"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 29 de dezembro de 2012

Entre o Estado e o Governo



Os cidadãos brasileiros não sabem muito bem no que votam para presidente da República, se mais para o chefe do poder executivo, função de governo, ou para chefe de estado, função de representação da nação, acima dos demais poderes, o correspondente ao que foi outrora o poder moderador do império. Mas o fato é que a presidenta Dilma, pendulando por entre uma função e outra, tem sido mais feliz como chefe de estado do que de governo!

A impressão que se tem é a de que, diferentemente de seu antecessor, que até hoje reduz tudo a uma negociação sem fim nem princípios, se entrincheira na função de chefe de estado para evitar o embate duro e nem sempre limpo da política cotidiana. Setores mais radicais especulam que ela não vai comparecer à posse do chefe do poder judiciário, e ela corre a desmentir numa iniciativa instantânea de quem sabe que suas responsabilidades como chefe de estado não podem se submeter às conveniências de um partido do governo.

A mídia especula que ela participa da barganha de cargos em campanhas eleitorais, mas ela não cede além dos cargos do poder executivo, de resto direito seu, e evita o mesmo jogo para os cargos das demais instituições de estado. Sua consciência funcional é clara quando não submete a políticas de governo de interesse partidário as políticas de estado de interesse público, como quando se relaciona com instituições como as forças armadas, os tribunais de justiça, o ministério público, a receita e a polícia federal por exemplo.

Mais recentemente, a presidente tem feito prevalecer uma política de estado também com as instituições de controle e gestão; e aí é que tem feito toda a diferença reconhecida inclusive por organismos multilaterais da área. Sua manifestação no discurso de abertura da IACC, conferência internacional anticorrupção, que o Brasil hospeda pela primeira vez, é inequívoca: “O combate ao malfeito não pode ser usado para atacar a credibilidade da ação política tão importante nas sociedades modernas. O discurso anticorrupção não deve se confundir com o discurso antipolítica, ou antiestado, que serve a outros interesses. Deve, ao contrário, valorizar e reconhecer o papel do Estado como instrumento importante para o desenvolvimento, a transparência e a participação política.”

A questão que se coloca é que este discurso de clara consciência entre as esferas políticas e de estado não é acompanhado por setores mais radicais de seu próprio partido que, por ignorância ou má fé, insistem em colocar as instituições do estado a reboque de seus interesses. Junte-se a isto uma minoria de políticos de ficha suja, interessados sempre na banalização das más práticas políticas exatamente para tentar atenuar e generalizar os juízos sobre sua delinquência política. Junte-se também a crise de valores morais, na escola e na família, repercutida por uma mídia sensacionalista, temos o ambiente perfeito para a desmobilização do cidadão e a hegemonia da política como “um mal necessário”.

A própria cobertura da mídia dá bem a dimensão do fenômeno da política como atividade suja quando não pondera os destaques de cunho delituoso e os noticiosos relativos às penas. Ou quando persegue mais a ação deletéria dos governantes do que as iniciativas de controle social das organizações da sociedade civil, cada dia mais atuantes no Brasil e no mundo.

* Jorge Maranhão é diretor do Instituto de Cultura de Cidadania "A Voz do Cidadão".

 jorge@avozdocidadao.com.br

A Monarquia é a Solução para o Brasil II



Dom Rafael, quarto na linha de sucessão, filho de Dom Antônio e de Dona Cristine. Nascido em Petrópolis, hoje com 26 anos, é engenheiro de produção da AmBev, em meio a ocupação e compromissos respondeu gentilmente às perguntas da Herdeiros do Porvir.

Qual o nome completo de Vossa Alteza, e o significado de cada um?

Rafael Antônio Maia José Francisco Miguel Gabriel Gonzaga de Orleans e Bragança. “Rafael Antônio” é meu nome próprio, sendo “Antônio”  uma promessa que meu pai fez a Santo Antônio,se seu filho nascesse homem. Os nomes “Maria e José” estão nos nomes de todos os integrantes da família, em homenagem a Nossa Senhora e São José, assim como “Miguel” “Gabriel” e ”Rafael”, em devoção aos arcanjos. “Francisco” é meu padrinho de batismo (Dom Francisco, irmão de meu pai) e “Gonzaga” homenagem a São Luiz, patrono da família.

Tem algum hobby? Algum esporte preferido? O que faz nas horas vagas?

Sou muito esportista. Jogo futebol toda semana e squash sempre que posso. Sem contar com o golfe e tênis, que já viraram tradição na família.

Dom Antônio, seu pai, é exímio pintor: Dona Gabriela, sua irmã, declarou sua inclinação para a música. V.A. tem algum pendor artístico? 

Sempre gostei muito de desenhar, Fiz curso de desenho quando era mais novo, mas há algum tempo não pratico. Aprecio muito desenhos a lápis, principalmente retratos. Sou um grande admirador dos croquis de Leonardo da Vinci.

V.A. tem algum medo? Se a resposta for positiva, qual e por quê?

Acho que todos temos medo de algo. Mas nunca deixo isso transparecer, e tento sempre enfrentar as situações em que este medo e/ou ansiedade se apresentam.

Como V.A. se define como pessoa (temperamento, caráter, etc.)? Pode comentar?

Sou discreto e reservado, e sempre me considerei tímido. Masquando a situação me permite, exercito meu senso de humor.

Elizabeth II da Inglaterra disse que, para ela, ser rainha não é trabalhoso, sendo muito feliz desempenhando suas tarefas. V.A. acha pesado ser Príncipe herdeiro do Brasil?

Não acho que seja penoso. E sempre soubemos da importância que nossa família tem na história do país.É uma preocupação constante dos monarquistas a continuidade da Família Imperial. V.A. pretende se casar?  Caso positivo,  que qualidades a princesa escolhida deveria ter para desempenhar tão importante papel?
Sim, pretendo. Acho que o mais importante é encontrar uma pessoa e que tenha os mesmos princípios e valores, e que tenha recebido a mesma educação. Isso é essencial para a felicidade de um casal, de acreditarem no mesmo ideal, e que possam passar para seus filhos.

Vemos no Brasil e no mundo uma ação feroz de meios de comunicação e legisladores no sentido de destruir a família. O que devemos fazer para preservá-la?

Vivemos num sistema econômico baseado no consumismo, onde os bens materiais passam por cima dos valores morais e cristãos. As pessoas se tornam objetos e a essência da família se perde quando se estabelecem relações “descartáveis”. Devemos enfrentar este materialismo fortalecendo a fé e a espiritualidade, sobretudo através da educação.

Na opinião de V.A., qual a principal qualidade do povo brasileiro? E o maior defeito?

Temos inúmeras qualidades. O povo brasileiro é trabalhador, alegre e bondoso. Mas eu destacaria a generosidade. O brasileiro, vendo a dificuldade do próximo, é voluntarioso e generoso. Ele se reconhece na dor do outro e por isso o ajuda. É muito difícil encontrar um defeito num povo com tantas qualidades. Mas vejo que, depois de tantas décadas de uma desastrosa República, o brasileiro desenvolveu tendência de respeitar cada vez menos os valores, as leis e os próprios indivíduos. Isso é uma ameaça às nossas qualidades natas.

O que V.A. acha do atual momento brasileiro?

A República tem um problema sério de governabilidade, que força o Brasil a ser gerido através da corrupção. Isso cria uma desilusão com relação à República. Desta maneira o povo não acredita mais nas instituições, e a vida se transforma num vale tudo. Em outras palavras, num completo desrespeito às leis e à civilidade.

Quais nossos principais problemas? O que faria para solucioná-los?

Hoje, para o país ser “governável”, a máquina precisa fomentar a corrupção e esta, por sua vez, alimenta a ineficiência. Os serviços públicos prestados à população acabam sendo de péssima qualidade. Na Bélgica, Inglaterra, Espanha e outras monarquias, em contrapartida, vemos a população sendo tratada com dignidade, especialmente os menos favorecidos.

Se tivesse que assumir o poder hoje, qual o primeiro ato de V.A.?

É difícil materializar um ato concretamente. Acho que primeiro trabalharia para aproximar a população de seu soberano. A República não escuta e não une os cidadãos.

Nas viagens de V.A. representando a Família Imperial como tem sido a receptividade com relação à monarquia, sobretudo dos jovens?

Vejo um movimento jovem crescente, o que me enche de esperança, porque cada vez mais a população tem vontade de mudar a situação política atual. E estão vendo que a Monarquia passa a ser a melhor opção para esta mudança acontecer.

V.A. considera possível a restauração da Monarquia no Brasil para breve?

Há uma ruptura clara o cidadão e o governo. E isso não tem como se sustentar a longo prazo. Não vejo recuperação possível para República. A restauração da Monarquia passa a ser uma questão de tempo.

De que fatores a restauração depende?

Basicamente de um grande trabalho de comunicação e educação, em que se evidencie a falência da República e mostre que a Monarquia é o regime do futuro, e que as pessoas entendam que não é coisa do passado.

V.A se sente preparado para dedicar-se exclusivamente à causa monárquica, se a possibilidade da restauração se desse hoje?

Com certeza. Fomos educados para servir ao país, e tomo isso como um dever e uma honra e não como direito.

Que atuação os monarquistas poderiam exercer com vistas à restauração da Monarquia?

Focar no trabalho de comunicação. Estabelecer um contato direto com núcleos da sociedade para conquistar mais brasileiros à causa. Sempre agindo de maneira humilde e generosa, como bons brasileiros.

Publicada na Revista
Herdeiros do Porvir

A Função Política do Estado.

A Evolução do Estado.

O Estado nem sempre existiu, na sociedade primitiva não tinha Estado, com efeito, sem classes sociais, nessa sociedade pré-civilizada todos os tipos de funções eram exercidas pelo conjunto da sociedade, pelos os membros da comunidade de um determinado clã. Todas as formas de bens eram coletivas, do mesmo modo a produção das riquezas.

O Estado surgiu num determinado estágio de desenvolvimento histórico, quando a sociedade passou ser dividida em classes sócias, portanto, o Estado antes de tudo foi fruto dessas divisões e da necessidade de uma classe social impor sobre outras.

O Estado surgiu devido forças detentoras da propriedade privada dos meios de produção, uma Instituição necessária para garantir privilégios.  O Estado desenvolveu como garantia dos privilégios das classes sociais.
Desde o surgimento do Estado, ele aparece com algumas características fundamentais: Um governo que administra a sociedade. Controle das forças militares distintas dos demais membros da sociedade.
Uma população dividida em classes sociais. Surge a questão daqueles que trabalham. Os que administram a força do trabalho dos operários. Exploradores e explorados.

Opressores e oprimidos.

A necessidade de um território geográfico, uma população, que o governo administra e exerce o seu poder de coação social e político.  Portanto, Estado sempre foi um Instrumento de garantir diferenças, favorecer na sustentação de privilégios, é uma Instituição nas mãos de quem detém o próprio Estado.

Para Marx e Engels, o Estado nem sempre existiu e milhares de sociedades viveram sem ele, com efeito, para ambos o Estado passou a existir quando em certo estagio de desenvolvimento.  Surgiram as desigualdades sociais, conflitos constantes entre aqueles que exploram o trabalho de quem produz as riquezas de uma determinada sociedade. O papel fundamental do Estado é amortecer os conflitos, transformar a ilegalidade em legalidade, através do poder em estabelecer leis.  Com efeito, o Estado nessa concepção é uma Instituição dissimuladora, seu verdadeiro objetivo é enganar a classe operária, tirando da mesma a legalidade da sua mudança social real.

Conforme escreveu Engels, o Estado surgiu devido à necessidade de conter a luta de classe, com o objetivo de fazer o operário ser eternamente operário, não ter direito a respeito em relação aos donos dos meios de produção.   O Estado é um mecanismo de dominação.  Ao mesmo tempo diz Engels o Estado originou em meio aos conflitos das classes, a classe poderosa economicamente conseguiu criar o Estado, contra a classe empobrecida.

A classe dominante economicamente para continuar seu domínio em relação ao poder econômico, criou também o domínio político, então o Estado nasceu dessa conjunção de formas entre dois domínios, o econômico e o político. Dessa maneira descreve Engels as formas de Estados, o Estado antigo, Foi o Estado dos senhores de escravos, para manter os mesmos sobre os domínios dos proprietários.
O Estado Feudal, Instituição que se valeu da nobreza para manter sobre dominação de servos e camponeses dependentes.  Do  mesmo modo o denominado Estado moderno, cujo espírito é o modelo capitalista, o domínio do empresário sobre o proletário.  Muda se a forma de Estado, mas não o domínio econômico.

Para efetivação de tal objetivo usa da ideologia da representação pelo mecanismo da democracia, como se os operários tivesse algum poder democrático, na solução de situações concretas da vida, o que deseja na realidade o Estado representativo, é de fato, a exploração do trabalho pelo capital.
 O Estado tenta dissimular que está acima das classes sociais que governam para todos, mas esse fator é apenas um aspecto ideológico do Estado e muita gente simples de baixo nível cultural acredita nessa enganação.

Os Estados históricos desenvolvidos politicamente sempre protegeram as classes superiores, em todos os níveis, o que fica mais que evidente que o Estado é de fato uma Instituição, cujo caráter é defender classes já privilegiadas. A burguesa deseja na ultima forma de Estado,   manter o privilégio de quem domina a sociedade economicamente,  motivo pelo qual a política é superimportante para as pessoas privilegiadas.
Exatamente por essa análise que Marx e Engels sempre rejeitaram a tese como se o Estado fosse um instrumento mediador, o Estado sempre atuou como Instituição de domínio de classe.
Na sociedade moderna capitalista o Estado sempre agiu como aquele que garante a exploração, ele faz com que boa parte da sociedade seja de fato dominada.

O Estado identifica com a proteção da propriedade privada, existe especificamente em defesa desta, contrariando os interesses daqueles que não tem nada economicamente, o que o Estado faz, por exemplo, em defesa de mendigos de rua, nem mesmo o necessário.

Para Marx o que significa preservar a propriedade privada, significa em garantir as relações sociais, normas jurídicas, regras de dominação entre proprietários e operários. Significa em última instância garantir os direitos daqueles que naturalmente têm direitos, ou seja, a defesa dos proprietários.
Marx certa vez disse a burguesia, estão horrorizados, porque desejo abolir a propriedade privada, quando esta pertence  a poucos da população. Não exatamente apenas isso que desejo, a minha motivação é fazer com que a propriedade privada vem a pertencer a todos, como forma de bem estar social, contemporaneamente, necessário que a casa seja propriedade também do trabalhador entre outras formas de riquezas.

Disse Marx à propriedade privada estão abolidos para milhares de trabalhadores, eles também querem ter o direito da propriedade privada. Mas burguesia nega esse direito, por isso a ideologia da criação do socialismo e a transferência dos meios de produção ao próprio Estado à burguesia não quer aceitar essa possibilidade, motivo para revolução socialista. Na visão de Marx o socialismo é a única Instituição política que não impede a população de ter o direito de ter as coisas que ela mesma produziu, porque tem como finalidade política não privar aqueles que produziram em ter alguma coisa.

A burguesia alega que no socialismo abolição da propriedade privada, toda atividade econômica cessaria, responde Marx numa reflexão filosófica e política dizendo que essa argumentação não é verdadeira pelo seguinte motivo. A burguesia sempre viveu numa inércia total, se fosse verdade esse preceito então a mesma a tempo já teria sucumbido à ociosidade.  Pois os que trabalham na sociedade burguesa não lucram com o que faz, a burguesia tão somente estabelece a administração dos trabalhos operados pelos trabalhadores.
Outro objetivo do Estado, o estabelecimento da ética contra o roubo, isso significa que não se pode roubar, a não ser  que o roubo seja legalizado.

O que significa essa legalização do roubo,  simples responde Marx, o conceito da mais valia, o salário não pago ao desenvolvimento da produção, aquilo que não foi pago não é roubo, porque foi institucionalizado como legal, mas não ético.

Edjar Dias de Vasconcelos.

As Diversas Faces do Liberalismo no Império


Em meio a duas esferas distintas, de certa forma dicotômicas ? reformadores e conservadores ? compondo a "novidade" chamada Liberalismo, temida pelos segundos e utilizada como estandarte pelos primeiros, servindo de interesse a ambos.

Para comerçamos uma tentativa de compreensão acerca do tema, devemos a priori observar como tais ideias eram absorvidas dentro da contextualização, compondo a conjuntura de um Brasil Imperial. Tratamos do Brasil sob a regência de um monarca lusitano e uma elite que desejava emancipação política de Portugal, ou seja "renovação", por compreenderem-se enquanto membros de uma aristocracia portuguesa e desejosos em manter a ordem vigente, assim como ambos possuíam interesse em não alterar o quadro socioeconômico, pelas vantagens proporcionadas por tais relações.

Em relação a forma como tais conceitos tornaram-se conhecidos, deve-se mencionar a formação coimbrã, onde tanto a elite brasileira ? de indivíduos nascidos no território brasileiro ? quanto a elite portuguesa, tiveram formação na conceituada Universidade de Coimbra, absorvendo ideias que espalhavam-se pela Europa, não podendo deixar de mencionar a Revolução Vintina do Porto em 1820, onde exaltava-se o ideal de liberdade e fim do antigo regime.

Para sistematizar a análise, propõe-se uma tríade conceitual, a princípio apresenta-se o conceito de Liberdade, que aparece na tentativa de atender duas formas de Liberalismo que emergiram no Brasil, a de reformadores e conservadores, onde o liberalismo reformador apresenta-se voltado ao indivíduo, sob os auspícios da soberania do mesmo em relação a esfera pública, não pressupondo a deposição do monarca lusitano, mas a busca por uma harmonia entre público e privado.

A definição de liberdade é abrangente, chegando à livre ação, onde o indivíduo exerce o que deseja e como deseja, embora a praticada no período imperial seja considerada "moderada", conforme regência da lei, mantenedora da ordem, sob o agrado de uma ótica conservadora, não desagradável também aos reformadores, além de atender a influência perceptível das ideias de Montesquieu, deturpadas, assim como de outros autores de influência na época, como Edmund Burke, Condilac, Benjamin Constant, etc., utilizando-se a argumentação de tais teóricos conforme a conveniência de cada grupo político.

O segundo conceito, Liberal, atende duas vertentes liberais - embora sua amplitude não seja mensurável apenas em tal dualidade -, primeiramente entre os conservadores, seguindo uma linha de continuidade política, favorável as vantagens de um poder duradouro e uma permanência com intuito de manter a ordem, distanciado-se do ideal reformador, considerado pelo conservadorismo como anarquista, além de serem associados a teóricos considerados perturbadores da ordem, Rousseau e Voltaire eram exemplos de autores repudiados no ciclo conservador.

No sentido reformador, o conceito Liberal é voltado a não subjugação do cidadão a um monarca, considerando a capacidade do indivíduo em tomar decisões, assim como, eleger seus representantes de forma consciente, gozando de sua liberdade pública, favorecendo a liberdade de imprensa a posteriori, embora a imprensa tenha sido divulgadora da ideologia de ambos os grupos.

O terceiro conceito da tríade, denominado Liberalismo, também serve a dicotomia política, trazendo no bojo a Revolução Francesa e diversas outras transformações que tornaram-no almejado e repudiado.

O Liberalismo conservador propunha o povo sujeito ao poder do monarca, sendo livre ao submeter-se a tal autoridade moderadora, considerando a priori uma primazia dinástica, o que remete-nos a lógica hobbesiana de abdicação em nome do poder soberano, partindo da premissa de que o bom deve permanecer.

O Liberalismo reformador aparece outorgando ao povo o poder, relegando o monarca a vontade popular, criando autonomia à esfera pública enquanto detentora do poder político.

Observa-se em ambas as vertentes a figura do monarca, criando diferenciação em esferas de classes em que umas são subordinadas, outras subordinam e uma terceira parcela torna-se excluída. Temos um Liberalismo que busca revolucionar sem fazer uma revolução de fato, procurando transformar através daquilo que conserva, emancipando-se sem o rompimento drástico, onde mesmo o monarca adota os novos ideais e demonstra-se até certo ponto, contrário a sua própria origem.

Conforme exposição da autora Lúcia Maria Bastos P. Neves:"Os pincipais valores da cultura política do mundo luso-brasileiro eram então definidos. O principal esforço direcionava-se no sentido de introduzir reformas ? mais do que patrocinar revoluções. Aceitava-se, portanto, uma monarquia constitucional, em que uma elite de talentos era capaz de orientar a opinião pública; uma liberdade ligada à ordem; e um igualdade regulamentada pela lei."(NEVES, 2001:90)

Conclui-se, que o Liberalismo até esboçava uma conotação de "modernidade", mas não se permitia estrapolar a força do conservadorismo tradicionalista, que mantinha a estabilidade de uma sociedade em ascensão.

domingo, 23 de dezembro de 2012

As relações Igreja/Estado no direito constitucional brasileiro.


Um esboço para pensar o lugar das religiões no espaço público na contemporaneidade

O que se pretende com o presente artigo é, inicialmente, analisar as relações entre Igreja/Estado nas Constituições brasileiras, tentando demonstrar que tais relações são ambíguas, cheias de idas e vindas, com momentos de maior afastamento e outros de maior proximidade. No segundo momento do trabalho, a partir da análise da separação Igreja/Estado no plano constitucional, procurar-se-á demonstrar que ela é algo diverso da separação religioso/político. Isto porque a relação entre religião e política na arena pública, em especial no campo das disputas políticas pelo poder, é algo mais complexo que merece estudos que vão além dos modelos teóricos da secularização e da separação Igreja/Estado. Por fim, discutir-se-ão as reflexões de alguns autores sobre a legitimidade de atuação do religioso na política no jogo democrático, de forma a problematizar que tal atuação pode não ser incompatível com a garantia da democracia e dos direitos humanos.

No Brasil, notadamente na década de 90 do século XX e no século atual, os termos Estado laico, separação Igreja/Estado e princípio da laicidade vêm sendo usados frequentemente no espaço público por políticos, movimentos sociais (principalmente aqueles que atuam na defesa dos direitos sexuais e reprodutivos) e pelos representantes das mais diferentes denominações religiosas. E mais: há uma disputa política em torno de tais termos, principalmente nos debates e nos embates públicos que envolvem temáticas tais como sexualidade, reprodução, ciência e novas tecnologias.

O que se tem presenciado na contemporaneidade é que a separação Igreja/Estado e o princípio da laicidade do Estado, ambos dispostos na Constituição Federal de 1988, não têm impedido que a Igreja Católica e outras religiões de matriz cristã disputem no espaço público o significado da reprodução, da sexualidade da ciência e das novas tecnologias no sentido de conjugá-las com os valores morais e religiosos. Tal fato tem consequências negativas no que diz respeito à garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos pois, na perspectiva dos discursos religiosos, os direitos relacionados à reprodução e à sexualidade violam as leis morais e religiosas, a lei natural, ou seja, a lei divina.

No Brasil, a fronteira entre o político e o religioso é historicamente indefinida e porosa. Desta forma, as religiões interferem nos Poderes Públicos, no sentido de fazer prevalecerem as suas verdades reveladas, absolutas, universais e imutáveis em matéria de sexualidade e reprodução, enfim, seus princípios morais e religiosos, sobre os princípios democráticos que deveriam orientar os legisladores e os gestores públicos.
Os atores políticos, quando da defesa de seus interesses e/ou de suas ideologias, fundamentam seus discursos no paradigma da separação Estado/Igreja, buscando, na grande maioria das vezes, legitimar a sua fala no espaço público em argumentos pautados nos estudos científicos e nos direitos humanos.
Contudo, no campo jurídico-constitucional tem-se dado atenção insuficiente às relações entre a Igreja e o Estado e entre o político e o religioso. A atenção dada pelos juristas e pelos constitucionalistas ao tema do Estado laico, na grande maioria das vezes, está relacionada às temáticas da liberdade religiosa, liberdade de consciência, liberdade de associação religiosa e ensino religioso nas escolas públicas.

Neste contexto, o que buscaremos com o presente trabalho é analisar as relações entre Igreja/Estado nas Constituições brasileiras, tentando demonstrar que tais relações são ambíguas e complementares, cheias de idas e vindas, com momentos de maior afastamento e outros de maior proximidade, ressaltando, todavia, que de fato o religioso sempre esteve presente no espaço público, mais precisamente no campo da política.
Ao final, pretendemos demonstrar que, não obstante juridicamente a separação entre Igreja/Estado tenha ocorrido com a instauração do Brasil República, de fato, as relações entre o religioso e o político são significativamente mais complexas e merecem uma atenção aprofundada, do ponto de vista jurídico e das relações de poder existentes no espaço público, principalmente no que diz respeito às disputas políticas.


Do Brasil Colônia ao Brasil Império

Com o descobrimento do Brasil, o projeto de colonização das novas terras pelo Estado português teria grandes dificuldades de ser implementado sem o apoio da Igreja Católica enquanto instituição legitimadora do poder e responsável pela coesão social e pela unidade nacional. Em boa parte da história da sociedade brasileira, ela foi regida pela legislação portuguesa, ou seja, pelas Ordenações (Manuelinas, Afonsinas e Filipinas), em que o direito do Estado confundia-se com o direito divino, isto é, o direito ditado pela Igreja Católica.

Desta forma, as instituições Igreja e Estado confundiam-se enquanto instituições legitimadoras do poder e normatizadoras dos corpos e das mentes. Ambas tinham pretensões de regular os princípios organizadores da incipiente sociedade brasileira e conquistar a consciência dos sujeitos, bem como deter o monopólio do capital simbólico no imaginário social.

Nesse período da história da sociedade brasileira vigorava o Regime do Padroado, pelo qual os reis de Portugal detinham o direito de criar cargos eclesiásticos, nomear seus titulares, arrecadar o dízimo nos cultos e autorizar a publicação das atas pontifícias. Em contrapartida, os reis de Portugal facilitavam a difusão da religião católica nas novas terras e se responsabilizavam pela construção de igrejas, mosteiros etc., e velavam pela atuação dos agentes religiosos no Brasil Colônia. Enfim, o Papa concedeu aos reis de Portugal o controle da religião e das igrejas que estavam sendo fundadas nas novas terras (Esquível, 2008:164).
No que diz respeito à evangelização/catolização dos indivíduos em terras brasileiras, a Igreja Católica deteve o monopólio no controle da vida cotidiana dos sujeitos, principalmente em matéria de educação e família. Assim, ela ditava o que era ou não moralmente aceitável do ponto de vista moral e jurídico, já que as leis vigentes no Brasil Colônia eram as mesmas de Portugal e, não raramente, confundiam-se com as leis de Deus, ou melhor, com as leis ditadas pela Igreja Católica. Evidente, assim, que a atuação da Igreja Católica foi muito além do campo religioso, haja vista que se estendeu no espaço social e político.

Com a independência do Brasil, ocorrida em 07 de setembro de 1822, as relações Igreja/Estado construídas nos três séculos do Brasil Colônia permaneceram praticamente inalteradas. Desta forma, o Regime do Padroado foi mantido e a ingerência do Brasil Império nos assuntos da Igreja Católica foi reforçada, o que a colocou numa condição de precariedade institucional ainda maior.

A Constituição brasileira de 1824 conferiu à Igreja Católica o título de religião oficial do Império, mantendo sobre ela os mesmos controles e concedendo as mesmas prerrogativas da época do Império, o que demonstra que a separação Igreja/Estado nesse período histórico ainda era precária ou inexistente. O processo de independência não modificou a tutela estatal sobre a Igreja e ela continuou a atuar além do campo religioso, exercendo forte influência no campo social e político.

Neste sentido, a Constituição de 1824, trouxe no seu bojo uma série de dispositivos regulando e legitimando a Igreja Católica, a começar pelo texto do seu Preâmbulo, que foi assim redigido: “EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE”. Isto deixa claro que o poder imperial recorreu ao poder religioso da Igreja Católica como forma de legitimação do poder e da coesão social.

Repise-se que a referida Constituição institui o catolicismo como a religião oficial do Império em seu artigo 5º, assim redigido:

Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.

Como se depreende do dispositivo constitucional acima, o catolicismo foi mantido como religião oficial. Outras manifestações religiosas somente eram permitidas no espaço privado, doméstico. Verifica-se que não havia garantia da liberdade religiosa enquanto direito subjetivo, pois qualquer manifestação religiosa não-católica era meramente tolerada, e somente no espaço doméstico, não sendo possível aos indivíduos exercerem publicamente qualquer outra religião que não fosse o catolicismo.

Entre as disposições constitucionais sobre as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros estava a proibição da perseguição por motivo de religião, mas desde que fossem respeitados o Estado e a moral pública. Contudo, respeitar o Estado e a moral pública significava viver sob as normas editadas pela Igreja Católica e não exercer qualquer outra religião que contrariasse a referida moral.

No que diz respeito ao exercício dos cargos políticos, o indivíduo teria que professar a religião católica, pois se assim não fosse, não podia ser nomeado para deputado. Era o que previa o artigo 95, inciso III: “Art. 95. Todos os que podem ser Eleitores, abeis para serem nomeados Deputados. Exceptuam-se [...]; III. Os que não professarem a Religião do Estado”.

Atente-se que o Imperador, o seu Herdeiro presuntivo, os Conselheiros de Estado, antes de assumirem o poder, deveriam jurar manter a religião católica como religião oficial. É o que dispunham os artigos 103, 106 e 141 da Constituição do Império.

Em relação à ingerência do poder público na Igreja Católica, a situação do Brasil Império era idêntica à do Brasil Colônia. Todos os documentos pontifícios dependiam de avaliação e aprovação do poder secular, e entre as atribuições do Imperador estava a de nomear bispos e controlar os benefícios eclesiásticos. É o que determinava o artigo 102, incisos II e XIV da Constituição do Império.

Desta forma, o que se verifica é a permanência do Regime do Padroado no Império brasileiro. Neste sentido, a Igreja Católica, assim como ocorria no Brasil Colônia, era administrada pelo poder civil sem interferências das diretrizes de Roma.

Todavia, a situação vai se modificando paulatinamente ao longo do século XIX. A chegada dos ideais iluministas da Europa (de orientação liberal) em solo brasileiro modificou de forma significativa as relações entre Estado e Igreja Católica, e chegou ao ápice com a promulgação da Constituição da República em 1891. Com a promulgação da referida Constituição (do ponto de vista jurídico-constitucional) houve a separação das instituições Igreja/Estado.

É a este cenário de ampla modificação das relações Igreja/Estado, ocorrido com a proclamação da República, que daremos atenção a seguir.


Do Brasil República à contemporaneidade: avanços e retrocessos na separação Igreja/Estado

Na Assembleia Constituinte de 1890 (incumbida de promulgar a Constituição da República), a Igreja Católica utilizou todos os seus recursos para que o novo documento fundante da sociedade brasileira incorporasse ao máximo os valores cristãos, diga-se, os valores do catolicismo.

A proclamação da República e com a promulgação da Constituição de 1891, houve a rejeição de qualquer união entre o poder civil e o poder religioso, pondo fim, desta forma, ao Regime do Padroado e instaurando-se um novo regime, o da separação Igreja/Estado. Neste contexto, caberia ao Estado garantir a liberdade e a igualdade de todos os cidadãos, independente dos valores morais e religiosos. O que houve na verdade foi a modernização das bases jurídicas do Estado brasileiro, ou seja, o Estado brasileiro tornou-se, do ponto de vista jurídico-constitucional, um Estado moderno (na acepção da teoria da secularização cunhada nos países centrais), uma vez que, segundo a mencionada teoria, a separação Igreja/Estado é a premissa essencial dos Estados modernos, a laicidade como princípio constitucional do Estado de direito, que “O Estado (diga-se Estado moderno) não busca a salvação das almas, mas sim a máxima expansão das liberdades humanas em um âmbito de ordem pública protegida, ainda que às vezes o exercício de tais liberdades seja contrário aos padrões éticos das religiões”.

A Constituição da República implantou um regime demasiadamente laico, sem recorrer ao poder eclesiástico em seu Preâmbulo, o qual não faz qualquer menção a Deus: “Nós, os representantes do povo brasileiro, reunidos em Congresso Constituinte, para organizar um regime livre e democrático, estabelecemos, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL”. Neste sentido, a nova Constituição, ou mais precisamente, o Poder Constituinte, não buscou qualquer legitimação (no que diz respeito ao jurídico-constitucional) no poder religioso.

De extrema importância naquele momento foi a secularização do casamento, do registro civil, dos cemitérios, o término da educação pública confessional etc. Tal fato significou o fim da separação entre cidadãos católicos e os que não professavam a fé católica, portanto, não-cidadãos, pois os atos jurídicos pelos quais os indivíduos passavam ou deixavam existir eram juridicamente controlados pela Igreja Católica. Assim, se o indivíduo não fosse católico, não existiria diante do Estado, sendo, portanto, despido de cidadania.4 Confira-se o disposto no artigo 72, parágrafos, 4º, 5º, 6º e 7º da Constituição de 1891:
Artigo 72 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

[...].
§ 4º - A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.

§ 5º - Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.

§ 6º - Será leigo, [isto é, laico], o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.

A ruptura das relações Igreja/Estado, oriunda da Constituição da República, elevou o Estado brasileiro ao status de Estado moderno e laico do ponto de vista jurídico-constitucional, não permitindo qualquer ingerência religiosa no espaço público, em especial, no poder político. Paulatinamente, o que houve foi a superação de um Estado legitimado pelo discurso e pelas práticas religiosas em função de um Estado regido pelo direito racionalmente legislado.

Contudo, do ponto de vista das relações sociais, a situação faz-se mais complexa, pois as transformações sociais ocorridas no plano jurídico-constitucional não refletiram mudanças imediatas nas relações sociais, que até então eram constituídas sob o Regime do Padroado, que vigorou no Brasil por aproximadamente 400 anos, durante o Brasil Colônia e Império. Isto porque “a emergência de Estados seculares não tem como decorrência necessária e mecânica a privatização da religião na esfera doméstica” (Monteiro, 2006:49).

O regime de separação das instituições Igreja/Estado trouxe mudanças significativas nas relações de poder, mas esta separação não ocasionou somente consequências negativas para a Igreja Católica. Não obstante a nova legislação ter dificultado a intervenção religiosa em assuntos relativos à moral, à família, à educação etc., a Igreja Católica estava livre para publicar os seus documentos e cobrar o dízimo sem interferências do Estado. Enfim, a separação Igreja/Estado significou para aquela maior autonomia em relação a este, inclusive, para diversificar o seu trabalho pastoral. Externa ao poder político, a Igreja Católica passaria por modificações em suas estratégias de atuação no espaço público da política e do social, podendo assim atuar sem a ingerência do Estado na sua organização interna e no seu trabalho no campo social.

A separação Igreja/Estado, oriunda da implantação da República parecia irrevogável, no que diz respeito às novas alianças entre Estado e Igreja. Assim, a retomada da influência/interferência da Igreja Católica no campo da política era algo considerado improvável. Contudo, a situação faz-se mais complexa do que a separação jurídico-constitucional parece revelar. As relações Igreja/Estado no Brasil foram historicamente conflitivas e contraditórias, e o regime de separação em vigor desde a Constituição de 1891 passou por um processo de relativização com a chegada de Getúlio Vargas ao poder.

Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL DE 16 DE JULHO DE 1934.

Por sua vez, a referida Constituição, em seu artigo 17, também contemplou de forma clara a colaboração recíproca entre a Igreja e o Estado.

Artigo 17 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

II - estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos;

III - ter relação de aliança ou dependência com qualquer culto, ou igreja sem prejuízo da colaboração recíproca em prol do interesse coletivo.

Neste contexto, o ensino religioso foi restabelecido nas escolas públicas, constituindo matéria dos horários das escolas primárias, secundárias etc., o que significou um grande retrocesso nos avanços obtidos com a promulgação da Constituição de 1891. No mesmo sentido, o casamento religioso passou novamente a ter efeitos civis.

A mudança nas relações Igreja/Estado oriundas da Constituição de 1934 implicou grande retrocesso na garantia do Estado laico e, consequentemente, a garantia dos direitos de liberdade e igualdade para todos os cidadãos restou prejudicada. Isto porque o referido documento alterou grande parte dos princípios liberais estabelecidos pela Constituição de 1981, possibilitando a interferência do religioso na política e nos assuntos públicos do Estado.

Tais modificações constitucionais garantiram à Igreja Católica uma preterição estatal em relação às outras religiões. Neste sentido, a referida Igreja reconquistava o seu lugar no espaço público e a sua capacidade de ingerência nos poderes públicos, com grande margem de manobra para defender os seus interesses, principalmente sob o manto “da colaboração em prol do interesse coletivo”.

Com o advento da Constituição de 1937, instaurou-se o Regime do Estado Novo. Tal Constituição foi outorgada para manter as condições de poder do presidente Getúlio Vargas que, frise-se, foi devidamente apoiada pela Igreja Católica. Todavia, as mudanças jurídico-constitucionais das relações Igreja/Estado foram praticamente inexistentes, sendo mantidos quase intatos os dispositivos da Constituição de 1934. Assim, Igreja e Estado colaboravam mutuamente em prol dos seus interesses nesse período de governo autoritário e ditatorial.

No entanto, a reconquista do espaço público pela Igreja Católica esbarrou em novos obstáculos no campo das relações sociais, pois o cenário brasileiro naquele momento histórico era extremamente diverso do cenário do período colonial e imperial. Nos anos 30 e 40 do século XX, o Brasil vive uma grande industrialização e urbanização, com reflexos diretos na relação dos indivíduos com a religião e na reconfiguração das esferas público/privado. E mais: nessa época, outras denominações religiosas (evangélicas, espíritas etc.) começam a ganhar espaço na sociedade brasileira e a Igreja Católica, consequentemente, passa a perder a sua hegemonia na produção de bens simbólicos orientadores do imaginário social.

Com a Constituição de 1946, presencia-se o restabelecimento do regime democrático no Brasil. No que diz respeito às relações Igreja/Estado, estas permanecem praticamente inalteradas. O seu Preâmbulo faz menção a Deus, contudo, avançando quanto aos direitos fundamentais de liberdade de consciência e liberdade religiosa, mas revalidando o casamento religioso com efeitos civis, garantindo à família monogâmica e heterossexual proteção especial por parte do Estado. A referida Constituição manteve ainda o ensino religioso nas escolas públicas.

Entretanto, em 1964, com o golpe militar, houve a ruptura do processo democrático. A Constituição de 1967 e as respectivas mudanças ocorridas em 1969 pouco alteraram o texto da Constituição de 1946 no que diz respeito às relações Igreja/Estado.

Se no plano jurídico-constitucional as relações Igreja/Estado pouco se alteraram entre a Constituição de 1934, 1946 e 1967/1969, nos planos econômico, social, cultural e intelectual as mudanças foram significativas. Talvez, o fato mais relevante neste contexto seja a perda de hegemonia da Igreja Católica, enquanto instituição detentora da produção dos bens simbólicos, ante a expansão de outras denominações religiosas, como mencionado acima. Tal fato fez com que a Igreja Católica alterasse as suas estratégias de atuação e começasse a olhar para as lutas sociais ocorridas no campo, nos sindicatos etc. Enfim, estrategicamente, a Igreja Católica substituiu a tradicional caridade cristã vigorante no Brasil em boa parte de sua história pelo compromisso com as mudanças sociais, o que redundou no surgimento da Teologia da Libertação e, consequentemente, dos Movimentos Eclesiais de Base.

Tal substituição consolidou-se em um momento em que a Igreja, após um primeiro apoio dado à ditadura, novamente se distanciou do Estado, principalmente pela sua atitude de oposição às arbitrariedades do poder ditatorial (lembrando que membros da Igreja Católica, padres, freiras etc., também foram torturados). Nos anos do regime militar, a Igreja Católica intensificou o seu compromisso com a mudança social, sendo a principal instituição defensora dos direitos humanos dos opositores do regime.

Aqui, faz-se necessário atentar que a mudança da postura da Igreja Católica no espaço público teve conotações diversas em épocas anteriores.

Verifica-se que a Igreja posicionou-se claramente em prol da justiça social e da democracia através de uma atuação mais próxima dos grupos vulneráveis e em prol de tais grupos. Contudo, a sua atuação em temas como família, moral, educação, reprodução e planejamento familiar pouco foi alterada. Assim, em relação a tais temas, seus discursos e suas práticas permanecem justificados nas doutrinas e nos dogmas morais e religiosos.

Neste contexto, com o processo de redemocratização do Brasil e com a instalação da Constituinte de 1988, a contradição do discurso da Igreja Católica e de outras denominações religiosas de matriz cristã, agora presentes no espaço público, restou clara, principalmente quando das discussões na Assembleia Constituinte sobre temas considerados caros às instituições religiosas, como contrariar os seus ensinamentos e os seus dogmas. Se a Igreja Católica e outras denominações religiosas detinham um discurso e uma atuação mais progressista no que diz respeito à justiça social, aos direitos humanos e à democracia, em outras temáticas mantiveram o seu histórico conservadorismo.

Desta forma, atuaram de forma expressiva no processo da Constituinte para que os seus interesses fossem garantidos, em especial nas questões relacionadas à família, à moral, à educação e, de maneira marcante, à reprodução, à sexualidade, e\ou ao planejamento familiar, o que se reflete no texto constitucional quanto à luta pela garantia da vida desde a concepção como direito fundamental e à oposição à garantia de direitos (principalmente direitos relacionados à reprodução e à sexualidade) de alguns grupos minoritários, notadamente das minorias sexuais.

Os avanços da Constituição Federal de 1988 em relação à garantia de direitos e à ampliação do rol de direitos humanos são inegáveis. No entanto, no que diz respeito à separação Igreja/Estado pouco ou nada se avançou, pois se compararmos a atual Constituição com as anteriores, especialmente com a Constituição de 1891, verifica-se que esta talvez tenha sido a mais laica da história da sociedade brasileira. Isto porque, na Carta da República, a separação Igreja/Estado é muito mais nítida e clara do que na que está em vigor.

A atual Constituição de 1988 referencia Deus em seu Preâmbulo; dispõe sobre a colaboração entre as religiões e o Estado em ações de interesse público; concede imunidade tributária a templos de qualquer culto; prevê o ensino confessional nas escolas públicas; mantém o casamento religioso com efeitos civis; concede à família proteção especial etc.

Entretanto, parece-nos que, não obstante a Constituição de 1988 ter atendido a vários interesses das Igrejas, o que possibilita a continuação de ingerências das denominações religiosas (principalmente da Igreja Católica) no espaço público, principalmente no campo da política, há o fato de que vivemos em uma sociedade mais secularizada do que a existente no período da Primeira República.

Isto significa que as diferentes esferas sociais, tais como a arte, a cultura, a ciência, a economia e outras, parecem estar cada vez menos impregnadas de valores e influências religiosas. E mais: os discursos e as práticas dos indivíduos religiosos estão progressivamente mais individualizados e subjetivados, o que significa que eles, na sua grande maioria, vêm orientando a sua tomada de decisões sem levar em consideração os ditames das religiões às quais são filiados. Tal fato demonstra a perda de poder das religiões em controlar seus fiéis, sem falar no aumento dos que se dizem sem religião.

Ressalte-se que com a promulgação da Constituição de 1891 o Brasil foi elevado ao status de Estado aconfessional. Desde esta Constituição até a atual Carta de 1988, apesar de retrocessos trazidos pela Constituição de 1934, todas dispuseram sobre a separação Igreja/Estado.

Não obstante isto, houve alterações significativas nos diferentes textos constitucionais e parece-nos que estamos na contramão da grande maioria dos países com regimes democráticos mais sólidos. Nos referidos países houve um distanciamento progressivo entre as Igrejas e o Estado, ao passo que, na nossa sociedade, a Constituição Federal de 1988 incorporou alguns dispositivos em seu bojo que demonstram que o Legislador Constituinte foi bem mais benevolente com as religiões do que a Constituição de 1891. Se fizermos um cotejamento entre as duas mencionadas Constituições, veremos que a atual não diminuiu o espaço conferido à atuação religiosa no terreno público, pelo contrário, ampliou-o.

Basta lembrar que a Constituição de 1891 não fazia qualquer invocação ao nome de Deus em seu texto, não previa educação religiosa nas escolas públicas e prestação de assistência religiosa nas instituições de internação coletiva, rejeitava qualquer aliança entre o Estado e a Igreja Católica, não permitindo sequer a colaboração em prol do interesse coletivo, não previa nenhuma espécie de imunidade tributária e somente reconhecia o casamento civil. Ao contrário, a Constituição de 1988 prevê justamente o contrário.

Não bastasse isto, em novembro de 2008, o Estado brasileiro assinou um Acordo Bilateral com a Santa Sé, concedendo uma série de prerrogativas à Igreja Católica no Brasil. Tal acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional brasileiro e significa uma maior mitigação na separação Igreja/Estado no Brasil, quando, na verdade, para a consolidação da democracia, qualquer proposta de concordata deveria ser confrontada cada vez mais com as exigências do Estado constitucional. Assim, o Estado constitucional deveria impossibilitar a concessão de maior caráter público e publicização de uma religião em detrimento de outras denominações religiosas. Criticando os sistemas concordatários, Machado salienta que:

A técnica dos acordos de vértice entre o Estado e as confissões religiosas assenta em compreensões institucionalistas, pré-constitucionais, atualmente ultrapassadas, em que os protagonistas são as confissões religiosas e o Estado, vistos como sociedades perfeitas, autônomas e independentes, e não os cidadãos, titulares por excelência dos direitos fundamentais. O paradigma de referência continua a ser a contraposição entre os direitos da Igreja e os direitos do Estado em detrimento dos direitos de igual liberdade dos cidadãos.

Neste sentido, podemos perceber o quanto as relações Igreja/Estado são complexas e cheias de idas e vindas, de progressos e retrocessos na perspectiva do Estado constitucional moderno, e o quanto estas relações são alteradas por força das necessidades e dos interesses dos detentores do poder político, bem como dos interesses da cúpula das grandes religiões.

Todavia, tal complexidade parece ser ignorada pelos constitucionalistas brasileiros, uma vez que, a meu ver, tratam do assunto como algo ocorrido com a chegada da República e já consolidado. Desta forma, o tratamento dado à temática das relações Igreja/Estado não é problematizado pelos doutrinadores e constitucionalistas brasileiros, haja vista que quando tratam da questão o fazem de forma resumida e simplista.

O que se percebe é que as ciências sociais vêm dando uma atenção necessária à temática da separação Igreja/Estado, enquanto os juristas não o fazem a contento. Estes parecem reconhecer que a separação Igreja/Estado ocorrida no plano jurídico-constitucional é de extrema importância para o avanço da laicidade do Estado e para a garantia dos direitos fundamentais. Todavia, parecem ignorar o fato de que somente a separação jurídico-constitucional não é suficiente para a legitimação dos processos políticos, a elaboração de leis inclusivas do ponto de vista constitucional e a implantação de políticas públicas que possam atender a todos os cidadãos sem discriminação.

E mais: o tratamento dado pelos juristas e constitucionalistas ao tema da separação Igreja/Estado parece não vislumbrar que tal separação é algo distinto da separação religioso/político e que a delimitação das fronteiras entre o religioso e o político, no caso específico da sociedade brasileira, é demasiadamente porosa diante das disputas políticas, das redefinições e renegociações no contexto do Estado democrático de direito. É justamente esta complexidade das relações/delimitações religiosas/políticas que abordaremos em seguida.


A complexidade das relações religiosas/políticas: o lugar das religiões no espaço público brasileiro

No plano normativo, talvez se possa afirmar que a separação Igreja/Estado no Brasil é um fato dado (do ponto de vista jurídico-constitucional) e que o Estado brasileiro é laico, sem interferências das Igrejas no poder público e na política. Contudo, no plano analítico, verifica-se que a situação é diversa. Na verdade, o que se busca garantir é um Estado laico de fato, mas o que se verifica nas disputas cotidianas das relações sociais de poder é que o religioso ainda se faz presente com grande expressão na arena pública e, não raramente, leis e políticas públicas restam impregnadas de valores religiosos. Tal fato tem implicações negativas graves no que diz respeito à garantia da cidadania e dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, sem qualquer distinção.

O que se pode observar no Brasil é que o vínculo entre religião e política nunca se rompeu. A separação Igreja/Estado ocorreu, juridicamente, com a instauração da República e foi mantida, com algumas modificações, nas Constituições posteriores, inclusive, na Constituição Federal de 1988. Não obstante a separação Igreja/Estado ser constitucionalmente regulada, faz-se necessário ressaltar que as fronteiras entre o religioso e o político são porosas e, portanto, há grande dificuldade de se estabelecerem os limites de atuação do Estado e das Igrejas.

Na contemporaneidade, nas últimas décadas do século XX e no século XXI, muito se tem discutido sobre secularização e dessecularização e sobre o retorno ou a desprivatização do religioso. Para alguns autores estamos presenciando o retorno, a desprivatização e/ou a reconfiguração do religioso.10 Por sua vez, outros autores defendem que vivemos num mundo secularizado, em que a religião foi restringida ao espaço privado, e que o mundo futuro será um mundo menos religioso ou sem religião.

Sem intenção de analisar e cogitar os dois posicionamentos teóricos e ideológicos mencionados acima, posto que não é o objeto do presente trabalho, defendemos que para pensar as relações entre religião e política, no contexto brasileiro, talvez o melhor ponto de partida não seja refletir sobre o retorno do religioso ou da secularização como algo já ocorrido, mas sim a respeito das relações religiosas/políticas como algo historicamente construído e constitutivo da sociedade brasileira. É deste ponto de partida que traçaremos algumas considerações sobre as relações religiosas/políticas.

Hervieu-Léger, ao tratar das mudanças que estão ocorrendo na relação entre os indivíduos e o transcendental, ou melhor, na relação entre os indivíduos e as instituições religiosas na contemporaneidade (da religião em movimento) – oriunda, segundo a autora, principalmente da perda de credibilidade na Modernidade – salienta brilhantemente que a secularização não pode ser confundida com a perda da religião na modernidade. Isto porque a religião nunca deixou de ocupar um importante espaço na sociedade moderna. Desta forma, destaca que:

Falou-se, muito equivocadamente, de “retorno do religioso” ou de “revanche divina”, para designar, desordenadamente, o atual desenvolvimento dos novos movimentos espirituais, o aumento das correntes carismáticas, o retorno das peregrinações [...].

Longe de se ligarem ao universo religioso das sociedades do passado, esses fenômenos, pelo contrário, trazem à luz o caráter paradoxal da Modernidade do ponto de vista da crença.

[...] As instituições religiosas continuam a perder sua capacidade cultural de impor e regular as crenças e as práticas. O número de seus fiéis diminui e os fiéis “vêm e vão”, não apenas em matéria de prescrições morais, mais igualmente em matéria de crenças oficiais. De outro lado, esta mesma modernidade secularizada oferece, geradora que é, a um tempo, de utopia e de opacidade, as condições mais favoráveis à expansão da crença. Mas a incerteza do porvir é grande, mais pressão de mudança se intensifica e mais crenças se proliferam, diversificando-se e disseminando-se ao infinito. O principal problema, para uma sociologia da modernidade religiosa, é, portanto, tentar compreender conjuntamente o movimento pelo qual a Modernidade continua a minar a credibilidade de todos os sistemas religiosos e o movimento pelo qual, ao mesmo tempo, ela faz surgir novas formas de crença. Para responder a esse problema, é necessário ter entendido que a secularização não é, acima de tudo, a perda da religião no mundo moderno.

Outro autor que em muito contribui para as reflexões sobre as relações religiosas/políticas é Casanova (1999:117). Ao pensar a desprivatização da religião, ele afirma que, no mundo moderno, a religião torna-se cada vez mais privada, mas assiste-se, ao mesmo tempo, ao que parece ser um processo de “desprivatização” da religião. Para Casanova, a:

O entendimento de Casanova sobre a desprivatização da religião é no sentido de que esta não abandona o espaço privado para entrar na esfera pública, mas sim para entrar numa esfera pública indiferenciada, ou seja, na esfera da sociedade civil. Assim, para este autor:

Também nos parece muito interessante, para entender as relações religiosas/políticas, os argumentos de Burity (2005:28). Este autor, a partir da análise das reconfigurações das fronteiras públicas/privadas, defende que não vivemos o retorno do religioso ou a desprivatização da religião, pois o que assistimos na sociedade contemporânea é à redefinição das fronteiras das relações entre religião e política. Assim, o que se presencia na sociedade contemporânea é a reconfiguração do religioso através da prática religiosa subjetivada de pluralidade das instituições religiosas. Tal desprivatização tem como consequência a repolitização das esferas religiosa e moral privadas, bem como a renormatização das esferas da economia e das políticas públicas.

Parecem-nos pertinentes os argumentos de Burity, pois falar em retorno do religioso no Brasil é admitir que a religião foi confinada no espaço privado, na sociedade brasileira. Não obstante a separação Igreja/Estado ter sido estabelecida no plano jurídico-constitucional desde a Constituição da República, a Igreja Católica e, mais recentemente, outras denominações religiosas nunca se restringiram (ou se restringem) ao espaço privado. Pelo contrário, no caso do Brasil, a Igreja Católica sempre atuou, em grande parte da nossa história, como prestadora de serviços públicos, na construção de escolas, hospitais etc. e como legitimadora do poder político e, é claro, sempre foi beneficiária de um tratamento privilegiado por parte do Estado, se comparada com outras denominações religiosas que se expandiram no Brasil, principalmente a partir da segunda metade do século XX. Recorrendo mais uma vez a Burity, percebemos que:

Igreja e organizações representativas daquelas vão a público, mantêm interlocução com as autoridades civis e políticas, publicam manifestos, apoiam abertamente candidatos a cargos eletivos, organizam manifestações de rua. O Poder Executivo conclama organismos religiosos a atuarem diretamente, de forma subsidiária ou substitutiva, na implementação de programas sociais em áreas como educação, saúde, violência, geração de emprego e renda [...]. Enfim, a linguagem religiosa reforça ou exprime demandas por direitos humanos ou por identidade nacional em contextos nos quais a linguagem da política ou da cultura secular é ainda muito frágil ou tornou-se suspeita de autoritarismo e indiferença à sorte de milhares de pessoas. Em tudo isso, o que é público ou privado, propriamente político ou propriamente religioso, já não pode ser definido de forma categórica e estável.

Desta forma, tendo em vista a interlocução das Igrejas com a política e com a sociedade civil, faz-se necessário pensar a religião como prática social e pensar a desprivatização da religião como força social e política, o que tem consequências diretas na redefinição do que seja política ou religião. Isto porque o neutralismo da separação entre Igreja/Estado ainda é incapaz e insuficiente para disciplinar as relações entre religião e política.

Desta maneira, repise-se, a teoria da secularização e os atuais argumentos de retorno do religioso parecem não ser para nós o melhor ponto de partida para analisar a presença das religiões no espaço público, principalmente na arena das disputas políticas no contexto contemporâneo. Isto porque o que está em questão na separação entre Igreja e Estado é a separação entre religião e política. No caso do Brasil, especificamente, presenciamos na contemporaneidade a disseminação/circulação do religioso em busca de eficácia política, em que as denominações religiosas reconfiguram o seu discurso religioso como discurso político, objetivando a repolitização das esferas religiosa e moral privadas.

Por sua vez, Giumbelli (2002:54) afirma que a laicidade é uma categoria que tende a remeter para modelos, tal como ocorre com o princípio da separação entre Igreja e Estado. Assim, esses modelos não devem ser confundidos com as descrições da realidade, ou seja, não devem ser sinônimo do funcionamento efetivo das sociedades seculares, pois não se pode confundir a força histórica do modelo da secularização com a sua pertinência como instrumento heurístico. Desta forma, a redefinição das fronteiras entre o religioso e o político é um desafio à ideia de secularização na sociedade contemporânea. Tal fato nos leva a pensar que nenhum modelo ideal é capaz de dar conta das complexas interações entre religião e política na sociedade brasileira, tendo em vista que o projeto colonial português teve na religião (no caso, a católica) uma força que não pode ser desconsiderada.

Dito isto, talvez o grande desafio nas sociedades contemporâneas e na sociedade brasileira seja avançar para a consolidação da democracia e a garantia de direitos, compreendendo as religiões como um importante ator político, bem como as suas interferências/ingerências no plano político como ações legítimas no jogo democrático. Enfim, como garantir direitos iguais a todos os cidadãos numa sociedade cada vez mais diversa, plural e multicultural? Como as Igrejas ou religiões, enquanto atores políticos, podem contribuir na consolidação da democracia e na garantia de direitos, haja vista as suas pretensões de verdade absoluta?
Neste contexto, um ponto que merece atenção é a conveniência ou não da participação do religioso, com seus discursos morais e religiosos nos debates e nos embates políticos no contexto democrático.

Nós nos utilizaremos dos argumentos de alguns autores que aprofundam as reflexões acerca da complexidade das relações religiosas/políticas e problematizam a legitimidade da atuação do religioso na política do jogo democrático. Todos esses autores partem de pontos diferenciados e usam fundamentos diversos, mas todos em menor ou maior grau concordam (ou veem como inevitável) a atuação do religioso no espaço público da política. Para Habermas (2007), os argumentos no debate público têm que ser apresentados em uma linguagem acessível, e devem ser suscetíveis de análise e avaliação por todos os sujeitos, ou seja, os argumentos devem se pautar na razão pública, pois somente um discurso racional e fundado na razão pública poderá resultar em deliberações capazes de garantir direitos de liberdade e igualdade a todos os cidadãos indiscriminadamente. Segundo o autor, apenas a “assunção de uma razão humana comum constitui a base epistêmica para a justificação de um poder do Estado secular que independe de legitimações religiosas” (Habermas, 2007:135).

Segundo Habermas, no Estado regido por uma Constituição democrática, onde o poder político não mais se fundamenta no transcendental, faz-se necessário preencher a lacuna em termos cosmológicos do referido poder. Desta forma, o procedimento democrático extrai a sua força geradora da participação política simétrica dos cidadãos enquanto autores e, ao mesmo tempo, destinatários das leis. E mais: é necessário que os resultados da participação política possam ser aceitos por todos. Neste sentido, de acordo com o mesmo autor:

As expectativas e os modos de pensar e de se comportar dos cidadãos, que não podem ser simplesmente impostos mediante o direito, podem ser, no entanto, explicitados a partir desses dois componentes da legitimação. As condições para uma participação bem-sucedida na prática comum de autodeterminação definem o papel de cidadão do Estado: os cidadãos devem respeitar-se reciprocamente como membros de sua respectiva comunidade política, dotados de iguais direitos, apesar de seu dissenso em questões envolvendo convicções religiosas e visões de mundo (Habermas, 2007:137).

Habermas (não obstante salientar que os argumentos usados no debate no espaço público devam ser racionais) fundamenta que o religioso pode trazer contribuições para o debate público. Isto porque:
Cidadãos secularizados não podem, à proporção que se apresentam no seu papel de cidadãos do Estado, negar que haja, em princípio, um potencial de racionalidade embutido nas cosmovisões religiosas, nem contestar o direito dos concidadãos religiosos a dar, em uma linguagem religiosa, contribuições públicas. Uma cultura política liberal pode, inclusive, manter a expectativa de que os cidadãos secularizados participarão de esforços destinados à tradução – para uma linguagem publicamente acessível – das contribuições relevantes contidas na linguagem religiosa (Habermas, 2007:128).

A construção teórica e as reflexões de Habermas são valiosas para pensar a participação dos mais diversos atores políticos religiosos na arena das disputas políticas nas sociedades democráticas contemporâneas.

Para o autor:

O Estado liberal possui, evidentemente, um interesse na liberação das vozes religiosas no âmbito da esfera pública política, bem como na participação política de organizações religiosas. Ele não pode desencorajar os crentes nem as comunidades religiosas de se manifestarem também, enquanto tal, de forma política, porque ele não pode saber de antemão se a proibição de tais manifestações não estaria privando, ao mesmo tempo, a sociedade de recursos importantes para a criação de sentido. Os próprios cidadãos seculares como também os crentes de outras denominações podem, sob certas condições, aprender algo das contribuições religiosas, tal como acontece, por exemplo, quando eles conseguem reconhecer, nos conteúdos normativos de uma determinada exteriorização religiosa, certas intuições que eles mesmos compartilham (Habermas, 2007:148-149).

Neste contexto, cidadãos seculares e religiosos precisam passar por um processo de aprendizagem complementar. Contudo, a grande dificuldade é conciliar o respeito mútuo de todos os cidadãos e possibilitar uma aprendizagem complementar entre eles quando os discursos na arena pública envolvem questões morais religiosas sensíveis, tais como aborto, eutanásia, união afetiva homossexual etc., em que as denominações religiosas entram no discurso público com sua pretensão de verdade absoluta e, portanto, inegociáveis.

Como se verifica, para a garantia da comunidade democrática é fundamental a separação Igreja/Estado e a separação do que é religioso do que é político, mas os discursos das religiões, segundo Habermas, não podem ser desprezados na arena pública, ou seja, as Igrejas não podem ser desconsideradas como atores políticos nos debates e nos embates do jogo democrático. Desta forma, faz-se necessário compreender que o Estado democrático tem que estar sintonizado epistemologicamente com as sobrevivências das denominações religiosas, que nunca foram isoladas completamente no espaço democrático.
Outra autora que merece ser lembrada é Chantal Mouffe. Esta autora, contrapondo o modelo de democracia deliberativa de Habermas, fundamenta que as religiões também não podem ser ignoradas enquanto atores políticos nos debates e nos embates na arena pública. No entanto, a participação do religioso na política deve respeitar os limites constitucionais. Para Mouffe:

Falar de separação Igreja e Estado, portanto, é uma coisa; outra é falar de separação entre religião e política; e outra ainda é falar de separação entre o público e o privado. O problema está no fato de que esses três tipos de separação são às vezes apresentados como de algum modo equivalentes e requisitando-se mutuamente. A consequência disto é que a separação entre Igreja e Estado é vista como implicando a exclusão de todas as formas religiosas da esfera pública.

[...] Não acho que esta concepção possa ser defendida. Na medida em que atuem nos limites constitucionais, não há qualquer razão pela qual os grupos religiosos não devam intervir na arena política para pronunciar-se em favor de ou contra certas causas. Certamente, muitas lutas democráticas têm sido informadas por motivos religiosos. E a luta pela justiça social tem com frequência sido fortalecida pela participação de grupos religiosos [...]. As tradições possuem poder de aglutinação especial no trato de intuições morais principalmente no que tange a formas sensíveis de uma convivência humana, Tal potencial faz do discurso religioso que vem à tona em questões políticas referentes à religião um candidato sério a possíveis conteúdos de verdade, os quais podem ser, então, tomados do vocabulário de uma determinada comunidade religiosa e traduzidos para uma linguagem acessível em geral (Mouffe, 2006:25-26).

Na mesma direção, Machado (1996:50) afirma que “as doutrinas religiosas fazem parte de uma background culture, revestindo um valor meramente indicativo, diante do qual o direito constitucional, situado num diferente jogo de linguagem, permanece cognitivamente aberto, mas normativamente fechado”.
Os argumentos de Chantal e Machado nos chamam a atenção, mas talvez não sejam suficientes para pensar e analisar a complexidade das relações religiosas/políticas no Brasil. Isto porque na sociedade brasileira as religiões trazem para o debate político-jurídico suas concepções e dogmas teológicos como verdades absolutas e pretendem conferir-lhes um valor decisivo no plano jurídico-constitucional, pondo assim em risco a garantia dos direitos de liberdade e igualdade de todos os cidadãos.

No mundo contemporâneo, e na sociedade brasileira contemporânea, nos parece cada vez mais problemático estabelecer quaisquer limites constitucionais à participação dos grupos religiosos no espaço público, principalmente no campo das disputas políticas, já que as mais diferentes denominações religiosas mudaram estrategicamente o seu discurso, travestindo-o em discursos científicos e fundados nos princípios dos direitos humanos. Assim, nem sempre é fácil neles identificar os fundamentos morais e religiosos.
Interessante também são os argumentos de Vaggione (2005). Partindo da premissa de que as religiões sempre atuaram e continuam atuando na esfera das disputas políticas (principalmente na América Latina), fundamenta ele que o grande desafio na contemporaneidade é compreender as religiões e suas influências como parte legítima do jogo democrático. Para este autor:

As reflexões de Vaggione nos parecem úteis para pensar e analisar as relações religiosas/políticas na sociedade brasileira, pois no Brasil as religiões sempre estiveram presentes no espaço público e, na contemporaneidade, continuam a ter nele uma presença significativa, principalmente na arena política – ressalte-se, com grande legitimidade e, portanto, sendo um importante ator político no cenário democrático. Assim, remeter a atuação do religioso somente ao problema do fundamentalismo ou da superação da separação Igreja/Estado pode não ser a melhor forma de lutar por uma sociedade mais diversa, multicultural e democrática, bem como garantir os direitos de igualdade de liberdade a todos os cidadãos, especialmente os direitos sexuais e os direitos reprodutivos.

No contexto do Brasil e da América Latina, torna-se necessário entender com clareza e de forma estratégica que os movimentos religiosos, em matéria de direitos sexuais e direitos reprodutivos, estão empreendendo todos os esforços para fazerem valer as suas ideologias e os seus interesses na elaboração das leis e das políticas públicas. Neste sentido, tais movimentos têm interpretado os conceitos e os princípios constitucionais com base em suas concepções e doutrinas religiosas, o que é algo demasiadamente perigoso do ponto de vista da garantia de tais direitos.

Por fim, é necessário considerar que no Brasil a construção do Estado-nação contou com uma significativa aproximação entre a Igreja Católica e o Estado e entre o religioso e o político. Por sua vez, ressalte-se que as crenças no nosso país não se restringem à esfera da subjetividade, mas são compartilhadas coletivamente, inclusive no campo da política, independente da vigente regulação jurídico-constitucional das relações Igreja/Estado. Desta forma, talvez seja o momento de os estudiosos e os especialistas da religião começarem a relativizar os seus postulados teóricos clássicos e, consequentemente, os seus pontos de partida para pensarem as religiões como importantes atores políticos do jogo democrático. Somente assim, acreditamos, será possível entender de forma mais clara a complexidade das relações religiosas/políticas na sociedade brasileira e avançar no processo de consolidação da democracia e na garantia dos direitos fundamentais, principalmente dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos.


Considerações finais

Ari Pedro Oro, ao analisar as relações entre religião, coesão social e o sistema político na América Latina, afirma ser possível uma democracia latino-americana não isolada do religioso, já que nesta região, onde se inclui o Brasil, a religião nunca se restringiu (ou se restringe) à esfera da subjetividade. Pelo contrário, na referida região as religiões se espraiam no espaço público e, desta forma, interagem com as instâncias sociais e políticas (Oro, 2008:53).

A fala de Oro ilustra bem a complexidade das relações religiosas/políticas no Brasil. Nestes termos, talvez seja necessário traçar um caminho onde não necessariamente o poder político tenha que estar isolado do religioso para que se garantam, de fato, a democracia e os direitos fundamentais na América Latina e no Brasil.

Assim, como exposto acima, ainda que seja um desafio, para avançar no processo de consolidação da democracia e da garantia dos direitos fundamentais, talvez seja necessário não isolar as religiões da arena pública, até porque nunca se logrou sucesso nessa empreitada. Desta forma, é importante entender a complexidade do religioso repolitizado na sociedade contemporânea e que o religioso sempre foi e é um importante ator político na sociedade brasileira.

Nas complexas relações religiosas/políticas, as disposições constitucionais que tratam da separação Igreja/Estado desde a Constituição de 1891 são de extrema importância, e em muito contribuem para a garantia da liberdade e da igualdade dos cidadãos. Ocorre que a separação jurídico-constitucional da Igreja/Estado não dá conta das complexidades sociais e das disputas políticas na arena pública. Exemplo disto foi o Acordo Bilateral (Concordata) firmado entre o Estado brasileiro e a Santa Sé em novembro de 2008. Portanto, o modelo teórico da secularização e da separação Igreja/Estado possivelmente não seja o ponto de partida mais apropriado para analisar a realidade brasileira.

Dessa maneira, no presente trabalho, o que tentamos foi analisar a separação Igreja/Estado nas Constituições brasileiras, a fim de demonstrar que o progresso da referida separação (do ponto de vista do constitucionalismo liberal) não se dá de forma retilínea, mas com movimentos de idas e vindas, com avanços e retrocessos, com maior ou menor proximidade entre Igreja e Estado. Contudo, os constitucionalistas e os juristas parecem ignorar a complexidade de tal separação e tratam da temática como algo dado e sem controvérsia.

No segundo momento do trabalho, a partir da análise da separação Igreja/Estado nas Constituições brasileiras, procuramos demonstrar que tal separação é algo diverso do que alguns autores denominam separação religiosa/política. Isto porque as relações entre religião e política na arena pública, em especial no campo das disputas políticas pelo poder, são algo mais complexo que merece estudos que vão além dos modelos teóricos da secularização e da separação Igreja/Estado, uma vez que esses modelos não são suficientes, acreditamos, para uma análise mais aprofundada das referidas relações.

Neste ponto, como argumento, trouxemos as reflexões teóricas de alguns autores sobre a complexidade das relações religiosas/políticas, no sentido de que as religiões, diferente do que defendem os partidários da teoria da secularização, podem e/ou devem participar enquanto atores políticos dos debates e dos embates na arena política democrática.


Rulian Emmerick
Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional – PUC-Rio
Doutorando da Escola de Serviço Social – UFRJ
Rio de Janeiro, Brasil

domingo, 2 de dezembro de 2012

Que Saudade Do Poder Moderador



O momento que passamos hoje não é o pior nem o melhor de nossa história política. Apenas mais uma passagem de falcatruas, corrupção, malandragem, descaso, picaretagem, fisiologismo, apadrinhamento e roubo público. Mas o que mais incomoda não são essas notícias corriqueiras do nosso dia-a-dia dentro do cenário que ronda as casas legislativas, e sim o processo absurdo que os políticos tramitam para votação em plenário. Que processo é esse? O de aumentar em quase 100% os seus próprios salários. A questão envolve muito mais coisas que o senso comum possa imaginar.

Se existe essa vontade enorme do legislativo em equiparar o salário com o judiciário, porque não diminuir o teto deste segundo, ao invés de querer aumentar o do primeiro? Porque não chegar a um acordo democrático, pois dizem que vivemos em uma democracia representativa e que nós escolhemos aqueles indivíduos que melhor nos representarão em Brasília? Será que antes de nós votarmos neles, algum deles manifestou em campanha que gostaria de aumentar seus próprios salários? Que prefeririam se digladiarem a agirem em conjunto em prol do país? Essas são perguntas que talvez o aquecimento global talvez não deixe responder, pois nossas gerações vindouras nem venham a existir.

O aumento do salário dos deputados federais e senadores significam não só o aumento de mais de 600 funcionários. Muitas pessoas não sabem que, por exemplo, um deputado estadual ganha 75% do salário de um deputado federal; e que um vereador ganha 75% de um salário de um deputado estadual. Façam as contas e teremos um aumento cataclísmico daquelas pessoas que se dizem serem os representantes do povo. Mas o mais grave não é isso. Muitas pessoas também não sabem que os 12 mil e pouco que esses deputados ganham é a menor parte de seu ordenado, pois existem algumas gratificações como auxílio paletó, auxilio moradia, e outras regalias que chegam a mais de 50 mil. Imaginem o que o dobro do salário não traria de benefícios para todos nossos queridos organizadores, legisladores e justos rapazes da capital?

Agora chego ao ponto do título deste artigo. Para quem não sabe o poder Moderador era utilizado por um de nossos imperadores para manter a ordem quando os outros três (Executivo, Legislativo e Judiciário) não chegavam a um acordo ou abusavam do poder público. Reconheço que o poder Moderador também possa ser um abuso do poder público, mas pelo menos seriamos controlados por um e não por milhares de corruptos.

 Hugo Leonardo Cavalcanti

Justiça para todos



Ao tomar posse na presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa terá como missão consolidar a identidade da Corte Constitucional, preservando a mais respeitada imagem entre os Poderes da República e os órgãos a serviço do Estado. O elevado patamar de respeito alcançado pelo STF não é resultado apenas do julgamento da Ação Penal 470, em fase de conclusão, mas de gradativo processo de reconhecimento da sociedade por suas corajosas decisões.

Nos últimos anos importantes temáticas acenderam o debate público. Basta lembrar questões como racismo e antissemitismo, progressão do regime prisional, fidelidade partidária, Lei da Ficha Limpa, proibição de nepotismo na administração pública, direitos dos índios, direito de greve dos servidores públicos, interrupção da gravidez de feto anencéfalo, uso de células-tronco embrionárias humanas e relações homoafetivas, entre outras. O chamado mensalão coroa o ciclo de percepção social sobre o Supremo, pelo fato de desfazer a cultivada impressão de que, aqui, poderosos costumam desprender-se das teias da lei e pelas implicações político-partidárias que deflagra.

As críticas feitas pelo PT à condução do julgamento que “condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados”, por mais que se desdobrem em atos internos de protesto ou externos de apelação a organismos internacionais (iniciativa de pouco crédito), não conseguirão empanar a aura que envolve nossa mais alta Corte. Por isso mesmo faz sentido acreditar que a semente moral plantada pelo corpo de ministros na seara política deve alterar comportamentos de representantes e governantes, cientes de que doravante deverão cuidar para não ultrapassar limites no campo de costumes e práticas.

Ao presidente Barbosa compete, pois, zelar pela densa base de respeito conquistada pela Casa, para a qual, aliás, ele contribuiu com a argamassa de seu relatório sobre o mensalão. Impõe-se agora um comportamento ancorado nas regras ditadas pela liturgia do cargo e o empenho para atingir a elogiável e anunciada meta de acelerar o processo decisório para dar vazão a milhares de processos que se acumulam nos gabinetes.

Dito isto, registre-se o papel do presidente que deixou a Corte, tangido pela compulsória, Carlos Ayres Britto, que merece loas pela maneira como conduziu o julgamento da Ação Penal 470. Lhaneza, cordialidade, simplicidade, disciplina, capacidade de juntar os contrários emergem como virtudes desse magistrado sergipano, cujo pendor para a contemplação e a meditação, sob um véu de espiritualidade, funcionou como eixo de equilíbrio e luz do bom senso. Quase um milagre, por se saber que, naquele ambiente, os egos tendem a se inflamar.

Há pouco mais de três meses, ao chamar a si a responsabilidade de comandar o julgamento da mais emblemática ação penal do Supremo e o maior caso de corrupção no Brasil, Britto parecia navegar sozinho num oceano de descrença. Mas, com o processo na reta final, saiu sob aplausos, reconhecido como magistrado que honrou a toga, um ser profundamente arraigado nas raízes do humanismo, capaz de colorir a práxis do cientista jurídico com as cores exóticas da física quântica, tudo isso embalado na expressão da alma poética. Feliz, confessa: “Não perdi a viagem”. O País, que o acompanhou no caminhar do avanço, também não.

Resta ponderar sobre o teor crítico dirigido ao STF pela condenação de políticos. Parcela do descontentamento aponta como base argumentativa a “decisão de caráter político”, como se os mais altos dignitários da Justiça, que são irremovíveis de seus cargos, fossem induzidos a punir determinado partido.

Ora, foram condenados atores de mais de uma sigla. Quanto ao caráter “político” da decisão, é oportuno lembrar que as Cortes Constitucionais exercem uma função política, caracterizada na interpretação e decisão sobre a separação de Poderes, sobre o federalismo e a defesa dos direitos fundamentais. Em suma, tomando posição a respeito das instituições do Estado. Se a política tem como missão servir à polis, o Estado elege como dever primacial preservar a sociedade, promovendo seu bem comum. Tal meta integra o escopo das Cortes judiciárias, não apenas dos Poderes Executivo e Legislativo. A relação das temáticas expostas no início deste texto denota o caráter político que as acolhe. Entende-se o verbo ácido contra o colegiado jurídico como manifestação (democrática, sem dúvida) de grupos acocorados nos pedestais do poder, principalmente quando as condenações atingem figuras de proa do partido que comanda o governo.

Não é de hoje que a Corte Constitucional é alvo de pressões contrárias à sua atuação. O interesse público nem sempre é o interesse de alguns públicos. Em 1893, dois anos após ser criado o STF, suas galerias, no Rio de Janeiro, eram tomadas por grupos que vaiavam e aplaudiam os votos de ministros, que concediam ou negavam habeas corpus a presos políticos. Floriano Peixoto, o presidente da República, depois de ameaçar fechar a Corte por não concordar com a soltura de um senador adversário, deixou de preencher vagas resultantes da aposentadoria de juízes. O tribunal passou meses sem trabalhar por falta de quórum.

Getúlio Vargas, em 1931, reduziu por decreto o número de 15 para 11 juízes, aposentando 5 deles compulsoriamente. A ditadura de 1964 aumentou o número de magistrados para 16, mas depois voltou aos 11. Foram atos de força contra a independência do STF. Nos EUA, os 9 magistrados que formam a Suprema Corte vez ou outra decepcionam os presidentes da República (republicanos ou democratas) que os nomeiam. Lá exercem a função por toda a vida ou até quando pedem para sair. Aqui aos 70 anos se aposentam compulsoriamente. Um buraco de monta no nosso edifício judiciário.

Mesmo assim, é tempo de esperança. Pois tremula no mais alto mastro das instituições a crença de que a justiça, agora, chega para todos.

Gaudencio Torquato

domingo, 18 de novembro de 2012

Cinco razões pelas quais a monarquia é um sistema melhor


1- A monarquia representa a pluralidade da identidade e da constante renovação na continuidade

A democracia exige a mudança cíclica dos governantes. Nenhuma outra parte pode estar permanentemente no poder e na alternância é um componente fundamental do sistema. Mas nesse mesmo sistema, o monarca pode e deve representar os valores de um país onde o chefe de Estado se mantém. E para representar torna-se um elemento de convergência entre os interesses diferentes de identidade política e étnica. Um Rei de Espanha, que detém títulos como o rei de Castela, Leão, Aragão, Navarra, Valência, Galiza, Maiorca, Córdova, Múrcia, Gibraltar, das Ilhas Canárias, o conde de Barcelona e Senhor da Biscaia, para falar apenas dos territórios que hoje são o espanhol ou aspiram por unanimidade, que eles são, necessariamente visto como uma referência mesmo para aqueles que não se sentem necessariamente espanhol.

2- A monarquia é uma forma mais moderna

A República é um sistema mais natural, ou seja, é mais elementar, mais atrasada. Cada civilização é uma subtração à natureza. Tudo é menor natural. A partilha comum de bens é mais natural do que a propriedade. Qualquer civilização-Kings, propriedade, contrato de casamento, envolve um elemento de modernidade e complicação e artificialidade, sobrepostas, como freio e limitar os naturalidade. Como também são acréscimos à natureza da educação, boas maneiras ou empate. E precisamente porque o desenvolvimento e liquidação através dos séculos levando a uma monarquia, você tem que entender que é na mão de qualquer pessoa ter uma monarquia, mas ele está tendo uma república. Uma revolução é feita em 24 horas, a monarquia é a colonização dos séculos.

3- A Monarquia permite independência

O Crown Prince ou sucessor, como seu pai ou parente do rei não pode ser usado por políticos, e que deve o seu estatuto com a natureza é designado a partir do nascimento e da nação conhece como energia primordial, tais lutas em cúpula. Em uma época como a nossa racionalista pode parecer anacrônico princípio hereditário: baseia-se na parte física do homem que o racionalismo e idealismo que a nossa sociedade despreza e crescido além da medida.

Mas na realidade o corpo é tão humano quanto o espírito, e herança é o único modo de nomeação de chefe de Estado não é manipulável, que investe o Rei da independência, a condição mais importante na função. O que dá valor imbatível para Monarquia herança é o chefe de Estado para a independência que lhe dá herdou status. Ea condição tem que ser herdada dentro de uma família. É o que o político e diplomata francês Charles Benoist resumida na máxima "uma dinastia, sempre a mesma, sempre renovada em uma monarquia."

Como José Maria Pemán argumentou em suas "Cartas a um céptico sobre as formas de governo": "Tanto quanto me esforcei nunca sagacidade ser encontrado imediatamente transmitida de qualquer forma, sem intervalo ou interrupção, comparável em clareza e rapidamente para a transmissão familiar de pai para filho. Assim, todas as bases sociais que exigem continuidade e características de permanência têm historicamente e cientificamente caráter familiar, daí o "pai" é a grande palavra que aparece sillar inabalável escondida na raiz etimológica de tudo o que designa um pilar fundamental da sociedade humano. Uma coisa de pai soa do país, que é a nação e patrimônio, que é a propriedade, e do patriarca, que é a autoridade. Uma coisa pai tem que soar muito, se não no nome, na realidade querida, a melhor forma de governo, "a monarquia. E, para terminar seu Pemán idéia conclui: "A família, não o indivíduo, é secularmente a propriedade assunto, o destaque ou a honra. O que é estranho é também o tema do Governo? "E fora da propriedade, não há outra escolha do que a escolha, com restrições de sua dependência, mesmo servilismo e lucro busca de poder dentro.

4- O pior Rei é melhor

A condição humana é imprevisível. A história de todas as monarquias do mundo existe ou foi gerou soberanos bons e ruins. E muitas vezes não é o pior de que estavam no trono no momento da mudança de regime. Mas a monarquia evoluiu o conceito de soberania nacional, e hoje, no Ocidente, é parte de regimes constitucionais. Num sistema constitucional-como, por exemplo, os espanhóis- potestas dos quais tem um Rei é muito limitada.

E um mau rei teria pouca chance de prejudicar a nação, precisamente porque os seus poderes são muito circunscritas. Mas um bom rei enche de auctoritas graças à sua forma de domínio de nenhuma outra maneira pode conseguir essa autoridade. Mas um mau presidente de uma república é constantemente agindo para obter a continuar o seu trabalho, muitas vezes dominar seus poderes tentando justificar a sua presença como chefe de Estado e gera crise como a que acabamos de viver um dos países mais importantes da Europa onde aprendemos que o presidente de corrupção e renunciou após meses recusando-se a aceitar as suas responsabilidades.

5- Nenhum sistema é perfeito, é o melhor possível

Se é relativamente fácil de diferenciar entre os políticos que sempre pensam na próxima eleição e aqueles que pensam nas próximas gerações pode-se dizer, a priori, que o político natural tem ido às urnas para pensar na próxima eleição, enquanto para Prince é sempre mais fácil pensar nas próximas gerações. Porque o Rei é o deputado de todos aqueles sobre votação, aqueles que votam e os que não votam. O homem é capaz de compreender os princípios universais e, como resultado, às vezes se pensa existir no mundo criado: grande erro, pode habitar sua mente, aumentar a sua vontade, mas não se aplicam porque eles são seres de razão.

Nós nos esforçamos para a perfeição , mas um erro ao definir enteléquias padrões. Monarquia hereditária é o padrão perfeito para o governo da sociedade, é, nem mais nem menos, o governo melhor possível para seres limitados. E a distinção entre limite e está perfeitamente claro, mas muitas vezes esquecem. Lembre-se do exemplo clássico: a mula não entende um silogismo, mas não por imperfeição do silogismo, é limitando a mula, que é, no entanto, uma mula perfeita sem conhecer a teoria do conhecimento.

Mais com um sentimento. Irracionais e talvez por isso, muito verdadeiro. Disse José Maria Pemán na obra citada: "Ao lado de Carlos V de Ticiano, um presidente da República tem um retorno certo, não vou dizer que ao chefe tribal, mas para o chefe da aldeia ou magistrado . " Essa afirmação é de 1937. Muitas parece inteiramente válido.

RAMON PEREZ-MAURA