"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

domingo, 25 de maio de 2014

Eficácia do preâmbulo constitucional


O preâmbulo não poderá prevalecer contra o texto expresso da Constituição Federal, mas pode ser usado, por traçar diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas, como linhas interpretativas do texto constitucional.
Reverenciado por Peter Häberle como uma espécie de Constituição da Constituição, o preâmbulo, comum em Constituições escritas, aparece desde a primeira Lei Fundamental de 1824 em nossos textos constitucionais. Vejamos a forma em que foram redigidos ao longo da história:

Na Constituição Imperial de 1824:

“DOM PEDRO PRIMEIRO, POR GRAÇA DE DEUS, e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que tendo-Nos requerido os Povos deste Império, juntos em Câmaras, que Nós quanto antes jurássemos e fizéssemos jurar o Projeto de Constituição, que havíamos oferecido às suas observações para serem depois presentes à nova Assembléia Constituinte; mostrando o grande desejo, que tinham, de que ele se observasse já como Constituição do Império, por lhes merecer a mais plena aprovação, e dele esperarem a sua individual, e geral e felicidade Política: Nós Juramos o sobredito Projeto para o observarmos e fazermos observar, como Constituição, que d’ora em diante fica sendo deste Império; a qual é do teor seguinte:”

Na Constituição Republicana de 1891:

“Nós os Representantes do Povo Brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

Na Constituição Republicana de 1934:

“Nós, os representantes do Povo Brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

Na Constituição Republicana de 1937:

“O Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil:

Atendendo às legítimas aspirações do povo brasileiro à paz política e social, profundamente perturbada por conhecidos fatores de desordem, resultantes da crescente agravação dos dissídios partidários, que uma notória propaganda demagógica procura desnaturar em lutas de classes, e da extremação de conflitos ideológicos; tendentes, pelo seu desenvolvimento natural, a resolver-se em termos de violência, colocando a Nação sob a funesta iminência da guerra civil; Atendendo ao estado de apreensão criado no país pela infiltração comunista, que se torna dia a dia mais extensa e mais profunda, exigindo remédios de caráter radical e permanente; Atendendo a que, sob as instituições anteriores, não dispunha o Estado de meios normais de preservação e de defesa da paz, da segurança e do bem estar do povo; Com o apoio das forças armadas e cedendo às inspirações da opinião nacional, umas e outras justificadamente apreensivas diante dos perigos que ameaçam a nossa unidade e da rapidez com que se vem processando a decomposição das nossas instituições civis e políticas; Resolve assegurar à Nação a sua unidade, o respeito à sua honra e à sua independência, e ao povo brasileiro, sob um regime de paz política e social, as condições necessárias à sua segurança, ao seu bem estar e à sua prosperidade; Decretando a seguinte Constituição, que se cumprirá desde hoje em todo o país: CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

Na Constituição Republicana de 1946:

“Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Constituinte para organizar um regime democrático, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.”

Na Constituição Republicana de 1967:

“O Congresso Nacional, invocando a proteção de Deus, decreta e promulga a seguinte CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

Na Constituição Republicana de 1967, após a Emenda Constitucional nº 01, de 1969: Os Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar, usando das atribuições que lhes confere o artigo 3º do Ato Institucional n. 16, de 14.10.1969, combinado com o § 1º do artigo 2º do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968, e, Considerando que, nos termos do Ato Complementar n. 38, de 13.12.1968, foi decretado, a partir dessa data, o recesso do Congresso Nacional; Considerando que, decretado o recesso parlamentar, o Poder Executivo Federal fica autorizado a legislar sobre todas as matérias, conforme o disposto no § 1º do artigo 2º do Ato Institucional n. 5, de 13.12.1968; Considerando que a elaboração de emendas à Constituição, compreendida no processo legislativo, está na atribuição do Poder Executivo Federal; Considerando que a Constituição de 24.01.1967, na sua maior parte, deve ser mantida, pelo que, salvo emendas de redação, continuam inalterados os seguintes dispositivos: (...); Considerando as emendas modificativas e supressivas que, por esta forma, são ora adotadas quanto aos demais dispositivos da Constituição, bem como as emendas aditivas que nela são introduzidas; Considerando que, feitas as modificações mencionadas, todas em caráter de Emenda, a Constituição poderá ser editada de acordo com o texto que adiante se publica; Promulgam a seguinte Emenda à Constituição de 24.01.1967.”

E, finalmente, na Constituição Federal de 1988, o preâmbulo apresenta-se da seguinte forma:

“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

De acordo com Jorge Miranda, o preâmbulo constitui uma "proclamação mais ou menos solene, mais ou menos significante, anteposta ao articulado constitucional não é componente necessário de qualquer Constituição, mas tão somente um elemento natural de Constituições feitas em momentos de ruptura histórica ou de grande transformação político-social."

Questão controvertida dentro da doutrina é saber qual a eficácia (se é que existe) ou a natureza jurídica do preâmbulo constitucional. Essencialmente, três são as posições elencadas pela doutrina:

a) a tese da irrelevância jurídica, segundo a qual o preâmbulo não se situa no campo do Direito, mas sim no da política, desse modo, sem relevância jurídica;

b) a tese da plena eficácia, que reconhece o preâmbulo como tendo a mesma eficácia jurídica das normas constitucionais; e

c) a tese da relevância jurídica indireta, onde o preâmbulo desempena um papel orientador na identificação das características da Constituição, mas não se confunde com suas normas.

A celeuma de qual interpretação se deveria dar ao preâmbulo, no Brasil, chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 2.076-5. No julgamento da ação, o STF julgou improcedente o pedido formulado pelo Partido Social Liberal contra o preâmbulo da Constituição do Estado do Acre, em que se alegava a inconstitucionalidade por omissão da expressão "sob a proteção de Deus", constante do preâmbulo da Constituição Federal.

A Suprema Corte brasileira considerou que a invocação da proteção de Deus no preâmbulo da Constituição não tem força normativa, afastando-se a alegação de que a expressão em referência seria norma de reprodução obrigatória pelos Estados-membros.

Para o Supremo Tribunal Federal,

“O preâmbulo (...) não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma Constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição, de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro. O que acontece é que o preâmbulo contém, de regra, proclamação ou exortação no sentido dos princípios inscritos na Carta: princípio do Estado Democrático de Direito, princípio republicano, princípio dos direitos e garantias, etc. Esses princípios, sim, inscritos na Constituição, constituem normas centrais de reprodução obrigatória, ou que não pode a Constituição do Estado-membro dispor de forma contrária, dado que, reproduzidos, ou não, na Constituição estadual, incidirão na ordem local.” 

(ADI 2.076, voto do Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 15-8-2002, Plenário, DJ de 8-8-2003.)

Assim, o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que o preâmbulo da Constituição Federal não possui eficácia normativa e que a evocação da proteção de Deus não se trata de norma de reprodução obrigatória em Constituições Estaduais. O preâmbulo, destarte, situa-se no campo da política e não do Direito.

Importante destacar que o Min. Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, outrossim, na análise do Mandado de Segurança 24.645/DF, onde parlamentares pediam a suspensão da tramitação da proposta que posteriormente veio a se consolidar na Emenda Constitucional nº 41/2003, por ofensa ao texto do preâmbulo da Constituição Federal, negou o segurança, deixando claro que o conteúdo do preâmbulo não impõe qualquer limitação de ordem material ao poder reformador outorgado o Congresso Nacional.

Como se nota, a eficácia do Preâmbulo da Constituição é política, não possuindo eficácia normativa.

Assim, o preâmbulo, por não significar uma norma constitucional propriamente dita, não poderá prevalecer contra o texto expresso da Constituição Federal. Pode ser usado, todavia, por traçar diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas, como linhas interpretativas do texto constitucional.

William Junqueira Ramos

Eficácia das normas constitucionais


Trata-se de análise de forma detalhada da eficácia das normas constitucionais. Será feito um paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais, e, posteriormente, uma abordagem da forma como a doutrina classifica essas normas, com exemplos de citações legais e jurisprudenciais.

No presente texto será analisada de forma detalhada a eficácia das normas constitucionais.

Com efeito, será estabelecido um paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais.

Por fim, abordaremos a forma como a doutrina classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia, trazendo à baila, para enriquecimento do texto, exemplos jurisprudenciais acerca do tema.

Com esse trabalho, esperamos elucidar ao leitor a eficácia das normas constitucionais, sem, contudo, esgotar o tema, notadamente, considerando sua amplitude.

DA EFICÁCIA JURÍDICA E SOCIAL DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

Inicialmente, é importante ponderar que a questão da eficácia das normas constitucionais é muito debatida pela doutrina pátria.

Com efeito, costuma-se ponderar que todas as normas constitucionais apresentam eficácia, porém, algumas detêm eficácia jurídica e social, enquanto outras têm apenas eficácia jurídica.

Na lição de Michel Temer, em sua obra Elementos de direito constitucional:

“...eficácia social se verifica na hipótese de a norma vigente, isto é, com potencialidade para regular determinadas relações, ser efetivamente aplicada a casos concretos. Eficácia jurídica, por sua vez, significa que a norma está apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas; mas já produz efeitos jurídicos na medida em que a sua simples edição resulta na revogação de todas as normas anteriores que com ela conflitam.”

Destarte, em consonância com as lições da doutrina pátria, é indubitável que inexiste norma constitucional despida de eficácia, já que, por si só, ela terá o condão não apenas de revogar normas anteriores que com ela sejam incompatíveis, mas também de impedir o ingresso no ordenamento jurídico de quaisquer normas que com ela colidam.

Assim, é certo que a eficácia da norma constitucional não depende apenas de suas condições fáticas de atuar.

Isso porque, as condições fáticas de atuação da norma guardam relação, apenas, com sua eficácia social (sociológica), e não com sua eficácia jurídica (sintática).

É possível concluir, pois, pelas ponderações acima, que muitas normas constitucionais, notadamente as programáticas, resultarão na modificação da realidade social, mas, por outro lado, é certo que sua positivação, sem dúvida alguma, terá decorrido da verificação da necessidade de mudanças no âmago da sociedade (sendo, pois, a norma constitucional reflexo da situação fática existente).

DA CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS NO TOCANTE À SUA EFICÁCIA

Importante destacar que a doutrina costuma classificar as normas constitucionais segundo a sua eficácia, ou seja, segundo sua aptidão de produzir efeitos jurídicos.

Nesse sentido, vale ponderar que a classificação mais adotada, que é, inclusive, adotada pelo Colendo Supremo Tribunal Federal em sua jurisprudência, é a estabelecida pelo Professor José Afonso da Silva.

Com efeito, segundo o renomado doutrinador, as normas constitucionais têm eficácia plena, contida ou limitada, conforme será doravante demonstrado.

DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA

As normas constitucionais de eficácia plena, são aquelas que são imediatamente aplicáveis, ou seja, não dependem de uma normatividade futura que venha regulamentá-la, atribuindo-lhe eficácia.

São, pois, normas que já contém em si todos os elementos necessários para sua plena aplicação, sendo despiciendo que uma lei infraconstitucional a regulamente.

Nesse sentido, o doutrinador Pedro Lenza explica que:

“Normas constitucionais de eficácia plena e aplicabilidade direta, imediata e integral são aquelas normas da Constituição que, no momento em que esta entra em vigor, estão aptas a produzir todos os seus efeitos, independentemente de norma integrativa infraconstitucional (situação esta que pode ser observada, também, na hipótese do art. 5º, § 3º). Como regra geral, criam órgãos ou atribuem aos entes federativos competências. Não têm a necessidade de ser integradas.”

Portanto, tais normas constitucionais são autoaplicáveis, independentemente de regulamentação por uma lei infraconstitucional.

Trazemos à baila, como exemplo de norma constitucional de eficácia plena, o artigo 132, “caput”, da Carta Magna.

Da mesma forma, podemos citar como exemplo de normas constitucionais de eficácia plena os seguintes artigos da Carta da República: art. 1º, art 2º, art. 14, art. 15, art. 44, art. 45, art. 77, etc..

Por fim, trazemos à baila ementa de acórdão do Colendo Supremo Tribunal Federal em que é expressamente mencionada norma constitucional de eficácia plena:

“ADI 3965/MG – Minas Gerais; Relator(a): Ministra Cármen Lúcia

Julgamento: 07/03/2012; Órgão Julgador: Tribunal Pleno

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ORGANIZAÇÃO E ESTRUTURA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. LEIS DELEGADAS N. 112 E 117, AMBAS DE 2007.

1. Lei Delegada n. 112/2007, art. 26, inc. I, alínea h: Defensoria Pública de Minas Gerais órgão integrante do Poder Executivo mineiro.

2. Lei Delegada n. 117/2007, art. 10; expressão “e a Defensoria Pública”, instituição subordinada ao Governador do Estado de Minas Gerais, integrando a Secretaria de Estado de Defesa Social.

3. O art. 134, § 2º, da Constituição da República, é norma de eficácia plena e aplicabilidade imediata.

4. A Defensoria Pública dos Estados tem autonomia funcional e administrativa, incabível relação de subordinação a qualquer Secretaria de Estado. Precedente.

5. ADI julgada procedente.” (grifamos)

Resta, pois, demostrado que as normas constitucionais de eficácia plena são aquelas que já contêm em si todos os elementos necessários para sua aplicação, independendo, assim, de norma regulamentadora.

 DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA

Por outro lado, as normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que, nada obstante produzam seus efeitos desde logo, independentemente de regulamentação, podem, por expressa disposição constitucional, ter sua eficácia restringida por outras normas, constitucionais ou infraconstitucionais.

Portanto, tais normas constitucionais têm total eficácia por si, contudo, por expressa disposição constitucional, podem, eventualmente, sofres restrições por outras normas.

Citamos como exemplo de norma constitucional de eficácia contida o artigo 5º, XIII, da Constituição Federal.

Ou seja, o dispositivo constitucional supramencionado, que estabelece o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, tem aplicabilidade independentemente de norma infraconstitucional.

Todavia, eventual norma infraconstitucional pode estabelecer determinadas qualificações para o exercício do trabalho, ofício ou profissão (como é o caso da aprovação no exame de ordem para o exercício da advocacia, nos termos da Lei 8.906/1994), limitando, assim, a abrangência da norma constitucional.

Podemos citar também como exemplos de normas constitucionais de eficácia contida os seguintes dispositivos da Carta Magna: art. 5º, incisos VII, VIII, XXV, XXXIII, art. 15, inciso IV, art. 37, inciso I, etc.

Relacionamos abaixo a ementa do seguinte julgado em que menciona-se expressamente norma constitucional de eficácia contida:

“Tribunal Superior do Trabalho – TST - Recurso de Revista nº 1924798219955045555 - Órgão Julgador: 1ª Turma; Julgamento: 02/02/2000.

Ementa: “AVISO PRÉVIO PROPORCIONAL AO TEMPO DE SERVIÇO. ARTIGO 7º, XXI, DACONSTITUIÇÃO FEDERAL. O aviso prévio proporcional ao tempo de serviço do empregado depende de lei ordinária regulamentadora em que se tracem os critérios por que se deve nortear o intérprete para fixá-lo. O artigo 7º, inciso XXI, da Constituição da República ao inscrever "nos termos da lei", não se revela auto-aplicável, tratando-se de norma constitucional de eficácia contida. Recurso conhecido e provido.” (grifamos)

Resta, pois, demonstrado que a norma constitucional de eficácia contida, embora não dependa de lei regulamentadora para ser aplicada, pode ter sua abrangência reduzida por outra norma.

DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA

Finalmente, cumpre-nos tratar das características das normas constitucionais de eficácia limitada.

As normas constitucionais de eficácia limitada são aquelas que dependem de uma regulamentação e integração por meio de normas infraconstitucionais.

E, para exemplificar, segue ementa de julgado proferido pelo Colendo Supremo Tribunal Federal:

“Embargante: Jorge Orlando Cuellar Noguera / Embargado: Universidade Federal de Santa Maria / RE nº 342459 ED/RS – Rio Grande do Sul; Relator: Ministro Cezar Peluso. EMENTA: RECURSO. Embargos de declaração. Caráter infringente. Embargos recebidos como agravo. Professor estrangeiro. Contratação.

Pretensão de acesso ao Regime Jurídico Único. Vedação por força do art. 37, I, da Constituição Federal. EC nº 19/88, que acrescentou os §§ 1º e 2º, ao art. 207, da Carta da República. Eficácia limitada, porque dependentes de normatividade ulterior Jurisprudência assentada.

Ausência de razões novas. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Nega-se provimento a agravo regimental tendente a impugnar, sem razões novas, decisão fundada em jurisprudência assente na Corte.” (grifamos)

Importante ponderar, ademais, tal como visto no tópico II do presente trabalho, que essas normas constitucionais limitadas não são totalmente despidas de eficácia.

Ou seja, elas podem até não ter, momentaneamente eficácia social, porém, sempre terão o condão de revogar as normas do sistema jurídico que com ela colidam, além de impedir o ingresso no ordenamento de normas incompatíveis com seus preceitos.

Aliás, mais do que isso, conforme explica Pedro Lenza, citando lição do mestre José Afonso da Silva:

“Nesse sentido, José Afonso da Silva, em sede conclusiva, observa que referidas normas têm, ao menos, eficácia jurídica imediata, direta e vinculante já que:

a) estabelecem um dever para o legislador ordinário;

b) condicionam a legislação futura, com a consequência de serem inconstitucionais as leis ou atos que as ferirem;

c) informam a concepção do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenação jurídica, mediante a atribuição de fins sociais, proteção dos valores da justiça social e revelação dos componentes do bem comum;

d) constituem sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas;

e) condicionam a atividade discricionária da Administração e do Judiciário;

f) criam situações jurídicas subjetivas, de vantagem ou desvantagem. Todas elas – em momento seguinte conclui o mestre – possuem eficácia ab-rogativa da legislação precedente incompatível (Geraldo Ataliba diria ‘paralisante da eficácia destas leis’, sem ab-rogá-las – nosso acréscimo) e criam situações subjetivas simples e de interesse legítimo, bem como direito subjetivo negativo. Todas, enfim, geram situações subjetivas de vínculo”

Resta, pois, demonstrado, pela citação acima, que essas normas constitucionais não têm a eficácia tão limitada como se pode pensar.

E, essas normas constitucionais de eficácia limitada, são dividas pela doutrina em:

(i) normas constitucionais de princípio institutivo (ou organizativo) e (ii) normas de princípio programático.

As normas constitucionais de princípio institutivo ou organizativo, contém apenas comandos de estruturação geral da instituição de determinado órgão, entidade ou instituição, de forma que a efetiva criação, organização ou estruturação, por expressa disposição constitucional, deve ser feita por normas infraconstitucionais.

Citamos o § 2º do artigo 18 da Carta Maior, como um exemplo de norma constitucional de eficácia limitada de princípio institutivo.

Mencionamos, ademais, outros exemplos de normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo: art. 33, art. 90, § 2º, art. 109, inciso VI, etc., todos da Constituição Federal.

Já as normas constitucionais de eficácia limitada de princípio programático, são aquelas que estabelecem programas a serem implementados pelo Estado, objetivando a realização de fins sociais, como o direito à saúde, educação, cultura, etc..

Destarte, citamos como exemplo de norma constitucional de eficácia limitada programática o artigo 196 da Carta Magna.

Outros exemplos de norma constitucional de eficácia limitada programática são encontrados nos seguintes artigos da Carta da República: art. 6º, art. 205, art. 227, etc..

CONCLUSÃO

Esperamos ter analisado, a contento, de forma sintética, ou seja, sem a pretensão de esgotar a matéria, a eficácia das normas constitucionais.

Para tanto, foi estabelecido uma paralelo entre a eficácia jurídica e social das normas constitucionais, com a conclusão de que todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia, ainda que apenas jurídica.

Ademais, no decorrer do trabalho esperamos ter abordado de foram satisfatória a forma como a doutrina classifica as normas constitucionais quanto à sua eficácia, o que foi feito, inclusive, com a transcrição de jurisprudência acerca do assunto.

Por fim, esperamos ter elucidado ao leitor a eficácia das normas constitucionais, enriquecendo seus conhecimentos acerca do tema.

Rafael Camargo Trida

O novo conceito de família, um avanço ou retrocesso social?


Uma breve análise quanto ao novo conceito de família, um avanço ou retrocesso social?

Verifica-se que o conceito de família natural, instituída pelo formalismo, constituída durante o Império Romano, vem perdendo cada vez mais espaço, dando origem ao dito novo conceito de família, pautados pelo afeto e pela dignidade da pessoa humana.

Inicialmente torna-se imperioso trazer a baila, o que é uma família, afinal é justamente este o cerne do presente artigo.

Fazendo um estudo etimológico da palavra família, percebe-se que advém da expressão latina famulus, que significa escravo doméstico, que designava os escravos que trabalhavam de forma legalizada na agricultura familiar das tribos ladinas, situadas onde hoje se localiza a Itália.

Inclusive, pode-se dizer que a família é a considerada a unidade social mais antiga do ser humano, a qual, historicamente, na pré-história, constituía-se como um grupo de pessoas relacionadas a partir de um ancestral comum ou através do matrimônio (vínculo sanguíneo). Em ambas ocasiões, recebiam a denominação de clã.

A evolução da família

Desde os primórdios, na dita pré-história, época em que pode ser dito que o ser-humano iniciou sua jornada, a família já constituía a principal das bases tanto do ser-humano, como da sociedade. Afinal, nesta época, a mulher realizava trabalho nas cavernas (que eram consideradas as residências), como  cultivava na terra. Inclusive, a importância da terra era tamanha, que era feita  uma analogia da fertilidade da mulher com a terra que esta cuidava. Lado outro, aos homens eram destinadas as funções da segurança da família (o caráter protetivo, tendo em vista que neste momento existiam as guerras entre os clãs) e a caça (que era considerado trabalho, pois os homens caçavam para comer ele e sua família, sobreviver).

Aliás, quanto ao papel do homem nesta época, leciona Cláudio Jannotti da Rocha, pode ser comparado até mesmo ao pensamento mágico:

“É desconhecido o motivo pelo qual os homens pré-históricos desenhavam nas paredes das cavernas. A idéia que mais prevalece é a que esses desenhos eram feitos por caçadores. Como num sentido mágico, eles poderiam interferir na captura de um animal desenhando-o ferido na parede, podendo dessa forma, dominá-lo com facilidade. Esse “pensamento mágico”, dito primitivo, pode ser comparado ao pensamento infantil, o qual as fantasias são a realidade psíquica predominante, os símbolos representam valores diferenciais, manipuláveis de acordo com o desejo (ROCHA, Cláudio Jannotti da. Dispensa Coletiva. 1ª ed. Belo Horizonte: RTm, 2011, p.27.)

Serão justamente as relações de parentesco sanguíneo (clã), é quem darão origem às primeiras sociedades humanas organizadas. Por isso, a denominação família surge a partir dessas organizações sociais.

Após a pré-história (dito comunismo primitivo), surge o escravismo. Neste momento, mais precisamente durante o Império Romano, a família sofreu um mudança, através do desenvolvimento de sociedades mais complexas, na qual os laços sanguíneos eram cada vez mais dissolvidos entre a população. Ao contrário dos clãs, que se formavam a partir da relação de parentesco com um ancestral comum, a família natural romana originava-se através de uma relação jurídica, o casamento. Daí surge a expressão família natural, que abrangia apenas por um casal e seus filhos.

Uma mudança importante do clã para a família natural, é que enquanto que naquele modelo a mulher, trabalhava tanto em casa, como na cultivo de alimentos, neste a mulher passou-se a se concentrar geralmente somente dentro de casa, cuidando da família, em especial criando os filhos,

A dita família natural foi incorporada pela Igreja Católica, que consumou o casamento em instituição sacralizada e indissolúvel, e única formadora da família cristã, formada pela união entre duas pessoas de diferentes sexos, unidas através de um ato solene, e por seus descendentes diretos, a qual permaneceu durante o feudalismo e perdura até a presente datal, no capitalismo.

Todavia, a consanguinidade e a tradicional instituição do casamento (família natural), vem perdendo espaço nas mais recentes doutrinas e jurisprudência, e até mesmo pela própria norma, por dois quesitos muito mais inquinados e apropriados à realidade: o afeto e a dignidade da pessoa humana.

Diante destas ponderações, pode-se dizer que a família possui grande importância, tanto para os seus membros, como para a sociedade, servindo como um instrumento tanto de formação como de inclusão social.    

Para Maria Helena Diniz:

“Família no sentido amplíssimo seria aquela em que indivíduos estão ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade. Já a acepção lato sensu do vocábulo refere-se aquela formada além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem coo os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro). Por fim, o sentido restrito restringe a família à comunidade formada pelos pais (matrimônio ou união estável) e a da filiação. (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro: Direito de Família. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 5. p. 9)

Para Orlando Gomes:      

“O grupo fechado de pessoas, composto dos genitores e filhos, e para limitados efeitos, outros parentes, unificados pela convivência e comunhão de afetos, em uma só e mesma economia, sob a mesma direção. (GOMES, Orlando. Direito de Família. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 33.)

Quanto ao caráter jurídico da família, leciona Paulo Lôbo:

“Sob o ponto de vista do direito, a família é feita de duas estruturas associadas: os vínculos e os grupos. Há três sortes de vínculos, que podem coexistir ou existir separadamente: vínculos de sangue, vínculos de direito e vínculos de afetividade. A partir dos vínculos de família é que se compõem os diversos grupos que a integram: grupo conjugal, grupo parental (pais e filhos), grupos secundários (outros parentes e afins). (LÔBO, Paulo. Direito Civil: família. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 2.)

Nesse sentido, para o Direito, família consiste na organização social formada a partir de laços sanguíneos, jurídicos ou afetivos.

O papel do afeto e da dignidade da pessoa humana e seus contornos jurídicos

Quanto ao afeto, importante destacar, que no Brasil não possui previsão constitucional, seja quanto a relação homem-mulher e filhos. Porém, mesmo diante desta não previsão, o afeto vem ganhando cada vez mais importância para o conceito de família, tornando-se inclusive para alguns doutrinadores e para a jurisprudência pátria, o principal suporte fático para a incidência das normas do Direito de Família.

Através de uma parca análise, pode-se dizer que afeto é sinônimo de: amizade, amor, apego, benevolência, fraternidade, simpatia, ternura, compaixão e companheirismo.

Quanto a compaixão, destaca André Comte-Sponville:

“A compaixão é um sentimento. Enquanto tal, é estendida ou não, não é ordenada. É por isso que, como Kant nos lembra, ela não pode ser um dever. Todavia, os sentimentos não são um destino, que poderíamos apenas ter de suportar. O amor não se decide, mas se educa. O mesmo vale para a compaixão: não é um deve senti-la, mas sim explica Kant, desenvolver em si a capacidade de senti-la. Nisso a compaixão também é uma virtude, isto é, ao mesmo tempo, um esforço, um poder e uma excelência. (COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p 241)

Já quanto ao amor, sintetiza o mesmo autor:

“O que fazemos por amor sempre se consuma além do bem e do mal, dizia Nietzsche. Eu não iria tão longe, já que o amor é o próprio bem. Mas além do deve e do proibido, sim, quase sempre, e tanto melhor. (COMTE-SPONVILLE, André. Pequeno tratado das grandes virtudes. Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p 129)

O afeto, como valor fundamental das relações familiares, mesmo não estando expresso no texto constitucional, alcançou aplicação nas letras de  juristas, dentre eles: Álvaro Villaça, Maria Berenice Dias, e Rodrigo da Cunha Pereira, entre tantos outros e na jurisprudência.

Lado outro, quanto a dignidade da pessoa humana, no ordenamento jurídico brasileiro, encontra-se previsto como um fundamento da República Federativa do Brasil, art. 1º, III, da CR/88.

As mudanças ocorridas na sociedade (neste caso na família) e o acompanhamento do Direito

Assim como mudam os fatos, o Direito também muda, para acompanhar essas mudanças e assim ofertar aos jurisdicionados uma segurança jurídica. Até porque dentre as funções do Direito, encontra-se a de regulamentar o comportamento do ser-humano, as relações intersubjetivas. Justamente deste pensamento, que pode-se dizer que o Direito é feito pelos homens e para os homens.

Dentre as mudanças do mundo contemporâneo, destaca-se a alternância significativa ocorrida na família, ocasionando para alguns autores, o novo conceito de família, pautado pelo afeto e dignidade da pessoa humana.

Pois bem, diante de todas essas mudanças, que vem ocorrendo no conceito de família, indaga-se, será que socialmente, representam um avanço ou um retrocesso, no aspecto social? Será que essas mudanças ocasionam bons frutos socialmente? É justamente este o objeto do presente artigo.

A dissolução da família e a guarda dos filhos

Nas últimas décadas presenciou-se que a dita família natural, não estava sendo efetiva entre os casais, que estavam se separando com maior frequência. E, com isso que estava perdendo com isso eram justamente os filhos que nenhum momento ensejavam tal fato, porém sofriam os efeitos desta fato.

Nesse sentido, o legislador brasileiro tratou de acompanhar tal mudança e com isso, criou alguns institutos que regulamentam a guarda dos filhos, diante dos pais que se separam.

Guarda unilateral

Uma das modalidades de guarda, prevista no vigente Código Civil, é a guarda unilateral. Esta modalidade é a mais comum, quando a guarda é conferida unilateralmente a um dos genitores. O outro, possui o direito de visita.

A respeito das visitas muito bem frisou a ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias:

“Como encontros impostos de modo tarifado não alimentam o estreitamento dos vínculos afetivos, a tendência é o arrefecimento da cumplicidade que só a convivência traz. Afrouxando-se os elos de afetividade, ocorre o distanciamento, tornando as visitas rarefeitas. Com isso, os encontros acabam protocolares: uma obrigação para o pai e, muitas vezes, um suplício para os filhos. (DIAS, Maria Berenice. Guarda Compartilhada. Revista jurídica consulex. Brasília, DF: Consulex, v.12, n.275, 30 jun 2008, p.26)

Guarda aninhamento

Prevê ainda o Código Civil a guarda na modalidade, aninhamento ou nidação, que ocorre quando os filhos continuam fixados na residência sendo os pais que a alternam, ou seja, as alternâncias de convivência entre pais e filhos se dão através das idas e vindas dos pais, mantendo os filhos no mesmo logradouro.

Guarda alternada

Já uma outra modalidade de guarda, é a guarda alternada, que tem como suporte fático quando os genitores se revezam na titularidade da guarda, fazendo-a integralmente e isoladamente no período em que for conferida a ele. Normalmente o revezamento se dá de forma igualitária ocorrendo geralmente a alternância semanal, mas pode ser fixada de forma distinta a esta, como quinzenal ou mensal.

Guarda compartilhada

Existe ainda a guarda compartilhada, que foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro em junho de 2008. Quanto a esta modalidade de guarda, a doutrinadora Leila Maria Torraca de Brito, assevera que:        

“Na concepção de outros profissionais do Direito entrevistados, a guarda compartilhada só é viável quando os pais mantêm um bom relacionamento. No entanto, cabe recordar que, com frequência, um divórcio onde os ex-cônjuges continuem se relacionando bem não costuma ser regra; ao mesmo tempo em que, com este argumento, volta-se a unificar o que diz respeito a conjugalidade e o que se refere a parentalidade.

É preciso enfatizar que o vínculo de filiação e o exercício parental não podem depender de critérios de negociação entre os cônjuges: ao contrário, devem ser assegurados pelo Estado, como prevê a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989). Compreende-se, assim, que nem sempre é possível, nesses casos, buscar acordos, cabendo ao juiz como intérprete dos princípios que estruturam cada sociedade a designação do exercício unilateral de responsabilidades.

Assim, entende-se que é justamente quando o guardião interpõe obstáculos à participação daquele que não possui a guarda que a determinação da Guarda Compartilhada vai marcar, ou definir o primeiro, que ele não é o único na relação de parentalidade com a criança. (BRITO Leila Maria Torraca de, Gonçalves, Emmanuela Neves. Razões e contra-razões para aplicação da guarda compartilhada. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.98, n.886, ago. 2009, p. 71)

Logo, chamam de guarda compartilhada a possibilidade/viabilidade dos dois genitores permanecerem unidos nas principais decisões da vida do filho, mantendo, ainda, uma convivência cotidiana com a criança, diferente dos finais de semanas alternados.    

A violência doméstica e a proteção à mulher

Uma outra questão a ser observada, é a questão da violência doméstica. Com o decorrer do tempo, passou-se a perceber também que casais também brigam, e que via de regra sendo a mulher o lado mais frágil da relação acaba sendo vítima da postura covarde e agressiva do homem.

Esta situação no Brasil, já foi solucionada através da lei nº 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que em sua introdução prevê:

“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências”.

Indubitavelmente que a Lei Maria da Penha, além de objetivar a proteção a mulher, tem como objetivo também a proteção a família em si mesmo, como instituição social e mantenedora de bons cidadãos.

A igualdade entre os filhos (legítimos e adotados)

Outro fato a ser observado é o fato da igualdade de direitos entre filhos advindos do casamento e filhos adotados. Tal situação foi devidamente regularizada através da vigente Carta Magna, que igualou em direitos e tratamentos, filhos legítimos e filhos adotados. Tal fato, nada mais representa do que um grande avanço e até mesmo reconhecimento da importância do afeto nas relações.

E ainda, contribuiu também para a felicidade daqueles casais que não conseguem procriar, e com isso, ficam prejudicados em ter sua continuidade através do vinculo parental. Igualar os filhos legítimos e os adotados, no âmbito jurídico é fato que merece aplausos e de pé, vez que a República Federativa do Brasil, possui como um de seus fundamentos, a dignidade da pessoa humana.

O reconhecimento e os direitos à união estável

Uma outra angulação que merece análise é o reconhecimento de direitos a união estável.

É a relação de convivência entre os jurisdicionados, que é duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar. Importante destacar, que o vigente Código Civil não menciona o prazo mínimo de duração da convivência para que se atribua a condição de união estável.

Urge salientar, que não é necessário que as pessoas morem juntas. Sendo assim, podem até ter domicílios diversos, mas será considerada união estável, desde que existam elementos que o provem, como por exemplo, a existência de filhos.

Neste sentido, vem decidindo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

“EMENTA: União estável. REQUISITOS. CARACTERIZAÇÃO.

Inobstante a exigüidade do relacionamento – doze meses –, mostra-se impositivo o reconhecimento da união estável, pois, durante esse período, o casal viveu sob o mesmo teto, em manifesto embaralhamento de vidas e patrimônio, como se casados fossem. Inteligência do art. 1.723 do Código Civil. Apelo provido. (TJRS – 7ª TURMA: APELAÇÃO Nº 7005167507; REL. DESA. MARIA BERENICE DIAS; 14/11/2003)”.

Cabe mencionar, que uma relação de namoro, não pode ser considerada união estável porque somente se fica caracterizada quando houver constituição de unidade familiar propriamente dita, não bastando o simples objetivo fazê-lo. Álvaro Villaça Azevedo, conceitua a união estável, como:

a) a convivência entre homem e mulher, não impedidos de casar ou separados judicialmente;
b) por mais de cinco anos;
c) ou tendo filho;
d) enquanto não constituírem nova união.
(AZEVEDO, Álvaro Villaça. Comentários ao Código Civil, volume 19, 2003, Saraiva, 1ª edição, São Paulo, p. 22.)

Justamente nesta diretriz vem decidindo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

Não exige a lei específica (Lei nº 9728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas a sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável.

Diante das alterações dos costumes, além das profundas mudanças pelas quais tem passado a sociedade, não é raro encontrar cônjuges ou companheiros residindo em locais diferentes. O que se mostra indispensável é que a união se revista de estabilidade, ou seja, que haja aparência de casamento, como no caso entendeu o acórdão impugnado. Seria indispensável nova análise do acervo fático-probatório para concluir que o envolvimento entre os interessados se tratava de mero passatempo, ou namoro, não havendo a intenção de constituir família.

Na linha da doutrina, ‘processadas em conjunto, julgam-se as duas ações (ação e reconvenção), em regra, na mesma sentença, que necessariamente se desdobra em dois capítulos, valendo cada um por decisão autônoma, em princípio, para fins de recorribilidade e de formação de coisa julgada’. Nestes termos, constituindo-se em capítulos diferentes, a apelação interposta apenas contra a parte da sentença que tratou da ação, não devolve ao tribunal o exame da reconvenção, sob pena de violação das regras tantum devolutum quantum apellatum e da proibição da reformatio in pejus.  (STJ – 4ª T.; Resp nº 474.962-SP; Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; j. 23/09/2003; v.u.)”.

O regime que prevalece na união estável é o regime da comunhão parcial de bens, mas pode haver um contrato entre as partes sobre os bens dos companheiros com a mesma flexibilidade admitida no pacto antenupcial.  O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, vem decidindo neste sentido:

“UNIÃO ESTÁVEL. REGIME LEGAL DE BENS. CONTRATO ESCRITO. LIMITAÇÃO. irrelevãncia no caso, onde o recorrente é herdeiro da falecida companheira. incidência da lei vigente ao tempo da abertura da Sucessão. 1. No contrato escrito os companheiros podem dispor acerca doregime de bens aplicável ao patrimônio que vier a ser adquiridona constância da união; não podendo, no entanto, dispor acerca da comunicação de bens particulares, mormente se forem imóveis, pois configuraria doação. 2. A discussão torna-se inócua, porém, se o postulante é o herdeiro da falecida companheira, que não deixou descendentes nem ascendentes, havendo incidência da lei vigente ao tempo da abertura da sucessão. Recurso desprovido (TJRS – 7ª Turma.; Apelação nº 70014934384; Rel. Desa. Maria Berenice Dias; j. 14/11/2003)”.

O papel da mulher na família e sua devida proteção

Dentre os fatores familiares que merecem uma atenção do legislador, destaca-se o papel da mulher na família e sua devida proteção.  Pode-se dizer que o comportamento da mulher na dita sociedade moderna, vem mudando a cada dia. A mulher no mundo contemporâneo, possui uma dupla função a de dona de casa e a profissional. Como já dito anteriormente, cabia a mulher realizar o serviço doméstico, que abrangia também cuidar e criar seus filhos.

Porém, recentemente a mulher foi ganhando espaço e saiu da casa para adentrar no mercado de trabalho e com isso, o lar perdeu aquela figura feminina que é sinal de paz e amor. Agora a mulher se divide entre o trabalho e a casa. O filho, no presente momento não é mais cuidado por sua mãe e sim por empregada e, com consequentemente não recebe aquele sentimento que somente a mãe pode lhe ofertar.

Daí pode-se dizer que um dos motivos ensejadores da violência vista no mundo recente, é fruto justamente da saída da mulher de sua casa, para entrar no mercado de trabalho, pois tal situação cria um vazio no lar, e acaba ocasionando que o filho também saia cedo de casa, para encontrar aquilo que não encontrou em casa.

Em que pese, a existência da licença maternidade, com duração de 120 após o parto, tal prazo não é suficiente para ofertar a mão ficar com seu filho e tempo suficiente. O mesmo se analisa, quanto a jornada de trabalho, será que a mulher (aquela mãe, principalmente) não pode ter sua jornada reduzida, para possuir um maior tempo para se dedicar a sua família?

Será que tal matéria não é uma questão de ordem pública, que pode ocasionar uma maior segurança à todos. Afinal, uma criança que cresce recebendo amor e carinho, indubitavelmente que será um adolescente e adulto realizado e assim teremos um mundo melhor.

Conclusão

Diante de todo o demonstrado, verifica-se que o conceito de família natural, instituída pelo formalismo, constituída durante o Império Romano, vem perdendo cada vez mais espaço, dando origem ao dito novo conceito de família, pautados pelo afeto e pela dignidade da pessoa humana, e corolário ofertando novos contornos as funções dos pais.

E, como o Direito é feito pelos homens e para os homens, percebe-se que vem acompanhando essas mudanças, para assim ofertar aos jurisdicionados uma efetiva segurança jurídica e um maior contorno social, para que assim todos possam viver em paz e harmonia e ser alcançado um mundo melhor.

Conclui-se, portanto, que as mudanças na família, estão sendo na verdade um avanço social, para ofertar a  todos um núcleo de afeto, carinho, amor, compaixão e de inclusão social, para assim o ser humano ter sua dignidade efetivada.

Mateus Soares da Silva

Democracia é o poder de participar de decisões


Existe uma palavra-chave inerente ao conceito de democracia nem sempre reverenciada: participação. Ao contrário, é deixada de lado no mais das vezes, pois somos levados intuitivamente, ou por indução, a prestar mais atenção no resultado em si do que nas fórmulas que levam a esse resultado.

É normalmente assim na vida comum. Quando entramos em um comércio, chama mais a nossa atenção a decoração do lugar do que a estrutura do prédio que abriga os artefatos do ambiente. Ao entrar no ônibus, no metrô ou no avião nossos olhos procuram enxergar a limpeza do local, se os assentos estão disponíveis ou se existe espaço suficiente entre as poltronas. Essas informações são captadas em átimos e processadas na nossa mente para construir sensações de conforto, de estética ou de satisfações subjetivas. Mas não é comum indagar-se, primeiramente, se o veículo é seguro, se passou por manutenção ou qual a técnica de engenharia empregada nas mencionadas máquinas. Talvez um profissional da área se preocupe com este último aspecto, mas essa exceção ajuda a confirmar a regra.

Algo semelhante ocorre com o processo de formação dos direitos em regimes com características democráticas as quais, para os fins editorais deste texto, são resumidas na noção de poder de participação. Tal poder se destina à elaboração das regras de convivência. É condição elementar à compreensão de democracia que seja reconhecido o direito de participar de decisões que, enfim, constituirão nossos paradigmas morais. Tais paradigmas serão fundamentos para a criação de constituições, leis e outras normas que indicarão direitos como à vida, educação, saúde, segurança pública, moradia, trabalho, segurança alimentar, cultura, meio ambiente e lazer, para ficar com os exemplos mais lembrados.

Se tais direitos são efetivados a todos, nossas expectativas em torno do padrão ideal de igualdade são naturalmente reduzidas, o que não significa dizer que tais direitos possam conceder satisfações pessoais plenas. Mas se tais direitos, previstos em constituições ou em leis não são aplicados — e existindo garantias de liberdade de expressão e de ação dentro da legalidade — a tendência é a reivindicação de tais direitos.

Por outro lado, mesmo quando esses direitos são regulamentados, o processo de sua efetivação poderá ser tenso, pois nem todos concordam com a extensão de sua aplicação. Para alguns seus custos são muito elevados. Para outros, nem todos deveriam recebê-los. Alguns acreditam que o mercado poderá se encarregar de ofertar tais direitos a depender do esforço individual de cada um. O ponto encontradiço é que mesmo quando os direitos de alto peso moral são previstos, divergências podem ocorrer de modo que é difícil dizer com segurança intelectual quem está certo e quem não está. Questões como aborto, liberdade religiosa, cotas para minorias, desmatamento frente ao agronegócio e, mais recentemente, revisão da Lei de Anistia são difíceis de serem solucionadas idealmente e seduzem parte da população a um debate exaustivo, ainda que necessário e indispensável. Essa sedução — justificável pela relevância de cada tema — é o que mais atrai.

Em geral, prestamos mais atenção nos meios de oferta ou na negativa de tais direitos e isso é o que passa a importar. Deixamos de lado o que levou à construção desses direitos e como foram criados. O importante é que tais direitos existem e se existe tensão em torno de sua aplicação, instituições devem ser acionadas para resolver quem tem razão. Modernamente, tem-se em geral recorrido à Suprema Corte para definir, afinal, quem fica com o que em matéria de dilemas morais. Será essa a solução ideal na democracia? Talvez. Quero chamar a atenção, porém, para o poder de participação. Se foi possível sermos capazes de nos organizar para criar direitos, seremos também uma sociedade com habilidades para solver possíveis dilemas dessa criação.

Participar, pois, é votar em condições de igualdade em representantes. Mas é também aperfeiçoar mecanismos de participação que permitam a solução de questões difíceis sobre direitos tão caros a nossa convivência. Não quero dizer com isso que o Parlamento se transformaria em outro Poder Judiciário. Não é isso. A Suprema Corte deve continuar a interpretar a Constituição Federal papel que, aliás, no Brasil, tem desempenhado muito bem.

Por isso, os grandes temas que dividem a sociedade quando a questão é a distribuição de direitos socialmente relevantes poderiam ser alvo de novas deliberações por instrumentos que garantissem a participação dos eleitores, sempre em igualdade de condições. Será duro desacostumar nosso modo de pensar, pois acreditamos que as instituições formais, especialmente a Suprema Corte, substituirá facilmente nosso poder de participação, como se o problema se resolvesse com a simples aplicação dos direitos, doa a quem doer. Temos nos preocupado muito com a aparência do ambiente e deixado à segurança da edificação para que outros se preocupem por nós.

Cleucio Santos Nunes 

domingo, 18 de maio de 2014

Precisamos efetivar a democracia no Brasil


“Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública.” 
-Anísio Teixeira

Existe uma época da vida em que, normalmente, aprendemos a de uma forma direta deliberar tanto sobre as regras do jogo quanto ao julgamento dos conflitos e das aporias da partida. Quero dizer: sem necessitar de terceiros. Sou de uma geração que, embora já existisse vídeogame, televisão e discos, o game mais divertido era a rua, o futebol de rua. Em grande parte porque vídeogame não era um brinquedo muito acessível, televisão possuía três ou quatro canais e os discos (em vinil)... Ah! Esses, pensando bem, eram curtidos à beça.

As divergências do futebol de rua eram resolvidas, primeiramente, com muitos xingamentos — em geral alusivos à reputação da mãe do adversário. Vez por outra acabava até em empurrões, uns socos para lá outros para cá. O fato é que o futebol não poderia acabar nunca! Caso contrário acabaria o lazer. Some-se o fato de que a garotada morava na mesma rua e teria que se encontrar trivialmente. As controvérsias tinha que ser resolvidas por nós mesmos com muita discussão acalorada. Mas sem o futebol o que iríamos fazer da vida?

Às vezes acredito que esquecemos a sabedoria da infância. É claro que não podemos traçar uma relação direta das simples peripécias do futebol com os complexos problemas de nossa sociedade moderna. Mas se pretendemos alcançar um nível elevado de maturidade democrática teremos que colocar em prática um pouco de instintividade.

A democracia grega, segundo os livros de história, adotava a prática de assembleias com a função de deliberar coletivamente sobre as divergências da sociedade de então no âmbito das Cidades-Estados. Estas eram pequenas comunas formadas por povoados com autonomia política, tais como os próprios atenienses, coríntios e espartanos. É bem verdade que a participação do povo grego nessas assembleias não era em regime de igualdade. Alguns não podiam participar de tais deliberações. Quero chamar a atenção, porém, ao instrumento de participação direta daquela sociedade no processo de deliberação. A assembleia era uma forma de garantir o poder de deliberação da democracia grega anciã.

Com o advento dos Estados nacionais, evidentemente, muita coisa mudou. Reunir assembleias na realidade das Cidades-Estados é muito diferente de pretender o mesmo instrumento de deliberação em sociedades multifacetadas e de massas como na atualidade. Essa complexidade, aliada a grande extensão territorial dos Estados nacionais, realmente inviabiliza a prática de reuniões em assembleias frequentes. Se é tão difícil esse tipo de mobilização em uma simples reunião de bairro ou de condomínio, que dirá para deliberar sobre os temas nacionais ou dos governos locais.

Seja como for, acredito que a participação popular deve ser estimulada. Seguem exemplos dessa possibilidade. No campo das finanças públicas o orçamento participativo pode ser eficaz na viabilização da participação direta da sociedade no processo de escolha sobre a aplicação dos recursos públicos. É razoável que a Constituição Federal preveja setores sociais que terão garantia de investimentos visando-se com o isso a homogeneidade de valores estratégicos. Por exemplo, educação, saúde e segurança pública deverá ter garantida cesta de recursos financeiros a fim de não se fragilizarem suas respectivas políticas. Isso significa definição de escolhas morais fundamentais. Por outro lado, as prioridades de investimentos, como obras públicas, serviços e transferências de recursos entre o setor público e o privado, deveriam ser o resultado de discussões com a própria comunidade, em processo de escolha por meio do voto sobre essas prioridades.

Quanto aos direitos, especialmente os que dispõem sobre dilemas morais profundos, exemplificativamente, questões sobre o processo eleitoral, reforma tributária, maioridade penal, casamento entre pessoas do mesmo sexo, pesquisas com células-tronco, eutanásia, legalização do aborto, uso de psicotrópicos como terapia de saúde poderão ser objeto de plebiscitos ou referendos.

Esses meios de participação são pouco utilizados sob o precipitado argumento de que a população pode não estar preparada para respondê-las. Isso não é verdade. A democracia pressupõe a liberdade de escolhas de acordo com as condições históricas do momento. Questões morais dependem de níveis de formação de opinião que vão se ampliando em uma extensa rede de informações. O ponto-chave é saber construir a mencionada rede por meio de valores que primem pelo respeito à justiça, à igualdade e ao ser humano como principal sentido de se existir. Sem a supremacia da vida humana nos contextos da justiça e da igualdade, o jogo é mais difícil e menos divertido.

 Cleucio Santos Nunes

Financiamento público de campanha é o único democrático


Em tempos de discutida e já tardia reforma eleitoral, intensifica-se o debate para definir quem deve financiar as onerosíssimas campanhas eleitorais.

O auto financiamento é um paradoxo que todo mundo comenta, mas poucas vezes tem explicação aceitável. O que o eleitor normalmente questiona é porque um candidato gastaria de seus próprios recursos, na campanha, dezenas ou centenas de vezes o valor do salário que vai receber como governante executivo ou legislador. É compreensível que alguém com alguma reserva financeira, e com caráter ou personalidade que atribua mais valor à oportunidade de contribuir para o bem comum do que o valor que atribui ao dinheiro, resolva gastar do seu próprio bolso para ser eleito. Mas, não é infelizmente a experiência mais frequente.

Como pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com os próprios recursos financeiros, a questão que se debate é se o financiamento das campanhas deve ser feito pelos cidadãos e pelas suas empresas privadas, ou se deve ser feito com dinheiro da fazenda pública.

Há, na raiz dessa discussão um sofisma, uma premissa falsa. A verdade é que quem paga as campanhas eleitorais, todas, é sempre o povo, é sempre o contribuinte.

Exclua-se a hipótese, que a legislação sadiamente proíbe, de financiamento feito com dinheiro vindo do exterior. A consequência é a de que o dinheiro virá de algum lugar, por algum caminho, dentro do território nacional.

Imagine-se que a opção seja pelo financiamento privado das campanhas eleitorais. A contribuição das pessoas físicas, seja pela baixa renda média do brasileiro, seja pela rarefeita convicção cultural de que é preciso investir no bem comum, não será suficiente para bancar as campanhas. A restrição do financiamento exclusivamente às pessoas físicas colocaria em sério risco, pela inviabilidade econômica, o caráter didático, informativo e esclarecedor que devem ter as campanhas. Na hipótese do financiamento privado, o que efetivamente se considera e tem relevância econômica é o financiamento feito pelas empresas, pelas pessoas jurídicas.

Mas, a finalidade da empresa, por definição e obrigação legal é o lucro. O empresário que não busque o lucro pode ser legalmente punido por gestão ruinosa. Hoje, a divulgação dos conceitos de sustentabilidade e a adesão a princípios de responsabilidade social criam exceções. Algumas atividades das empresas não visam diretamente o lucro. Visam a perpetuidade de um mundo viável em que elas próprias possam sobreviver. Mas, ninguém acredita que quando as empresas contribuem financeiramente para a campanha deste ou daquele candidato o estejam fazendo para assegurar a fluência do processo democrático e a realização do bem comum.

A realidade, para quem quiser vê-la, é a de que o financiamento de campanha é feito pelos grandes fornecedores de bens e serviços ao Estado. Há um visível conflito de interesses, em que concorrentes comerciais aos contratos de bens e serviços a serem pagos pelo Estado financiam a eleição dos governantes que vão decidir os bens e serviços a serem contratados.

Há provas evidentes de que as empresas financiadoras de campanhas agem no interesse próprio, e não a benefício do bem comum. Primeiro, é comum a mesma empresa financiar simultaneamente vários candidatos e partidos que pregam teses e programas opostos. Portanto, não é por amor ao programa.

Segundo, porque ninguém tem dúvida de que, se a legislação eleitoral proibisse o financiador de contratar com o ente público administrado por governantes cuja eleição financiou, os financiamentos privados iriam à míngua.

Terceiro, ninguém vê uma grande empresa interessada nas obras federais ou em determinada política econômica financiando a campanha eleitoral para beneficiar um município com baixo índice de desenvolvimento. Ou não se vê uma grande companhia de transporte público ou de coleta de lixo municipal fazendo contribuições para a campanha de candidatos a cargos federais. Evidentemente, agindo por interesse próprio e não pelo bem comum, a empresa privada vai colher, depois das eleições, os dividendos do investimento feito em busca do lucro.

Qualquer cidadão minimamente politizado e razoavelmente honesto intelectualmente vai concluir que isso significa encarecimento das obras e serviços públicos, e enriquecimento sem causa de um grande número de governantes eleitos. Um segundo passo nesse raciocínio necessário levará à conclusão, lógica e irrefutável, de que quem paga esse encarecimento e esse enriquecimento é o povo. O Estado não cria riqueza. Só a organiza e arrecada. O agente imediato do pagamento das obras e serviços públicos é o Estado. O agente mediato, a fonte pagadora final é o contribuinte de impostos.

A conclusão, portanto, é a de que não existe financiamento privado de campanha eleitoral. O que existe é um adiantamento de despesas que é feito por algumas empresas, que serão posteriormente ressarcidas com dinheiro público vindo dos impostos, através do sobrepreço nos contratos de fornecimento de bens e serviços.

A discussão, portanto, não deveria ser entre a hipótese de financiamento privado ou financiamento público de campanhas. A verdadeira discussão é se o financiamento deve ser feito com a liberdade de as empresas privadas escolherem os candidatos e os partidos a que o dinheiro público vai financiar, e se arrogarem o direito de antecipar os recursos exclusivamente a estes, ou se a distribuição dos recursos e os critérios de financiamento, que será sempre com dinheiro público, também deveriam ser feitos com transparência, dentro de regras previamente conhecidas e diretamente pelo Poder Público.

Não fosse por razões morais, por princípios éticos, parece evidente que só é democrático o financiamento público de campanha. Se a democracia é fundada na igualdade, cada eleitor um voto, e todos os votos com o mesmo peso, também não dispensa que se assegure a igualdade entre os candidatos no direito de competir. Não favorece ao regime democrático um sistema em que os candidatos cândidos, que estejam pensando no bem comum como um valor inegociável, percam na largada para aqueles que, em busca de financiamentos privados, estejam dispostos a assumir compromissos pouco republicanos.

Celso Cintra Mori

sexta-feira, 16 de maio de 2014

Postura, senhores!


Passaram-se 50 anos do dia em que nos afundamos numa ditadura. Será que aqueles que lutaram por um Brasil livre apoiariam a podridão que vemos hoje ou se sentiriam traídos por muitos que estão no governo? Faltam estadistas e falta postura pública, para que os eleitos deixem de lado a luta partidária e olhem pelo País, governem para todos e não deixem o Estado se transformar em feudo e o governo, em cabide de empregos. É o que estamos vendo.

Muitos se conformam e fecham os olhos, achando que os grandes avanços sociais dos últimos 20 anos permitem isso, um "rouba, mas faz" atualizado. Quem está na vida pública, porém, deve fazê-lo por ideal. Quem é eleito tem a obrigação de servir ao País, nunca se servir dele.

Vemos, na maioria daqueles que se dedicam à política, uma postura absolutamente oposta àquilo de que o Brasil precisa. Não há idealismo nem ética em muitos de nossos homens e mulheres da vida pública, características que devem ter aqueles que, pelo voto ou por nomeação, chegaram a uma posição em que a total transparência e a dedicação ao País têm de ser a condição básica. Isso parece um sonho hoje.

Quando o deputado André Vargas, ex-vice presidente da Câmara dos Deputados, tenta explicar como e por que usou um jato emprestado de um doleiro que está preso e ainda fala, sem vergonha, que estava fazendo contato no Ministério da Saúde para o laboratório do doleiro - e gravações da Polícia Federal comprovam as suspeitas -, ele recebe aplausos de seu partido, o PT, em plenário, depois do discurso. Quando ele começa a incomodar, querem que renuncie. Não por causa dos indícios de tráfico de influência e corrupção. Queriam a renúncia para não atrapalhar o partido. Chegamos, assim, a mais um exemplo da decadência abismal na política, com a arrogância e a prepotência desses inimigos do Brasil.

Vargas e tantos outros não sabem que um homem público não pode usar jatos emprestados, nem receber favores de empreiteiras (alguém acredita que empreiteiras dão dinheiro a campanhas políticas por patriotismo?), nem presentes, nem facilidade de nenhum tipo. O servidor público tem de ser honesto e parecer honesto. Um homem público tem de limpar, primeiro, os podres dentro de seu partido, assim terá moral e respeito para tentar melhorar o País.

O ex-presidente Lula não poderia ter ido à casa de Paulo Maluf aliar-se a ele por minutos na televisão, uma vez que Maluf é procurado pela polícia em todo o mundo por peculato e evasão de divisas. Uma mancha na biografia de Lula, triste para nós, brasileiros. "Às favas com os escrúpulos" parece ser a palavra-chave na política.

Se os partidos soubessem que uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) deve ser sempre feita quando há indícios de fraude com o patrimônio público, não tentariam instalar outra CPI como pressão para que a oposição desista. O PT deveria ser o primeiro a querer uma CPI da Petrobrás e o PSDB, o primeiro a querer a CPI do Metrô. Ambos foram eleitos para isso. Essa seria a política correta. Mas os brasileiros assistem de boca aberta a governo e oposição brigando pela abertura de CPIs não para descobrir fraudes, e, sim, para derrubar o adversário. Se fosse por patriotismo e postura pública, os primeiros a querer limpar a casa deveriam ser os que têm um mandato para... limpar a casa. Não são patriotas, enganam quem os elegeu.

O blocão liderado por Eduardo Cunha (PMDB) convocou, recentemente, dez ministros para deporem na Câmara. Que ninguém pense que foi pelo bem do Brasil ou pela moralidade nos ministérios. Não o fez antes porque não tinha nada para pedir em troca. Eles querem mais! Temos partidos "donos" de ministérios: o do Trabalho é do PDT, o dos Transportes é do PR, o de Minas e Energia é de José Sarney há décadas - e o gerente é Fernando Sarney, que tem processos e gravações com o pai de enojar os honestos. Ambos estão envolvidos com a Polícia Federal, o Ministério Público e o Judiciário. O Maranhão parece uma escola de especialistas em políticas de energia pública. A cúpula do governo parece autista.

A maioria dos partidos políticos perdeu sua função. Deveriam existir para juntar ideias, programas de governo e políticas sociais com brasileiros idealistas. Mas se prostituíram. Vendem-se. Alguns são mesmo de "aluguel".

Muitos brasileiros estão anestesiados com a normalidade de ler nos jornais fatos como o de que Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobrás, que está preso, foi "indicação" de José Janene (PP). Quase todos os cargos nas estatais e autarquias são "indicações". Não há democracia nem moralidade quando políticos que entram na política atrás de poder e dinheiro podem "indicar" pessoas para 20 mil cargos da administração pública (os chamados DAS). Esses cargos têm de ser preenchidos por técnicos concursados e político nenhum pode ter poder nessas nomeações. Essa é uma das causas da corrupção generalizada com "patrocinadores" e "padrinhos" nos diversos partidos da base de apoio. Por que existem 39 ministérios? É pura e simples moeda de troca com o que há de pior em caráter na vida pública. Vale tudo, e o que vemos é somente a ponta do iceberg. Se isso não mudar, o Brasil não vai mudar.

Temos uma corja incrustada na política e na administração, dos pequenos aos altos cargos públicos no governo. Acreditei que o PT iria mudar isso. De malfeitos em malfeitos e de faxina em faxina, tudo continua igual. As velhas e corruptas oligarquias continuam presentes e o mais decepcionante é que o PT, que lutou e levantou a bandeira da mudança, hoje é parceiro delas. Chamam quadrilha de "aloprados", roubo de "malfeito", mensalão de "recursos não contabilizados". Para eles, Sarney, Collor e Maluf têm reputação ilibada e idoneidade moral. Desrespeitam a Constituição, fragilizam a democracia e as instituições e desacreditam mais ainda a eles mesmos, a classe política.

*Dom João de Orleans e Bragança - É FOTÓGRAFO E TRINETO DE DOM PEDRO II

domingo, 4 de maio de 2014

ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E SEUS FUNDAMENTOS


Preceitua a Constituição Federal:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.

Parágrafo único - Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Do entendimento do artigo transcrito verificamos o nome e sobrenome desse país chamado Brasil.

Fez o legislador constituinte de 1988 uma opção, qual seja, somos uma República (coisa pública). Assim nas palavras de Geraldo Ataliba, lembradas pelo Prof. Nagib Slaibi Filho, “a simples menção ao termo república já evoca um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial. Regime republicano é regime de responsabilidade. Os agentes públicos respondem pelos seus atos. Todos são assim, responsáveis”.

Outras características de nossa República são as seguintes: alternância do exercício do poder, pela temporariedade de exercício do poder e pelo regime representativo. Ao contrário, na monarquia se considerava que o Poder Político decorria tão e somente do soberano, não respondendo o mesmo por seus atos e sendo vitalício nas suas funções.

Também optou o legislador constituinte de 88 pela forma federativa de Estado, ou seja, mais de um nível de Poder, representado pelos seus entes: União, Estados e Municípios, que além de caracterizar uma descentralização política e administrativa, “fraciona” o exercício do Poder soberano do Estado. Cada ente da federação tem suas competências delimitadas no texto constitucional, garantindo um maior controle da sociedade sobre o exercício e os exercentes do Poder Político.

Também na redação do art. 1º, os constituintes optaram pela consagração nome Brasil. Denominação conhecida mundialmente e formada no caminhar histórico da formação de sua unidade territorial. Creio que não há muito que acrescentar que não seja do conhecimento de todos, a origem do nome Brasil já nos foi apresentada desde o início de nossos estudos, ainda no 1º grau.

Prosseguindo no entendimento do artigo primeiro, observamos que esse Brasil é formado pela “união indissolúvel” dos entes que compõem a federação. De maneira sucinta podemos afirmar que quis o legislador originário preservar a integridade nacional, impedindo qualquer hipótese de divisão territorial e política, não aceitando outra soberania em solo brasileiro.

Prevê ainda o artigo transcrito, que o Brasil constitui-se em um Estado Democrático de Direito.

A palavra rechtsstaat, correspondente a Estado de Direito, aparece no início do século XIX no direito constitucional alemão. No dizer do professor português José Joaquim Gomes Canotilho, talvez o maior constitucionalista vivo, “o Estado de Direito começou por ser caracterizado, em termos muito abstratos, como ‘Estado da Razão’, ‘estado limitado em nome da autodeterminação da pessoa’. No final do século, estabilizaram-se os traços jurídicos essenciais deste Estado: o Estado de Direito é um Estado Liberal de Direito. Contra a ideia de um Estado de Polícia que tudo regula e que assume como tarefa própria a prossecução da ‘felicidade dos súditos’, o Estado de Direito é um Estado Liberal no seu verdadeiro sentido”.

Portanto, a origem do Estado de Direito reside nos ideais dos Estados liberais, sofrendo salutar mitigação em seu sentido originário com o surgimento dos ideais sociais, reproduzidos através nas chamadas Constituições sociais a partir do inicio do século XX.

A proposta sumária de apresentação dessa análise, entretanto, faz com que a abordagem seja a mais direta e clara possível, assim, num conceito formal podemos dizer que Estado de Direito “Implica na constituição de Estados limitados pelas regras jurídicas que marcam seu fundamento…a doutrina reconhece, internacionalmente, o Estado de Direito como aquele no qual a legalidade é critério observado pelo exercício do poder” ( Júlio Aurélio Vianna Lopes )

Quanto a opção por ser um Estado Democrático, Nagib afirma que “a Constituição é, talvez, redundante, no emprego da expressão ‘Estado Democrático de Direito’, porque já estão indissociáveis as idéias de prévia regulamentação legal e democracia”.

Para os mais formais, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define em seu dicionário da língua portuguesa a palavra democracia da seguinte forma: “Doutrina ou regime político baseado nos princípios da soberania popular e da distribuição equitativa do poder, ou seja, regime de governo que se caracteriza em essência, pela liberdade eleitoral, pela divisão dos poderes e pelo controle da autoridade”.

É o conceito de democracia um dos mais difíceis de ser formulado, existindo inúmeras visões e teorias quanto a sua elaboração, visto estar ligado diretamente aos valores ideológicos de quem o formule.

Reafirmando a idéia inicial de Nagib, sobre o Estado constitucional democrático afirma Canotilho: “O Estado Democrático é ‘mais’ do que Estado de Direito. O elemento democrático não foi apenas introduzido para ‘travar’ o poder (to check the power); foi também reclamado pela necessidade de legitimação do mesmo poder (to legitimize State power).

Se quisermos um Estado constitucional assente em fundamentos metafísicos, temos de distinguir claramente duas coisas:

(1) uma é a legitimação do direito, dos direitos fundamentais e do processo de legitimação do sistema jurídico;

(2) outra é a da legitimação de uma ordem de domínio e da legitimação do exercício do poder político.

O Estado ‘impolítico’ do Estado de Direito não dá resposta a este último problema: donde vem o poder. Só o princípio da soberania popular segundo o qual ‘todo poder vem do povo’ assegura e garante o direito à igual participação na formação democrática da vontade popular. Assim, o princípio da soberania popular concretizado segundo procedimentos juridicamente regulados serve de ‘charneira’ entre o ‘Estado de Direito’ e o ‘Estado Democrático’ possibilitando a compreensão da moderna fórmula Estado de Direito Democrático”.

Por conclusão afirma-se que O Brasil é um Estado de Direito porque possui nas leis a limitação do exercício do poder político e, é um Estado Democrático porque o poder político é subordinado a soberania popular.

Prosseguindo na análise do artigo vestibular da Constituição, lê-se que esse Estado Democrático de Direito possui alguns fundamentos expressos e numerados, não exaustivos, entretanto, quanto a outros princípios existentes na própria Constituição.

São fundamentos destacados:


I – Soberania

A expressão deve ser analisada sob duas óticas, vez que a soberania pode ser considerada o principal atributo da existência do próprio Estado.

Sob o ponto de vista interno, é a afirmação da existência de um só Poder, insubordinado a qualquer outro poder ou organização, é a própria existência de um Estado que se faz presente pela efetividade das leis, dos atos administrativos e das decisões judiciais. “Se o exercício do poder é condicionado, não é poder soberano”.

Observe a afirmação quanto a existência de um só Poder, havendo, todavia, a divisão (horizontal) dos Órgãos do Poder para o exercício de suas funções (Legislativo, Executivo e Judiciário). Importante tal observação, para que seja compreendido desde logo que o Poder Político não se divide, é uno e soberano e indelegável de regra, o que existe verdadeiramente é a divisão de suas funções, exercida pelos Órgãos desse Poder.

Sob o ponto de vista externo, é a representação da soberania do povo brasileiro nas relações com outras soberanias. É a manifestação da vontade nacional nas questões internacionais, de forma livre e incondicionada a qualquer outro Estado.


II – Cidadania

Conceitualmente é o exercício pleno de vários tipos de direitos civis, políticos e sociais. Também no mesmo sentido amplo, são os deveres que regem e definem a situação dos habitantes do Brasil.

É a cidadania o conjunto de direitos e liberdades políticas sociais e econômicas, já estabelecidos ou não pela legislação. Nas palavras de Dalmo de Abreu Dallari, “a cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social”.



III – Dignidade da pessoa humana

Valores que vão além do querer do indivíduo, valores intocáveis e assegurados na Constituição para um efetivo exercício do Estado Democrático de Direito.

O respeito à condição humana deve ser superior a qualquer outro interesse do Estado, que deve se subordinar e adequar a esse querer constituinte. É fundamento, portanto, não pode ser tratado de maneira secundária.

Da mesma forma que condenados custodiados pelo Estado devem receber tratamento digno e superior ao mínimo aplicado aos animais de um zoológico, também os idosos não devem estar subordinados aos desarranjos administrativos que por vezes os colocam com aposentadorias aviltantes ou abandonados em filas de recadastramento em pleno sol de meio dia, ainda, a dignidade de estar presente desde a condução em transportes coletivos para os deficientes físicos até a recepção numa delegacia policial de um cidadão que tenha sofrido um atentado.

Em suma, no dizer simples de Willian Lofy, “podemos dizer que a Dignidade da Pessoa Humana está na qualidade intrínseca e indissociável de todo ser humano, por este ser titular de direitos e deveres fundamentais, que, sendo respeitados e assegurados pelo Estado, proporcionam condições mínimas para uma vida digna em harmonia com os demais seres humanos”.


IV – Valores sociais do trabalho e da livre iniciativa

As atividades produtivas devem cumprir seu papel social, deve prestigiar a própria existência da propriedade e dos frutos que possam advir dessa opção, mas nunca pode se sobrepor a cidadania e a dignidade humana, muito pelo contrário, sendo parte integrante do próprio exercício desses direitos.

Por ser uma função de suma importância ao desenvolvimento do país e por ser a fonte de subsistência dos membros da sociedade, este princípio está inserido como norma fundamental de estruturação da sociedade brasileira em que é protegido o trabalho em todas as suas escalas (empregado, empregador, etc...).

É através do trabalho que se fomenta o crescimento da sociedade e da prosperidade coletiva e através da livre iniciativa que optou o constituinte para o desenvolvimento, bem estar e justiça social.



V – Pluralismo político

Pode ser resumido pelo respeito e direito a manifestações de todas as manifestações ideológicas e sua convivência no campo democrático. Não há veto ou censuras ao livre pensar e a manifestação, desde que não atentatórias a própria existência da democracia ou aos princípios fundamentais consagrados em todo o texto constitucional.

É o princípio que garante a todas as pessoas o direito de participar do destino político de país, em que todos são livres para manifestar suas concepções filosóficas e políticas, tendo a liberdade de se organizar ou de participar de algum partido político.



Reafirmando e ressaltando o princípio democrático (governo do povo e pelo povo) contido o caput do art. 1º, optou o povo brasileiro pela democracia representativa indireta como regra, onde o Poder Político é exercido em seu nome (titulares do Poder Político) através de seus representantes (exercentes), escolhidos e legitimados através de processos eleitorais.

Inobstante a fórmula principal escolhida, consagra o texto constitucional também a participação popular no exercício do poder pela via direta, nos termos previstos na própria Constituição, prevendo tal manifestação através do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular na propositura de leis, institutos que serão objetos de apreciação em outra oportunidade.