"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Aí vem o imperador !!!


Por ocasião do centenário do nascimento de D. Pedro II, em 2 de dezembro de 1925, toda a imprensa publicou reportagens, artigos e estudos históricos sobre o nosso grande Imperador. Finalizando esta coletânea, transcrevemos o artigo do famoso jornalista e polemista Carlos de Laet, publicado na “Revista da Semana” de 28/11/1925:Ninguém, nos tempos que correm, pode imaginar, de longe sequer, o mágico efeito que, durante largos anos, produziam no povo brasileiro estas palavras, muito embora freqüentemente repetidas:


— Aí vem o Imperador!


Não sei se pela extensa duração da autoridade longamente exercida por esse homem, ou se, talvez, pelo conjunto de raras qualidades físicas e morais, que nele se realizaram, certo é que enorme foi o seu influxo sobre a mentalidade popular. Festa a que não comparecesse o Imperador considerava-se de segunda ordem, e sua presença, que aliás ele não regateava, era sempre um incentivo para maior freqüência em qualquer solenidade.


Singelo em seus modos e declarado inimigo de toda pragmática fútil e ociosa, o Imperador dominava as reuniões em que aparecia, e naturalmente se constituía o centro de todas as atenções.Raro era o dia em que não o viam aplicado a visitas demoradas e profícuas às oficinas dos arsenais e das indústrias particulares, aos colégios e sociedades científicas, aos quartéis, às fortalezas, aos navios, às obras públicas em construção, a toda parte, enfim, onde houvesse que examinar, fiscalizar e animar qualquer dos ramos da atividade nacional.


Entre as minhas recordações da meninice estão as repetidas aparições do Imperador no Colégio Pedro II. Todos nos alvoroçávamos e, entre desejosos e timoratos, aguardávamos que pela nossa aula entrasse aquele vulto que, com sua elevada estatura, formosa barba semi-alvejante e gesto de autoridade soberana, nos incutia indefinível sentimento de atração e respeito.


Invariavelmente determinava o augusto visitante fossem chamados o melhor e o pior estudante da turma. Felicitava o primeiro, quando este de ordinário se saía bem; e ao outro incumbia-se ele próprio de interrogar, insinuando-lhe as respostas e fazendo-lhe acreditar que o pobre vadio sabia alguma coisa.Em suas relações com os mestres do Colégio, que eram então meus professores, notava eu o caprichoso apuro com que o Imperador falava em francês com o Sr. Halbout, em inglês com o Dr. Mota, em italiano com o Dr. De Simoni, em alemão com os Drs. Schiefler, Goldschmidt e Tautphoeus.


O homem que falava todas as línguas, argüía alunos em todas as matérias, e diante do qual se curvavam todas as autoridades escolares, assumia a nossos olhos as proporções grandiosas de um ente sobrenatural.No Exército e na Armada, onde só muito mais tarde começou a grassar o mal positivista, a dedicação ao Chefe do Estado não padecia contraste sério. À bandeira e ao hino nacional unia-se a personalidade do Imperador, fornecendo a trindade representativa da Pátria. Foi ao grito de “viva o Imperador!” que os batalhões brasileiros compraram com seu sangue as grandes vitórias que de Rosas libertaram a Argentina, e de López o Paraguai.


Na Europa entre os cientistas do Instituto de França, no Egito perlustrando antigos monumentos e aconselhando a formação dos museus que depois se desenvolveram, nos Estados Unidos assombrando por sua vasta cultura intelectual e lhaneza de trato os compatriotas de Washington – em toda parte por onde passava, ia deixando o Imperador o traço nítido e imorredouro da sua poderosa individualidade.Quando, cansada de pensar e de trabalhar pelo Brasil, desfaleceu encanecida aquela nobre cabeça, e, em nome da liberdade, se entendeu que ao longo patriarcado liberal, que foi o Segundo Império, urgia sucederem as autocracias quadrienais que constituem os governos no regime presidencial, nem mesmo assim jamais esmoreceram o respeito e veneração para com a pessoa do Imperador.


A revolução, que se lhe apresentou para intimar-lhe saísse do País, não o fez de espada nua e atitude ameaçadora, mas de cabeça descoberta e falando em nome da pacificação nacional. Era preciso exilá-lo, e não o fizeram à luz do sol, como quem executa uma sentença, e sim nas trevas da noite, como quem aproveita desoras para encobrir um crime.No dia 15 de novembro, quando ainda o povo brasileiro ignorava o que da sua soberania tinham feito as classes armadas, vi passar em rápido trânsito, na Rua do Passeio, a carruagem que ao Paço da Cidade transportava o Imperador e a Imperatriz: ela, visivelmente impressionada, a olhar por uma das portinholas do carro; ele, sereno como sempre, fitando os transeuntes e a força militar ali estacionada para se opor à passagem dos revoltosos da Escola Militar... Tirei respeitosamente o chapéu, e respondeu-me o Soberano com amistoso aceno de mão. Foi a última vez que vi o Imperador.


Depois ele nos voltou em 1922, trazido ao Brasil pelo ato cavalheiresco do Sr. Epitácio Pessoa. Tiraram-no de bordo, lentamente o fizeram descer ao troar dos canhões e entre descargas de fuzilaria, até que finalmente aqueles restos tocassem o chão sagrado da Pátria. Estava morto o Imperador, mas ainda sua grande figura, trinta e três anos depois da catástrofe, dominava senhorilmente a imaginação popular. Parecia que o ambiente ainda se eletrizava com a aproximação desses despojos, envolvidos na saudade, mas sobre os quais pairava a indestrutível auréola de meio século de glória.Agora ele vai de novo atravessar a cidade e volver a Petrópolis, terra onde muito viveu e que muito amou. Mortos estão quase todos os que o depuseram; mortos igualmente muitos dos que com ele colaboraram no serviço da Pátria. Pouco Importa! Há um sopro de verdade que perpassa as gerações, e que se chama tradição. Esta ainda fala ao coração popular:


— Aí vem o Imperador!