"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 18 de novembro de 2012

Cinco razões pelas quais a monarquia é um sistema melhor


1- A monarquia representa a pluralidade da identidade e da constante renovação na continuidade

A democracia exige a mudança cíclica dos governantes. Nenhuma outra parte pode estar permanentemente no poder e na alternância é um componente fundamental do sistema. Mas nesse mesmo sistema, o monarca pode e deve representar os valores de um país onde o chefe de Estado se mantém. E para representar torna-se um elemento de convergência entre os interesses diferentes de identidade política e étnica. Um Rei de Espanha, que detém títulos como o rei de Castela, Leão, Aragão, Navarra, Valência, Galiza, Maiorca, Córdova, Múrcia, Gibraltar, das Ilhas Canárias, o conde de Barcelona e Senhor da Biscaia, para falar apenas dos territórios que hoje são o espanhol ou aspiram por unanimidade, que eles são, necessariamente visto como uma referência mesmo para aqueles que não se sentem necessariamente espanhol.

2- A monarquia é uma forma mais moderna

A República é um sistema mais natural, ou seja, é mais elementar, mais atrasada. Cada civilização é uma subtração à natureza. Tudo é menor natural. A partilha comum de bens é mais natural do que a propriedade. Qualquer civilização-Kings, propriedade, contrato de casamento, envolve um elemento de modernidade e complicação e artificialidade, sobrepostas, como freio e limitar os naturalidade. Como também são acréscimos à natureza da educação, boas maneiras ou empate. E precisamente porque o desenvolvimento e liquidação através dos séculos levando a uma monarquia, você tem que entender que é na mão de qualquer pessoa ter uma monarquia, mas ele está tendo uma república. Uma revolução é feita em 24 horas, a monarquia é a colonização dos séculos.

3- A Monarquia permite independência

O Crown Prince ou sucessor, como seu pai ou parente do rei não pode ser usado por políticos, e que deve o seu estatuto com a natureza é designado a partir do nascimento e da nação conhece como energia primordial, tais lutas em cúpula. Em uma época como a nossa racionalista pode parecer anacrônico princípio hereditário: baseia-se na parte física do homem que o racionalismo e idealismo que a nossa sociedade despreza e crescido além da medida.

Mas na realidade o corpo é tão humano quanto o espírito, e herança é o único modo de nomeação de chefe de Estado não é manipulável, que investe o Rei da independência, a condição mais importante na função. O que dá valor imbatível para Monarquia herança é o chefe de Estado para a independência que lhe dá herdou status. Ea condição tem que ser herdada dentro de uma família. É o que o político e diplomata francês Charles Benoist resumida na máxima "uma dinastia, sempre a mesma, sempre renovada em uma monarquia."

Como José Maria Pemán argumentou em suas "Cartas a um céptico sobre as formas de governo": "Tanto quanto me esforcei nunca sagacidade ser encontrado imediatamente transmitida de qualquer forma, sem intervalo ou interrupção, comparável em clareza e rapidamente para a transmissão familiar de pai para filho. Assim, todas as bases sociais que exigem continuidade e características de permanência têm historicamente e cientificamente caráter familiar, daí o "pai" é a grande palavra que aparece sillar inabalável escondida na raiz etimológica de tudo o que designa um pilar fundamental da sociedade humano. Uma coisa de pai soa do país, que é a nação e patrimônio, que é a propriedade, e do patriarca, que é a autoridade. Uma coisa pai tem que soar muito, se não no nome, na realidade querida, a melhor forma de governo, "a monarquia. E, para terminar seu Pemán idéia conclui: "A família, não o indivíduo, é secularmente a propriedade assunto, o destaque ou a honra. O que é estranho é também o tema do Governo? "E fora da propriedade, não há outra escolha do que a escolha, com restrições de sua dependência, mesmo servilismo e lucro busca de poder dentro.

4- O pior Rei é melhor

A condição humana é imprevisível. A história de todas as monarquias do mundo existe ou foi gerou soberanos bons e ruins. E muitas vezes não é o pior de que estavam no trono no momento da mudança de regime. Mas a monarquia evoluiu o conceito de soberania nacional, e hoje, no Ocidente, é parte de regimes constitucionais. Num sistema constitucional-como, por exemplo, os espanhóis- potestas dos quais tem um Rei é muito limitada.

E um mau rei teria pouca chance de prejudicar a nação, precisamente porque os seus poderes são muito circunscritas. Mas um bom rei enche de auctoritas graças à sua forma de domínio de nenhuma outra maneira pode conseguir essa autoridade. Mas um mau presidente de uma república é constantemente agindo para obter a continuar o seu trabalho, muitas vezes dominar seus poderes tentando justificar a sua presença como chefe de Estado e gera crise como a que acabamos de viver um dos países mais importantes da Europa onde aprendemos que o presidente de corrupção e renunciou após meses recusando-se a aceitar as suas responsabilidades.

5- Nenhum sistema é perfeito, é o melhor possível

Se é relativamente fácil de diferenciar entre os políticos que sempre pensam na próxima eleição e aqueles que pensam nas próximas gerações pode-se dizer, a priori, que o político natural tem ido às urnas para pensar na próxima eleição, enquanto para Prince é sempre mais fácil pensar nas próximas gerações. Porque o Rei é o deputado de todos aqueles sobre votação, aqueles que votam e os que não votam. O homem é capaz de compreender os princípios universais e, como resultado, às vezes se pensa existir no mundo criado: grande erro, pode habitar sua mente, aumentar a sua vontade, mas não se aplicam porque eles são seres de razão.

Nós nos esforçamos para a perfeição , mas um erro ao definir enteléquias padrões. Monarquia hereditária é o padrão perfeito para o governo da sociedade, é, nem mais nem menos, o governo melhor possível para seres limitados. E a distinção entre limite e está perfeitamente claro, mas muitas vezes esquecem. Lembre-se do exemplo clássico: a mula não entende um silogismo, mas não por imperfeição do silogismo, é limitando a mula, que é, no entanto, uma mula perfeita sem conhecer a teoria do conhecimento.

Mais com um sentimento. Irracionais e talvez por isso, muito verdadeiro. Disse José Maria Pemán na obra citada: "Ao lado de Carlos V de Ticiano, um presidente da República tem um retorno certo, não vou dizer que ao chefe tribal, mas para o chefe da aldeia ou magistrado . " Essa afirmação é de 1937. Muitas parece inteiramente válido.

RAMON PEREZ-MAURA

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A LAICIDADE DO ESTADO E OS DIREITOS HUMANOS

Desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, na França revolucionária (1789), a independência do Estado diante de qualquer religião tem sido evocada como um requisito indispensável para a efetivação do artigo 10 desse documento, que dizia o seguinte:

"Ninguém deve ser molestado por suas opiniões, mesmo religiosas, desde que sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei."

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 1948, contém várias referências a essa questão: no preâmbulo, proclama o advento de um mundo novo em que se goze da liberdade de crença; no artigo II afirma que os direitos e as liberdades devem ser gozados sem distinção de religião (entre outras condições), assim como, no artigo XVI, que afirma a liberdade de homens e mulheres maiores de idade contraírem matrimônio e fundarem uma família. Além dessas referências, há todo um artigo em que essa questão é ainda mais explícita, como na passagem abaixo:

"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular." (artigo XVIII)

Mas, se essa declaração foi tão amplamente apoiada pelos Estados saídos da II Guerra Mundial, a maneira como eles lidavam com os crentes e não crentes, e com as sociedades religiosas variava bastante. Em uns países, o Estado era confessional, isto é, havia religião oficial; em outros, o Estado era ateu, isto é, afirmava (e ensinava nas escolas) o caráter necessariamente alienado de toda e qualquer religião; outros, ainda, eram laicos.

Uma laicidade estrita foi inserida na Constituição brasileira de 1892, por força da ideologia das elites políticas republicanas, de orientação liberal, maçônica ou positivista, mas desprovida de base popular. A constituição de 1934 abriu uma nova fase, expressa na fórmula da "colaboração recíproca", em moldes fascistas, que pretendia estancar a crise de hegemonia. Esse lema foi repetido nas Constituições posteriores, com pequenas mudanças formais, favorecendo aos dois lados da entente: as sociedades religiosas beneficiaram-se das entidades estatais para o exercício de sua atividade própria, enquanto o Estado recebeu um forte aliado na manutenção da ordem, com poucas exceções, localizadas e de curta duração.

Em 1988, apesar da evocação da proteção divina aos constituintes,como se todos eles fossem crentes, a liberdade de crença religiosa foi garantida em dois incisos do art. 5º.:

"É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias; (VI)

"Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei." (VIII)

Em suma, a Constituição brasileira assegura a liberdade de consciência e de crença, de organização religiosa e de culto, todas elas dimensões dos Direitos Humanos Fundamentais. Se essa foi uma importante conquista histórica, não é suficiente a ampliação desses direitos, que precisa mais do que isso carece da laicidade do Estado, de modo a não privilegiar uma religião em relação a outras, nem os crentes diante dos não crentes.

Para saber mais sobre os Direitos Humanos, vá para a página principal do NEPP-DH e conheça sua atuação em matérias como a violência contra a mulher, o trabalho escravo contemporâneo por dívida, e outras.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

O Estado Laico e a Democracia


A Constituição brasileira de 1824 estabelecia em seu artigo 5º:. “A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo”.

A atual Constituição não repete tal disposição, nem institui qualquer outra religião como sendo a oficial do Estado. Ademais estabeleceu em seu artigo 19, I o seguinte: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.”

Com base nesta disposição, o Estado brasileiro foi caracterizado como laico, palavra que, conforme o dicionário Aurélio, é sinônimo de leigo e antônimo de clérigo (sacerdote católico), pessoa que faz parte da própria estrutura da Igreja. Neste conceito, Estado leigo se difere de Estado religioso, no qual a religião faz parte da própria constituição do Estado. São exemplos de Estados religiosos o Vaticano, os Estados islâmicos e as vizinhas Argentina e Bolívia, em cujas constituições dispõem, respectivamente: “Art. 2. El Gobierno Federal sostiene el culto Católico Apostólico Romano” – “Art. 3. Religion Oficial – El Estado reconoce y sostiene la religion Católica Apostólica y Romana. Garantiza el ejercício público de todo otro culto. Las relaciones con la Iglesia Católica se regirán mediante concordados y acuerdos entre el Estado Boliviano y la Santa Sede.”

Atualmente, o termo Estado laico vem sendo utilizado no Brasil como fundamento para a insurgência contra a instituição de feriados nacionais para comemorações de datas religiosas, a instituição de monumentos com conotação religiosa em logradouros públicos e contra o uso de símbolos religiosos em repartições públicas. Até mesmo a expressão “sob a proteção de Deus”, constante no preâmbulo da Constituição da República vem sendo alvo de questionamentos.

É importante ressaltar que o conceito de Estado laico não deve se confundir com Estado ateu, tendo em vista que o ateísmo e seus assemelhados também se incluem no direito à liberdade religiosa. É o direito de não ter uma religião conforme disse Pontes de Miranda: “liberdade de crença compreende a liberdade de ter uma crença e a de não ter uma crença” (Comentários à Constituição de 1967).

Assim sendo, confundir Estado laico com Estado ateu é privilegiar esta crença (ou não crença) em detrimento das demais, o que afronta a Carta Magna.

A Constituição da República apesar do disposto em seu artigo 19, inciso I protege a liberdade de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e o faz da seguinte forma:

Art. 5. VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:VI - instituir impostos sobre: b) templos de qualquer culto;

Art. 210 § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Art. 213 - Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas

Art. 226 § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

Além das formas de colaboração estatal especificadas no texto constitucional, o próprio artigo 19, inciso I estabelece, de forma genérica, que no caso de interesse público, havendo lei, os entes estatais podem colaborar com os cultos religiosos ou igrejas, bem como não pode embaraçar-lhes o funcionamento.

Por estas razões, muito mais adequado do que chamar a República Federativa do Brasil de Estado laico, seria chamá-la de Estado plurireligioso, que aceita todas as crenças religiosas, sem qualquer discriminação, inclusive a não crença.

No entanto, conforme já aduzido, questão interessante surge na concepção de Estado plurireligioso, a respeito da forma a ser utilizada pelo Estado, em certas ocasiões, de optar pelo culto de determinada crença religiosa, quando isso implica em afastar outra. Especificando, porque permitir que se construa uma estátua do Cristo, e não a do Buda? Por inaugurar um logradouro público com o nome de Praça da Bíblia e não Praça do Alcorão? E porque não deixar de construir um monumento com conotação religiosa, com o fim de não ofender a consciência dos não crentes e a dos crentes de outras seitas?

Somos de opinião que este impasse deve ser resolvido através da interpretação sistemática do texto constitucional.

Assim dispõe a Constituição da República em seu artigo 1º: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito(...)Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

Afirma a doutrina que o princípio da maioria, juntamente com os princípios da igualdade e da liberdade, é princípio fundamental da democracia. Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número.

Destas considerações, se pode aduzir que, embora o Estado deva dispensar tratamento igualitário a todas as religiões, bem como deixar que funcionem livremente, com base no princípio da maioria pode optar, quando necessário for, por determinada crença, como por exemplo na ocasião de instituir um feriado, de construir um monumento em logradouro público, de utilizar a expressão “Deus seja louvado” que consta no papel moeda em curso, bem como elaborar sua legislação tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, nisto incluindo questões polêmicas como aborto, uso de células de embriões humanos e união homoafetiva.

É importante frisar que tal posicionamento não visa beneficiar a Igreja Católica, cuja predominância no Brasil se deve às razões culturais e históricas decorrentes do processo de colonização que deu origem ao povo brasileiro maciçamente composto por descendentes de europeus católicos, além do fato de já ter sido religião oficial do país por mais de trezentos anos. Em vista disto, é perfeitamente natural que, sendo a maioria da população brasileira católica, como afirmam, que o culto católico tenha maior atenção estatal que os demais. Vale ressaltar que o que determina a preferência estatal por determinado credo é a vontade majoritária popular, que não obstante às razões históricas, pode se modificar, mormente como se vê nos tempos atuais em que as seitas evangélicas vêm ganhando força política, importando até mesmo na eleição de representantes. Ressalte-se ainda que a preferência da ação estatal por determinada religião não se situa apenas em âmbito nacional, mas também regional, sendo um exemplo a Constituição do Estado da Bahia, na qual o artigo 275 e incisos privilegiam a religião afro-brasileira, presumindo ser esta a preferência do povo baiano.

Embora o Estado deva respeitar e proteger os não crentes e os crentes de outros cultos, não nos parece adequado que o Estado deva suprimir de seu ofício qualquer alusão a determinado culto religioso, ou deixe de colaborar com este por causa de uma minoria insatisfeita, que tem toda a liberdade, constitucionalmente assegurada, de pregar a sua crença ou não crença, com o fim de conquistar novos adeptos, bem como eleger seus representantes para que defendam seus interesses perante o Estado.

                             
Por fim, vale também colocar que, de acordo com o artigo 19, inciso I da Constituição, é vedado ao Estado embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos. Tal informação tem grande relevância, principalmente em face de situações concretas em que se postula ao Poder Judiciário pretensões no sentido fazer com que determinada religião haja em desconformidade com a sua doutrina, na maioria das vezes para satisfazer um capricho. Exemplo mais comum é pretender que a Igreja Católica realize casamento de pessoas divorciadas, o que vai de encontro com a sua doutrina que não reconhece o divórcio e veda a duplicidade de casamentos. Da mesma forma seria incabível a imputação do delito previsto no artigo 235 do Código Penal, no caso de religiões que permitam a prática da poligamia, desde que a multiplicidade de casamentos se restrinja ao âmbito da religião, sendo que estes casamentos não deverão produzir efeitos para o direito civil pátrio, por afrontar os princípios constitucionais que tratam da família. Nos demais casos, a intervenção estatal nos cultos religiosos deve se reger, como já foi aduzido, através de uma interpretação sistemática e harmônica do texto constitucional.

Conclusões

1 – O Estado brasileiro, de acordo com a sua Constituição, deve dispensar tratamento igualitário a todas as crenças religiosas, incluindo a não crença, sem adotar nenhuma delas como sua religião oficial;

2 – A inexistência de religião oficial no Estado não significa que o Estado seja partidário da não crença (ateísmo e assemelhados), pois, com base no princípio da liberdade religiosa, esta deve ser posta ao lado das demais religiões, não podendo junto com qualquer uma delas ser também considerada oficial;

3 – Em caso de situações em que o Estado tenha que optar por favorecer uma determinada crença religiosa ou a não crença, o critério de escolha deve ser o princípio democrático da preferência da maioria, exprimida diretamente pelo povo ou através de seus representantes, ao contrário do que ocorre nos Estados que adotam religião oficial, que prevalecerá ainda que a maioria da população prefira outra;

4 – Não há qualquer inconstitucionalidade no fato do Estado, instituir um feriado, construir um monumento em logradouro público, fazer referências a Deus, bem como elaborar sua legislação tomando como base as orientações doutrinárias de um determinado credo, tendo em vista que se presume nesta atitude a expressão da livre vontade popular, que pode se modificar em favor de outra crença religiosa, sem que isto implique em modificação constitucional.

5 – Com base no artigo 19, inciso I da Constituição da República, o Estado não pode intervir nas religiões de forma a compelir que ajam em desconformidade com a sua doutrina, sendo que, qualquer cerceamento à liberdade de culto, deve ser feita com base na interpretação sistemática da Constituição da República, de forma a harmonizar as suas disposições.

Victor Mauricio Fiorito Pereira

O que o Estado Laico não é


Antes de qualquer outra coisa, é preciso dizer que o Estado laico não é confessional.

O Estado confessional é aquele que privilegia uma certa religião ou um grupo de religiões, transferindo para ela(s) recursos financeiros públicos, direta ou indiretamente, sancionando legalmente suas diretrizes morais e introduzindo nos currículos escolares das escolas públicas sua(s) doutrina(s). O Estado confessional pode ter uma religião exclusiva, proibindo as demais, ou privilegiar uma(s) e tolerar outras. O Estado brasileiro era confessional durante o Império, assim como são confessionais Estados contemporâneos, como a Grã-Bretanha, o Irã, Israel e a Dinamarca, que têm, religiões privilegiadas, respectivamente o Cristianismo de Confissão Anglicana, o Islamismo, o Judaísmo e o Cristianismo de Confissão Luterana.

Algumas pessoas pensam que basta a separação jurídica entre o Estado e as sociedades religiosas (separação Igreja–Estado) para que a laicidade exista. Não é assim. Há países que não têm religião oficial e nem por isso são laicos. Por outro lado, existem antigas monarquias, com religião oficial, que são mais laicas do que certos Estados latino-americanos. Por exemplo, a Grã-Bretanha e a Dinamarca são mais laicas do que o Brasil e a Argentina, que se separaram formalmente da Igreja Católica há mais de um século.

O Estado laico tampouco é um Estado concordatário. Concordata é um termo próprio do universo simbólico da Igreja Católica, a única organização religiosa que tem um Estado para representá-la, o Vaticano. Concordatas são, então, tratados firmados entre os governos de dois Estados, o Vaticano e um outro. Se a concordata com a Itália não foi a primeira, constitui a matriz das que a Igreja Católica estabelece com diferentes governos, com esse nome ou outro.

O governo fascista italiano firmou com o Vaticano uma concordata (Tratado de Latrão), pelo qual o primeiro reconheceu certas propriedades eclesiásticas, introduziu o catecismo católico no currículo das escolas públicas e símbolos religiosos católicos nas escolas e outros estabelecimentos públicos, além de outros privilégios econômicos e políticos. O Vaticano, por sua vez, reconheceu o Estado italiano (que se constituiu a partir da unificação estatal, em 1870, que incorporou os Estados pontifícios). Mesmo depois da queda do fascismo, o Estado italiano vem renovando a concordata com o Vaticano.

O Estado laico também não é ateu. O Estado ateu é aquele que proclama que toda e qualquer religião é alienada e alienante, em termos sociais e individuais. Para combater a alienação, o Estado ateu combate, então, toda e qualquer religião. Se não consegue proibi-la, completamente, dificulta ao máximo suas práticas, inibe sua difusão e desenvolve contínua e sistemática propaganda anti-religiosa.

A União Soviética e os Estado socialistas constituídos no leste europeu, assim como a República Popular da China estabeleceram regimes ateus, com base na concepção de que toda e qualquer religião seria fonte de alienação do povo. Houve diferentes graus na efetivação da política ateísta, mais radical na Alemanha Oriental do que na Polônia, por exemplo, onde todo o aparato formativo da Igreja Católica manteve-se em operação, acabando por se tornar um dos principais elementos de dissolução do “socialismo real”.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

Brasil: Estado Laico

Justificativa do voto do Ministro do Supremo Tribunal Federal José Celso de Mello Filho durante a votação, no dia 28 de maio de 2008, da Ação Direta de Inconstitucionalidade da lei 11.105, de 24 de março de 2005, intitulada Lei de Biossegurança.

O voto do Ministro foi favorável à constitucionalidade da lei. O texto foi transcrito do vídeo disponível no endereço http://videos.tvjustica.gov.br/?video=1401, captado no dia 04/08/2008.

Em quase quarenta anos de carreira da área jurídica, inicialmente como membro do Ministério Público paulista, e agora como Ministro do Supremo Tribunal Federal, nunca participei de um processo que se revestisse da magnitude que assume o presente julgamento. Esse julgamento que é efetivamente histórico, porque nele estamos a discutir o alcance e o sentido da vida e da morte, revelando sob a égide de um Estado Laico, Secular e Democrático, como o Direito é capaz de conferir dignidade às experiências de vida e também aos mistérios insondáveis da morte, superando os graves desafios fundados em dilemas éticos e jurídicos resultantes do progresso da ciência e do desenvolvimento da biotecnologia, proferindo decisão sobre questões instigantes que nos provocam a julgar essa controvérsia a partir da perspectiva emancipatória dos Direitos Humanos.

Ressalto inicialmente senhor Presidente, a importância do pedido de vista formulado pelo senhor Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, cujo o voto, finamente elaborado, rico, denso e erudito, e porque, dessentindo do pronunciamento luminoso do eminente Ministro Carlos Brito, permitiu aos juízes dessa Suprema Corte, ampla reflexão e análise responsável sobre as várias questões suscitadas pelo exame do pedido formulado pelo Procurador Geral da República. Destaco ainda senhor Presidente, a excelência de todos os magníficos votos proferidos nesse julgamento pelos eminentes senhores, Carlos Brito, relator, Menezes Direito, Carmem Lucia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Joaquim Barbosa, César Peluso, Ellen Gracie e hoje pelo eminente Ministro, Marco Aurélio, cujos pronunciamentos fundados em estudos sérios, em muita reflexão e numa visão responsável de suas altas funções, revelaram as idéias respeitabilíssimas que possuem e exprimiram a visão de mundo que os orientaram na formulação de suas decisões.

Relembrando o saudoso Ministro Luiz Galotti e considerando o alto significado da decisão a ser tomada por essa Suprema Corte, tenho presente a grave advertência por ele então lançado, no sentido de que em casos emblemáticos como este, o Supremo Tribunal Federal, ao proferir o seu julgamento poderá ele próprio ser julgado pela Nação.

Ítalo Calvino em suas seis proposta para o próximo milênio formula observação que me parece apropriada para iluminar o caminho e aumentar a reflexão de todos os que participam do julgamento, disse ele então “Não me interessa aqui indagar se as origens dessa epidemia devam ser pesquisadas na política, na ideologia ou na uniformidade burocrática ou na difusão acadêmica de uma cultura média, o que me interessa são as possibilidades de salvação”. Daí porque, o eminente professor José de Oliveira Ascensão, tendo presente o desenvolvimento da ciência, considerando as necessidades derivadas do equacionamento jurídico das técnicas de reprodução assistida, assinala que todos nos sentimos, hoje, no direito de reformular o sistema, porque o Direito é fato, porque o Direito é norma, porque o Direito é valor. Alterado radicalmente o fato, em função do próprio desenvolvimento da ciência, a norma não pode deixar de sofrer alteração à luz dos valores.

Não questiono, senhor Presidente, a sacralidade e a inviolabilidade do direito à vida. Reconheço ainda, para além da adesão a quaisquer artigo de fé, que o direito a vida se reveste de sua significação mais profunda, de um sentido de inegável fundamentalidade, não importando os modelos políticos, os modelos sociais ou os modelos jurídicos que disciplinem a organização do Estado, pois, qualquer que seja o contexto histórico em que nos situemos, o valor incomparável da pessoa humana, representará sempre o núcleo fundante e eticamente legitimador dos ordenamentos estatais.

Ressalto ainda, por irrecusável, a essencialidade que assume em nosso sistema jurídico como fator estruturante do ordenamento estatal na dignidade da pessoa humana. O postulado da dignidade da pessoa humana, aqui tão bem discutidos, pelos eminentes Ministros dessa corte, representa considerada centralidade desse princípio essencial significativo ao vetor interpretativo, verdadeiro valor fonte, para definir uma expressão muito feliz do eminente professor Miguel Reale, que conforma e que inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País e traduz de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, consagrado pelo sistema de direito constitucional positivo.

É certo ainda, senhor Presidente, que apresente controvérsia jurídica, mesmo que impregnada de evidente interdisciplinaridade, não pode e nem deve ser reconhecida como uma disputa entre Estado e Igreja, entre poder secular e poder espiritual, entre fé e razão, entre princípios jurídicos e postulados teológicos. Na realidade o debate em torno a utilização das células tronco embrionária, não pode, não deve ser reduzido a dimensão de uma litigiosidade entre o poder temporal e o poder espiritual, pois o sistema jurídico brasileiro estabelece desde o histórico decreto 119-A de 7 de janeiro de 1890, elaborado por Rui Barbosa, então Ministro da Fazenda e Demétrio Ribeiro, então Ministro da Agricultura, ambos do Governo Provisório da República, a separação entre Estado e Igreja, com o afastamento do modelo Imperial, consagrado na Carta Monárquica de 1834, que proclamava o catolicismo como religião oficial do Estado brasileiro.

Todos sabemos que a laicidade traduz desde 1890, um postulado essencial da organização institucional do Estado brasileiro, representando nesse contexto, uma decisão política fundamental, adotada pelos fundadores da República, cuja opção, consideradas as circunstâncias históricas, então presentes, teve em perspectiva, a desgastante experiência proporcionada pela Cata Política do Império do Brasil, notadamente aquela resultante do gravíssimo conflito que se instaurou entre o Estado Monárquico Brasileiro e a Igreja Católica Romana, a conhecida “Questão Religiosa” ou “Controvérsia epíscopo-maçônica’, ocorrida na década de 70 no século XIX, entre 1872 e 1875, e que opôs o trono Imperial brasileiro ao altar católico.

A laicidade do Estado, enquanto princípio fundamental da ordem constitucional brasileira, que impõe a separação entre Igreja e Estado, não só reconhece a todos a liberdade de religião, com o sustento do direito de professar ou de simplesmente não professar ou até mesmo o de se opor a qualquer confissão religiosa, como assegura absoluta igualdade dos cidadãos em matéria de crença, garantindo ainda às pessoas, plena liberdade de consciência e de culto.

O conteúdo material da liberdade religiosa compreende, na abrangência de seu significado, a liberdade de crença, que traduz uma das projeções da liberdade de consciência, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa, que representa valores intrinsecamente vinculados e necessários à própria configuração da idéia de democracia, cuja noção se alimenta continuamente, entre outros fatores relevantes do respeito ao pluralismo.

Nesse contexto, e considerado o delineamento constitucional da matéria em nosso sistema jurídico, impõe-se, como elemento viabilizador da liberdade religiosa, a separação institucional entre Estado e Igreja, a significar, portanto, que num Estado Laico, como o é o Estado brasileiro, haverá sempre uma clara e precisa demarcação de domínios próprios, de atuação e de incidência do poder civil ou secular e do poder religioso ou espiritual, de tal modo que a escolha ou não de uma fé religiosa, seja questão de ordem estritamente privada, vedada, no ponto, qualquer interferência estatal, proibido ainda ao Estado o exercício de sua atividade com o apoio em princípios teológicos ou em razões de ordem confessional ou ainda, em artigos de fé, sendo irrelevante, em face da exigência constitucional de Laicidade do Estado, que se trate de dogmas consagrados por determinada religião, considerada hegemônica no meio social, sob pena de concepções de certa denominação religiosa, transformarem-se inconstitucionalmente em critério definidor das decisões estatais e de formulação e execução de políticas governamentais.

O fato irrecusável, é que nessa República Laica fundada em bases democráticas, o Direito não se submete à religião e as autoridades incumbidas de aplicá-lo devem despojar-se de pré-compreensões em matéria confessional, em ordem a não fazer repercutir sobre o processo de poder, quando em exercícios de suas funções, qualquer que seja o domínio de sua incidência, as suas próprias convicções religiosas.

Vale referir nesse ponto, senhor Presidente, o preciso magistério, o eminente Procurador Regional da República do Rio de Janeiro, o professor Daniel Sarmento.

A constituição de 88 não se limitou a proclamar como direito fundamental, a liberdade de religião, ela foi além, consagrando no seu artigo 19 inciso primeiro, o principio da laicidade do Estado, que impõe ao poderes públicos uma posição de absoluta neutralidade em relação às diversas concepções religiosas. A laicidade do Estado não se esgota na vedação de alusão explícita pelo governo de determinada religião, nem tão pouco na proibição de apoio ou privilégio público a qualquer confissão, ela vai além e envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis para o poder político e para a fé. no Estado Laico a fé é questão privada. Já o poder político exercido pelo Estado na esfera pública, deve basear-se em razões igualmente publica, ou seja, em razões cuja possibilidade de aceitação pelo público em geral independa de convicções religiosas e metafísicas particulares.

A Laicidade do Estado não se compadece com o exercício da autoridade pública com fundamentos em dogma de fé, ainda que professados pela religião majoritária, pois ela impõe aos poderes Estatais uma postura de imparcialidade e de eqüidistância em relação as diferentes crenças religiosas, cosmovisões e concepções morais que são subjacentes.

Uma das características essenciais das sociedades contemporâneas é o pluralismo. Dentro do mesmo Estado existem pessoas que abraçam religiões diferentes ou que simplesmente não adotam religião alguma ou que professam ideologias distintas, que tem concepções morais, filosóficas, dispares ou até antagônicas e hoje entende-se que o Estado deve respeitar essas escolhas e orientações de vida, não lhe sendo permitido usar de seu aparato repressivo e nem mesmo de seu poder simbólico, para coagir o cidadão a adequar sua postura à concepções hegemônicas da sociedade nem tão pouco para estigmatizar os out siders, como expressou a corte constitucional alemã, na decisão em que considerou inconstitucional a colocação de crucifixos em salas de aula de escolas públicas.

Um Estado no qual membros de várias, ou até conflituosas convicções religiosas e ideológicas devam viver juntos, só podem garantir a coexistência pacifica, se se mantiver neutro, absolutamente neutro, rigorosamente neutro em matéria de crença religiosa. A força no mérito e importância social da comunidade religiosa, não tem sobre esse aspecto disse o Tribunal Regional alemão, qualquer relevância.

O principio majoritário, não é outra coisa senão a transplantação para o cenário político institucional, da idéia de intrínseca igualdade entre os indivíduos, mas as pessoas só são tratadas como iguais quando o Estado demonstra por elas o mesmo respeito e consideração e não há respeito e consideração quando se busca impingir determinado comportamento no cidadão, não por razões públicas, que ele possa aceitar através de um juízo racional, mas por motivações ligadas a alguma doutrina filosófica ou religiosa, com a qual ele não comungue e nem tenha de comungar.

Em matéria confessional portanto, senhor presidente, o Estado brasileiro tem que se manter em posição de rígida, de estrita neutralidade axiológica, em ordem a preservar em favor dos cidadãos a integridade de seu direito fundamental de liberdade religiosa.

E aqui senhor Presidente, faço algumas outras considerações em torno desse tema.

O Estado não tem e nem pode ter interesses confessionais. Ao Estado é indiferente o conteúdo da idéias religiosas que eventualmente venham a circular, e a ser pregadas por qualquer grupo confessional, mesmo porque não é lícito ao poder público interditá-las ou censurá-las, sem incorrer, caso se venha agir, em inaceitável interferência em domínio naturalmente estranho às atividades Estatais. É por esta razão, senhor Presidente, que cabe destacar a relevantíssima circunstância, que no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, torna-se imperioso reconhecer, que temas de caráter teológicos ou concepções de índoles filosóficas, que busquem atribuir densidade teóricas a idéias propagadas pelos seguidores de qualquer fé religiosa, estão necessariamente, fora do alcance do poder do Estado, sob pena de gravíssima frustração e aniquilação da liberdade constitucional de crença e de disseminação, sempre legítimas, das mensagens inerentes das doutrinas confessionais em geral.

A separação constitucional entre Estado e Igreja, desse modo, além de impedir que o poder público tenha qualquer preferência, e não pode ter, ou guarde hostilidade em relação a qualquer denominação religiosa e não pode manifestar seu desvio em relação a qualquer religião, o objetivo é resguardar duas posições que se reveste de absoluta importância; a de assegurar de um lado, aos cidadãos, a liberdade religiosa e a prática de seu exercício; e a de outro de obstar que grupos fundamentalistas se aproprie do aparelho do Estado para, com o apoio em convicções ou em razões de ordem confessional, impor aos demais cidadãos a observância de princípios teológicos, de teologia moral e de diretrizes religiosas.

Daí porque essa suprema corte não pode resolver qualquer controvérsia, como a que hora se examina, sob uma perspectiva de índole religiosa, tal como acertadamente assinalou o eminente relator da causa, e a que decerto os eminentes juízes desse processo.

O único critério a ser utilizado, portanto, na solução da controvérsia, é aquele critério que se fundamenta no texto da constituição e das leis da República e que revela preocupação, motivada por razões de ordem eminentemente pública e social com a necessidade de desenvolvimento das pesquisas científicas em nosso país e o conseqüente domínio de técnicas que permitam o manejo e a utilização de terapias celulares, com células-tronco embrionárias destinadas ao tratamento de doenças ou alterações degenerativas.

Tenho, para mim, considerados os aspectos que venho deferir, que se mostra relevante rememorar nesse ponto, alguns fragmentos que compõem documento elaborado por um grupo de trabalho, designado pela Academia Brasileira de Ciências, constituído pelos professores-doutor, Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, Marco Antonio Zago, da Faculdade de Medicina da USP e Antonio Carlos Campos de Carvalho, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Salientou-se, então, nesse documento:

“O Procurador Geral da Republica interpôs perante o Supremo Tribunal Federal a ADI 3510, impugnando o artigo 5 e respectivos parágrafos da lei 11105 de 24 de março de 2005. Sua tese central é de que a vida humana acontece na fecundação e a partir da fecundação, sustentando que o referido preceito legal desrespeita a inviolabilidade do direito a vida e a dignidade da pessoa humana. Para apoiar essa conclusão o senhor Procurador toma por base argumentos da teologia, da embriologia e da medicina, fundamentando-se (salienta esse grupo de trabalho, constituído pela Academia Brasileira de Ciências) em opiniões que sustentam que existe evidencias cientificas que; primeiro, a vida individual inicia-se com a fecundação; segundo, a pesquisa com células-tronco adultas é mais promissora do que a pesquisa com célula tronco embrionária; e terceiro, a existência na Alemanha de uma lei de proteção do embrião que proíbe a derivação de linhagens de células-tronco embrionárias, embora permita a pesquisa com células da mesma natureza que seja importada.”

“O Grupo de trabalho designado pela Academia Brasileira de ciências decidiu, pois” segundo os autores desse texto “restringir a sua atenção nesses três tópicos, abstendo-se de analisar em profundidade a grande potencialidade dessas células, as células-tronco embrionária, para a pesquisa médica, para a pesquisa biológica, para a terapêutica de doenças humanas. Início da vida individual, não se trata propriamente do momento do inicio da vida individual” disseram esses ilustres cientistas, “mas sim, em que momento do ciclo vital a sociedade decide dar ao ente biológico o status de individuo, individuo pleno ou individuo potencial, que passa então, a merecer do Estado a proteção de sua integridade.

Essa não é uma questão cientifica e biológica, mas sim filosófica e moral, definida arbitrariamente pela legislação de cada país, em consonância com os costumes e com a cultura da população, é de esperar, pois, que seja variável segundo o local e segundo o tempo. Por analogia, o mesmo ocorre com a morte, a definição do momento da morte individual varia, segundo a evolução da medicina, o conceito de morte cerebral, de morte encefálica, por exemplo, que permite tirar órgão de um indivíduo, cujo coração e pulmão estejam funcionando.É bastante recente na historia da humanidade. Mas é certo que o ínicio do desenvolvimento embrionário, ocorre sim com a fecundação, nesse ponto forma-se um novo genoma, pela fusão da metade do patrimônio genético paterno e pela metade do patrimônio genético materno.

No entanto essa célula-ovo, e mesmo o blastocisto que daí deriva está muito longe de ser algo semelhante de um ser humano. Contrariamente ao argumento do doutor Dermeval Brandão, constante na ADI 3510, o processo vai se desenvolvendo suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Há enormes diferenças qualitativas entre esse conjunto de células e o organismo adulto, em particular, esse conjunto de células está muito longe de ter qualquer primórdio de atividade neural, que caracteriza os animais evoluídos, e está muito distante ainda do momento que terá inicio a atividade cerebral superior, que caracteriza os animais mais evoluídos. Trata-se o blastocisto, de um conjunto de células, que do ponto de vista biológico, não se distingui de uma cultura de células ou de uma colônia de células de animais e plantas.

Sua característica mais importante é a de poder, em condições apropriadas dar origens a todos os diferentes tecidos que compõe o organismo adulto, mais especificamente se houver condições adequadas de implantação em útero, elas podem dar origem a um feto e eventualmente a partir daí a um individuo adulto.

Por isso a potencialidade” e essa passagem é muito expressiva das conclusões desse grupo de trabalho “de um embrião dar origem a um individuo está limitada irremediavelmente por uma conditio sine qua non , a implantação no útero. Pode-se afirmar, pois, que o ovo fecundado, ou embrião em fase inicial de desenvolvimento, somente poderá ser considerado um ser humano em potencial se tiver a possibilidade de ser implantado em útero. Um ovo ou embrião que não tem a possibilidade de ser implantado em útero não é um ser humano potencial.”

“Há necessidades com pesquisa de células tronco embrionárias? Não basta utilizar células tronco adulta?” essa é indagação feita por referido do grupo de trabalho dentre os argumentos apresentados pelo eminente Procurador Geral da República, Sua Excelência usa declaração do professor Garcia Olmo, que induzem a uma falsa ideia que as terapias com células tronco adulta já teriam alcançado a comprovação científica da sua eficácia. É necessário enfatizar que a única forma de tratamento com células tronco adultas de eficiência comprovada e amplamente utilizada em medicina é o transplante de célula tronco hematopoiéticas, popularmente conhecido como transplante de medula óssea, todas as demais terapias com células-tronco adultas são ainda experimentais, o que significa dizer que se encontram em fase de pesquisa para testar sua segurança, para testar sua exequibilidade, para comprovar a sua eficácia.

As evidências cientificas atualmente disponíveis, não permitem afirmar que o transplante de células-tronco adultas de medula óssea trará benefício para pacientes de outras patologias, de outras doenças alem daquelas que hoje são tratadas regularmente com transplante de medula óssea. Do mesmo modo, é necessário extrema cautela na interpretação dos resultados obtidos pelo grupo da professora Catherine Verfaillie que teria identificado uma diminuta população de células tronco da medula óssea adultas com propriedades semelhantes das células-tronco embrionárias, a destacar inicialmente que o contraditório para validar essa descoberta, seria necessário estudar as células tronco embrionária humanas, objeto da contestação precisamente feita nesta ADI. Obviamente, os cientistas brasileiros, como os cientistas vários de outros países, continuam pesquisas buscando isolar um tipo de célula-tronco pluripotencial semelhante a célula-tronco embrionária em adultos.

A posição da sociedade científica e dos órgãos de financiamento a pesquisa é de apoiar essas investigações, mas no momento não há evidências de que este tipo celular exista em quantidade e com características que permitam substituir as células tronco embrionárias. Em vista do volume de trabalho já investido nessa área, parece-nos que as perspectivas não são otimistas. As células-tronco embrionárias têm uma pluripotencialidade que é inconteste e que é aceita por todos os cientistas que trabalham da área. Em contraste a intenso debate na comunidade cientifica sobre o grau de plasticidade, ou seja, sobre a capacidade da célula-tronco diferenciar-se em outros tecidos de células tronco adultas, de qualquer origem, medula óssea, cordão umbilical, tecido adiposo, entre outros. Alguns poucos grupos de pesquisa relataram a existência de células-tronco adultas pluripotentes, enquanto outros, grupo hoje majoritários contestam a existência dessas células. E é nesse cenário contraditório que a questão da pesquisa com célula-tronco embrionária precisa ser considerada, e devemos novamente destacar que mesmo para comprovar a suposta pluripotencialidade das células-tronco adultas será necessário, será indispensável pesquisar com as células-tronco embrionárias. Em síntese, esses, os elementos trazidos pelo proferido grupo de trabalho.


Celso de Mello

domingo, 4 de novembro de 2012

495 anos de Reforma Protestante

31 de outubro, comemoram-se muitas coisas: no Brasil é o “Dia D”, mas este não tem nada a ver com 6 de junho de 1944, quando os aliados desembarcaram na Normandia, o que efetivamente provocou o início do fim da Segunda Guerra Mundial. O nosso “Dia D” é o Dia Drummond, em homenagem a Carlos Drummond de Andrade, talvez o mais famoso poeta brasileiro, que nasceu neste dia em 1902. Homenagem justa e merecida. 31 de outubro é nos países de cultura anglo-saxã o famigerado Halloween, o "Dia das Bruxas", fortemente detestado pelos evangélicos, pelo menos no Brasil. Mas não só os brasileiros evangélicos detestam o Halloween. Outro grupo de brasileiros detesta esta comemoração com tanta veemência quanto os evangélicos, se bem que por motivos diferentes. Considerando que este não é um costume de tradição, pelo menos ibérica, alguns nacionalistas, decerto influenciados por Monteiro Lobato, resolveram criar no Brasil o “Dia do Saci-Pererê” para ser comemorado no mesmo 31 de outubro...

Mas, o objetivo desta breve reflexão é focalizar outra data: a Reforma Protestante do século 16. É de conhecimento de boa parte dos evangélicos a história de como Martim Lutero iniciou um movimento que teria repercussões em, literalmente, todas as áreas da sociedade europeia, influente não apenas em questões de natureza religiosa. "São conhecidos os lemas da Reforma: Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide e Solo Christo (ou Solus Christus)”, respectivamente, "Somente a Escritura", "Somente a Graça", "Somente a Fé" e "Somente Cristo". No contexto original, estes lemas têm a ver com a soteriologia, o estudo da salvação, que acontece não por mérito ou esforço humano. Por isso temos Sola Gratia, as orientações seguras para obter a salvação não são encontradas na tradição, mas nas Escrituras. Sola Scriptura, pois a salvação é obtida pela fé, não comprada. Sola Fide, não realizada por ninguém, a não ser por Cristo. E, por fim, Solo Christo. O programa da Reforma mudou a vida de nações e de pessoas, e se espalhou de seu berço no norte da Europa para literalmente todo o globo.

Quase cinco séculos depois o Brasil apresenta uma das maiores populações evangélicas do mundo. Não obstante, a Reforma apresenta desafios tremendos para esta população. Por um lado, muitos evangélicos a desconhecem por completo. Esta frase pode parecer exagerada para alguns leitores. Mas, infelizmente, a verdade é que muitas igrejas e muitos líderes evangélicos neste país jamais ouviram falar de Lutero ou de Calvino e não sabem o que significa ser protestante. Muitos confundem ser protestante com ser evangélico (não se trata exatamente de trocar seis por meia dúzia). Trocam a liberdade descoberta e divulgada por Lutero por uma escravidão em muitos sentidos. Muitos promovem uma revitalização da superstição religiosa medieval e trazem de volta tudo que os protestantes se esforçaram tanto para libertar.

Outro desafio está no lado daqueles que conhecem, mas praticam inconscientemente (pelo menos, penso que não há consciência disto) uma idolatria à história da Reforma. Neste caso, a abordagem à Reforma é sempre ingênua, romântica e idealizada. É triste perceber como, faço questão de repetir, consciente ou inconscientemente, muitos que se pretendem herdeiros da Reforma no Brasil são soberbos, arrogantes, orgulhosos, empafiosos, considerando-se melhores que os cristãos de outras tradições. Para estas pessoas os reformadores são vistos não como seres humanos de carne e osso, mas como semideuses ou coisa parecida. Vá a alguém em um ambiente destes, por exemplo, falar de algum problema pessoal de João Calvino para ver o que acontece... Nestes círculos a tendência é jamais submeter qualquer texto dos reformadores a um exame crítico ou a um esforço de contextualização da mensagem da Reforma para a realidade nacional. Neste sentido, vive-se um fundamentalismo travestido de protestantismo. Idealiza-se uma mensagem do passado, que se transforma em objeto de culto. Os reformadores seriam os primeiros a protestar contra esta situação.

Ainda há muito que estudar e conhecer quanto à Reforma no Brasil. Muitos em nossa pátria pensam até hoje que a Reforma se limita a Lutero e a Calvino. Há uma riqueza muito grande em textos de outros reformadores que para nós continuam como "ilustres desconhecidos". Praticamente nada se sabe no Brasil sobre Heinrich Bullinger, Martin Bucer, Johannes Oecalampadius, Pietro Martire Vermigle e vários outros.

Graças sejam dadas a Deus pela Reforma. E que o Brasil, que desponta como potência emergente em vários sentidos, e, tal como já afirmado com uma população evangélica crescente, possa apresentar ao mundo o verdadeiro sentido da Reforma. Não suas deturpações, como desafortunadamente acontece com frequência.

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Carlos Caldas é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (2000). Um dos loci de sua investigação acadêmica é a relação entre a teologia e as artes.