio da liberdade e da livre iniciativa jamais podem ser colocados à margem da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, visto que a liberdade é encarada enquanto princípio fundamental da ordem econômica, perseguidora do desenvolvimento da personalidade humana.


A Constituição de 1988 só possibilita a livre iniciativa enquanto funcionalizada pela justiça social e, também, e especialmente, pela dignidade da pessoa humana, sendo que, portanto, a livre iniciativa somente será permitida se observados os limites impostos pelo Texto Constitucional.


A realidade atual não mais se coaduna com a possibilidade de existência de uma livre iniciativa sem freios, sem limites que a segurem. Assim, a regra é que está assegurada a livre iniciativa, mas desde que esta não infrinja os limites estabelecidos pela Constituição Federal, neste caso, os princípios ali assegurados.


Celso Ribeiro Bastos lembra que “A nossa Constituição trata da livre iniciativa logo no seu art. 1º., inc. IV [...]. Ela é, portanto, um dos fins da nossa estrutura política, em outra palavras, um dos fundamentos do próprio Estado Democrático de Direito.”, mas, nem por isso deixa de estar vinculada à obediência aos demais preceitos constitucionais (em especial, ao princípio da dignidade da pessoa humana, do qual termina por decorrer os demais princípios).


Os contornos impostos à livre iniciativa se justificam em face da necessidade imperiosa de se garantir a realização da justiça social e do bem-estar coletivo, visando atingir a plenitude da dignidade da pessoa humana.



A Justiça social


De grande importância o tema da justiça social, todavia, não é algo novo, já que, conforme demonstra a História, essa preocupação sempre foi uma constante, como bem salienta Erivaldo Moreira Barbosa:


A justiça social também vem nesse direcionamento secular, tendo em vista que, na Idade Média, já começara sua germinação. Entretanto, a justiça social só veio a ser veículo de crítica quando apontou a exploração sofrida pelo trabalhador, por meio do capitalismo liberal. Neste caminhar, as críticas pronunciadas pelo socialismo e pela Igreja Católica começaram a ganhar força no cenário internacional.


A justiça social acaba por reforçar a idéia da própria dignidade da pessoa humana, já que se obterá a plenitude da dignidade, quando houver a efetividade da justiça social, já que esta consiste “na possibilidade de todos contarem com o mínimo para satisfazerem às suas necessidades fundamentais, tanto físicas quanto espirituais, morais e artísticas.”


João Bospo Leopodino da Fonseca, na obra “Direito econômico” traz o pensamento do Papa Leão XIII, na Encíclica Rerum Novarum acerca da justiça social e da própria Economia:


O Papa Leão XXIII publicou sua famosa Encíclica Rerum Novarum sobre a ‘questão operária’ e sobre a ‘economia social’. Leão XXIII situa a solução dos graves problemas sociais dentro dos parâmetros de uma justiça social. Lembra que o Estado pode melhorar a sorte das classes operárias, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos, editando leis sobre a jornada de trabalho, sobre a salubridade, sobre salário justo.


A Igreja teve grande influência na constitucionalização da justiça social, já que desde a Idade Média tem como discurso, a necessidade de diminuição das desigualdades sociais, para que se obtenha uma melhoria nas condições de trabalho, levando-se à justiça social, para que se possa garantir que o indivíduo usufrua, plenamente, de sua dignidade. É claro que os termos utilizados pela Igreja foram se modificando no decorrer dos séculos, mas, a essência sempre foi a mesma, como se verifica desde a Encíclica Rerum Novarum (que discute a questão operária e a Economia social, apontando para a necessidade de um melhor controle do Estado na regulação da Economia, para que se obtenha uma condição mais digna para os trabalhadores),  até os dias atuais


Paulo Nalin, ao tratar do Contrato no Projeto do Código Civil, quando ainda da vigência do Código de 1916, aponta para a observância da justiça social, inclusive nas relações interprivadas, já que: “[...] desde a Carta de 1988, há o imperativo conformante da livre iniciativa, a qual de melhor forma não se revela, a não ser pela figura do contrato interprivado, podendo ser empregada nos ditames da justiça social.”


Erivaldo Moreira Barbosa aponta que o caput do Art. 170 se vislumbra que a ordem econômica constitucional, “traz como pilar de sustentação o trabalho e a livre iniciativa; contudo, para que todos convivam com dignidade, necessitam imprescindivelmente de justiça social.” Assevera, ainda, que apesar de aparentemente inconciliável a livre iniciativa com os ditames da justiça social, demonstra-se totalmente possível a harmonização entre os institutos, desde que a Constituição seja respeitada em sua integralidade, especialmente na observância de seus princípios. 


A justiça social deve ser buscada pelo Estado, para que se garanta a concretização de todos os valores resguardados pela Lei Máxima, posto que a justiça não é apenas uma imposição ética, mas uma comprometimento estatal, por representar uma de suas finalidades básicas. E, o Estado tem obrigação de cumprir e exigir o cumprimento, para que se possa concretizar referido princípio, o que levará, portanto, ao alcance da dignidade da pessoa humana, de forma cabal, já que a justiça social reforça a idéia da dignidade.


A soberania nacional


A soberania nacional, como dito anteriormente, é um dos elementos do Estado e, a Constituição Federal, já, em seu Art. 1º traz a soberania, não só como elemento, mas, como fundamento do próprio Estado Democrático de Direito, ao estabelecer que:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:


A soberania;

            
Denota-se relevante asseverar que a soberania tratada no Art. 170 é uma complementação do Art. 1º, já que necessário se faz complementar a soberania política (estabelecida no Art. 1º) com a soberania econômica. A soberania econômica do Estado significa que o mesmo deve ser independente perante os demais Estados.  Além disso, é importante observar que, na realidade, “a soberania nacional, aqui focalizada, decorre da autonomia conseguida pelas pessoas que integram a nação. Não se pode falar de soberania da nação se os indivíduos que a compõem são incapazes de reger-se por um padrão de vida digno de uma pessoa humana.” 

            
Portanto, a soberania econômica deve ser almejada, visando-se a concretização e concessão de um “padrão de vida digno” a todos. Tal fato se dá em virtude de que a soberania, neste particular, aspira ao desenvolvimento econômico e social, como forma de propiciar um avanço na qualidade de vida dos indivíduos, valorizando-se, via de conseqüência, o trabalho humano, resultando-se, portanto, na obtenção da dignidade. Esse resultado é possível, em face de que ao se oportunizar a todos um trabalho condigno, tem-se a garantia de satisfação de todas as necessidades do indivíduo e de sua família, convergindo na efetividade do preceito constitucional da dignidade da pessoa humana.

            
Nas palavras de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, a soberania:


É o poder político supremo (não há limitação a ele na ordem interna) e independente (não obedece a ordens de governo ou organismo estrangeiro) do Estado. Por meio de cláusula de supranacionalidade, os Estados podem ter sua soberania mitigada, na medida em que tratados internacionais dos quais o Estado seja signatário ingressa na ordem interna do País como norma superior à Constituição (e.g. CF 5º. § 4º.: submissão do Brasil às decisões do  Tribunal Penal Internacional) ou de igual hierarquia (e.g. CF 5º. § 3º.: tratado internacional sobre direitos humanos como norma constitucional).


            
Assim, a soberania é um atributo do próprio Estado, sendo que, todavia, este atributo não é mais absoluto, em face das relações globalizadas vividas pelo mundo atual. Em maior ou menor grau, o Estado sofre influências internacionais, em decorrência de tratados assinados, que garantem a convivência entre os Estados, convivência esta inclusive e, principalmente, no âmbito econômico, que é regulado pelas relações dos mercados internacionais.


A afirmação do Texto Constitucional, da soberania nacional como princípio informativo da ordem econômica, não pode significar a procura de um nacionalismo xenófobo ou mesmo de qualquer sorte de autarquia econômica. O que o Texto Constitucional procura pôr em destaque é que a colaboração internacional, com as concessões que ela implica, e que não pode chegar ao ponto de subtrair ao País as possibilidades de sua autodeterminação. Ademais, seria uma incongruência interpretar-se o princípio da soberania nacional na ordem econômica de forma absoluta, uma vez que o mundo todo passa por um processo de globalização. Processo este que se dá, sobretudo, no campo da economia, através da formação de blocos econômicos.

            
Verifica-se, portanto, que, atualmente, não há mais, na prática, uma soberania estatal absoluta, por força da globalização das relações entre os Estados. Contudo, essa globalização não pode ultrapassar a autodeterminação do Estado brasileiro, devendo referido Estado dar preferência por um desenvolvimento nacional, voltado para a concretização da dignidade da pessoa humana, o que, aliás, se coaduna com os demais incisos do Art. 170.

A propriedade privada

            
A propriedade privada encontra-se constitucionalizada desde a Carta de 1824, mantendo-se no Texto Constitucional até hoje. É claro que há diferenças consideráveis entre a Carta Imperial e a Constituição atual, no tocante ao instituto em questão, em decorrência do acentuado caráter liberal daquele primeiro Texto, como se verifica também na Constituição de 1891.  Nos primeiros Textos, portanto, a propriedade privada era garantida de forma absoluta, sendo que foi perdendo esse caráter incondicional com a evolução, restando, com a Constituição Federal de 1988 limitada pelos princípios ali estabelecidos.


Referido instituto está assegurado no Art. 5º da Constituição Federal (além de ter sido disciplinada em vários outros artigos dentro do Texto Constitucional), no capítulo dos direitos individuais. Encontrando, também, previsão no rol dos princípios da atividade econômica; no Art. 170.

            
Nas palavras de Celso Ribeiro Bastos:


O atual Texto Constitucional em seu art. 5º, inc. XVII, que dispõe sobre o rol dos direitos e garantias fundamentais, observa como princípio a garantia do direito de propriedade. Portanto, a propriedade privada é um direito fundamental.


[...]


A propriedade tornou-se, portanto, o anteparo constitucional entre o domínio privado e o público. Neste ponto reside a essência da proteção constitucional: é impedir que o Estado, por medida genérica ou abstrata, evite a apropriação particular dos bens econômicos ou, já tendo esta ocorrido, venha a sacrificá-la mediante um processo de confisco.


Apesar de sua previsão constitucional a propriedade privada não deve mais ser considerada um valor absoluto, posto que subordinado a outros valores, como a necessidade de cumprimento de sua função social, para que se cumpra a finalidade de assegurar a todos existência digna, em conformidade com os ditames da justiça social. Como bem acentua André Ramos Tavares, é imprescindível que haja um ajuste entre os preceitos constitucionais, sendo que, portanto, a propriedade privada não pode mais ser ponderada em seu caráter puramente individualista (como era no modelo liberal), já que a propriedade está inserida na ordem econômica que tem como fim primordial garantir a todos uma vida digna.  


A função social da propriedade


Apesar do direito de propriedade estar assegurado pela Constituição Federal de 1988, o mesmo não é mais absoluto, tendo em vista que deve cumprir sua função social, sob pena de desapropriação. Como dito anteriormente, a propriedade privada se encontra limitada pelos princípios que regem a ordem econômica, em especial pelos princípios da função e da justiça social, objetivando-se alcançar, com isso, uma vida digna para todos os indivíduos. A Constituição garante a propriedade, contudo a erige nos moldes da função social.


O Texto Constitucional estabelece nos artigos 182, § 2º e 186 os requisitos a serem preenchidos para que se atinja a finalidade da função social, porque não é tarefa fácil definir quando se tem o cumprimento da função social, pela propriedade. Assim, a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências do Plano Diretor, que tem por meta garantir o bem-estar de seus habitantes.


Já a propriedade rural possui uma gama muito maior de elementos a serem observados, ressaltando-se que os requisitos devem ser cumpridos de forma simultânea. São, portanto, requisitos para o cumprimento da função social: a) faz um aproveitamento racional e adequado da propriedade; b) assegura a preservação do meio ambiente, utilizando-se coerentemente os recursos naturais disponíveis; c) observa as disposições que regulam as relações de trabalho; d) favorece o bem-estar dos proprietários e de seus trabalhadores (cujo resultado é uma vida digna para todos). Ou seja, quando se observa todo o ordenamento jurídico brasileiro, em especial, os ditames previstos na Constituição Federal, tendo como balizador os princípios que regem todo o Texto Constitucional.


Para José Afonso da Silva, a Constituição está adotando um princípio de transformação da própria propriedade, condicionando e limitando a mesma de forma integral, pois:


[...] a Constituição não estava simplesmente preordenando fundamentos às limitações, obrigações e ônus relativamente à propriedade privada, mas adotando um princípio de transformação da propriedade capitalista, sem socializá-la, um princípio que condiciona a propriedade como um todo, não apenas seu exercício, possibilitando ao legislador entender com os modos de aquisição em geral ou com certos tipos de propriedade, com seu uso, gozo e disposição.

Então, apesar do Direito à propriedade estar assegurado na Constituição Federal de 1988, em seu Art. 5º, XXII, este não é absoluto, pois deve seguir outros princípios dentro da própria Constituição, devendo, ainda, exercer sua função social. Como dito anteriormente, quando há conflito entre dispositivos constitucionais, deve-se, utilizando o princípio da proporcionalidade, buscar o princípio maior dentro da Constituição da República, o qual neste caso é aquele que representa o interesse coletivo, já que apesar do modelo brasileiro estar filiado ao primado da propriedade, sua aplicação necessita ser ajustado com fins sociais mais amplos. E, tanto o Art. 5, XXIII, quanto o próprio Art. 170, III (que trata da ordem econômica), apontam que a propriedade privada deve, obrigatoriamente, atender seus fins sociais.


A livre concorrência

       
A Constituição Federal resguarda a livre concorrência, que é, primeiramente, um preceito; um fundamento do Liberalismo, em face da liberdade do próprio mercado, que pode em tese, concorrer livremente, utilizando-se de recursos para a obtenção de maiores resultados econômicos. É claro que a livre concorrência deve estar alicerçada nos preceitos trazidos pelo Texto Constitucional.


Sobre a livre concorrência, André Ramos Tavares assim se posiciona:


[...] a livre concorrência é considerada como a ‘existência de diversos produtores ou prestadores de serviço’. A livre concorrência, portanto, ‘consiste na situação em que se encontram os diversos agentes produtores de estarem dispostos à concorrência de seus rivais.’


Livre concorrência é a abertura jurídica concedida aos particulares para competirem entre si, em segmento lícito, objetivando o êxito econômico pelas leis de mercado.


Portanto, é obrigação constitucional que as empresas zelem pela livre concorrência, para que não haja formação de cartéis, por exemplo, visando lesar o consumidor (outro princípio resguardado pelo Art. 170), que acaba por não ter opções e se vê obrigado a consumir determinado bem ou serviço de determinada empresa, que acaba, ou figurando sozinho no mercado, ou o dominando. Isso resulta em uma condição indigna, pois não permite ao indivíduo obter total acesso a todos os bens de consumo (por força de elevados preços praticados ou, ainda, em face da má qualidade dos produtos).

            
Para Sérgio Varella Bruna, livre iniciativa e livre concorrência são dois princípios indissociáveis, já que:


[...] são, pois, princípios intimamente ligados. Ambos representam liberdades, não de caráter absoluto, mas liberdades regradas, condicionadas, entre outros, pelos imperativos de justiça social, de existência digna e de valorização do trabalho humano. Assim, o que a Constituição privilegia é o valor social da livre iniciativa, ou seja, o quanto ela pode expressar de socialmente valioso. Da mesma forma, a livre concorrência é erigida à condição de princípio da ordem econômica não como uma liberdade anárquica, mas sim em razão de seu valor social. A extensão de tais liberdades dependerá de sua análise conjugada com os demais objetivos e princípios, não só da ordem econômica mas da Constituição como um todo.


Desta forma, a consagração da livre iniciativa e da livre concorrência não exclui a atuação do Estado no domínio econômico, seja exercendo sua função de agente normativo e regulador da atividade econômica (CF, art. 174), seja atuando com vistas à preservação da própria livre concorrência, como agente repressor dos abusos do poder econômico.


A Constituição Federal prevê punições àqueles que violarem os preceitos contidos no Art. 170, em especial, para o inciso, ora em estudo, aqueles que macularem os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, sendo que a lei irá reprimir toda e qualquer espécie de abuso ao poder econômico, como, por exemplo, aquele que pretender dominar o mercado, eliminando a livre concorrência e, assim, se portando de forma contrária aos ditames estabelecidos no decorrer de todo o Texto Constitucional. O Art. 173, da Lei Máxima, estabelece, de forma contundente que a lei reprimirá todo e qualquer abuso do poder econômico que pretenda a dominação dos mercados, a eliminação da concorrência e o aumento arbitrário dos lucros.


A defesa do consumidor

                
Com o advento da Constituição de 1988 a defesa do consumidor passou a merecer papel de destaque, dando início a uma mudança paradigmática, dentro do cenário nacional, inclusive tocante aos contratos, sendo que Paulo Nalin, em obra anterior ao Código Civil de 2002, chega a afirmar que o então projeto do novo Código Civil teve seu brilho apagado, em face do Código de Defesa do Consumidor (de 1990), o qual, seguindo os ditames constitucionais, trouxe a proteção ao contratante hipossuficiente, entre outros valores, buscando-se o equilíbrio contratual. Para referido autor, o Código de Defesa do Consumidor foi inovador “[...] ao relançar não só a boa-fé, mas ainda os princípios da confiança, transparência e, especialmente, da equidade.” 


Além do Art. 170, a Constituição disciplina em outros artigos a proteção do consumidor, destacando-se os artigos 5º, XXXII; 24, VIII; 150, § 5º e Art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, demonstrando a preocupação da Constituição Federal com a defesa do consumidor.


Os princípios constitucionais de proteção e defesa dos consumidores impedem, por parte do Estado e das pessoas jurídicas de direito privado, a execução de atos que não garantam os interesses daqueles (função negativa). Assim sendo, a legislação infraconstitucional deve guardar plena harmonia com os princípios supramencionados, valendo-se o Estado dos meios de que dispõe para buscar a sua realização (função positiva).


O Art. 5º, XXXII, da Constituição Federal, inserido no Capítulo dos direitos e garantias individuais e coletivas, preceitua que: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. A Constituição de 1988 trouxe muitas mudanças neste sentido, privilegiando a garantia de defesa do consumidor, abrindo espaço para o surgimento da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990, Código de Defesa do Consumidor.


O direito do consumidor, como o direito econômico, possui raiz no direito constitucional, posto que presentes na Lei Maior, a qual dá certo destaque a estes ramos do direito. Todavia, o direito do consumidor serve, também, como freio ao direito econômico, na medida em que reprime certos atos do direito econômico se estes estiverem prejudicando o consumidor, amparado pela Constituição e pelo Código de Defesa do Consumidor. Rizzato Nunes assim destaca:


Ao estipular como princípios a livre concorrência e a defesa do consumidor, o legislador constituinte está dizendo que nenhuma exploração poderá atingir os consumidores nos direitos a eles outorgados (que estão regrados na Constituição e também nas normas infraconstitucionais). Está também designando que o empreendedor tem para oferecer o melhor de sua exploração, independentemente de atingir ou não os direitos do consumidor. Ou, em outras palavras, mesmo respeitando os direitos do consumidor, o explorador tem de oferecer mais. A garantia dos direitos do consumidor é o mínimo. A regra constitucional exige mais. Essa ilação decorre do sentido da livre concorrência. 


No mesmo sentido, André Ramos Tavares, esclarece que:


Torna-se nítido, pois, que o denominado princípio da liberdade congrega, nas relações de consumo, duas forças que atuam em sentido opostos. Para um lado, atua a força empresarial, calcada em respectiva liberdade de iniciativa, produção e concorrência. Para outro lado, contudo, atua a liberdade do consumidor, em informar-se, realizar opções e, eventualmente, adquirir ou não certos produtos e novidades colocados no mercado de consumo e ´impostos´ pela comunicação em massa. 


[...] ambas devendo conviver harmonicamente, sem que uma possa sobrepor-se à outra. 


[...] Numa primeira concepção, a livre concorrência tem como centro de suas atenções o consumidor, considerado como parte vulnerável da relação de consumo a merecer a proteção jurídica, promovida, em parte, pela tutela da livre concorrência.


A necessidade de regulamentação das relações, de consumo, decorre do desenvolvimento da própria sociedade, já que após a revolução industrial, o mercado consumidor passou, a cada vez mais, exigir do fornecedor, de bens e consumos, mais e melhor, movimentando, assim, a atividade empresarial, que necessita do consumidor para vender o que produz, obtendo êxito em sua meta principal, que é conseguir lucro. 


Esse consumidor, agindo com total liberdade, como lhe permite o ordenamento jurídico, adquire o produto que lhe é oferecido, pagando o preço devido (na geração do lucro), mas exigindo as vantagens que lhe são ofertadas e, que devem ser cumpridas, de forma integral pelo fornecedor, podendo valer-se do Poder Judiciário, quando tais obrigações deixarem de ser cumpridas, como dispõe o Código de Defesa do Consumidor, em especial em seu Art. 6º.


            
O Estado, não pode permitir, em face dos inúmeros princípios tratados em sua Lei Máxima, que a iniciativa privada, na sua ânsia de obter lucros, os obtenha de forma desenfreada, prejudicando sobremaneira os indivíduos, por isso intervêm, para coibir abusos, pois a Constituição se preocupa em tutelar os direitos dos indivíduos, dentre os quais estão os consumidores.

            
A Constituição da República, apesar de resguardar a livre iniciativa (assegurando, assim, a manutenção do Capitalismo, no sentido que permite que as empresas possam obter lucro em seus negócios), impõe limites, estes trazidos na própria Constituição, os quais asseguram que a empresa pode trabalhar livremente, desde que não prejudique a dignidade da pessoa humana e, via de conseqüência, não atinja, frontalmente, o primado do trabalho, o meio ambiente, o direito do consumidor, entre outros. Portanto, tais limitações funcionam como parâmetros à livre iniciativa, não permitindo que esta prejudique princípios e valores estabelecidos na ordem jurídica brasileira, em especial, na Constituição da República de 1988.


Como observado, a proteção ao consumidor (assim como outros institutos) opera, como “freio” à livre iniciativa, impedindo que esta cometa abusos no seu objetivo primordial de obtenção de lucro. Dessa forma, o Direito Econômico se relaciona e, muito com o Direito do Consumidor, no sentido em que ambos atuam com relações de consumo, o primeiro dependendo do segundo para obtenção de lucro (o fornecedor de serviços e produtos, por exemplo, necessita do consumidor para adquirir os produtos por ele colocados no mercado) e, em segundo lugar o Direito do Consumidor, por autorização da Constituição de 1988, acaba servindo de limitação à ordem econômica, visando a coibição de possíveis abusos.


A defesa do meio ambiente


Outro princípio resguardado pela Constituição de 1988 é a defesa do meio ambiente, posto ser uma preocupação constante no referido Texto Maior, como se depreende da leitura do mesmo. A Constituição visa a proteção do meio ambiente, para que se resguarde, em última análise a própria dignidade da pessoa humana, pois propicia melhores condições de vida a todos os seres humanos.


Celso Ribeiro Bastos lembra que foi a partir da Constituição de 1988 que o meio ambiente passou a ser tratado como um princípio constitucional, o que para ele pode ser explicado em face de uma maior conscientização da humanidade para os problemas gerados pelo descaso com o meio ambiente, sendo imperativo a utilização de forma racional do mesmo, já que a humanidade necessita de um ambiente equilibrado e saudável para sua própria sobrevivência. Assim:


A defesa do meio ambiente, é sem dúvida, um dos problemas mais cruciais da época moderna. Os níveis de desenvolvimento econômico, acompanhados da adoção de práticas que desprezam a preservação do meio ambiente, têm levado a uma gradativa deteriorização deste, a ponto de colocar em perigo a própria sobrevivência do homem.


Além do estabelecido no Art. 170, a Constituição Federal resguarda o meio ambiente em outros dispositivos, como é o caso do Art. 186, que trata dos requisitos que devem ser cumpridos para que se considere que a propriedade conseguiu atingir sua função social. Assim, a função social da propriedade rural é cumprida quando se utiliza de forma adequada dos recursos naturais disponíveis, preservando-se o meio ambiente.


A própria ordem econômica é limitada por alguns princípios, dentre eles a defesa do meio ambiente. Assim, a própria Constituição Federal limitou a atividade econômica, quando se tratar da defesa do meio ambiente, entre outros casos. E, a proteção ao meio ambiente é tão importante que chega até a ultrapassar o direito adquirido e a coisa julgada, como bem aponta Hugo Nigro Mazzilli:


Em matéria ambiental, a consciência jurídica indica a inexistência de direito adquirido de degradar a natureza. [...] Afinal, não se pode formar direito adquirido de poluir, já que é o meio ambiente patrimônio não só das gerações atuais como futuras.


[...] Ora, não se pode admitir, verdadeiramente, a formação de coisa julgada ou direito adquirido contra direitos fundamentais da humanidade; não existe o suposto direito de violar o meio ambiente e destruir as condições do próprio habitat do ser humano. Como admitir a formação de direitos adquiridos e coisa julgada em grave detrimento até mesmo de gerações que ainda nem nasceram?! .[...] Não se invocará direito adquirido para se escusar de obrigações impostas por normas de ordem pública com o escopo de proteger o meio ambiente”. 

            
Além disso, o Art. 225 da Constituição Federal trata da responsabilidade do Poder Público (em qualquer instância), no tocante às práticas ambientais ilícitas e danosas, já que incumbe ao Poder Público assegurar que todos tenham a possibilidade de usufruir de um ambiente ecologicamente equilibrado, em face de ser de uso comum do povo, além de essencial à sadia qualidade de vida e, portanto, imprescindível para a efetividade da dignidade da pessoa humana.


O art. 225 da Constituição Federal trouxe a responsabilidade direta do Poder Público – federal, estadual e municipal – em relação às práticas ambientais ilícitas e danosas, com evidente reforço legislativo à normas de natureza infraconstitucional.


A responsabilidade civil constitucional de natureza objetiva permite que qualquer pessoa física, jurídica ou mesmo sem personalidade jurídica, tais como o espólio e a massa falida etc., seja acionada civilmente para responder pelas ilicitudes e danos ambientais.


[...] A legitimidade passiva no processo coletivo ambiental é aberta, ou seja, pertence a todos aqueles que contribuíram ativa e passivamente para a pratica do dano ou ilícito ambiental, conforme o mandamento do art. 225 da Constituição Federal.


A redução das desigualdades regionais e sociais


Também se constitui como um dos objetivos fundamentais, eleito pela República Democrática do Brasil e, exteriorizado na Constituição Federal, a redução das desigualdades regionais e sociais.


Este princípio reside na idéia de que o país como um todo, deve suportar as diferenças existentes entre os Estados Federados, já que os Estados do Norte e Nordeste em muito se diferem – especialmente economicamente – dos Estados do Sul e Sudeste, tudo isso em face da forma com que a colonização foi feita neste País e, que deixou de herança marcas culturais e sociais diversas, por todo o Território Nacional.


A inserção deste princípio, no Texto Constitucional, no título destinado à ordem econômica e financeira, deve ser visto como algo natural, já que a redução das desigualdades sociais e regionais constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, consoante previsto no Art. 3º, inciso III


Manoel Gonçalves Ferreira Filho lembra, todavia, que se deve sopesar a utilização do referido princípio, para que não haja distorções, sendo que:


É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não é um fim em si mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma, tem ele de ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos a alguns, ou mesmo a toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado somente beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação de potência do Estado.


Para, Erivaldo Moreira Barbosa, este princípio diz respeito, também, ainda que de forma implícita, ao princípio do desenvolvimento econômico[48], que deve ser atingido, para que se consiga concretizar a dignidade da pessoa humana para todos os indivíduos, em cada canto deste imenso País.


A busca do pleno emprego


             
Outro princípio abarcado pela ordem econômica é o da busca pelo pleno emprego. Todavia, a efetividade do inciso VIII, do Art. 170 da Constituição Federal, é bastante preocupante, já que o desemprego é um dos grandes males que assola um país continental, como é o Brasil:


O inciso VIII refere-se ao ‘pleno emprego’, que fora insculpido no art. 170, mas, na concretude dos acontecimentos, vem sendo considerado quase como uma utopia. Afirmamos isto por causa da crescente onda de desemprego que vem assolando nosso País, em parte por questões relacionadas à automação capitalista via robótica e informatização; em parte, por fatores impostos pela nova ordem mundial e, em grande parte, por medidas internas de uma política econômica inconsistente, que, ao invés de priorizar as reais necessidades da sociedade, beneficia exclusivamente o grande capital privatista.

            
Da mesma forma, Celso Ribeiro Bastos, aponta que a redação atual do Texto Constitucional é deveras utópica e, praticamente inatingível, diferentemente da Constituição anterior, que tratava do princípio da expansão das oportunidades de emprego produtivo. Além disso, trata-se de política de médio a longo prazo e, não efetivamente, para ser realizada a curto prazo.


            
É claro que é importante lembrar, como o faz Lafayete Josué Petter, que existe, no Texto Constitucional, a previsão de um direito ao desenvolvimento, sendo a pessoa humana o sujeito central desse direito, sendo, que, por esse motivo, não se poderá tomá-la como simples fator de produção. Pelo contrário, haverá a necessidade de se propiciar que o ser humano possa aferir frutos que possibilitem sua existência digna, que é a finalidade da própria ordem econômica e financeira, sendo responsabilidade do Estado a efetiva concretização do desenvolvimento.


O tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte

            
O Art. 170 dispõe que haverá tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, visando, portanto, a igualdade estabelecida na própria Constituição (é claro que uma igualdade efetiva – material, portanto -, e não apenas uma igualdade formal), tratando de forma igualitária os iguais e diferentemente os desiguais, na medida de suas diferenças, visando, ao final, atingir a igualdade plena.

            
Para Lafayete Josué Petter, referido princípio se justifica, em decorrência da leitura de todo o Texto Constitucional, bem como dos valores e preceitos ali insculpidos, trazidos do seio da própria sociedade, bem como do ideal de igualdade e justiça.


A economia  deixada a agir tão-somente segundo as livres forças do mercado, tende a situações monopolísticas e oligopolísticas: empresas de grande vulto controlam parcela significativa do mercado, impondo aos concorrentes a dura realidade através do poder econômico que representam. São naturais, então, as dificuldades de criação e desenvolvimento a que pequenas e micro ficam expostas. Neste sentido, a adoção de um tratamento favorecido pode fomentar a sobrevivência dos pequenos, provocando maior presença de agentes econômicos na economia, o que invariavelmente se traduz em benefícios a consumidores e ao próprio mercado em face do estímulo da concorrência.

            
É claro que esse tratamento favorecido não deve ir além do necessário, para que não haja uma desvirtuação do pretendido, acabando por desigualar, sobrepondo as empresas de pequeno porte às demais empresas.


Em outras palavras, o favorecimento que a Constituição autoriza não pode ir além do equilíbrio determinado pelo princípio da igualdade, o que significa dizer que deverá ser respeitada a justa medida, indo tão-somente ao ponto necessário para compensar as fraquezas e as inferioridades que as microempresas e as de médio porte possam apresentar.


            
Veja-se que a Constituição Federal mais uma vez pretende obter a igualdade material, não se contentando com a formal, exigindo, para tanto, a observância efetiva de seus princípios e fundamentos.


            
Atingindo a dignidade da pessoa humana, poder-se-á conseguir a efetividade dos demais princípios e valores constitucionais, em face de ser um meta-princípio; o ápice; o vetor constitucional, fazendo com que todos os demais princípios decorram do mesmo.