"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 24 de abril de 2012

Dos Súditos, ao Rei


Dom Rafael Antonio do Brasil


Dom Pedro I, quem da Família Imperial há de herdar sua determinação?


Nenhum sistema de governo é tão interessante como a Monarquia.

Em sua obra “O Espírito das Leis”, o filósofo e um dos grandes iluministas franceses, Charles Montesquieu, defende a Honra como norteador do sistema Monárquico; a Virtude (entendida como a virtue, a honestidade, a probidade e zelo pelo bem público) como azimute republicano; e a Força (no sentido de ditadura) como carro chefe do Autoritarismo. Ainda aproveitando-se de suas reflexões, o responsável pela tripartição dos poderes diz que para uma República que perdeu sua Virtude, para uma Nação onde a honestidade perdeu vez e a corrupção se fez presente, a volta à normalidade é impossível. A República está perdida. Fadada ao fracasso.

As palavras quase que proféticas do iluminista, nos faz refletir sobre a situação na qual se encontra o nosso Brasil. Não é de hoje que se esvaíram os exemplos de homens públicos honestos e honrados. Sem pessoas nas quais se espelhar, o povo, em geral, sofre do mesmo mal, pois se os líderes máximos da Nação não cumprem as leis nem fazem suas partes, o Contrato Social proposto por outro pensador, Jean Jacques Rousseau, é desfeito, ou pelo menos, deveria ser. Uma parte do Povo não será cumpridora das leis, se essas não forem seguidas nem pelos que as formulam. Como o autoritarismo não é a melhor das opções, voltemos os olhos para a Monarquia.

Ser Monarquista, antes de tudo, é ter amor e respeito pela Egrégora. “Egrégora” pode ser compreendida como a somatória de energias mentais criadas por grupos, ou agrupamentos, que se concentram em virtude da força vibratória gerada ser harmônica. Em outras palavras, a força mental produzida pelos bons sentimentos de vários, convergidos no Um. A Egrégora não morre, adormece.

Dos sistemas de governo existentes, a Monarquia é o único que faz parte do imaginário das pessoas. É algo que tem um quê de “Mágico”. Não existem contos de fadas sobre presidentes ou líderes totalitários. Eles existem no contexto de reis, reinos, príncipes e princesas. A atuação do Chefe de Estado na figura de um “Alguém” apartidário é o verdadeiro poder do Povo. É a personificação da Egrégora Nacional no Um. É a Democracia Coroada, com o perdão do trocadilho.

Mas e quando falta esse “Alguém”? Quando a Egrégora de um Gigante Império está adormecida, o que esperar? O que fazer? Cheguei a conclusão que nada podemos fazer enquanto o responsável por incorporar essa Egrégora não apareça. Nenhuma passeata, nenhum discurso, nenhuma palestra adiantará se não estiver apoiada por uma pessoa, não que vá até o abismo onde está o povo, mas que o retire daquelas profundezas. Alguém que reivindique para si o trono que lhe foi tomado.

Alguém que honre o sangue derramado por tantos brasileiros em épocas passadas, apenas lutando pelo que se acreditava. Alguém que honre o nome e sobrenome dos que ajudaram a criar este país. Faz-se imperante que surja uma pessoa forte, que pouco se importe com as opiniões medíocres e que muito se importe com os anseios e clamores dos brasileiros por um Brasil respeitado.

Queremos Alguém que mereça exercer sua realeza. Alguém que não tenha medo de comprar para si a batalha lutada por tantos ao longo da História. Alguém que grite em alto e bom som que é contra esses insultos diários à Nação. Alguém que faça justiça histórica contra um Imperador e uma Família escorraçada às pressas à surdina da noite por golpistas preocupados com interesses próprios.

Precisamos de Alguém que tome para si as atitudes ousadas de um D. Pedro de Alcântara, Primeiro Imperador do Brasil, capaz de decidir os rumos de uma Nação sem medo dos desafios à sua frente. No momento, por mais magnânimo que tenha sido, não é hora para um D. Pedro II, é hora de abrir espaço para um novo D. Pedro I. Um líder nato com carisma e impactante! Temos gente de seu sangue, o que parece que não temos é a sua coragem!

A Monarquia não caiu para aqueles que são Monarquistas! A Monarquia está adormecida, como nos mais interessantes contos. Ela está à espera de um Imperador. Alguém que já nasceu ou há de nascer, mas que reclamará para si o legado de todo um Povo. Um Alguém que não terá receio de liderar um grupo que clama por liderança. Alguém que não se surpreenderá com o tanto de seguidores que terá, pois quando este Alguém preparado decidir se levantar, ele reconhecerá os seus súditos, sabendo, de algum modo, que eles estavam à sua espera. Aqueles que talvez, noutros tempos, brandiram suas espadas juntos por um ideal.

Não será outro Imperador... Não será outro Povo... Tudo fará parte de uma mesma Egrégora despertada, renascida. Somos os mesmos sempre, ainda que em épocas diferentes.

Se este Alguém decide se acalmar; se este Alguém decide esperar; Se este Alguém decide perpetuar o sono nostálgico por tempos melhores; Se este Alguém se contenta com palestras; Se este Alguém tem medo ou receio de perder algum benefício... Este Alguém não é de quem precisamos. Ter Sangue Real não é apenas nascer filho de Rei. É ter, antes de mais nada, atitude de Rei. É ter majestade. É SER Majestade! Ser Rei é levar um fardo. É merecer a Nação que representa. É um caminho de honra de ida e volta. Nosso povo merece um Rei.

            É visível que temos uma Família Imperial, e isso não nos é novidade. Mas parece que não temos um Rei. A pergunta que não sai da mente dos que anseiam por tempos melhores é: Temos “este” Alguém? Temos o herdeiro da Egrégora? Temos um Imperador? Se tivermos, que ele se apresente à Luta, donde nunca foi do feitio deste Povo, fugir.

Rodrigo Sensei

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dirceu e seus mensaleiros



Parece nome de banda de rock, mas não é. Trata-se de algo ainda pior. Está mais para Ali Babá e os 40 Ladrões. Na verdade um pouco menos, porque, entre as quatro dezenas de denunciados, alguns já foram absolvidos. Os mensaleiros protestam inocência, como, aliás, fazem todos aqueles que cumprem pena no inferno. Lúcifer – que reside por lá – vive a cutucá-los com o seu tridente e eles reclamam por entenderem que não merecem tal tratamento. Os petistas, em geral, são todos assim. Vivem a cometer as maiores barbaridades e se sentem com a consciência tranquila porque tudo o que fazem se justifica pela nobreza da “causa” que defendem.

Que causa tão excelsa seria essa? Ora, a “causa justa”, a mesma pela qual se bateram Lenin, Trotsky e Stalin, que extinguiu qualquer vestígio de liberdade e – ninguém entende por quê – ainda povoa os sonhos de muitos imbecis. Um mundo melhor, uma sociedade composta de iguais, sem classes, na qual as pessoas, em vez de competirem entre si, colaboram umas com as outras. Alguém já resumiu essa questão de forma magistral: “Capitalismo é um regime em que os homens exploram os homens. Já o socialismo é exatamente o contrário”.

A opinião pública não se sensibiliza com tais sutilezas e Asmodeu, pelo visto, também não. Na dúvida, ele prefere torturar as 38 almas decaídas que – enquanto não são devidamente julgadas – estão sofrendo o opróbrio popular. Eles se dividem entre o quarto e o oitavo círculo do inferno.

Segundo a descrição de Dante Alighieri – que alegou ter estado por lá -, o inferno é composto de nove círculos concêntricos – cada um mais profundo que o outro – para onde vão as almas de acordo com a gravidade de seus pecados. No quarto círculo habitam os gananciosos, cuja pena eterna é empurrar, morro acima, pesados sacos de dinheiro. Já no oitavo círculo residem pecadores responsáveis por delitos ainda mais graves. Entre eles se destacam os corruptos e os fraudadores. Seguindo o relato do italiano, existem ali dez fossos. Em geral essa gente está localizada no quinto fosso e há alguns também que desceram para o sétimo e até mesmo para o décimo – morada dos falsificadores. Há castigos disponíveis para todos os gostos. Desde a imersão do corpo em piche fervente até a contaminação pela lepra e pela sarna. Existe também a possibilidade de submersão em fezes e esterco e o incômodo de se ter a cabeça torcida para trás.

O curioso é que os petistas, apesar de suas agruras, acreditam piamente que estão provisoriamente no purgatório, a caminho das delícias proporcionadas pelo paraíso. O próprio José Dirceu é um exemplo eloquente disso. Ele ainda alimenta ambições eleitorais e não acredita, de forma alguma, que eventualmente possa vir a ser condenado pela Justiça. E esta não faz nada para desdizê-lo. Ao contrário.

Desde que o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), inadvertidamente, acolheu a denúncia do então procurador-geral da República, a Suprema Corte parece não saber como descascar esse espinhoso abacaxi. Se os magistrados votarem pela condenação dos réus, ficarão de mal com o governo. Se votarem pela absolvição, ficarão de mal com a já exacerbada opinião pública. Na dúvida, o mais prudente a fazer é adiar o julgamento. Sine die, ou seja, sabe lá Deus quando. Atitude tão temerária não se encontra sequer em nenhuma republiqueta subsaariana. Enquanto isso, os mensaleiros, apesar de tudo o que todo mundo sabe, podem continuar a dormir em paz.

Há gente de sobra a defendê-los. Existe até mesmo um ex-presidente da República que tem apostado todo o seu prestígio na tese de que o mensalão, na verdade, nunca existiu…

Haja cara de pau!

Então os mais de R$ 90 milhões movimentados pelo “carequinha” Marcos Valério, todo o dinheiro que foi recebido em notas vivas na boca do caixa de alguns bancos acumpliciados, os dólares confessadamente recebidos pelo então marqueteiro do PT em paraísos fiscais, nada disso, na verdade, existiu? Nem com toda a boa vontade do mundo dá para acreditar nessa história. Lula que nos perdoe, mas essa versão, mesmo que acompanhada da melhor maionese, é impossível engolir…

As eleições aproximam-se, serão realizadas no próximo mês de outubro, e ainda não foi decidida uma data para o início do julgamento. Pior: o ministro encarregado de revisar o processo não dá o menor sinal de quando vai concluí-lo. De acordo com o princípio jurídico de individualização das penas, não são possíveis condenações coletivas. Cada caso deverá ser julgado de acordo com as suas circunstâncias. Ou seja, havendo 38 réus, ocorrerão 38 julgamentos.

Estamos chegando a maio. Em julho haverá as férias forenses e os srs. ministros afirmam ser um “absurdo” deixar de desfrutá-las. Quando voltarem ao trabalho, em agosto, três deles estarão afastados, envolvidos com o processo eleitoral – eles acumulam a função de ministros do Tribunal Superior Eleitoral. Um quarto deverá declarar-se impedido de julgar, já que é umbilicalmente ligado ao PT. Dos 11 ministros titulares restarão, então, apenas sete. Traduzindo em miúdos: nada de julgamentos, ao menos por enquanto.

Nada acontecerá que possa comover a opinião pública e se traduzir em mudanças nos resultados das eleições. Talvez ocorra algo no decorrer do ano que vem. Talvez nunca mais aconteça nada. Primeiro, porque muitas das eventuais penas acabarão por prescrever. Segundo, porque, transcorrido o pleito, o interesse do povo haverá, necessariamente, de arrefecer.

A Copa vem aí e, logo depois, teremos a Olimpíada. Toda essa pressa, então, para quê?

Nós ainda haveremos de acatar a versão de Lula e pedir desculpas a toda essa corja pelos estorvos que lhe estamos causando.

Zé Dirceu para presidente! Ao menos em 2030.

por: João Mellão Neto 

sábado, 21 de abril de 2012

O Brasil de todos nós


Todos nós somos fadados a falar do Brasil. O Brasil é o todo que nos engloba e nós somos a parte que, sem esse todo, perde o chão ou a terra. Terra é um conceito arcaico. Desterrar foi uma punição tão tenebrosa quanto a morte. Que falem os exilados de todos os calibres.

Em inglês ainda se usa “land” (jamais “earth”), mas você tem de assistir a um velho filme de John Ford, como “O Homem Que Matou o Facínora”, para ouvi-la claramente na expressão “the law of the land”, porque, nessa película, trata-se de estabelecer o governo da lei numa “terra” sem regras impessoais: num sistema, as normas que não dependem das pessoas que governam as condutas individuais. No filme, vemos uma sociedade onde as relações pessoais com seus sentimentos particulares de simpatia, dívida, ousadia, como poder e o poder da ousadia, são dominantes e inventam a figura de um facínora cujo nome é significativamente Liberty Valance. É justamente para regular essa liberty que existe a regra da lei geral, com suas instituições e agentes.

No filme, a ausência da lei se faz por meio da violência cara a cara, cujos símbolos são o revólver e o chicote. Neste Brasil de todos nós, as tramoias são feitas – eis o que constrange e revolta – indiretamente, com a lei. No Brasil, a lei é onipresente, mas ela não tem alma, porque nela a autoridade vê apenas a letra, deixando de fora o espírito dos valores da sociedade da qual ela faz parte. Ora, uma lei sem alma é o que vemos revoltados em todos os poderes da república onde se prefere atuar mecânica – ou retoricamente -, deixando de lado a alma que levaria a um controle dos interesses apaixonados – coisa que os liberais clássicos conheciam bem.

Assim, temos testemunhado muita letra e pouca alma, muito direito e pouca ética. Muita técnica legal e pouco sentimento de justiça igualitária. Seja no julgamento absurdo das menores violentadas, seja na reação às roubalheiras do dinheiro público pelas pessoas justamente encarregadas de administrá-lo.

O conceito de “terra” está enraizado e jamais foi estudado criticamente entre nós. Pois se a “terrinha” fala de um Portugal da origem, a “terra” é o Brasil: aquele lugar onde o gorjeio das aves distinguem o “lá” (do exílio) do “cá” como o lugar plano do aqui e agora. A terra que me recebeu neste teatro. Que me obriga a ter saudade e que, um dia – queira Deus -, vai me receber novamente no seu doce seio.

Ainda sentimos mais saudade do Brasil como terra do que como país, para ampliar um estudo magistral que José Guilherme Merquior faz da poesia “Canção do Exílio”, de Gonçalves Dias. Mas quem é que hoje em dia assiste a filmes de John Ford e lê Gonçalves Dias?, interrogaria o leitor abarrotado de Titanics, Rambos e da poesia inefável das músicas sertanejas?

O mundo – seu cronista reacionário – mudou!

Mas, respondo eu: de fato não temos mais as aves gorjeando nem John Fords. Mas, continuamos a sofrer a vergonha das roubalheiras promovidas por um sistema que insiste em não admitir que um “homem público” não tem nem pode ter – dentro dos limites do bom senso – vida privada! Não passamos uma semana sequer sem alguma novidade negativa em relação ao campo público, ao mesmo tempo que o mundo todo vai ficando cada vez mais transparente para cada um de nós.

E a nossa novidade é velha: alguma pessoa pública tirou vantagem pessoal de algum cargo governamental, seja na contratação superfaturada de alguma obra ou na compra de um produto; seja numa aposentadoria indevida, na qual a lei é ampliada para o seu caso; seja na obtenção – vejam o surrealismo – de um doutoramento em que todos os membros da banca fazem tudo, menos examinar o candidato ministro, o que envilece gente como eu que, para obter o mesmo grau, fiz pesquisa, escrevi tese inédita, e como professor, examinador e eventual coordenador de um programa de pós-graduação no Museu Nacional, jamais confundi pessoa e papel na esfera do poder com a vida intelectual. Tudo foi dentro do regimento, mas foi ético?, pergunta este pateta reacionário que vos escreve.

Alguns cargos públicos, sobretudo os de presidente, papa, rei, governador e prefeito, que o jurista inglês Henry Maine chamava de “instituições solitárias”, são papéis ocupados exclusivamente por um ator que, neles, torna-se um “personagem”, uma “figura” ou um “figurão” (quando fazem inocentes malfeitos, como roubar alguns milhões de reais de catástrofes). Sua característica básica é que eles englobam totalmente o ator e não permitem que ele possa sair dos seus requisitos legais e estruturais. Quando investidos nesses papéis, os atores têm de pesar cada palavra, gesto ou relação.

Daí a ética e o viés de sacrifício que os cercam, pois que exigem do ator uma disciplina que nem sempre é seguida porque em sociedades marcadas pela desigualdade, pelo aristocratismo oculto e resistente dos “homens bons” e de suas múltiplas elites (inclusive as populares), como ocorre justamente neste Brasil de todos nós. Aqui arremato: não é o papel que ocupa a pessoa, mas é a pessoa quem domina, apropria-se e, mais das vezes, avilta o papel.

Falta esse debate na nossa esfera política que adora os gregos como Demócrito e Platão, mas carece de Tocqueville, de Weber, de Arendt e de Jaspers. De gente capaz de dizer: isso eu não faço!

Por: Roberto DaMatta 

A sociologia do direito de Max Weber


A abordagem sociológica do direito não compartilha da qualidade avaliativa das posturas moralista e dogmática. Ela se interessa pela maneira como os integrantes de uma sociedade vêem as normas jurídicas e moldam, ou não, sua conduta de acordo com elas.

Ao longo de sua extensa obra, o sociólogo alemão Max Weber ocupou-se diversas vezes do direito e referências a questões jurídicas podem ser encontradas em seus estudos sobre diferentes temas, como economia, política e religião. Porém, seu principal ensaio acerca do direito é sem dúvida a Sociologia do Direito, integrante de sua mais monumental obra, Economia e Sociedade.

Deve-se notar – e todo estudioso de Weber o faz ao comentar o livro – que a leitura de Sociologia de Direito (como o restante de Economia e Sociedade) é em muitas ocasiões árdua e de difícil compreensão. A principal razão disso é o fato de essa ser uma obra póstuma e que reúne escritos de diversos períodos diferentes da vida de Weber, o que causa em determinados momentos carência de unidade terminológica e de coesão organizacional. Acrescente-se a isso os problemas de tradução que os leitores não fluentes em alemão devem enfrentar. Enfrentar tais dificuldades, contudo, é essencial para aquele que deseja conhecer a teoria jurídica de Max Weber, pois, conforme ressalta o professor e jurista norte-americano Anthony Kronman, “qualquer um que se interesse pela teoria do direito de Weber deve começar por esse ensaio e elaborar, a partir dele, uma tentativa de organizar as suas outras observações menos sistemáticas sobre os fenômenos jurídicos com base no tratamento mais explícito e organizado que elas recebem nesse livro”.

Este artigo tem por objetivo fazer uma breve introdução sobre a Sociologia do Direito de Max Weber, com foco especial na abordagem sociológica utilizada por Weber para estudar o direito e no seu conceito de racionalização jurídica.


Abordagem sociológica do Direito

Na Sociologia do Direito, Weber contrasta o estudo sociológico do direito com dois outros modos de refletir sobre as regras e instituições jurídicas, e a comparação que ele faz destaca os traços distintivos da abordagem sociológica.

São esses modos o moralista (ou político) e o dogmático. O enfoque moralista do direito consiste na avaliação da qualidade moral de regras jurídicas, o que se faz mediante a adoção de um ponto de vista externo à própria ordem jurídica. A concepção de Weber sobre a postura moralista do direito implica uma clara distinção entre os padrões jurídicos e os padrões morais, sendo que os últimos se encontram totalmente fora da ordem jurídica e fornecem uma visão avaliativa extrajurídica do próprio direito.

Por outro lado, a abordagem dogmática, típica dos especialistas acadêmicos, não adota uma postura avaliativa em relação às regras jurídicas, mas utiliza as regras como um parâmetro de avaliação da adequação ou não de determinada conduta diante das regras em questão. Não se trata, portanto, de um juízo de valor a respeito do mérito ético das normas jurídicas (como na abordagem moralista), mas ainda assim de um juízo de valor acerca da do significado correto dessas normas.

Weber não optou por nenhum desses dois enfoques em seu estudo sobre o direito. Ele elegeu fazê-lo sob uma perspectiva sociológica, de forma consistente com seus estudos sobre os mais diversos outros aspectos da sociedade moderna ocidental. De acordo com o professor norte-americano David Trubek, a decisão de Weber de incluir o direito em uma teoria sociológica geral explica-se não apenas por seu histórico pessoal de jurista e historiador do direito, mas também pelos métodos que empregava para acompanhar o surgimento do que ele chamava de capitalismo burguês, uma forma peculiar de organização e atividade econômica do Ocidente. Assim, os seus estudos sobre o direito buscavam identificar características peculiares aos sistemas de direito ocidentais que foram especialmente favoráveis a esse capitalismo.

A abordagem sociológica do direito não compartilha da qualidade avaliativa das posturas moralista e dogmática acima comentadas. Ela se interessa pela maneira como os integrantes de uma sociedade vêem as normas jurídicas e moldam, ou não, sua conduta de acordo com elas. É uma ciência empírica por natureza, preocupada com fatos e não valores. Weber deixa isso evidente em Economia e sociedade:

Quando se fala de “direito”, “ordem jurídica” e “norma jurídica”, deve-se observar muito rigorosamente a diferença entre os pontos de vista jurídico e sociológico. Quanto ao primeiro, cabe perguntar o que idealmente se entende por direito. Isto é, que significado, ou seja, que sentido normativo, deveria corresponder, de modo logicamente correto, a um complexo verbal que se apresenta como norma jurídica.

Quanto ao último, ao contrário, cabe perguntar o que de fato ocorre, dado que existe a probabilidade de as pessoas participantes nas ações da comunidade – especialmente sobre essas ações – considerarem subjetivamente determinadas ordens como válidas e assim as tratarem, orientando, portanto, por elas suas condutas.

Assim, no âmbito da dogmática, “propõe-se a tarefa de investigar o sentido correto de normas cujo conteúdo apresenta-se como uma ordem que pretende ser dominante para o comportamento de um circulo de pessoas”. Já na sociologia jurídica a ordem jurídica não corresponde a um ideal ou a um cosmos de normas interpretáveis como logicamente corretas, mas um complexo de motivos efetivos que determinam as ações humanas reais, ainda que essas ações venham a descumprir o disposto nas normas.

Tipos de lei

Sem prejuízo da abordagem sociológica acima comentada, Weber ocupou-se na Sociologia do Direito em criar uma verdadeira teoria do direito, propondo formas de classificação do direito e de suas formas de aplicação. Weber classificou as leis em racionais e irracionais, com relação ao aspecto formal e ao aspecto material. Embora aparente simplicidade, essa distinção é complexa e pode ser aplicada de forma ambígua. De acordo com Weber, a criação e a aplicação do direito são “formalmente irracionais quando, para a regulamentação da criação do direito e dos problemas de aplicação do direito, são empregados meios que não podem ser racionalmente controlados – por exemplo, a consulta a oráculos ou sucedâneos deste. Elas são materialmente irracionais, na medida em que a decisão é determinada por avaliações totalmente concretas de cada caso, sejam estas de natureza ‘ética emocional ou política, em vez de depender de normas gerais”.

Essa definição de ‘racional’ e ‘irracional’ não é seguida de definição razoavelmente clara de ‘formal’ e ‘material’. Em termos gerais, Weber parece utilizar ‘formal’ na Sociologia do Direito para se referir à forma da lei e ‘material’ para o conteúdo da lei. Nesse sentido, quando o critério formal é ressaltado, a principal preocupação é com a forma pela qual as decisões são tomadas; quando o critério ‘material’ é ressaltado, a principal preocupação é com o conteúdo das decisões. No primeiro caso, a decisão é legitimada pelo seu procedimento; no segundo caso, pelo seu conteúdo. Os componentes formal e material da lei não são necessariamente iguais; pelo contrário, em geral, um deles prevalece. Na Sociologia do Direito, Weber está especialmente interessado no aspecto formal do direito e da sua aplicação – isto é, por que esse aspecto se racionalizou de um modo bastante particular no Ocidente moderno, o que fez com que o sistema jurídico assumisse aqui uma forma única em comparação ao restante do mundo. As considerações de Weber a respeito do aspecto material das leis são essencialmente residuais.

Racionalização jurídica

Cabe perguntar, todavia, o que efetivamente Weber pretendia dizer ao tratar da racionalização formal e material das leis. Weber observa que “um direito pode ser “racional” em sentido muito diverso, dependendo do rumo que toma a racionalização no desenvolvimento do pensamento jurídico”. Observações desse tipo, aliás, são feitas em profusão em toda a obra de Weber sempre que ele trata da questão da racionalização ou racionalidade (não apenas do direito, mas de todas as demais esferas de vida). Entretanto, Weber indica dois pontos que estão geralmente presentes no processo de racionalização jurídica: a generalização e a sistematização do direito.

A generalização significa a redução das razões que determinam a decisão, no caso concreto, a um ou a vários princípios, que são as disposições jurídicas, sendo que tal redução está geralmente condicionada por uma análise prévia ou paralela dos fatos com a finalidade de encontrar os elementos que interessam ao ajuizamento jurídico. O resultado dessa generalização é a casuística jurídica, em suas diversas variantes. Já a sistematização representa “o inter-relacionamento de todas as disposições jurídicas obtidas mediante a análise, de tal modo que formem entre si um sistema de regras logicamente claro, internamente consistente e, sobretudo, em princípio, sem lacunas”. A sistematização, portanto, representa mais do que generalização. Ela dá origem não apenas à casuística jurídica, mas a um verdadeiro sistema jurídico, permitindo assim que o pensamento jurídico mude de empírico e concreto para lógico e abstrato. Para Weber, a sistematização é sempre um produto tardio (no sentido de que o direito primitivo não a conhecia e que somente em estágios mais avançados na racionalização do direito ela pode ser identificada).

Deste modo, a racionalização jurídica implica a separação entre questões de fato e de direito e que as últimas sejam consideradas a partir de dois pontos de vista: os fatos legalmente relevantes e os princípios legalmente relevantes. A racionalização significa a generalização e a sistematização de ambos: ela busca o estabelecimento de critérios gerais e precisos tanto de fatos quanto de princípios legalmente relevantes. E mais do que isso, busca uma aplicação precisa de ambos. Conforme a análise de Weber, somente assim uma decisão jurídica concreta pode se tornar uma aplicação calculável de disposições jurídicas abstratas em fatos concretos.

Considerações finais

Ainda que Weber tenha dedicado parte de sua vasta obra à criação de uma teoria do direito, parece-nos que seu pensamento é associado a questões jurídicas com frequência inferior à merecida. Sem dúvida, a severidade de sua Sociologia do Direito contribui para esse resultado. Não obstante, aquele se propõe a desvendar esse ensaio encontrará um rico material, que permite a análise do direito sob uma ótica diferenciada e fornece interessante subsídio para o entendimento do papel da ciência jurídica na atualidade. Esperamos com este trabalho contribuir para o melhor entendimento do pensamento de Weber sobre o direito e incentivar o seu estudo.

Por: Julia Peixoto de Azevedo Arruda

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Repensar a Federação


No debate sobre as relações entre Executivo e Legislativo brasileiros, o nosso federalismo assimétrico, com clara predominância da União sobre os estados, surge como um fator de desequilíbrio reconhecido por políticos e cientistas políticos.

A “enorme centralização de poder fiscal – tributação e gasto – na União”, sob controle praticamente monopolista do Executivo, foi destacada pelo cientista político Sérgio Abranches, que defende reduzir o peso da União e descentralizar poderes fiscais e regulatórios para os estados.

O ex-deputado Marcelo Cerqueira, advogado que assume o cargo de assessor no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na gestão da ministra Cármen Lúcia, acha que o erro da Constituinte congressual foi “pensar em um semipresidencialismo e votar um presidencialismo imperial, especialmente com as medidas provisórias”.

Para ele, a questão do Orçamento imperativo também é problemática e desafia um terceiro gênero que possa compatibilizar os interesses da União com os dos estados e seus representes parlamentares:
“Se os repasses da União não são satisfatórios, se a via torta das contribuições se sobrepõe aos impostos, se a guerra fiscal entre os estados continua e vai se aprofundar com a crise, remediar pela lei meramente “autorizativa” complica mais ainda o quadro”, analisa.

O historiador José Murilo de Carvalho, professor emérito da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Letras, já havia mencionado a redução da dependência dos estados em relação ao Poder Central como uma das medidas para equilibrar a relação entre Executivo e Legislativo, e retoma o assunto mostrando que historicamente existe uma relação entre o peso das unidades federativas, o sistema partidário e eleitoral e o embate entre os dois poderes.

O marquês de Paraná introduziu em 1855 o voto distrital para reduzir o peso das bancadas provinciais, que embaraçava a aprovação de medidas do governo na Câmara. Queria acabar com os “deputados de enxurrada”. O voto distrital fragmentou essas bancadas.

Na Primeira República, o peso das bancadas estaduais foi determinante, não se fragmentando o sistema graças à política dos estados (o sistema eleitoral era de distritos de três deputados). A coalizão governista era montada com os estados e não com os partidos.

Hoje, ele diz que nosso federalismo fiscal favorece enormemente o governo central: “Os estados têm enormes dívidas com o governo federal e vivem em boa parte de transferências de recursos, e isso é ainda mais verdade para os municípios, que, na maioria, dependem de transferências dos estados e da Federação, e de investimentos do governo central.”

Tudo isso, adverte José Murilo de Carvalho, dá ao Executivo enorme poder, que talvez nenhuma mudança no sistema eleitoral e partidário possa reduzir.

Para ele, o voto proporcional favorece a unidade das bancadas porque, na realidade, nosso voto não é proporcional, é distrital, cada estado sendo um distrito.

Em consequência, o que importa mais, os interesses dos deputados, dos partidos ou dos estados?, indaga, para lembrar que, “no caso dos royalties, se viu que os partidos somem diante dos interesses de alguns estados”.

José Murilo teme que nosso federalismo seja “um obstáculo intransponível” a tentativas de equilibrar as relações entre Executivo e Legislativo, para que este tenha de fato força representativa “que vá além do mero esforço de extrair recursos do Pai Grande, para indivíduos, municípios e estados”.

O ex-senador Marco Maciel, também membro da Academia Brasileira de Letras e um dos maiores especialistas em Federação, já presidiu a Comissão de Constituição e Justiça do Senado e há muito se preocupa com que chama “de sístole no processo federativo brasileiro, com uma cada vez maior concentração de poderes na União”.

Ele ressalta que os fundamentos teóricos dos federalismos do Brasil e dos Estados Unidos são os mesmos, “ambos se baseiam na igualdade de todos os estados no Senado, o que faz supor a igualdade política entre eles”.

A origem de tudo é a Constituição americana de 1787. Maciel ressalta que ela “praticamente vertebrou todo um processo republicano, presidencialista, bicameral e federalista”. Ele lembra que, na sua posse, o ex-presidente Ronald Reagan disse a seguinte frase: “Foram os estados que fizeram a União, e não a União que fez os estados. De muitos, um.”

Por isso, também, o presidente do Senado nos Estados Unidos é o vice-presidente da República, que é eleito nacionalmente e só vota em caso de desempate. “Nenhum estado ficaria beneficiado” – sistema que também já foi usado no Brasil.

Na análise de Maciel, o Brasil ainda sofre de grande centralismo em torno da União e elevado grau de competitividade entre os estados, Distrito Federal e municípios, padecendo de “debilidade congênita”.
Os “conflitos distributivos” são cada vez mais explícitos, a começar pela partilha dos royalties do petróleo no pré-sal.

Também os critérios de rateio das transferências federais estão sendo contestados até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, que deu um prazo até o fim deste ano para que a distribuição do Fundo de Participação dos Estados seja refeita, por considerá-la inconstitucional, baseada em critérios defasados e acordos políticos que prejudicam alguns estados em benefício de outros.

Também os estados estão contestando o indexador das dívidas com a União, que hoje é o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), muito acima dos demais indexadores da economia, o que torna as dívidas impagáveis.

Mesmo assim, o Executivo quer substituí-lo pela taxa de juros básica, a Selic, o que não agrada aos estados, já que é a União que define a taxa.

Todas essas divergências erodem o Estado federal e, para o ex-senador Marco Maciel, é preciso promover a descentralização, mecanismo essencial para assegurar a plena cidadania.

Merval Pereira

domingo, 1 de abril de 2012

O maior de todos os brasileiros

D. João de Paraty, o mais midiático membro da família Orleans e Bragança recebe "A Relíquia" em sua casa, no Itanhangá, para uma entrevista centrada na figura de D. Pedro II, o governante que fez mais pelo Brasil que qualquer outro mandatário.

"Na época do Império existia total liberdade de Imprensa, total liberdade política, total liberdade de
expressão. Na República, cortaram todas as liberdades..."

O que poderia dizer sobre a vida de D. Pedro II?

A vida de D Pedro II é muito interessante, foi uma vida muito difícil, e o reinado de D. Pedro II, 49 anos de Reinado, foi um reinado muito longo, muito equilibrado. Como pessoa, ele era muito equilibrado, muito ponderado, muito culto, e o Brasil teve muita sorte de ter ele como chefe de estado nesse período de formação, recém independente, cheio de problemas herdados da colônia. Um país meio órfão, com várias heranças que hoje nós ainda temos marcas visíveis.

Então D. Pedro II cresceu no Rio de Janeiro, órfão de pai e de mãe, que ele mal conheceu, quando ela morreu ele tinha três anos, e o pai foi embora para Portugal em 1831, quando ele tinha seis anos. Então ele ficou no Brasil com seis anos sem pai nem mãe, é por isso que eu acho que nós devemos... o Brasil teve uma sorte incrível de ter naquele período difícil, de formação, de consolidação, uma pessoa que, apesar de todas as dificuldades, além de ter ficado aqui sem pai nem mãe, cresceu. Cresceu uma pessoa extremamente cordata, correta, com moral elevada, as pessoas não se dão conta disso, mas se nós tivéssemos tido na figura dele um futuro chefe de estado que não tivesse as qualidades que ele teve, o que poderia ter se transformado o Brasil naquela época tão difícil?

Como foi a educação dele?

Justamente, a educação dele foi muito bem feita, conduzida por José Bonifácio, talvez uma das pessoas mais influentes na formação de D Pedro II. Ele fez questão de dar toda as informações e formações e necessárias para um futuro chefe de estado. Principalmente num país como o Brasil.

E a sua posse como Imperador ainda menor de idade?

D. Pedro II cresceu e aos 14 anos, por problemas internos no Brasil que a Regência Trina não estava conseguindo resolver, mudou-se a lei da Constituição brasileira, que dava maioridade ao Imperador aos 18 anos, mudou-se a lei para que D Pedro II tivesse maioridade aos 15 anos. D Pedro II tornou-se imperador com 15 anos, o Brasil estava precisando de uma liderança, estava precisando de um símbolo de união, de unidade, e essa figura era D. Pedro II, para vocês verem como era importante, necessária, a figura de D. Pedro II num país em ebulição... Daí em diante ele continuou com a formação dele e o interesse dele por tecnologia, por artes, por ética, moral, política, por desenvolvimento, por todos os assuntos que o Brasil necessitava por ser um país até então sem cara. O Brasil passou a ter identidade, passou a ser nação a partir da Independência. O Rio de Janeiro nesse momento era a capital do Império, um império vasto, é hoje o 5º maior país do mundo, chega a ser maior que os EUA sem o Alasca, isso realmente graças a Independência que D Pedro I fez, a estratégia de D João VI e a continuidade que D Pedro II deu.

O senhor quer dizer que o país seria menor?

O Brasil hoje poderia estar dividido em vários países, um país no norte, um perto da Bolívia e do Peru, outro no sul falando espanhol, por influência da Argentina e do Uruguai. O Brasil manteve-se unido graças à Independência e aos esforços de D Pedro II ao longo de seus 49 anos. Sempre saindo do Rio. O Rio naquela época era a capital, era o centro das decisões e o centro nervoso do Brasil. Numa época que não tinha televisão, não tinha rádio, não tinha telégrafo, não tinha fax, não tinha computador, quer dizer, D Pedro II tinha que sair do Rio para estar presente nas diversas partes daquele vasto império. E ele saía, foi ao sul, à Minas, foi muitas vezes, D Pedro II viajou o Brasil inteiro, aqui perto ia de trem, foi um dos grandes incentivadores dos caminhos de ferro que a República, infelizmente, não deu continuidade. O Brasil naquele tempo tinha a 2º maior rede ferroviária do mundo, importantíssima, num país em desenvolvimento. Fora disso, ele fazia viagens à cavalo, foi à Bahia algumas vezes, sempre saindo do Rio de Janeiro, e de navio também. As cidades costeiras ele fazia basicamente de navio.

Como era o Rio de Janeiro naquela época?

O Rio, naquela época, principalmente quando ele era pequeno, era uma cidade ainda em formação, o Rio teve as maiores mudanças no seu perfil nesses anos, do período da Independência até a República. Claro, depois disso teve mudanças enormes no sentido de que houve as urbanizações, a favelização e tudo. Mas, naquele período, o Rio de Janeiro, como capital, teve os benefícios de ser a capital do Brasil, então ainda na Época de D João VI. Foi fundada a Casa da Moeda, que não tinha, a Imprensa Nacional, a Biblioteca Nacional, que nós temos até hoje, da qual eu sou diretor e membro do conselho, foi fundada por D João VI e é um dos maiores acervos das Américas, a 8ª do mundo.

D. Pedro II criou o IHGB...

Criou. D Pedro II presenciava toda semana as seções do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, ele não faltava uma... Então o Rio de Janeiro, sem dúvida, por ser a capital do Brasil, teve uma série de benefícios culturais, tecnológicos, obras públicas...

Antes de D. Pedro II assumir o governo, basicamente a população do Rio não tinha lazer, existia somente as festas religiosas.

Era a base das manifestações culturais, as manifestações religiosas. Mas tinha o carnaval também, que se chamava entrudo naquela época. D Pedro II sempre esteve no Rio, morando sempre na Quinta da Boa Vista, hoje Museu Nacional.

No Paço ele nunca morou? 

Não, sempre na Quinta da Boa Vista. No Paço morou D João VI, quando esteve aqui, e D Pedro I, e aí construíu-se a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão. Chamava-se Paço de São Cristóvão, que é o nome original, o nome de Quinta veio bem mais tarde.

Qual foi o ato político de D. Pedro II que o senhor considera mais importante?

A luta abolicionista. A luta abolicionista foi uma luta de D. Pedro II desde sempre. Ele era pessoalmente contrário à escravidão, moral e eticamente. Mas ele não tinha poder, como Imperador, para de uma hora para outra, acabar com a escravidão. Então eu acho que o abolicionismo foi uma das lutas mais importantes de D. Pedro II junto com os outros abolicionistas.

O Museu Imperial de Petrópolis também era residência da família, o palácio de verão...

Ele construiu a casa para ele, Pedro II, e que era casa de verão. Inclusive, no verão, ele despachava de Petrópolis e tem comentários de alguns embaixadores europeus, como da Dinamarca, Áustria, que tinham mais intimidade com ele e que perguntavam "mas como um imperador num país tão grande e tão rico, como o Brasil ter um palácio tão humilde, e tão discreto?" e D Pedro falou: "Com o dinheiro público não se faz, não se gasta sem necessidade." Ele era muito austero e tinha muito respeito com o dinheiro público.

Com relação à Biblioteca Nacional, ele comprou algum acervo da Biblioteca Real Portuguesa?

Isso eu não sei te dizer, mas ele deixou para a Biblioteca Nacional a coleção de Teresa Cristina com mais de 11 mil fotos, que era a coleção particular dele, ele deixou quando foi para o exílio.

Você pode falar alguma coisa sobre a transição do Império para a República, ele estava em Petrópolis inclusive, ele já sabia do movimento republicano?

Basicamente, a transição de Império para República, eu digo, a palavra que eu vou usar agora eu li em um artigo...na verdade houve uma mudança de guarda só. Por que a República, ela não veio para melhorar, ela veio até para piorar um pouco, porque mesmo durante o Império, quem mandava eram as elites, herdeiras, escravocratas, herdeiras de privilégios desde a colônia. Quando o Brasil tornou-se independente, não houve uma mudança radical no "status quo" de quem já estava aqui. Era um país colônia que virou independente, trocou de status..

Melhorou? 

Melhorou muito. Só que as oligarquias que aqui existiam antes, elas não foram embora, elas continuaram. O grande trabalho de D Pedro II ao longo de seus 49 anos de reinado foi tentar mudar o quadro do Brasil, que ele estava convencido de que era injusto, mas sem rupturas, sem guerras, sem sangue, ele queria mudar as estruturas legalmente.

Conseguiu alguma coisa, a própria abolição, mas vocês viram que a abolição veio depois de muitas leis, por exemplo, a lei do ventre livre, que foi considerada pelo "status quo" e pelo jornal "A República" uma traição à nação. As elites não queriam abolição, D Pedro II lutou e todos sabiam do envolvimento dele com essas causas de mudanças em prol dos menos favorecidos, mas ele nunca conseguiu mudar radicalmente. E o que aconteceu na República, foi simplesmente uma mudança de guarda, só que pior, as elites... antes era um governo civil, virou um governo militar. Na época do Império existia total liberdade de imprensa, total liberdade política, total liberdade de expressão. Na república cortaram todas as liberdades, então o que é que aconteceu?... a república oficializou um "status quo" que existia antes, mas veladamente.

Oficializou uma ditadura?

Oficializou sem dúvida, mas eu digo, o poder que já existia velado antes, que era das oligarquias e que eram contra...isso foi oficializado a começar pelo corte da liberdade de imprensa e expressão.

D Pedro II enfrentava resistência dentro... Da legalidade.

Dentro do governo dele?

Ele não queria fazer nada que fosse contra isso. Ele não queria apresentar um golpe de estado, "vamos acabar com as oligarquias e vamos fazer um governo popular" etc. Ele queria sempre fazer tudo de acordo com a lei.

Ele enfrentou muita corrupção nessa época?

Olha, corrupção existe desde que o mundo é mundo. Fala-se pouco. Eu mesmo não sei. Gostaria até de saber mais sobre esse período, não se fala que havia muita corrupção. Não acho que era forte porque ele olhava muito por isso.

Com a relação à política com Portugal na época, o Brasil já tinha se libertado de Portugal desde D Pedro I, mas ele mantinha um relacionamento cordial com Portugal? Ou não? 

Não, não... o Brasil sempre teve boas relações com Portugal.

Quando houve a Proclamação da República e a conseqüente destituição de D. Pedro II, ela já sabia, ele já esperava?

Essa pergunta é interessante, eu acho que ele não esperava isso. Ele sabia que havia idéias republicanas, mas ele era tão liberal que permitiu a existência do partido republicano. Tinha um jornal chamado "A República", quem quisesse votar nos deputados do partido republicano votava, mas os deputados do PR tinham 5% do parlamento, o povo não estava pensando em República. A República foi feita por uma minoria, seiscentos oficiais da escola militar do Rio, do Rio só, e mais, é... seiscentos militares da jovem guarda, os tradicionais todos não falavam em república, a marinha não falava em república, foi uma coisa curiosa, pois eles fizeram a república muito influenciados pelo positivismo de Augusto Comte, que falava sobre república, e... D Pedro II nunca imaginou nem esperava que de uma hora para a outra viesse esse grupo de militares, a República, tanto que ele foi pego de surpresa, desprevenido, como senhor bem disse, já estava debilitado pelo diabetes, que ele tinha, e ele não ofereceu resistência nem quis, ele não queria sangue, nem guerra...

Poderia ter oferecido resistência ?

E teria ganho! A marinha estava totalmente do lado dele, muito mais poderosa que o exército, a marinha quis, era fiel, tanto era que houve a revolta da armada em 1891, a revolta da armada era nada mais nada menos que uma revolta da marinha em relação aos rumos que o exército deu à república ditatorial, antidemocrático e centralizador. E a marinha se revoltou. Sabe quem ajudou aos militares a debelar a revolta da marinha aqui na baía de Guanabara? Três fragatas americanas que estavam ancoradas aqui. Desde esse tempo os Estados Unidos já ajudavam a regimes de força na América Latina. Isso por que, em um regime de forças, eles controlavam três ou quatro na mão. Regimes democráticos eles não teriam como controlar. Pouca gente sabe disso.

O senhor poderia falar sobre a época do exílio?

Foi o maior exílio político da história brasileira. Uma vez eu disse ao governador Brizolla que o exílio dele, do Miguel Arraes e do Gabeira juntos, somados, não dava o exílio da família real brasileira. Isso pelo medo que os militares tinham da popularidade que D. Pedro II tinha, principalmente perante as classes menos favorecidas. Isso é um grande orgulho que eu tenho. Eu tenho um grande orgulho de que a nossa família sempre foi mais popular perante o povo do que perante a elite. E o medo dos militares era que algum membro da família - D. Pedro II morreu dois anos depois da República - voltasse ao Brasil e tivesse a liderança que D. Pedro II teve e pudesse fazer sombra ao governo militar que não era popular, não tinha liderança e não tinha carisma. Era um regime de força.

Quanto tempo durou o exílio?

32 anos de exílio.

A família real, de alguma forma, teve algum bem confiscado ou foi prejudicada pelo tempo que ficou fora, 32 anos, quando voltou recebeu tudo?

Talvez se discuta muito pouco, pouco se sabe sobre os bens da família real. D Pedro II, quando saiu do Brasil, e a família real toda, não tinha terras, não tinha indústrias, não tinha bens mais que os móveis e Petrópolis, mais nada. Não tinha terras em Minas, no Amazonas, não tinha fazendas no Mato Grosso, nada. Graças a Deus. É um grande orgulho que eu tenho. As pessoas acham, "ah a família real é rica", mas além dos móveis...

Obras de arte, D Pedro II gostava muito de obras de arte.

Tinha aqui o Palácio Guanabara, a Quinta é de propriedade do Estado, mas o Palácio Guanabara é propriedade particular, existe uma ação na justiça até hoje que nós estamos ganhando. O Guanabara foi confiscado e nem tiveram o bom senso, como governo de força, de desapropriar o imóvel. Então a família tinha o Palácio Guanabara, que era de propriedade da Princesa Isabel e do Conde D'Eu, meus bisavós, e tinha o Palácio de Petrópolis, que hoje em dia é museu, que era propriedade particular do Imperador. O Museu de Petrópolis era a casa deles, de verão. Terras em Petrópolis, aí tinha, que era a Fazenda do Córrego Seco, isso sim, tinha, que foi comprada com dinheiro particular dele, mas nada. É um grande orgulho da nossa família. E na volta...

Confiscaram. O Palácio da Princesa Isabel aqui no Rio foi tomado à força, o Palácio, o Museu Imperial foi comprado mais tarde pelo governo Getúlio Vargas, legalmente, e a enfiteuse existe em Petrópolis, pois D Pedro II instituiu o sistema de enfiteuse nas terras. Uma vez eu escutei de Darcy Ribeiro, que D Pedro II era o maior progressista da época dele. Ou seja, pensava como esquerda, ele era , tinha idéias de esquerda. Ele tinha a fazenda do Córrego Seco, que é a fazenda onde está a cidade de Petrópolis, ele pensava, "o que é que eu vou fazer com essas terras todas?"Aí ele deu, deu tudo, mas no regime de enfiteuse, que era um regime muito utilizado na época para colonizar áreas. As pessoas acham que isso é um negócio ultrapassado. Quisera eu que ele não tivesse dado as terras naquela época (risos) porque hoje nós teríamos um patrimônio brutal, as terras, perto do Rio, nós não temos mais nada lá, quer dizer, temos o direito de enfiteuse, sim.

Você é um dos membros da família real que mais atua social e politicamente hoje?

Acho que sim, os primos, os outros são meio tímidos, pouco ligados à política, e eu sempre fui ligado, na época do plebiscito fui que meti a cara nas televisões, tive de ter coragem ....

Você nunca quis se candidatar a cargo político?

Me interessa a política. Eu fui sempre muito convidado, depois do plebiscito os partidos todos, você vê minhas idéias, né? Eu não sou metido a elite, as minhas idéias são essas, de Brasil. Não tenho nada contra a elite, não. Elite, no dicionário, quer dizer o que há de melhor em uma classe. No Brasil a palavra elite é aplicada erroneamente. Mas claro que o senso corrente só está ligado ao financeiro, econômico. O que há de melhor seria se tivesse gente com consciência social, com consciência pública, cívica, principalmente. Pensando no país. Mas está mudando. Todos os escândalos que têm acontecido - eu tenho dito isso em palestra. Alguns dizem: "ah, mas esse momento é de podridão total". Eu acho que esse é o melhor momento que o Brasil tem passado ultimamente, porque corrupção sempre existiu e ninguém falava nada. Isso existe desde sempre. Quem é que não sabia que a SUDAM e a SUDENE é um antro de privilégio pra político? Todo mundo sabia mas tinha medo de ficar falando senão ganhava um tiro de deputado...

Não está acontecendo agora, só está vindo à tona...Tá vindo à tona.

O senhor escolheu o Rio e Paraty para morar e trabalhar.

Meu tio mora em Petrópolis, meu pai é de Paraty. Todos os três, meu pai e dois irmãos, meu pai é irmão do pai da Cristina, e meu outro tio, que vieram do exílio. Papai nasceu no exílio, é muito forte você escutar isso desde pequeno, histórias do seu pai, tendo nascido no exílio, aprendendo a amar e a respeitar um país e ele nasceu fora desse país, eu tenho essa história. Desde pequeno escuto, papai foi servir a aeronáutica, papai nasceu na França, e então os três escolheram campos para morar: meu tio Petrópolis, Meu pai Paraty, meu outro tio Vassouras. Agente sempre foi muito ligado ao campo, à terra, não à terra de grandes extensões, mas à gente que não é urbana.

O senhor tem negócios em Paraty?

Meu pai foi para Paraty há 40 anos atrás. Ele comprou terras lá, comprou a preço de banana. Tudo que nós temos lá ele comprou com o trabalho dele, só que na época comprou barato. Os amigos dele o chamavam de maluco por comprar terras em Paraty. Meu pai tem uma fazenda pequena e um alambique onde produz uma marca de cachaça, a Beira Alta. A Pousada do Príncipe é minha. Quando eu a construí, não tinha acesso, não tinha estrada.

Por Litiere C. Oliveira.