"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 27 de abril de 2013

Brincando de desmontar a ordem institucional



Uma proposta “aloprada” da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara deixa à mostra a leviandade com que certos projetos são arquitetados

Não nasceu sob um signo favorável a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que pretende limitar os poderes do Supremo Tribunal Federal. Segundo o líder do PT na Câmara, José Guimarães, a proposta “não é assunto do partido, e a matéria não foi discutida na bancada”. O presidente da Casa, deputado Henrique Alves , declarou que a decisão da Comissão de Constituição e Justiça foi “inusitada”, e que não instalará a comissão especial encarregada do assunto enquanto não tiver “uma definição muito clara do que é o respeito e a harmonia dos poderes”. Sábias palavras, ecoadas pelo vice-presidente da República, Michel Temer, para quem “houve uma demasia. A palavra última há de ser sempre a do Poder Judiciário, especialmente em matéria de constitucionalidade”.

Entraram, assim, em ação os bombeiros, o que é consolador, mas sem que se desfaça totalmente o clima criado pela proposta “inusitada” da CCJ da Câmara. De um dia para a noite, sem discussão, tira-se da cartola uma armação destinada a tolher as ações do Supremo. Qual sua origem? Uma comissão da Câmara de que fazem parte dois “mensaleiros” e um político que, se sair do Brasil, será preso pela Interpol.
A PEC aprovada por unanimidade pela CCJ estabelece que, quando o STF declarar a inconstitucionalidade de emendas à Constituição aprovadas pelo Congresso, isso não produzirá efeito imediato. A decisão da Corte será submetida à apreciação do Congresso. Se deputados e senadores votarem contra a decisão do STF, recorre-se à consulta popular.

Assim, com uma penada, revoga-se o ordenamento jurídico do país, baseado na separação dos poderes, e entra-se no terreno da “democracia popular” tão estimada por esquemas como o chavismo e o kirchnerismo (que acaba de enfiar goela abaixo do seu Congresso uma proposta nesses moldes).
Não é preciso muito esforço (bastando examinar a composição da CCJ) para ver nessa proposta, que parece natimorta, mais um dos movimentos de reação ao julgamento do “mensalão”. Quer-se, de todos os modos, castigar o Supremo por ter cumprido o seu papel.

Um dos argumentos para isso é dizer que o Supremo vai além das suas atribuições. Uma das peculiaridades do nosso sistema institucional é uma Constituição detalhista, carregada de regulações que poderiam caber perfeitamente em leis ordinárias. Enquanto essa situação perdurar, o STF estará mesmo um pouco por toda parte, sobrecarregado de atribuições. Mas isso não lhe retira o papel de fiel da balança no jogo dos três poderes.

Basta examinar com cuidado o julgamento do “mensalão” para verificar que ali existiram, em doses generosas, o trabalho sério e o discernimento que parecem estar longe do alcance da CCJ da Câmara.

Fonte: O Globo

A separação dos poderes


Desconsiderando o fato de que há dois mensaleiros, e outros tantos petistas, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, o que por si só já seria motivo para duvidar da legitimidade e civilidade da Proposta de Emenda Constitucional que deseja submeter decisões do Poder Judiciário ao Poder Legislativo, podemos entender que tal iniciativa não passa de outra afronta aos interesses de uma sociedade que ja carece de direitos individuais garantidos e de um ambiente institucional estável.

Num país como o Brasil, onde Estado de Direito é muito mais uma aspiração do que uma conquista consolidada, onde as bases de uma sociedade liberal são tênues e desrespeitadas amiúde, devemos rechaçar com veemência manobras que pretendem extingui-las de vez, como agora intenta o grupo de deputados revanchistas.

Se temos no Brasil um Poder Executivo legisferante, um Poder Legislativo perdulário, e um Poder Judiciário leniente com os desmandos dos demais poderes da República, podemos afirmar, sem medo de errar, que há em nosso país, uma inversão total de papéis com a transferência sistemática de funções e a contumaz displicência com as responsabilidades atribuídas a cada instância.

Além de cada Poder não fazer o que deveria, vem fazendo aquilo que não deve. E mais, agora para piorar, há aquele Poder que pretende fazer tudo: gastar, investigar, legislar, anistiar e julgar.

Estaremos de volta, se é que um dia saímos, a um regime ditatorial mal disfarçado de democracia. Bem ao estilo brasileiro, redesenharemos o absolutismo, transformando-o em uma obra político-institucional pós-moderna, esculpida exatamente pelo Poder da República, o Legislativo, que aceita, com festa, que condenados pela Justiça exerçam seus mandatos políticos para exatamente retaliar contra quem os julgou e condenou.

Não é necessário ser um jurista para entender que o Poder Judiciário não legisla quando julga, e que, se o Poder Legislativo passar a ter ingerência sobre decisões judiciais, estará contrariando a teoria da separação de poderes com seus balanços e contrapesos, comprovada arma contra o arbítrio.

Ora, sabemos que nossos instrumentos legais não são oriundos de uma tradição consuetudinária. São todos prescritos, diria até, exageradamente prescritos, ao ponto de termos uma Constituição Federal que mais parece um minucioso manual de boas intenções com detalhadas regras de funcionamento que demandam comportamentos quase sempre impossíveis de serem exercidos, o que acaba ou emperrando as relações espontâneas ou transformando a todos em foras-da-lei.

E por que os deputados que querem solapar a separação de poderes tentam identificar uma decisão judicial como se fosse uma lei? Apenas para terem um argumento, ainda que sofistico, para dizer que o Poder Judiciário legisla.

É óbvio que esse argumento é falacioso. O Poder Judiciário não está criando uma nova lei.

Os conflitos julgados pelo Judiciário, originam-se de ações de inconformidade com alguma lei anterior. Essa lei pode ter sido originada no Legislativo ou através de contratos privados, que tem força de lei para as partes envolvidas e se baseiam nas leis advindas do Legislativo, promulgadas anteriormente.

Assim, as decisões judiciais são tomadas com base ou na lei estatal ou nas leis privadas estabelecidas pelos contratos particulares. O judiciário não está legislando, está julgando baseado na legislação existente.

Cabe ao Judiciário julgar e decidir, com independência, sobre casos concretos existentes, interpretando a lei estabelecida. Esse é o seu papel. Inclusive, é função do Poder Judiciário, quando for o caso, se contrapor aos Poderes Legislativo e Executivo para o bem da justiça.

Se o Judiciário, baseado na Constituição, entender que uma lei estatal é uma aberração, pode e deve julgá-la inválida. A súmula vinculante é apenas uma prerrogativa administrativa para evitar que casos idênticos, com as mesmas características, sejam julgados repetitivamente da mesma forma.

Parece que os deputados, não levaram em conta que as leis oriundas do Legislativo deveriam ser aplicadas para casos futuros, não conhecidos. Ora, as súmulas vinculantes tratam de casos passados conhecidos e existentes, casos estes que criaram jurisprudência própria e não são casos futuros desconhecidos, de aplicação geral.

Uma decisão judicial, como já disse antes, é antecedida pela existência de uma lei. O legislador que produz leis estatais ou os contratantes que firmaram leis privadas, já se manifestaram. Se o fizeram mal ou se criaram um conflito, agora é a vez do Judiciário, exclusivamente, se manifestar.


 Roberto Rachewsky

domingo, 21 de abril de 2013

A democracia direta em Rousseau


Rousseau é um dos principais pensadores da concepção jusnaturalista ou contratualista. Suas obras serviram de referencial à Revolução Francesa e permanecem como fundamentais ao entendimento do que conhecemos por Estado moderno. O grande diferencial de sua teoria, se comparada a outros contratualistas, é a exigência da participação direta do povo no ato legislativo. A forte crítica ao Estado representativo permite uma interpretação de Rousseau como um crítico do liberalismo, teoria emergente em sua época. Entretanto, para conseguirmos perceber o que implica a afirmação da democracia direta em Rousseau é fundamental situar este princípio no conjunto de sua obra política.

1. A origem da desigualdade

A concepção rousseauniana da política estabelece uma trajetória de evolução da organização social que difere de outros pensadores. Assim como Hobbes, Rousseau constrói uma hipótese de estado de natureza e estado civil, mas considera o “estado de guerra” hobbesiano presente na sociedade civil. O estado de natureza é apresentado como um momento de ampla felicidade humana, onde os seres humanos não tinham a necessidade de se relacionarem e não havia desigualdade. Este modo de vida, hipoteticamente construído para justificar sua proposta de República, teria sido destruído com a instituição da propriedade privada e das leis. É na sociedade das instituições civis que reside a crítica rousseauniana e o fundamento de sua teoria política. Entretanto, se com a razão o ser humano construiu uma civilização corrompida, é com a capacidade racional que a humanidade deverá encontrar suas soluções.

Diante da constatação de que “o verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer  ‘isto é meu’  e encontrou pessoas suficientemente simples para acreditá-lo”, Rousseau encontra na desigualdade humana o principal problema da organização política (ROUSSEAU, 1980:270).

2. A necessidade de igualdade para a existência de liberdade

Diante do problema da desigualdade humana, a proposta política de Rousseau afirma como valores fundamentais a igualdade e a liberdade. Como para ele não existe liberdade sem igualdade, as leis que se fundam num contexto de desigualdade só servem para a manutenção da injustiça: “Sob os maus governos a igualdade é ilusória e aparente, e não serve senão para manter o pobre na miséria e o rico na usurpação” .

A liberdade não existe sem igualdade porque o ser humano que estiver numa condição superior ao outro terá mais poder e o que estará em situação inferior ficará limitado a este. A superioridade só funciona enquanto relação de força e não constitui direito. O direito só existe a partir de convenções, que são próprias de um corpo político, como resultado de um processo de discussão. Neste aspecto, Rousseau critica o Estado liberal, como uma instituição que surgiu para converter em direito o que os burgueses já possuíam enquanto força, através da instituição da propriedade privada.

Com o objetivo de construir um Estado que se oponha à sociedade civil corrompida na desigualdade, a defesa da liberdade e da igualdade é o fim de todo o sistema legislativo em Rousseau: “A liberdade porque toda a dependência particular é outro tanto de força tirada ao corpo do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode existir sem ela”.

3. A instituição pública como garantia da liberdade

Sendo as convenções a fonte de toda forma de direito, é através do pacto social que as pessoas podem conquistar sua liberdade. A liberdade em Rousseau é positiva, enquanto emancipação humana na conquista de autonomia, portanto, oposta à liberdade negativa dos liberais, que se sustenta na “não-intervenção” do Estado, para estimular a livre iniciativa ou a liberdade individual.

Para Rousseau, a instituição pública, criada com o pacto social é a única garantia da liberdade humana. A liberdade  individual só existe com a liberdade coletiva, ou seja, sem a existência de uma convenção, construída pelos indivíduos para estabelecer os seus direitos, estes não existiriam e uns poderiam se apoderar dos outros. Esta teoria política baseia-se na possibilidade dos seres humanos regerem coletivamente sua própria convivência que, de maneira geral, é entendida como superação de toda arbitrariedade, no momento em que o ser humano se submete a uma lei erguida por ele acima de si mesmo.

4. A vontade de todos e a vontade geral

A fundamentação do Estado rousseauniano é a vontade geral, que surge do conflito entre as vontades particulares de todos os cidadãos. Como existe uma tendência humana em defender os interesses privados acima da vontade coletiva, a assembléia, enquanto um processo de decisão, é o espaço da destruição das vontades particulares em proveito do interesse comum. Isto é diferente da vontade de todos, que seria apenas a soma dos interesses particulares dos cidadãos. “Há, às vezes, diferença entre a vontade de todos e a vontade geral: esta só atende ao interesse comum, enquanto a outra olha o interesse privado, e não é senão uma soma das vontades particulares. Porém, tirando estas mesmas vontades, que se destroem entre si, resta como soma dessas diferenças a vontade geral”.

A vontade geral é, portanto, a soma das diferenças das vontades particulares e não o conjunto das próprias vontades privadas. Percebe-se que a existência de interesses particulares  conflituosos entre si é a essência da vontade geral no corpo político, o que confere à política uma condição de arte construtora do interesse comum.

5. Soberano e Estado: cidadãos e súditos.

Assim como é necessário discernir entre a vontade de todos e a vontade geral, é importante diferenciar os conceitos de Estado e Soberano, para entendermos de forma mais sistemática o pensamento político de Rousseau. Com esta diferenciação chegamos também à diferença básica que existe entre súdito e cidadão, visto que esta condição distinta equivale aos mesmos homens, que ora cumprem um papel e posteriormente outro.

República e corpo político são sinônimos. Quando o povo está reunido, em assembléia, este constitui o soberano mas, após as deliberações, o corpo político assume a forma de Estado, fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo estabeleceu. Soberano e Estado assumem a forma de poder quando se comparam com seus semelhantes, outros Estados. O corpo político é constituído de cidadãos e súditos: cidadãos enquanto participantes da atividade soberana (ativos); súditos enquanto submetidos às leis do Estado (passivos).

6. A participação direta no soberano como legitimadora do conceito de povo e das leis

Em Rousseau não se admite a representação da vontade de um cidadão para o outro. A vontade só será geral se tiver a participação de todos os cidadãos de um Estado, por ocasião do ato legislativo. A soberania só existe se for geral: “...é a de todo um povo ou de uma parte dele. No primeiro caso, esta vontade declarada é um ato de soberania e faz lei, no segundo, é simplesmente uma vontade particular, um ato de magistratura ou, quanto muito, um decreto”.

O pacto social é o ato pelo qual um povo se faz povo, é o verdadeiro fundamento da sociedade.  Assim, é a efetiva participação de um povo que garante o bem comum e a garantia dos direitos de cada cidadão.  A soberania é o exercício da vontade geral e é inalienável, “...e ainda que seja soberano, que é o ser coletivo, não pode representar-se senão por si mesmo, podendo o poder ser transmitido, porém, não a vontade”. . Alienar significa dar ou vender. Nenhuma pessoa se dá ou se entrega gratuitamente.  Só um louco faria isso e loucura não constitui direito: “Renunciar  à  liberdade  é  renunciar à qualidade de homem” .

O fato de alienar a sua vontade a outro faz o ser humano perder o seu próprio direito de viver, visto que esse só vale em função do Estado, que o garante através das convenções. Ora, se o ser humano entrega a outro a possibilidade de decidir no soberano, estará se submetendo de tal forma que já não terá como assegurar sua sobrevivência, já que nada mais irá protegê-lo, a não ser ficar na esperança de que não haverá submissão, o que, no entanto, nunca estará garantido. Rousseau é firme nesta afirmação: “Vede, pois, dividida assim a espécie humana em rebanhos, cada um dos quais tem um chefe que o conserva para devorá-lo. Assim como o pastor é de natureza superior a do seu rebanho, os pastores de homens, seus chefes, são de natureza superior a de seus povos”.

A idéia de representatividade no poder provém da idéia de superioridade aceita entre vários povos. Rousseau afirma que ela surge da tendência que os homens desenvolveram em compararem-se uns aos outros. A comparação sempre será frustrada, pois um ser humano não poderá ser superior em todos os aspectos em relação aos outros, mas alimenta esse desejo que o torna infeliz. Ao referir-se à comparação, Rousseau usa o termo amor-próprio, não entendido como amor de si, mas exatamente o desejo de ser mais que os outros. Isso é muito enfatizado na obra rousseauniana, pois na sociedade de sua época, cultivava-se o valor do crédito, uma abstração que diferenciava as pessoas, valorizando-as de acordo com um status. Essa vontade de poder teria instituído o parlamento representativo, com uns se colocando na condição de quem decide pelo povo, instituindo leis.

Para que possamos ter um verdadeiro corpo político, baseado na vontade geral, em defesa da liberdade, enquanto essência da humanidade, todos os participantes do Estado deverim estar presentes nas deliberações, para que não se quebre o caráter geral. Para isso, não precisaria, necessariamente, haver unanimidade, mas nenhum voto poderia ficar de fora: “...no lugar de cada pessoa particular, de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral e coletivo, composto de tantos membros como a assembléia de votantes, o qual recebe deste mesmo ato sua unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade” .

7. A representatividade e o fim do Estado

Considerando que todos precisam estar em condições de igualdade para haver democracia, nenhum ser humano poderá ser autoridade diante dos demais e as convenções, criadas por todos, são a base de toda autoridade legítima. O interesse de um representante sempre é privado e não poderá expressar o que os outros têm a dizer. Rousseau refere-se à representatividade como uma idéia absurda, originária da sociedade civil corrompida, não podendo haver democracia se essa não for direta e as leis que não forem ratificadas pelo próprio povo são consideradas nulas.

O fim da atividade do soberano está estreitamente ligado ao fim da participação popular: “Logo que o serviço público deixa de ser a principal ocupação dos cidadãos, e estes preferem seu interesse, o Estado se aproxima da sua ruína. (...) Por força da preguiça e do dinheiro, têm soldados para servir à pátria e representantes para vendê-la. É o desbaratamento do comércio e das artes, é o cobicioso interesse do lucro, é a moleza e o amor às comodidades quem troca os serviços pessoais em dinheiro”.

8. A educação como condição de possibilidade para a democracia direta

Geralmente quando estudamos o pensamento político de Rousseau nos baseamos na sua obra mais difundida  O Contrato Social. Nessa elaboração, Rousseau trata dos principais fundamentos de organização da República, mas não apresenta uma das principais condições para o exercício democrático: a educação do povo para o exercício direto do poder. Esse enfoque, de caráter pedagógico e educativo está presente na obra O Emílio, que foi lançada no mesmo período de O Contrato Social, mas menos difundida, tendo sido rasgada e queimada como sentença do Parlamento de Paris em 1762, como livro proibido.

Em O Emílio, Rousseau apresenta uma nova educação, preparando as crianças como sujeitos que se desenvolvem de forma autônoma e criativa, em contato com a natureza. Evitando metodologias expositivas e baseando-se em experiências da vida, o aluno estaria desenvolvendo capacidades que o tornariam comprometido com a sociedade. Outra característica marcante é a ausência de qualquer idéia de superioridade, educando as pessoas para a valorização da igualdade e da liberdade. A liberdade de um povo, para Rousseau, é algo que pode ser adquirido mas não recuperado. Por isso, a educação dos jovens é colocada como prioridade e os pais têm o dever de gerar e sustentar filhos, seres humanos sociáveis à sua espécie e cidadãos ao Estado.

A maior dificuldade que Rousseau aponta para o fato de legislar são os preconceitos que as instituições no Estado civil corrompido reproduzem na cultura humana. O desafio, portanto, “não é o que se deve fazer, senão o que se tem de destruir, e, o que é mais estranho, a impossibilidade de encontrar a simplicidade da natureza unida às necessidades da sociedade”.

O povo ideal à legislação, segundo Rousseau, será aquele que puder apresentar o maior número das seguintes características:

a) estar ligado a uma união original sem ter tido leis;

b) não possuir hábitos e superstições arraigadas;

c) não temer invasão súbita, podendo resistir sozinho;

d) cada um dos membros poder ser conhecido de todos;

e) ninguém deve estar sobrecarregado de funções, mas todos devem tê-las;

f) que possa passar sem os outros, mas os outros não possam passar sem ele;

g) bastar a si mesmo, não sendo rico nem pobre;

h) conciliar a consistência de um velho e a docilidade de um jovem.

9. O tamanho do Estado

A participação popular e a cidadania dependem muito da forma como está constituído o Estado, se a sua estrutura possui mecanismos que oportunizem a manifestação da vontade geral e que prezem pelo cumprimento daquilo que o povo delibera. Por isso, a preferência de Rousseau é por um Estado pequeno: “Quanto mais se estende o laço social, mais se debilita e, em geral, um Estado pequeno é proporcionalmente mais forte que o maior”.

O Estado grande possui vários limites:

a) administração penosa em grandes distâncias;

b) estrutura mais onerosa pelas diversas instâncias;

c) o povo dificilmente tem acesso, é como o mundo a seus olhos (imenso);

d) existência de diferentes costumes e tradições (cultura), vários climas, enfim, diferentes realidades dos diversos povos;

e) falta de controle, havendo a necessidade de delegações de funções.

10. A possibilidade de representação no governo

A nível de executivo, Rousseau admite a representatividade, defendendo a necessidade de um governo forte, ágil e eficiente, o que muitas vezes o soberano não consegue ser ao mesmo tempo. Neste sentido, “sendo a lei a declaração da vontade geral, está claro que no poder legislativo não pode o povo ser representado, porém pode e deve sê-lo no poder executivo, que é a força aplicada à lei”.

Rousseau defende três formas básicas de governo: monarquia para Estados grandes, aristocracia para Estados médios e democracia aos Estados pequenos. Além disso, existem diversas formas mistas que podem ser criadas a partir dos três tipos básicos, dependendo das características de cada Estado. Enquanto o legislativo é comparado à vontade ou coração do corpo político, o governo constitui a força (cérebro). O governo é considerado como funcionário do legislativo. Sua função é executar as decisões do soberano. Quando o soberano está reunido, o executivo deixa de ter função. Enquanto o legislativo se preocupa com as questões gerais, o executivo trabalha com o particular, executando o que a lei determina.

A idéia de democracia em Rousseau situa-se no nível do dever-ser, necessitando de uma ação efetiva que conduza à sua concretização. Os interesses arbitrários do indivíduo devem dar lugar à construção coletiva daquilo que permite que todos possam ser iguais. A partir da participação direta do povo no poder seria possível construir a vontade geral, que é o fundamento do corpo político rousseauniano. A República é vista como garantia da liberdade, valor colocado como condição à humanidade. Como a liberdade só existe quando há igualdade, chegamos ao centro das preocupações de Rousseau diante da sociedade de sua época: a desigualdade. E, para construir uma sociedade de liberdade e igualdade, é imprescindível a democracia direta.

ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI

sábado, 13 de abril de 2013

O Brasil merece os políticos que tem?


Certa vez, Assis Chateaubriand irritou-se com os leitores cariocas. Ele achava feiíssima a cor do papel no qual era impresso um dos seus jornais, e mandou trocá-lo. No entanto, as vendas caíram, e ele teve que voltar atrás na sua decisão. “Cada povo tem o jornal que merece!”, bradou Chatô, referindo-se ao seu próprio vespertino.

Lembrei-me dessa história ao ouvir dois amigos discutindo sobre os atuais políticos. “O Brasil não merece esses políticos!” comentou o mais novo, ao que o outro rebateu: “Claro que merece! Os brasileiros continuam votando neles. Cada povo tem o governo que merece”.

Às vezes, o sistema democrático não produz resultados muito animadores, e não me refiro aqui à vitória, por exemplo, de uma determinada posição ideológica ou de um partido político. Falo a respeito da ética e do cumprimento das leis do país. Nessas ocasiões, o problema é dos nossos representantes? Ou os culpados somos nós, os eleitores?

Naturalmente, cada cidadão é responsável pelo seu voto, mas os políticos têm também a sua parcela de responsabilidade. Os votos que elegeram um deputado, por exemplo, não legitimam qualquer atitude sua. Ele não pode dizer: “fui eleito, logo posso fazer o que quero”.

A Constituição Federal garante juridicamente a democracia, mas ela também é feita de simbolismos. Não basta a lei para proteger o sistema democrático, é preciso um mínimo de senso comum e de ética por parte dos representantes.

Mas como exigir isso, se os políticos já estão eleitos e dão a impressão de que podem fazer o que querem? Aqui está o ponto fundamental: a democracia requer dos eleitores mais do que o simples voto. Ela pede participação, e seria um equívoco pensar que a urna é o único espaço democrático do cidadão comum.

A democracia não é uma mera pesquisa de opinião, uma aferição periódica das opções políticas da população. Não é algo estático. Quem deseja uma melhora da sociedade deve fazer valer politicamente os seus princípios e ideais.

Muitas vezes pretende-se que o Estado faça valer tais princípios, que eduque as novas gerações nesses ideais. “Quando a educação melhorar no país, aí sim teremos bons políticos”. É verdade, mas pode ser também uma grande mentira, nos casos em que esse raciocínio significar que se deve simplesmente esperar dias melhores.

Apenas reclamar dos políticos, ou do povo em geral, demonstra que não se entendeu como funciona uma democracia. Nela, a responsabilidade é pessoal, e não dos “outros”. Compete a cada um conseguir que os seus princípios e ideais não sejam princípios e ideais solitários: que muitas outras pessoas os compartilhem e os façam valer politicamente.
Por isso, as liberdades de expressão e de associação são tão importantes num Estado democrático. É aí onde se decide o jogo.

Merecemos mais, é verdade; mas também precisamos fazer por merecer. Uma boa sociedade não é resultado apenas do Estado, dos políticos. É fruto de instituições justas e de pessoas justas. E para ser justo não basta não atuar mal - não votar mal -, é preciso fazer o bem, convencer muitos outros a respeito daquilo que cada um considera como benéfico para a sociedade.


Nicolau da Rocha Cavalcanti

domingo, 7 de abril de 2013

Um Conselho Constitucional


O desequilíbrio institucional é tão nocivo quanto o desequilíbrio financeiro. Cada um, a seu modo, é prejudicial ao Estado. O financeiro é mais sensível, porque quantificável. Influi imediatamente. O institucional é diluído no tempo, não quantificável no momento. Flui lentamente. Mas a cobrança da história, se tarda, não falha: a cidadania sempre paga o desacerto das instituições.

Por exemplo, o custo para os cofres da União com a perda tributária – o "custo-Bahia" – resultante da instalação da Ford em Camaçari é perfeitamente calculável. Mas, quanto custaria o "efeito-ACM-FHC", se a Ford não se instalasse na Bahia, por não ter recebido da União os incentivos fiscais? Disseram as bocas pequenas que Antônio Carlos Magalhães assumiria em relação a Fernando Henrique Cardoso uma posição independente que dificultaria mais ainda a já custosa aprovação pelo Congresso das reformas necessárias ao equilíbrio das finanças brasileiras. Esse custo político seria incalculável, ainda que grandemente oneroso para a nação.

Contudo, a ocasião vale antes para pensar grande do que para falar pequeno; e fazer algumas reflexões a propósito do episódio Ford-Bahia.

O Estado brasileiro não pode ser preterido por nenhum estado brasileiro. Ninguém põe em dúvida a legitimidade da pretensão dos estados à prosperidade, mesmo em competição entre si. Mas, na concorrência entre os estados federados, por mais legítimo que seja o interesse regional, sua legitimidade está condicionada ao interesse nacional. Federação não é dissociação de interesses. É sociedade de estados em que – como em toda sociedade – o interesse de um deve compor-se com o interesse de todos. Essa compreensão deve guiar todas as autoridades públicas em todos os níveis e membros da Federação brasileira.

Aliás, dessa compreensão, a Bahia já deu um bom exemplo. Rui Barbosa deixou na primeira Constituição federativa brasileira, cujo anteprojeto foi por ele inteiramente revisto, o princípio constitucional do equilíbrio institucional: São órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si (art. 15).

A equação entre o regional e o nacional é essência da Federação. Deve guiar os que nela decidem para refletir-se no que decidem. Sobretudo na ação dos poderes políticos: o Legislativo e o Executivo. O equilíbrio entre quem provê a elaboração e quem provê a execução da lei é indispensável à eficiência do Estado de Direito. Sem ele, arruína se o governo e a administração que depende do governo. No passado, desavenças entre titulares dos Poderes Legislativo e Executivo puseram em risco a solução de questões graves, como podem pôr no presente a reformulação das finanças públicas.

Nesse estado de equilíbrio – que é o próprio Estado de Direito – também entra o Judiciário. Provê a execução da lei em outra função vital: a solução dos litígios individuais e sociais. Mas essa função somente se completa se o Judiciário se equilibra com os demais Poderes, como a si próprio internamente, em consonância com a Constituição. A harmonia com a Constituição é a chave do equilíbrio dentro dos Poderes e dentre os Poderes.

Sem o debate político – a discussão de idéias, a controvérsia de opiniões, o diálogo dos ideais com os fatos – não há regime democrático, nem eficiência do Estado. Mas também é certo que o regime e a eficiência do Estado correrão risco, se na chefia de seus Poderes o interesse nacional for embaraçado por interesses, projetos ou meras vaidades pessoais.

Daí, a preocupação justificada: hoje esse risco existe no Brasil. Alguns dos atritos entre chefes de Poderes nacionais já foram, até, além das fronteiras nacionais. Não pode persistir tal confusão no debate político. A Constituição dispõe o que o próprio senso comum impõe: os interesses particulares – regionais ou pessoais – devem submeter-se ao interesse geral. Na ação institucional, há interesses muito maiores em jogo do que qualquer jogo de interesses entre os chefes das instituições.

Por isso, tradicionalmente, o Poder constituinte se ocupou da harmonia dos Poderes constituídos, refletindo democraticamente a preocupação do titular de todo o Poder: o povo. Por isso, também, aquele princípio constitucional referendado por Rui, como por toda a doutrina e até mesmo pelo mais simples senso comum, além de ser uma norma jurídica, hoje é um conselho que o povo dá a seus chefes institucionais por intermédio da Constituição (art. 2.º): São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 Sérgio Resende de Barros

terça-feira, 2 de abril de 2013

A necessidade de um estado laico


Se no ditado popular "religião e política não se discute", na vida pública a distância entre Estado e Religião deve ser preservada. A teocracia, comum em alguns países árabes, tem como marco principal a interferência - não divina, mas religiosa - no cotidiano das pessoas. A interferência por vezes é caracterizada por imposições doutrinárias, punições aos delitos e perseguição às religiões concorrentes. Nos estados confessionais, apesar de garantida a liberdade de culto aos demais credos religiosos, há primazia e até favorecimento da religião oficial.

Nos países seculares ou laicos - mesmo que mantida a distância entre religião e Estado – há uma forte influência das organizações religiosas, pondo em risco os limites estabelecidos pelo republicanismo. Estados Unidos e Brasil são dois países onde a religião é tema frequente de debate e disputa política. A formação histórica explica, em parte, a presença da religião na vida política dos norte-americanos – a disputa presidencial entre o "evangélico" Barack Obama e o mórmon Mitt Romney tipifica todo um contexto histórico em que religião e política mesclam-se no debate público.

Apesar de reconhecidamente laico – conquista alcançada com a proclamação da República e a Constituição de 1891 -, o Brasil continua sob forte influência de líderes e grupos religiosos. Nos séculos seguintes, com a explosão do fenômeno pentecostal e neopentecostal – hoje englobando algo em torno de 42,3 milhões de evangélicos, segundo o Censo 2010 do IBGE –, a religião volta a ser tema de debate e especulação política. Em São Paulo e Rio de Janeiro – e também nas demais capitais do Brasil - templos evangélicos são disputados palmo a palmo por candidatos ao paço municipal.

Ausência de laicidade

Tanto no Brasil como nos Estados Unidos a presença de símbolos religiosos em repartições públicas, ensino religioso pautado de acordo com a religião dominante e a influência de religiosos nas decisões dos governos é um claro indício de fragilidade republicana. A laicidade pressupõe neutralidade em assuntos que dizem respeito unicamente às entidades religiosas, decisão com base no interesse nacional etc.

Apesar de todos os conceitos pré-definidos na cartilha republicana e da luta por um Estado laico, a tendência mundial é a da divisão religiosa. Inevitavelmente o mundo caminha para teocracias, estados confessionais e um crescente fanatismo religioso. São consequências do desenvolvimento tecnológico, do isolamento cada vez maior da humanidade. A religião terá maior espaço nas gerações futuras do que na Antiguidade.

Johnny Bernardo


Desmascarando os grupos pseudo-cristãos: conservadores pró-família, defensores de valores tradicionais, etc.

O que eu penso sobre os cristãos fundamentalistas/conservadores e Teocratas


Meus fundamentos:

“E DISSE JESUS AOS JUDEUS QUE HAVIAM CRIDO NELE: SE VÓS PERMANECERDES NA MINHA PALAVRA, VERDADEIRAMENTE SOIS MEUS DISCÍPULOS“
João 8: 31

“EM VERDADE, EM VERDADE VOS DIGO QUE, SE ALGUÉM GUARDAR A MINHA PALAVRA, NUNCA VERÁ A MORTE“.
João 8:51

“AQUELE QUE TEM OS MEUS MANDAMENTOS E OS GUARDA ESSE É O QUE ME AMA; E AQUELE QUE ME AMA SERÁ AMADO DE MEU PAI, E EU O AMAREI, E ME MANIFESTAREI A ELE”
(João 14:21)

“JESUS RESPONDEU, E DISSE-LHE: SE ALGUÉM ME AMA, GUARDARÁ A MINHA PALAVRA, E MEU PAI O AMARÁ, E VIREMOS PARA ELE, E FAREMOS NELE MORADA”
João 14:23

“QUEM NÃO ME AMA NÃO GUARDA AS MINHAS PALAVRAS; ORA, A PALAVRA QUE OUVISTES NÃO É MINHA, MAS DO PAI QUE ME ENVIOU”
João 14:24


Eu sou, ou pelo menos tento ser seguidor do mestre Jesus. Deveria eu me denominar um conservador? Alguém que “defende a família”, os “valores tradicionais” a moral e os bons costumes?… Isso é muita estupidez para uma única mente, necessitaria de duas, e eu só tenho uma. À mim não interessa defender posturas conservadoras, nem tão pouco me declarar como conservador, acho esse comportamento, típico de bestas quadradas, uma verdadeira fraqueza de espírito, algo que deve ser expressamente desprezado por nós, seguidores do caminho. Porém quero entender como, e também esclarecer ao leitor que Jesus não era conservador.

O conservadorismo é uma ideologia política, criada com fins políticos, enquanto que o messias judeu era completamente indiferente à posturas políticas, posto que as suas interferências se davam somente no âmbito individual, no relacionamento direto com os indivíduos, ou como dizia Kierkegaard: “Cristo não quis fundar partido, não autorizou o voto, mas quis ser o que era: a Verdade que se relaciona com o indivíduo“1. Caso contrário, ele fundaria um partido, daria ordens aos apóstolos para penetrarem na política romana, planejaria uma estratégia de influência de modo que conseguissem tomar o poder Estatal, dando um golpe e assim livrando todo o seu povo da escravidão, até porque esta era esperança do povo judeu, de que seu messias os livrasse do julgo romano. No entanto, Jesus fez isso? Podemos então absorver boas lições disso, tanto com as palavras quanto com o seu comportamento; pois com Jesus nós aprendemos tanto com a teoria como com a prática.

“Valores cristãos”

O que mais me deixa furioso é este rótulo, usado à exaustão pelos fundamentalistas: valores cristãos. Introduz-se no raciocínio todo um pacote cultural, se dizendo ser pertencente ao que Yeshua ensinou, porém nada do que é referido fica de pé após uma sincera averiguação nos evangelhos. Este é um outro ponto central da estratégia político/religiosa fundamentalista; afastar as pessoas de um contato direto com o texto. Os cristãos fundamentalistas sabem que em Yeshua não se pode fundamentar uma série de idéias das quais eles são adeptos, portanto, tratam de distanciar seu rebanho da leitura textual e aproximá-los cada vez mais da tradição oral. Ora, aqui chegamos no cerne da questão: toda a ideologia política cristã fundamentalista não está alicerçada nas palavras e no modo de vida de Jesus (Yeshua), mas na cultura religiosa! Preservada pela tradição e propagada pela tradição oral, ou seja; pelos costumes.

Os tais valores conservadores de defesa da família e militância política contra aborto e homossexualismo não estão fundamentados em uma base sólida, mas na cultura religiosa! O contato direto com o texto e o retorno constante à ele não é uma característica praticada ou até elogiada pelos fundamentalistas. Isto é claramente notado nos discursos fundamentalistas, pois falam, falam, falam e no máximo o que citam são um ou dois textos fora de seus contextos e com interpretações forçadas para manipular os incautos.

Entretanto, percebe-se que o ponto central da argumentação não é a verdade revelada em um determinado texto que Jesus tenha dito sobre o assunto (que não existe), mas a percepção do olhar humano sobre algo que está ocorrendo no mundo. A ênfase argumentativa deles é em valores criados pelas suas tradições, e não em valores contidos no evangelho. Ora, que comportamento há em Yeshua de defesa da família?

De penetração na burocracia Estatal à fim de se alcançar os objetivos? E mais, o apóstolo mais idolatrado no meio protestante, Shaul (Paulo), recusou constituir família, ter filhos, etc. Será que Paulo se candidataria hoje como vereador, senador ou presidente e militaria à favor disso? E mesmo os outros apóstolos que se casaram e tiveram filhos, será que fariam isto? Isto é idiota demais para indivíduos que andaram com o mestre e absorveram um pouco de sua forma de ser.

E se o aborto ou a maconha for futuramente legalizada no Brasil?

Eu fico só imaginando a pastorada Teocrata fundamentalista, a imensa manada de Zumbis como à da marcha pra Jesus, apavorada, em pânico depois do pronunciamento de que ou o aborto ou a maconha foi descriminalizada no Brasil. Posso até imaginar Silas Malafaia indo à televisão dar mais um de seus shows pirotécnicos e rodando a baiana contra a investida maligna que satanás teria operado no Brasil. A mente teocrata não consegue imaginar a vida humana separada do controle Estatal, e isto eu já disse em uma outra oportunidade chama-se materialismo existencial. De modo que se tem uma lei que descriminaliza algum comportamento considerado pela igreja como pecado, então todos os seres humanos que vivem debaixo do Estado vão automática e obrigatoriamente praticar aquele comportamento. Se o aborto for legalizado todo mundo agora vai abortar… Já não abortam, mesmo sendo proibido? Se a maconha for legalizada, todo mundo vai fumar maconha… Se eu quiser hoje, mesmo sendo proibida, não fumarei? Então qual é a diferença?

A diferença é que à partir de agora terão esse comportamento com o consentimento do Estado! Ter o consentimento do Estado adquire o valor de ter o consentimento de Deus.

Esta é uma visão de mundo absolutamente monstruosa: admitir o Estado como uma figura divina e viva, de modo que se ele, criminalizar algo “santo” decorreria daí um erro grave. E da mesma forma e se ele legalizar algo “profano”, também decorreria daí um erro gravíssimo. É por isso que venho à público denunciar essa mentalidade doentia difundida pelos líderes religiosos. Infelizmente essa mentalidade já tomou conta de uns 90% dos cristãos brasileiros.

Retornando ao “olho por olho e dente por dente“

Outro aspecto importante dos grupos religiosos conservadores é a descaracterização psicológica que o indivíduo deve ter para com a pessoa de Jesus. Enquanto Jesus ensina amar o seu inimigo, não resistir ao mal e não responder como o Homem natural responde, no “olho por olho e dente por dente”, eles tomam o caminho contrário. Desconstroem toda essa psicologia messiânica e incitam as pessoas à responderem à altura todos os que se opuserem aos tais valores cristãos. O Prof. Olavo de Carvalho, por exemplo, em muitas oportunidades em seu programa semanal no youtube já realizou apologia aos cristãos militantes políticos do Brasil que processem os seus caluniadores, pois que se processassem os primeiros que denegrissem seus símbolos religiosos não haveriam um segundo e terceiro fazendo isso.

Ora, o que faz Olavo de carvalho se não interceder aos crentes que tenha cada vez menos a personalidade do Cristo e sejam assim cada vez mais belicosos, fazendo-os agir como os comunistas, que tanto ele mesmo critica. Em seu último vídeo: True Outspeak Olavo de Carvalho 22 de agosto de 2012, o próprio Olavo, de forma hipócrita demonstra a visível contradição que há entre o exercício político e a existência estética do evangelho, ele diz: “Eles não sabiam fazer política, ficavam com essa tomada de posição doutrinária…

Com o aprendizado que eles tiveram aqui (EUA), eles estão se tornando mais eficientes politicamente…

E em política você não pode ser doutrinário, você não pode entrar com aquele negócio de que só você tem a razão, isso não funciona em política. São Tomás de Aquino já fazia distinção entre política e moral, na moral o que é certo é certo e o que é errado é errado! Na política às vezes você tem que aceitar uma parte do mal pelo bem da comunidade, então você tem que ser flexível, tem que negociar, e isso eles aprenderam…”.

Hipócrita, não? Ele acaba de admitir a incompatibilidade do evangelho com o exercídio político, porém é um grande influenciador da militância política teocrática no Brasil. Se Cristo é a superação do Homem natural, esses homens trabalham para o retrocesso à ele.

Ação, reação e solução

Os adeptos de filosofias conservadoras que se dizem provenientes de cristo, são na verdade cegos guiados por outros cegos. Não possuem a mínima percepção de que estão sendo manipulados, e que fazem parte de um enorme jogo de xadrez, aonde o conservadorismo e a defesa desses tais valores tradicionais não passam de um instrumento para as reais finalidades ocultas. De modo que a estratégia ação, reação e solução é magistralmente utilizada com eles, sem nem mesmo perceberem que são os representantes ativos do segundo grupo: aqueles que promovem a reação.

Ao promoverem a reação, eles mesmos desencadeiam a automática contra-reação do outro lado (solução), que assim se alcança uma síntese. Devemos ter um raciocínio computacional e um hábito constante de calcular esses processos para levar à cabo uma compreensão profunda de tudo o ocorre em termos de conspiração.

CONCLUSÃO

Os grupos conservadores cristãos, defensores de valores tradicionais, pró-família, fundamentalistas e Teocratas estão à serviço desta Nova Ordem Global que se encaminha. Eles pensam que não, mas nem imaginam que estão à colaborar com as suas reações opositoras. Mas de que modo eles colaboram com toda essa mudança comportamental dirigida pelos organismos internacionais? Ora, de um modo muito simples: doutrinando a grande massa na idéia de que o Estado é a finalidade da existência humana, de que tudo que diz respeito sobre a minha alma ou até sobre a minha eternidade, passa indubitavelmente pelo Estado. O Estado é o meu grande mantenedor, protetor e tutor. Por isso devo ter nele a minha esperança, preciso confiar que nele eu ganharei a vida eterna; depender cada vez mais do Estado e depositar nele a minha confiança de salvação, essas são as palavras chaves.

Eles promovem o que Michel Foucault chamava de Judicialização da vida. Tornar o poder judiciário tão presente na vida do indivíduo que todo mínimo movimento, questionamento, palavra ou até pensamentos passam sobre a régia do Estado, na representação de seus empregados. Que é o mesmo elevá-lo à uma categoria metafísica, como entidade vivente e tutora de nossos espíritos. Judicializar a vida humana é o mesmo que compreender a existência do Homem como uma concessão do Estado, é ele que permite quem existe e como existe. É enxergar o Estado como causa metafísica e o Homem como efeito direto.

E nessa grande engenharia social, os pastores da televisão são os mais importantes. Ora, todos eles promovem nos seus fiéis a consciência de que o chefe de Estado é um representante de Deus, de que o Estado é uma manifestação divina na Terra e que portanto, devemos batalhar nas câmaras municipais, no congresso nacional e nas prefeituras para que “o reino de Deus seja estabelecido na Terra”. Vale lembrar de que existe todo um pacote ideológico contido nesse ideário: Teocracia, dominionismo, teologia do poder.

Estabelecer o reino de Deus na Terra significa tomar o poder, deter o controle político sobre a nação e assim mandar no Estado, ter o presidente sob seu controle e em última instância adquirir o Estado para si oficialmente, como é o caso das Teocracias Islâmicas atuais e como na história da Europa ocidental, medievo em diante, com os reinos cristãos. Vale ressaltar que isto já se ensaia aqui no Brasil, visto que ano passado, a presidente Dilma Roussef cedeu publicamente perante à grande pressão teocrata da bancada evangélica quanto a aprovação do chamado Kit gay nas escolas. Esta foi uma clara demonstração do poder máfio/religioso cristão após várias pregações de pastores contra o PT, o que acarretou na disputa presidencial ir para o segundo turno; pois se não fosse toda a investida fundamentalista cristã contra o PT, Dilma teria ganho logo no primeiro turno.

A grande preocupação dos pastores teocratas fundamentalistas não é com a ação do indivíduo e nem tão pouco com o coração humano, mas é que a “iniquidade” seja institucionalizada na forma de lei. Os indivíduos que operam com este raciocínio, crêem que o Estado é o grande tutor da existência humana, e que portanto, a pior coisa que pode acontecer é que um dado comportamento se transforme em lei. Este tipo de raciocínio só pode existir no meio cristão na cabeça daqueles que venderam suas almas ao imperador, como no século III da era cristã, aonde os discípulos de Jesus, vendidos, abraçaram e glorificaram à Constantino como o grande enviado de Deus por ter cancelado a perseguição Estatal sobre eles.

Eu intercedo aos meus caros leitores que retornem à Galiléia, cheguem ali perto da praia aonde geralmente ficam os pescadores e perguntem por um tal de Yeshua. Quando encontrá-lo, conversem com ele. Tentem acompanhá-lo no seu dia à dia e obervem o seu modo de se comportar, as suas atitudes, o modo de tratar com as pessoas… Prestem atenção nos seus ensinos, tentem perceber o profundo nas palavras dele e vocês verão que tudo o que eu escrevi aí em cima faz sentido. Como retornar à Galiléia? Ora, as passagens estão nas suas mãos, leiam de novo os evangelhos: Mateus, Marcos, Lucas e João… Quando encontrarem Yeshua, e depois de muito conversarem, na despedida, no virar do dia, mandem um abraço pra ele, digam que foi Luiz F. Galeno que mandou, em breve eu também o verei de novo.

Luiz F. Galeno

O joio legislativo



Perguntaram a Sólon,um dos sete sábios da Grécia antiga,se havia produzido boa legislação para os atenienses. Respondeu: “Dei-lhes as melhores leis que podiam suportar”. Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação dos Poderes, quais as boas leis que um país deve ter. A resposta: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis,mas se são executadas as que existem, pois há boas normas por toda parte”.

Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a tarefa legislativa. É provável que aponte o número de projetos apresentados sem destaque para o mérito, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a qualidade da semente. Amparadas pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da Joia Folheada (toda última terça feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo, escrito por parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: “São as leis que os brasileiros têm de aguentar”. Cada povo com sua medida legislativa.
Não bastasse a progressão geométrica daquilo que se pode chamar Produto Nacional Bruto da Inocuidade Legislativa (PNBIL), forças exógenas emprestam sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis.

A Copa das Confederações e a Copa do Mundo, sob o escudo da Federação Internacional de Futebol (Fifa), anunciam um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor brasileiro. Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho de torcidas inflamadas nenhum ouvido será capaz de distinguir onomatopeias positivas de palavrões. Risível, não? O fato é que a Fifa quer mudar por decreto a maneira brasileira de ser. Obrigar torcedor fanático a entrar em ordem unida e adotar comportamento considerado exemplar é tentar tapar o sol com a peneira. Tem mais: que ninguém tente levantar-se para comemorar um gol de seu time ou reclamar impedimento de jogador do time adversário.Cerveja pode, mas fumar, nem pensar.

Dito isso, vem a pergunta: como os pregadores dos bons costumes em estádios de futebol controlarão o ímpeto expressivo da massa? Brigadas da Fifa vigiarão seus movimentos?

Esses são os nossos trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas significações. Para começar,somos um país que ainda não cortou as amarras da secular árvore do carimbo, “preciosidade” trazida pelos colonizadores portugueses. O carimbo foi criado por dom Diniz nos idos de 1305 para conferir autenticidade a documentos. Concedido a “homens bons”, nomeados pelo rei, que juravam fidelidade aos santos Evangelhos, incrustou-se na vida brasileira a ponto de atravessar, incólume, mais de cinco séculos.Deixa sua tinta forte na própria era digital.

A autenticação e os selinhos de cartórios trazem obsoletos costumes ao nosso cotidiano, pavimentando os caminhos da burocracia. Explica-se o cartorialismo ainda pela capacidade de fortalecer a estrutura de autoridade; esta, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram impor a ordem do mundo ideal.
Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por força da lei. A célebre pergunta “você sabe com quem está falando?” expressa a ideia de que o poder deriva do cargo de quem o detém. O brasileiro, mais que outros povos, exibe essa bandeira.

A floresta legislativa agiganta-se nessa vertente. De 2000 a 2010, o país criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais, além de decretos federais, o que dá 6.865 leis por ano. Em 2012, na Alemanha, o Parlamento foi muito criticado por ter aprovado 20 leis. A imprensa considerou excessivo o número. Lembre-se que os anglo-saxões organizam a vida sob o direito consuetudinário, ancorado em costumes. Poucas leis bastam.

Outra questão é a desobediência ao império legal. Infringir a lei torna-se rotina no País. Não por acaso, entramos no chiste como quarta modalidade de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa,em que tudo é permitido,com exceção do que é proibido; a segunda é a alemã, em que tudo é proibido, salvo o que for permitido;a terceira é a totalitária,em que tudo é proibido,mesmo o que for permitido; e a quarta é a brasileira, em que tudo é permitido, mesmo o que for proibido. Nossas leis caem no esquecimento. Proibição de películas escuras nos automóveis?

Uso de cinto de segurança no banco traseiro? Dirigir com apenas uma mão no volante? Levar estojo de primeiros socorros nos veículos? Afinal, essas coisas foram ou não revogadas? Por via das dúvidas, não se cumpre a legislação. E ainda há um monte de leis inconstitucionais. Nos últimos dez anos, o STF julgou quase 3 mil ações diretas de inconstitucionalidade, mais de 20% foram julgados inconstitucionais.

Imensa quantidade do arsenal legislativo não atinge a vida dos cidadãos. São floreios para adornar uma galeria de homenageados. Datas comemorativas e louvações tomam a agenda de nossos representantes. Por último, pérolas formam o PNBIL: em Santa Maria (RS) um vereador propôs a lei do silêncio dos animais para evitar latidos de cachorros após as 22 horas; em Catanduva (SP) um projeto ditava que os doentes deveriam morrer em cidades vizinhas por causa da superlotação das sepulturas; em Sobral (CE) sugeriu-se construir Torres Gêmeas para abrigar a prefeitura e as secretarias; em Manaus um vereador queria instalar um neutralizador de odores nos caminhões de lixo; e em Porto Alegre cavalos e burros teriam de usar fraldas, “com exceção dos que participarem de eventos”. Ufa!

Gaudencio Torquato