"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Tocqueville e Marx: fundamentais para compreender a democracia


Dois pensadores, ainda que ideologicamente opostos, são fundamentais no entendimento da emergência da democracia nos tempos contemporâneos: o primeiro deles foi Alexis de Tocqueville (1805-1859) o outro foi Karl Marx (1818-1881).

Alexis de Tocqueville

Tocqueville, então um jovem aristocrata francês muito estudioso, decidiu fazer uma viagem aos Estados Unidos em 1830 para estudar o sistema penal americano, considerado inovador e muito diferente daquele que era praticado na Europa. No país, Tocqueville teve sua atenção desviada para uma série de outros aspectos da vida americana, entre eles chamou-lhe a atenção o funcionamento da democracia.

Os Estados Unidos na época era o único país do mundo onde inexistia uma nobreza governante e onde o clero não tinha força política. Ficou impressionado como o povo, reunido em qualquer recinto, decidia as coisas por si, sem nenhuma ingerência de uma força externa (Estado ou Igreja). Era das assembleias populares e das eleições periódicas que nasciam os legisladores e os governantes. Portanto, tratava-se de uma excepcionalidade naquela época.

O resultado de suas observações, extraído de uma longa viagem que ele realizou por vários estados, que se somou à intensa leitura de obras a fins gerou um livro que o imortalizou, A Democracia na América, publicado em dois volumes entre 1835 e 1840.

Constatou que os Estados Unidos passavam por uma grande revolução social, a Revolução Democrática, que vinha se desenrolando desde que os americanos proclamaram sua independência em 1776.

Isso fora resultado da chegada dos emigrantes europeus que, não podendo exercer seus direitos civis na Europa, trataram de criá-los no Novo Mundo e se rebelaram contra o rei da Inglaterra quando tentou cerceá-los.

Mesmo não sendo adepto da democracia, afinal ele vinha de berço aristocrático, Tocqueville reconheceu que um fenômeno novo surgia no horizonte político da humanidade. O que estava acontecendo na América do Norte de algum modo se espalharia pelo mundo todo. Como ele confessou:

"Admito que na América, vi mais do que a América; procurei alguma imagem da própria democracia, dos seus pendores, do seu caráter, dos seus preconceitos, das suas paixões; desejei conhecê-la ainda que fosse apenas para saber o que devemos esperar ou temer da parte dela".

Ele verificou que esta tendência de introduzir um regime de igualdade política, de aplainar as diferenças entre nobres e plebeus, entre ricos e pobres, vinha se desenvolvendo há muito tempo. Segundo ele, na França desde os séculos 12 e 13 já se podia notar o declínio da hegemonia absoluta que aristocracia exercia sobre o restante da sociedade: "o nobre terá descido na escala social e a ela estaria subindo o plebeu", atingindo seu clímax na Revolução de 1789.

Este fenômeno, esta marcha pela igualdade, estava se generalizando nas sociedades cristãs que estavam passando pela mesma revolução.

"Em toda a parte viram-se vários acontecimentos da vida dos povos revelarem-se em proveito da democracia: todos os homens a têm ajudado com seus esforços (...). Por isso mesmo, o gradual desenvolvimento da igualdade é uma realidade providencial. Dessa realidade, tem como a principal característica ser universal (...) todos os acontecimentos assim como todos os homens servem ao seu desenvolvimento".

Tocqueville acreditava que a democracia, depois de desalojar e destruir o sistema feudal e vencer os reis, certamente não iria recuar frente à burguesia e a classe rica. Ainda que não soubesse prever seu destino final, ela iria se espalhar pelo mundo inteiro como se fora uma força da Providência. "Neste caso", afirmou em certo momento, "querer deter a democracia seria como lutar contra o próprio Deus".

Karl Marx

Para Karl Marx, filósofo judeu-alemão que vivia no exílio em Londres, a democracia era o produto de uma dupla revolução que ocorrera não século 18:

- A Revolução Industrial inglesa, a Revolução da Tecnologia, que fizera por promover o surgimento de uma nova classe social, o operário fabril (ou o proletário). As fábricas haviam provocado um enorme desenvolvimento produtivo e com isso projetaram tanto uma nova classe proprietária (os capitalistas donos das empresas) como seus antagonistas, os operários. Marx previu que as lutas sociais futuras seriam travadas entre estas duas classes e que o resultado final do enfrentamento entre o capital x trabalho seria a vitória da maioria, isto é da classe trabalhadora.

- A Revolução Francesa de 1789, a revolução social e política que teve como mérito principal destruir para sempre com a ordem feudal e o regime absolutista cujos privilégios favoreciam a aristocracia e o clero. Abriu-se, deste modo, o espaço para o surgimento da sociedade burguesa que firmara seu compromisso com a igualdade de todos perante a lei (se bem que não a igualdade dos direitos políticos, pois, numa primeira fase desta democracia incipiente somente os que tinham renda é que tinham direito ao voto). Mal ou bem, a sociedade burguesa era mais avançada do que a feudal o que permitiria às classes trabalhadoras se organizarem em sindicatos e partidos e, talvez, no futuro, chegar ao poder por meio do voto (esta possibilidade não foi defendida por Marx as sim por seus seguidores alemães do Partido Social-Democrata).

Portanto, a combinação daquelas duas revoluções, a tecnológica e a política, conduziriam a humanidade inapelavelmente ao regime da democracia sob domínio das massas emancipadas. Todavia, a concepção de democracia de Marx não se ateve ao ritual da democracia liberal-representativa baseada em eleições, no sufrágio universal e na divisão dos poderes.

Como demonstrou nas suas análises sobre a fracassada Comuna de Paris, de 1871, ele era simpático à democracia direta colocando as entidades políticas e as instituições sociais nas mãos do povo porque Marx acreditava na supressão futura do Estado, o que dispensaria a existência de deputados, senadores, governadores, etc. De algum modo, entendia ele, algum tipo de democracia iria predominar como regime comum da humanidade.

Para os dois, tanto para o pensador liberal como para o marxista, o futuro seria o império das massas e a democracia o seu corolário.

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

País medíocre


A expressão “post hoc ergo propter hoc” - que significa “depois disso, logo por causa disso” - foi considerada válida durante séculos, apesar de ser uma falácia lógica, porque os fatos que se sucedem no tempo não são conseqüência necessária dos que os antecedem.

Se fosse válida, deveríamos dizer que o Brasil é um país medíocre porque findou a monarquia e interrompeu o ciclo de mais de 40 anos de progresso e ordem que antecedeu a Proclamação da República, caracterizado pela honestidade dos dirigentes na condução dos interesses da Nação.

É, todavia, difícil compreender por que, até o fim do reinado de Pedro II, o Brasil era um país mais promissor que os EUA, mais importante que a China, a Índia, o Japão, a Coréia e quase todos os países europeus - de onde vieram muitos imigrantes - e hoje ocorre o oposto: o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA é cerca de 13 vezes maior que o nosso e essa nação possui o maior poderio científico, tecnológico, econômico e militar do planeta; a Coréia do Sul, há 40 anos, era um dos países mais atrasados do mundo e hoje é mais desenvolvido que o nosso.

No Brasil, após 118 anos, o regime republicano mantém uma legião de analfabetos, oferece educação da pior qualidade e exames feitos por instituições internacionais comprovam que seus alunos se classificam entre os mais despreparados do mundo. Os sucessivos governos republicanos não foram capazes de resolver as questões mais elementares de educação, saúde, transporte, saneamento e segurança.

Custa a acreditar que a República tenha sido instituída de forma provisória, apoiada por um partido que tinha apenas dois deputados e que o decreto de sua criação estabeleceu: “Art. 1º - Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de governo da nação brasileira a República Federativa.”

Sem ironia e com respeito ao personagem, convém lembrar que o maior responsável pela queda da monarquia foi o diretor de uma escola de cegos. A condição provisória durou até 1993, quando um plebiscito confirmou o regime republicano, a respeito do qual Ruy Barbosa afirmou:

“O mal gravíssimo e irremediável das instituições republicanas consiste em deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado e, desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade.” Desiludido com o regime republicano, Ruy pronunciou a famosa frase no Senado, em 17/12/1914: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

Passados 118 anos da Proclamação, o legado republicano é essa nação pobre, com uma legião de analfabetos, doentes e inválidos, com criminalidade infrene e miséria generalizada; um sistema educacional vergonhoso, a agricultura em permanentes sobressaltos, a indústria pouco competitiva e perdendo espaços para países emergentes. Não tem estradas, ferrovias, hidrovias e navegação de cabotagem e suas Forças Armadas estão à míngua. Mas nesse mesmo período, e apesar das duas guerras mundiais que quase os dizimaram, o Japão e a Europa passaram a apresentar índices de desenvolvimento muito superiores aos nossos.

Sempre aguardando a confirmação do vaticínio de Stephan Zweig, que garantiu ser este o “país do futuro”, o Brasil espera o dia de amanhã e vive à procura de quimeras, a última das quais é inundar o planeta com etanol. Entretanto, talvez por ignorância, deixou de construir os reatores nucleares previstos há três decênios e que supririam a energia que faltará nos próximos anos, sem a qual não haverá crescimento. As reformas se repetem, como se leis e decretos bastassem para resolver problemas. “Corruptissima re publica plurimae leges”, lembrou Tácito - ou, quanto mais corrupta é a República, mais leis ela possui. Qual é o resultado da reforma da educação do governo passado, que instituiu a “década da educação” e criou a biblioteca básica para o primeiro e o segundo graus, que não tinha livros de Matemática, Física, Química, Biologia e Geociências?

Os recentes episódios envolvendo ocupantes de cargos no Executivo e no Legislativo, denunciados por corrupção e delitos diversos, enxovalham a Nação, expõem-nos à execração pública, ao ridículo internacional e nos elegeram valhacouto de megatraficantes e bandidos de todos os matizes.

Esses graves desvios de conduta, que não existem apenas na órbita federal e refletem a decomposição moral e ética generalizada, são conseqüência natural da falência da educação, da incompetência, do descaso e da inoperância de órgãos públicos e dos maus exemplos de integrantes das classes dirigentes.

As reformas do ensino são feitas sem critério e os cursos de Direito e Medicina proliferam atendendo a interesses políticos e financeiros; o governo federal cria universidades sem necessidade real e sempre sem contar com professores capazes disponíveis e infra-estrutura adequada; os alunos do ensino fundamental são submetidos a uma pletora de disciplinas ornamentais, supérfluas e até inúteis, mas nem conseguem falar e escrever de forma compreensível. O desastre é generalizado.

Há muito tempo, entretanto, as escolas ensinavam o que era necessário à formação intelectual e profissional e nos incutiam valores morais e éticos permanentes; nessa ocasião, ensinavam-nos Latim e líamos os textos menos difíceis, o livro das Metamorfoses de Publius Ovidius Naso, por exemplo, que tanto tem que ver com os dias de hoje nesta Terra dos Papagaios: “Vivitur ex rapto; non hospes...”, ou seja, “vive-se do roubo; amigos não estavam seguros com amigos, nem parentes com parentes e a bondade era rara entre irmãos...”
Pobre Brasil.

*José Carlos Azevedo*

domingo, 22 de dezembro de 2013

Tratado de Bruxelas (pacto d`Orléans)


"Luís Filipe I da França e seus filhos, Fernando Filipe, Duque d'Orleães, 
Luís Carlos, Duque de Némours, François, Príncipe de Joinville, Henrique, Duque de Aumale, ,  
  António Duque de Montpensier"

Quando Luís Gastão de Orléans, conde d'Eu, partiu definitivamente para o Império do Brasil em companhia de seu primo, o príncipe Luís Augusto de Saxe-Coburgo-Gota, para se casar com uma das duas filhas do imperador Dom Pedro II do Brasil , recebeu de seu pai a sugestão de realizar uma declaração reservando os seus direitos como dinasta francês, por ser neto de Luís Filipe I, rei de França.

No entanto, poucos meses após seu desembarque no Rio de Janeiro, em 2 de setembro de 1864, Gastão desconsiderou a sugestão do pai, afirmando em carta datada de 7 de dezembro de 1864 que havia renunciado ao direito de estar na linha de sucessão ao extinto trono real da França e, consequentemente, a posição de dinasta francês.

Gastão estava exilado de sua terra natal desde os cinco anos de idade e só retornaria à França já adulto, casado com D. Isabel de Bragança, princesa imperial do Brasil, e com dois filhos pequenos, em 1878.
Nas décadas em que se manteve no Brasil, inclusive quando visitou a França em 1878 e depois quando lá residiu com sua família a partir de 1881, por três anos e meio, em nenhum momento buscou recuperar sua antiga posição na Casa Real da França.7 O conde mudaria de opinião somente após a queda da monarquia brasileira por meio do golpe militar de 15 de novembro de 1889.

A posição do conde de Paris em 1901

Filipe de Orléans, conde de Paris e então chefe da Casa Real da França, escreveu uma carta datada de 15 de setembro de 1893 para Fernando de Orléans, duque de Alençon, irmão mais novo de Luís Gastão de Orléans, conde d'Eu, onde revelava a sua opinião sobre o assunto:

Meu querido Alençon, […] as possíveis reivindicações de Gastão para reclamar sua posição na Casa da França e tudo mais que é relacionado são absolutamente inaceitáveis. Você viu em minha carta que eu nem imaginei que tais direitos sequer existiam. Quando alguém deixa a Casa da França para se tornar um estrangeiro, quando alguém renuncia a vida de exílio na expectativa, esperançoso e permanecendo sincero quanto a França, para assim procurar em um trono estrangeiro uma posição oficial, tal ato possui consequências irrevogáveis.

Ele não pode, trinta anos depois, dizer que cometeu um engano, que o passado não existe, e reivindicar entre nós uma posição que ele deixou intencionalmente. A naturalização no Brasil o excluiu permanentemente da Casa da França assim como excluiu o nosso tio Montpensier e seus filhos homens. É a lei fundamental da hereditariedade do ramo capetíngio, que por sua vez ascendeu ao trono em virtude dessa lei. A lei deve ser irrevogável, se não, seria o bastante para que um destes excluídos se naturalizasse para passar a frente de todos os demais que gozaram dos direitos adquiridos enquanto isso.

No entanto, o conde d'Eu insistiu na questão após a morte do conde de Paris, seu primo, e recebeu como resposta do filho e herdeiro deste, Filipe, duque de Orléans, uma carta datada de 15 de julho de 1901:

Para qualquer família soberana a fidelidade às regras tradicionais é uma condição indispensável de existência.

Esta fidelidade é a única segurança de famílias soberanas destituídas. Sem ela, haveria apenas caprichos e arbitrariedades, com todas as consequências: usurpação, violação dos direitos de outros, discórdia e ruína. Na Casa da França, a regra tradicional que decide quem possui status de realeza também preserva os direitos dos príncipes mais novos.

Esta lei existe independentemente da vontade do rei e não cabe a ele criá-la ou modificá-la. Mas pode vir a ser necessário, em alguns casos, expor essa regra, declará-la quando questionada, preservar sua aplicação, mantê-la e defendê-la quando for atacada.

Deixando firmes estes princípios, e baseando-se na lei fundamental da monarquia francesa em virtude da qual a reivindicação dinástica pertence a mim, e por que circunstâncias fazem-na meu dever, eu declaro o seguinte:

O Senhor Conde d'Eu, por ter tomado como residência o Brasil sem o intuito de retornar em 1864, pelos compromissos que o prenderam à coroa brasileira, pela sua renúncia formal aos seus direitos sucessórios quanto à coroa da França, por sua adoção da nacionalidade brasileira, perdeu seus direitos à sucessão da coroa da França e seu status como membro da Família Real da França. 

Os filhos do Conde d'Eu, nascidos brasileiros de pais brasileiros e dinastas brasileiros, nunca foram príncipes da Casa da França, um status apenas concedido por nascimento e que pode ser perdido mas não ganho.

Sendo assim, eles não podem tornar-se príncipes da Casa da França, nem seu pai pode recuperar seu status, que ele perdeu.

Em 1909, membros da Casa de Orléans e da Casa de Orléans e Bragança assinaram a declaração de Bruxelas, ressaltando-se a presença do duque de Orléans.

O tratado criava o título de príncipe de Orléans e Bragança para o conde d'Eu e sua descendência, mantendo assim a condição principesca de sua casa, embora esta seja considerada uma casa distinta da Casa da França, e o conde d'Eu não tenha de fato recuperado sua antiga posição na linha de sucessão ao trono orleanista francês. Os principais itens do tratado são:


Os Orleans e Bragança
Dom Pedro de Alcantara (dir), Dom Luis Maria (centro), e Dom Antonio(esq)

"Philippe, duque de Orleans, chefe da Casa da França, a todos a quem estes presentes devem:

Considerando que, em nossa casa para encerrar uma disputa que já dura vários anos e é nosso dever aproveitar a oportunidade que nos é oferecida de fazer e evitar para sempre dificuldade possível em relação à adesão à coroa de França.

  Vimos a carta que colocou o nosso querido tio conde de União Europeia em que nos dirigimos a pedidos e faz com que os compromissos que ele e sua família iria levá-lo, se esses pedidos foram deferidos.

  Unaniment em conta a opinião expressa pelos príncipes da nossa casa.

  Considerando, também, que a Casa Real da França é o tempo principal, mas agora, no presente estado de coisas, o único guardião de sua tradição e também os seus direitos, as consequências que podem e devem ajustar si questões que surgem e relevantes para a sua lei tradicional e quando após madura reflexão, tendo cercado por todas as garantias necessárias, o único desejo animada para salvaguardar os seus legítimos interesses, manter e Tradição direito à justiça, para se pronunciar sobre essas questões por meio de sua cabeça, a sua decisão é vinculativa para todos os membros e Príncipe, na medida em que poderia ser uma lei.

  Considerando-se que estas são as condições dos atuais circunstâncias:

  Declaramos e declarar o seguinte:

  1 - Nosso querido tio conde de Eu, reconhecendo na nota Nós lhe deu três filho, de seu casamento em 1864 com a Princesa Imperial Isabella, então herdeiro imediato ao trono do Brasil, são membros da Casa Imperial do Brasil e eles e seus descendentes constituem uma casa separada todos os ramos da Casa de Orleans, que atualmente compõem a Casa da França, Exigimos o reconhecimento na França, os Príncipes e sua prole masculina, principescos e legítimas Honors príncipes da casa de França.

  Estivemos representados por outro lado, para motivar esta aplicação, pode acontecer que a sucessão feminina permitiu à Coroa trouxe Brasil Brasil descendentes masculinos do Conde d'Eu e passam suficiente disse progênie de adesão à brasileira pela qualidade dos Príncipes brasileiros não era conhecido por eles e, assim, deve perder qualquer coroa principesca qualidade.

  Querendo evitar tal possibilidade para Princes masculinement e tão pouco da nossa casa.

  Querendo garantir também, na medida em que pudermos, e na qualidade de príncipe e honras príncipes da casa de França.

  Também disposta - e nós gostamos - e dar-lhes o nosso querido tio, o Conde d'Eu, o penhor da nossa afeição do bem e parentes, e uma prova da nossa confiança na lealdade de seus compromissos tomar solenemente aqui e que é obrigado que lhes damos.

  Reconhecemos o conde d'Eu, seu filho de três e seus descendentes do sexo masculino, principesco e legítimo, além dos Valores Mobiliários imperiais Altezas ou Altezas que lhes pertencem por direito, o título de Alteza Real.

  Reconhecemos o filho troifs do Conde d'Eu e sua prole masculina, Títulos legítimos e principescos príncipes e princesas de Orléans-Bragança.

  2 - Reconhecemos acordo com as exigências que fizemos pelo conde d'Eu, os Príncipes acima, filho do Conde d'Eu agora apropriado para o Snack Tracks principesco Franÿais [sic] para a exclusão de Valores Mobiliários appanages. Este lanche e dependente apenas da nossa vontade e dos nossos sucessores.

  3 - Nós manter e defender a nossa nota de 15 de julho de 1901, uma vez que estabelece a ordem de adesão à Coroa e governar a classificação e precedência a ser observado em todas as cerimônias com um oficial francês, política ou nacional. - Dito isso, de bom grado a concordar com o pedido de nosso tio, o conde d'Eu sobre reuniões ou cerimônias familiares, no sentido de que quando a reunião ou evento será exclusivamente da família ou quando decidimos que vamos não para classificar em ordem de adesão à Coroa, mas por laços de parentesco ou posição em relação a nós mesmos, ou em relação a pessoas que vivem ou falecido principesco que seria para homenagear o Conde d'Eu e seus descendentes masculinos, principesco e legítimo pode tomar seu posto atribuir essa relação, como já ocorreu em outros parentes ou aliados da nossa família, incluindo não príncipes e príncipes Casa [sic] Soberanos Estrangeiro.

  4 - O conde d'Eu e filho solenemente aqui para eles e seus descendentes [sic] para fazer valer quaisquer reclamações à coroa da França e do cargo de Chefe da Casa de França, em caso de extinção total de todos os ramos principescos franceses atualmente compõem a Casa da França. Tomamos nota deste compromisso solene que terá seu efeito e será elaborado pela aposição das assinaturas desses Princes Nossa Declaração de presente.

  Declaramos que o compromisso e inviolável, como firmes e constantes, como se tivesse sido tomada com juramento perante uma Assembleia competente da Monarquia.

  5 - O Conde d'Eu e filho também se comprometem em seu nome e em nome de seus filhos a não desafiar o ramo do Duque de Alençon posse do título de duque de Nemours.

  Declaramos que está acima acordado e aprovado firmes e estáveis ​​para sempre algumas circunstâncias que possam surgir.

  Em fé do que nós reconhecemos esta nossa Declaração nossa mão e o selo de nossas armas e fazemo-lo assinado por todos os participantes Principes.

  E de transporte original presente Declaração Nossa entregue a cada um dos Príncipes Nossa tios.
  Feito em Bruxelas, aos vinte e seis dias do mês de Abril do ano de Nosso Senhor 1909.

Constituição espanhola de 1978


"La Corona, o serviço permanente de nossa sociedade e do nosso país, no âmbito de uma monarquia parlamentar, hoje e sempre confirma o seu empenho para a Espanha, para a defesa de sua democracia, Estado de direito, a sua unidade e diversidade."
SM o Rei Juan Carlos I


 ". a forma política do Estado espanhol é a monarquia parlamentar"

Título II da Constituição é "La Corona" nos artigos 56-65:

Art 56

1. O Rei é o Chefe de Estado, o símbolo da sua unidade e permanência, arbitra e modera o funcionamento regular das instituições, assume a mais alta representação do Estado espanhol nas relações internacionais, especialmente com as nações da sua comunidade histórica, e exerce o funções expressamente conferido a ele pela Constituição e leis.

2. Seu título é o Rei de Espanha e você pode usar os outros títulos pertencente à Coroa.

3. A pessoa do Rei é inviolável e não está sujeito a responsabilidade civil. Seus atos devem ser sempre assinada na forma prevista no artigo 64, faltando válido sem essa aprovação, salvo o disposto no artigo 65.2. art. 57

1.A Coroa da Espanha deve ser herdada pelos sucessores dos HM Juan Carlos I de Borbón, herdeiro legítimo da dinastia histórica. Sucessão ao trono seguirá a ordem regular de primogenitura e representação, sempre preferiu a linha anterior para o próximo, em linha mais próxima do grau mais remoto, com a mesma intensidade, o macho para a fêmea, eo mesmo sexo, a pessoa mais velha à mais nova.

2. O príncipe herdeiro, desde o nascimento ou desde o evento que deu origem ao recurso, deve manter a dignidade de Príncipe das Astúrias e os outros títulos tradicionalmente realizadas pelo herdeiro da Coroa da Espanha.

3. Extinguiu todas as linhas designadas por lei, o Parlamento prevê a sucessão à coroa da maneira mais adequada aos interesses de Espanha.

4. As pessoas com direito de sucessão ao trono que se casam contra a proibição expressa do Rei e do Parlamento, serão excluídos da sucessão à Coroa, e seus descendentes.

5. Abdicações e renúncias e qualquer dúvida, de fato ou de direito a ocorrer na ordem de sucessão à Coroa serão resolvidas por uma lei orgânica.

art. 58 A rainha consorte, ou o consorte da Rainha não pode assumir funções constitucionais, sem prejuízo da Regência.

art. 59 1. Quando o Rei é um menor, o pai do Rei, e na sua ausência, o parente mais próximo da idade legal que está no Crown, na ordem estabelecida pela Constituição, deve assumir imediatamente a Regência e irá exercer durante a menoridade do rei.

2. Se o Rei se torna incapaz de exercer a sua autoridade ea impossibilidade é reconhecido pelas Cortes Generales, deve assumir imediatamente o Regency Crown Prince, se ele é maior de idade. Se ele não for, vamos proceder na forma prevista no parágrafo anterior, até que o Príncipe atinge a maioridade.

 3. Se não houver nenhuma pessoa para assumir a regência, será nomeado pelo Parlamento, e é composto por um, três ou cinco pessoas.

4. Para exercer a Regência, espanhol e deve ser maior de idade. 5. O Regency será exercida por mandato constitucional e sempre em nome do rei.

art. 60 1. Rei tutor vai diminuir a pessoa indicada no testamento do falecido rei, sempre que um adulto e nascimento espanhol, se não tivesse nomeado, o guardião vai ser o pai, enquanto permanecerem viúva. Falhando isso, vou nomear o Parlamento, mas não pode acumular cargas Regent e guardião, mas o pai ou ancestrais diretos do rei.

2. O exercício da tutela é também incompatível com a realização de qualquer escritório ou representação política.

art. 61 1. O Rei, ao ser proclamado antes das Cortes Gerais, tomará o juramento de exercer fielmente suas funções, cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis e respeitar os direitos dos cidadãos e das Comunidades Autónomas.

2. O príncipe herdeiro, na vinda de idade, ea Regent ou regentes de assumir suas funções, devem ter o mesmo juramento, bem como a lealdade ao rei.

art. 62 é para o Rei: .

a) sancionar e promulgar leis
b) convocar e dissolver o Parlamento e convocar eleições, nos termos previstos na Constituição.
c) convocar o referendo nos casos previstos na Constituição.
d) propor um candidato para o presidente do Governo e, quando apropriado, o nome dele, e colocar um fim às suas funções, nos termos previstos na Constituição.
e) nomear e exonerar os membros do Governo, sob proposta do Presidente.
 f) emitir os decretos no Conselho de Ministros, para conferir cargos civis e militares e honras de adjudicação e distinções em conformidade com a lei.
g) Ser informado dos assuntos de Estado e cadeira, para esses fins, as reuniões do Conselho de Ministros, que considere adequadas a pedido do Presidente.
h) O comando supremo das Forças Armadas.
i) Para exercer o direito de perdão nos termos da lei, o que não poderá autorizar indultos gerais.
j) o Alto Patrocínio das academias reais.

art. 63 1. O Rei credencia embaixadores e outros representantes diplomáticos. Representantes estrangeiros na Espanha são credenciados antes dele.

 2. Compete ao Rei expressar o consentimento do Estado em honrar internacionalmente por meio de tratados, de acordo com a Constituição e as leis.

 3. Compete ao Rei, após autorização das Cortes Gerais, para declarar a guerra e fazer a paz.

art. 64 1. Atos do rei deve ser assinado pelo primeiro-ministro e, quando apropriado, pelos ministros competentes. A indicação e nomeação do primeiro-ministro ea solução prevista no artigo 99, deve ser assinado pelo presidente do Congresso.

2. De atos do Rei será responsável por referendar.

art. 65 1. O Rei recebe do orçamento do Estado um montante fixo para o apoio de sua família e do agregado familiar e distribui-lo livremente.

2. O rei nomeia livremente e alivia os membros civis e militares de sua família.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Influência do STF sobre o presidencialismo de coalizão


Os founding fathers norte-americanos fizeram um bom exercício de engenharia institucional ao redigirem o texto constitucional do país. Procurando evitar a democracia direta, nos moldes atenienses, assim como ante a impossibilidade de adotarem a forma monárquica de governo, resolveram organizar-se como uma República presidencialista.

Isso não implicava, no entanto, a rejeição à teoria da separação de poderes, da qual eram conhecedores, uma vez comprovadamente bons leitores de Locke e de Montesquieu. Na experiência estadunidense, a adaptação da doutrina de Montesquieu às constituições presidencialistas demandou a fixação de pelo menos três cláusulas-parâmetros:

i) a independência e harmonia entre os poderes, que significa que no desdobramento constitucional dos poderes deverá haver um mínimo e um máximo de independência para cada órgão, bem como um mínimo e um máximo de instrumentos que viabilizem o exercício harmônico dos poderes, para que não haja sobreposição de uns aos outros. As exceções somente podem ser justificadas se almejarem alcançar a finalidade do princípio, qual seja a de separar para limitar. Dessa forma, as interferências de um poder sobre os demais apenas serão admitidas para realizar a ideia-fim de impedir abusos, ou de propiciar real harmonia no relacionamento entre eles;

ii) a indelegabilidade (the non-delegation power) é cláusula bastante relativizada atualmente, todavia, no sistema tradicional ela ainda deve se curvar a dois limites: impossibilidade de abdicação da competência constitucionalmente atribuída que é objeto de delegação e estabelecimento de limites claros para a atuação do poder delegado; e

iii) a inacumulabilidade, que se destina, em verdade, a assegurar a cláusula-parâmetro da independência, que pressupõe a subordinação recíproca entre os titulares de cada poder. A inacumulabilidade diz respeito à impossibilidade de o membro de um poder exercer as funções de outro poder, tal a razão pela qual, por exemplo, parlamentares norte-americanos estão vedados de exercerem cargos no Poder Executivo.

Note-se que o sistema presidencial norte-americano obedece, de forma próxima, a esses parâmetros, ao passo que o sistema presidencialista em vigor no Brasil distancia-se dessas cláusulas. A partir da Constituição de 1988, os cientistas políticos, ao examinarem o sistema de governo que resultou do design institucional brasileiro, o apelidaram de presidencialismo de coalizão.

A expressão “presidencialismo de coalizão” surgiu em artigo escrito por Sérgio Abranches, publicado ainda durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte. Algum tempo depois, especialmente a partir da definição de nosso sistema de governo, por meio do plebiscito de 1993, esse trabalho pioneiro inspirou uma série de estudos sobre o tema.

A Assembleia Nacional Constituinte manteve praticamente inalterado o arcabouço institucional anterior. Foi mantido, dessa maneira, o presidencialismo e a legislação eleitoral não sofreu mudanças significativas, tendo prevalecido o princípio proporcional e a lista aberta para o preenchimento das cadeiras legislativas, excetuando-se aquelas pertencentes ao Senado da República.

Em princípio, segundo Figueiredo e Limongi, comentaristas avaliaram que o resultado da manutenção dessas instituições conduziria a “um sistema com fortes tendências à inoperância, quando não à paralisia; um sistema político em que um presidente impotente e fraco se contraporia a um Legislativo povoado por uma miríade de partidos carentes de disciplina.”

Em síntese bastante apertada, pode-se dizer que as características conformadoras de nosso sistema de governo, que levaram ao diagnóstico citado acima, são resultantes da mistura de três institutos: o presidencialismo, o multipartidarismo exacerbado e o sistema eleitoral proporcional de listas abertas.

Os cientistas políticos, de forma geral, passaram a criticar esse diagnóstico e a afirmar que uma revisão empírica do funcionamento do presidencialismo de coalizão brasileiro demonstrava que o sistema funcionava com taxas de sucesso e coesão muito próximas às dos sistemas parlamentaristas europeus.

Os fatores que fizeram com que o presidencialismo de coalizão brasileiro não tendesse à paralisia, antes permitisse que o governo funcionasse com forte adesão de sua base de apoio parlamentar, podem ser resumidos da seguinte forma:

i) a cooperação entre Legislativo e Executivo: nacionalização da atuação parlamentar;

ii) a execução das emendas orçamentárias parlamentares;

iii) o poder de controlar a agenda dos trabalhos do Legislativo por parte do Executivo, que é exercido de três formas principais: pela atividade legislativa do Presidente da República; por meio da formação do gabinete de ministros; e pela centralização dos trabalhos legislativos, em razão do poder dos lideres partidários.

O primeiro e o segundo fatores mesclam-se, em alguma medida, em razão da adoção do sistema eleitoral proporcional de listas abertas. Os dados revelam que apenas uma ínfima minoria dos deputados federais elege-se com votos próprios. Significa dizer que a maioria elege-se a partir da transferência de votos de outros candidatos de seu partido ou de sua coligação. Isso não implica que tais parlamentares abdiquem de constituir um eleitorado expressivo e identificável, de modo a facilitar as suas respectivas eleições em pleitos futuros.

É nesse ponto que se revela a importância dos dois primeiros fatores determinantes da governabilidade gerada por nosso sistema de governo. A partir da liberação de emendas orçamentárias, os parlamentares conseguem direcionar recursos para viabilizar obras e melhorias em seus redutos eleitorais, ou pelo menos nas localidades onde esperam constituir um eleitorado fiel.

Como compete ao Poder Executivo a liberação dos recursos das referidas emendas orçamentárias e sendo o presidente da República, nesse contexto, a figura nacionalmente conhecida, de grande prestígio e que também pretende manter seu eleitorado (tendo em vista a possibilidade de reeleição), o anúncio das melhorias e da inauguração de obras, enfim, da canalização de recursos para dada localidade é, em geral, feito pelo Presidente, que se faz acompanhar do parlamentar responsável pela emenda orçamentária geradora do recurso.

O presidente funciona, assim, quase como um cupido e essa intermediação significa mais uma etapa no processo de trade offs entre esses poderes. Acontece que a identificação e a construção de uma base eleitoral e, portanto, a geração de um contato entre representante e representado (accountability) não pode ser, ou dificilmente é, produzida diretamente pelos parlamentares, pois eles praticamente não possuem meios de influenciar o poder de agenda. Nesse cenário, quanto maiores as condições de governabilidade de que dispuser o Poder Executivo, mais oportunidades terão os parlamentares de sua base para constituir seu eleitorado.

A colocação do presidente em função assemelhada à de um cupido nesse processo de intermediação se dá em cenário em que ambas as partes ganham (trade offs). Assim como os representantes buscam sua constituency (base eleitoral) e, para tanto, precisam do Presidente, este busca implementar sua agenda no tempo de seu mandato e, para tanto, precisa da adesão dos legisladores.

Nesse movimento, além de seus poderes formais de influência nos trabalhos legislativos (iniciativas privativas de leis, edição de medidas provisórias, vetos, entre outros), possui o presidente meios informais de influenciar. Esses são exatamente os que interessam neste ponto: coattails, como são conhecidos na literatura, são os efeitos relacionados à associação ao prestígio presidencial, à imagem e popularidade do presidente da República, ao seu poder de preenchimento de cargos na administração pública.

Assim, portanto, as emendas parlamentares ao orçamento e a cooperação entre Legislativo e Executivo colaboram para o funcionamento do presidencialismo de coalizão no Brasil. Além disso, o poder de agenda sobre os trabalhos legislativos e sobre as políticas públicas a serem adotadas no país, exercido pelo presidente da República, é outro fator determinante da caracterização do nosso sistema presidencialista.

O poder legislativo atribuído ao presidente brasileiro é extremamente largo e isso permite que a pauta do Congresso Nacional seja dominada por projetos de lei de sua iniciativa e, em especial, por medidas provisórias encaminhadas pelo Poder Executivo. A formação do gabinete de ministros, condicionada pela necessidade de criação de uma base ampla de apoio partidário no Congresso Nacional e pela acumulabilidade permitida pela Constituição de 1988, faz com que parlamentares, sem que seja necessário renunciar aos respectivos mandatos, componham o Poder Executivo, por indicação presidencial para pastas ministeriais.

Essa forma de composição do gabinete de ministros faz com que os partidos da base de apoio do Executivo estejam nele representados. Assim, pelo menos em teoria, os interesses da base de apoio parlamentar do governo estão inseridos no próprio governo por meio dos ministros de estado. A sistemática de centralização dos trabalhos legislativos nos líderes partidários também colabora para a diminuição dos custos de transação do presidente da República. Isso porque as decisões podem ser tomadas a partir de consultas aos líderes partidários e aos ministros das pastas envolvidas, tornando desnecessárias negociações mais desgastantes com os parlamentares em geral.

Os cientistas políticos, de forma otimista, costumam afirmar que não há que se falar em agenda dual. A análise apoiada em decisões orçamentárias demonstra que os parlamentares da base governista ocupam posições estratégicas nas Comissões legislativas importantes, onde funcionam como braços efetivos do governo, como se fossem titulares de pastas ministeriais. Ademais, esses dados evidenciam que as políticas perseguidas pelo Executivo e pelo Legislativo são complementares. “Não há, portanto, uma agenda do Executivo à cata de apoio de parlamentares que a tomam como exógena, externa aos seus interesses.”

Ocorre que, apesar de certo otimismo inicial com a governabilidade que o presidencialismo de coalizão havia proporcionado, o decurso do tempo demonstrou que os custos políticos de manutenção desse sistema são altíssimos para o país. Isso porque o seu mau gerenciamento pode levar ao impeachment de presidentes (caso Collor), e o abuso criminoso do poder político e econômico do Poder Executivo, relacionado à compra de apoio parlamentar, mostrou-se desastroso (caso do Mensalão, julgado pelo STF na AP 470).

Os parlamentares, que conhecem melhor que ninguém os meandros dessa engrenagem, aprovaram a Lei 9.096/1995, que, entre outras disposições, instituiu a cláusula de barreira (ou cláusula de desempenho), a qual determinava que apenas teria funcionamento parlamentar o partido que alcançasse, no mínimo, 5% dos votos apurados, excetuando-se os brancos e nulos, distribuídos em pelo menos um terço dos Estados, com o mínimo de 2% do total de votos de cada um deles.

A chamada cláusula de barreira atacaria um pilar fundamental da caracterização do presidencialismo de coalizão: o multipartidarismo exacerbado. Com os critérios da legislação aprovada, cálculos do ano de 2005 revelavam que, já no pleito de 2006, 5 a 7 partidos apenas obteriam desempenho eleitoral suficiente à obtenção de funcionamento parlamentar, o que estimularia fusões entre partidos, levando a um cenário provável, em curto prazo, de apenas 3 a 5 partidos com funcionamento parlamentar. Isso teria o condão de racionalizar o quadro partidário nacional (hoje cerca de 30 partidos estão representados no Congresso Nacional).

Ocorre que, no julgamento das ADIs 1.351 e 1.354, ambas de relatoria do ministro Marco Aurélio (Plenário, DJ 30/3/2007), o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade de votos, declarou a inconstitucionalidade da cláusula de desempenho, ante provocação de pequenos partidos, responsáveis pelo ajuizamento das ações. Os fundamentos levantados pelos ministros versaram sobre o pluralismo político-partidário, os direitos das minorias, o princípio da proporcionalidade, entre outros.

O fato é que hoje a irracionalidade do quadro partidário, a promiscuidade das relações entre Executivo e sua base de apoio parlamentar, o esmagamento da oposição, entre outros fatores, são problemas que condicionam o funcionamento do sistema de governo brasileiro e que poderiam ter sido senão resolvidos bastante abrandados com a aplicação da cláusula de barreira, ante a sua capacidade evidente de diminuição do número de partidos no Brasil.

É preciso atentar para o fato de que a Constituição e seus princípios, entre eles a proteção às minorias parlamentares e o pluralismo político-partidário, devem ser interpretados dentro de um ambiente institucional concreto e historicamente condicionado. Mais do que em outros casos, as medidas que implicam alteração institucional de grande monta devem ser adotadas em ambiente de diálogo institucional entre os poderes, uma vez que todos podem colaborar para a construção de modelos mais adequados.

No Brasil, parece estar claro que a multiplicação irracional de partidos políticos serviu a um quadro de promiscuidade das relações políticas, de confusão eleitoral e da surreal indistinção entre correntes políticas (um número enorme de partidos parece confundir o sistema a ponto de a variedade tornar-se indistinção). O Congresso Nacional, com a aprovação da cláusula de desempenho, havia oferecido uma resposta ao problema, todavia o Supremo Tribunal Federal, exercendo o controle abstrato de normas, declarou a inconstitucionalidade da medida legislativa, atuando, consciente ou inconscientemente, de modo a manter uma das bases institucionais de funcionamento do presidencialismo de coalizão.

O diálogo institucional entre os poderes é que poderá oferecer solução a esse grave problema brasileiro. E a (re)abertura desse debate deverá ocorrer a partir de uma saudável recalcitrância legislativa. O presidencialismo brasileiro (e o sistema político em geral) tem muito a ganhar com a redução do quadro partidário, podendo, com isso, até mesmo perder a alcunha de presidencialismo de coalizão.

Sérgio Antônio Ferreira Victor 

Olhar constitucional sobre a participação administrativa


Desde junho de 2013, o Brasil vivenciou uma série de protestos e manifestações populares em grandes capitais e em outras cidades de diversos estados, cuja complexidade e simbolismo ainda serão objeto de muita reflexão em termos sociais, políticos, jurídicos e históricos.

Inicialmente organizadas por meio de redes sociais e ligadas à insatisfação pelo aumento de tarifas de transporte público e pela falta de qualidade dos serviços públicos, as manifestações ganharam corpo e pautas políticas e ideológicas variadas (insatisfação quanto à corrupção, ao voto secreto em votações legislativas e à tentativa de limitação de poderes do Ministério Público e do Judiciário; melhora da educação e da remuneração de professores, etc.). Também ganharam maior apoio popular e mais atenção da mídia nacional e internacional, sobretudo em razão dos excessos cometidos por parte das autoridades policiais e em razão do repúdio a reiterados atos de vandalismo, que não refletiam uma legítima manifestação cidadã.

Dentre as diversas questões que daí se podem extrair, é natural que a discussão acerca da liberdade de reunião e de manifestação ganhasse relevo, passando-se a se avaliar os modos de exercício e de condicionamento desse importante direito constitucional.

Além disso, a reflexão acerca desses eventos acaba por trazer à discussão os desafios ligados à ideia de democracia e às formas de sua concretização, revisitando o debate entre as vantagens e desvantagens de instrumentos políticos e administrativos de democracia indireta ou representativa, de democracia semidireta e/ou de democracia participativa. Dito de outro modo, retoma-se a pergunta sobre a ampliação e a modulação do cânone democrático.

A Constituição de 1988, que não se olvidou da famosa concepção de Lincoln, foi bastante enfática (em relação a suas antecessoras) ao assegurar, no Parágrafo único do seu artigo 1º, de forma explícita, a ampliação do cânone democrático, admitindo a sintonia entre as ideias de democracia participativa e de democracia representativa.

A doutrina em geral não se descuidou desse importante aspecto. Boaventura de Souza Santos e Leonardo Avritzer, por exemplo, destacam que essa abertura tem permitido novas experiências, resultados e potencialidades, que abrem espaço para se pensar em formas de combinação por complementariedade entre democracia participativa e representativa (e não meramente a sua coexistência).

Maria Benevides aponta que a novidade radical estaria no termo “diretamente” do artigo 1º, parágrafo único, CF/1988, a permitir a combinação de formas de democracia direta com a democracia representativa. No plano da participação política, por exemplo, admitiu-se a abertura para mecanismos institucionais de participação mais direta na atividade legislativa e em políticas governamentais (como referendo, plebiscito e iniciativa popular – no sentido comumente denominado de democracia semidireta), que foram aprovados para vigorarem nos distintos níveis do condomínio federativo (União, estados, Distrito Federal e municípios).

Apesar de a abrangência dessa discussão muitas vezes enfatizar a participação no campo político-legislativo, a retomada do foco sobre o ponto de partida das manifestações (a insatisfação dos usuários de serviços públicos e a questão do aumento das tarifas de transporte) chama a atenção para uma maior reflexão acerca das possibilidades de práticas democráticas (participativas e representativas) e de soberania popular na seara da Administração Pública. Isso nos faz indagar sobre as bases teóricas e constitucionais e os desafios práticos de uma participação administrativa ou, segundo certos autores, de uma participação popular na administração pública.

A doutrina costuma apontar como instrumentos mais comuns de participação administrativa os seguintes: os conselhos (órgãos colegiados, ora com função deliberativa, ora com função consultiva), comissões e comitês participativos; as audiências públicas; as consultas públicas; o orçamento participativo. Haveria, também, a ouvidoria pública, o referendo e/ou plebiscito administrativo, a eleição popular para cargos de direção e as organizações sociais.

A escolha desse enfoque envolve um questionamento em sentido teórico-constitucional, ao qual aqui apenas faço menção. Trata-se de indagar sobre as novas formas de legitimação estatal, que não se limitam à transposição dos instrumentos clássicos de legitimação do sistema representativo.

Essa pergunta, segundo José Joaquim Gomes Canotilho, busca iluminar, na atualidade, um elo entre o direito constitucional e o direito administrativo, por meio de uma compreensão do princípio democrático em sentido dinâmico e de abertura ao futuro, com vistas a um direito administrativo cooperativo.

Em termos empíricos, que também não podem ser aqui amplamente investigados, fica a questão de se saber o porquê do suposto baixo nível de fomento e utilização efetiva, pelas Administrações em geral, de instrumentos de participação popular antes, durante e após as manifestações.

Entretanto, aqui cabe analisar, em sentido prático-constitucional e em cotejo com o pano de fundo das manifestações e protestos mencionados, como nossa Constituição permite o exercício da legitimação democrática da administração, inclusive via participação administrativa, pois há diversas disposições que, sob esse enfoque, em maior ou menor grau, estariam relacionadas à democracia participativa.

Nesse sentido, vale destacar dois casos interessantes, atualmente sob análise do STF, que merecem acompanhamento.

O primeiro diz respeito ao âmbito normativo do artigo 37, ­parágrafo 3º, da Constituição, que, embora normalmente não fique em evidência, é um  dos diversos exemplos de dispositivos constitucionais relativos ao tema da participação administrativa, especialmente quanto à questão das formas de participação dos usuários na administração em geral.

A despeito de sua redação original ter se limitado a um foco muito restritivo (As reclamações relativas à prestação de serviços públicos serão disciplinadas em lei.),é inegável que a redação conferida pela EC 19/98 operou significativa mudança, pois ampliou o foco do dispositivo e de sua regulamentação legal para permitir a experimentação de formas de participação do usuário na administração em geral (dando a entender que aqui se trata de serviços públicos em sentido amplo).

Ocorre que o artigo 27 da EC 19/98 determinou que o Congresso Nacional elaborasse em 120 dias da promulgação daquela Emenda uma “lei de defesa do usuário de serviços públicos”.

Contudo, passados praticamente 15 anos, até hoje não houve a referida regulamentação legal (a abarcar toda a matéria do parágrafo 3 do artigo 37), embora se possa dizer que há regulamentações parciais (explícitas ou implícitas), em legislação esparsa, como ocorre com a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que regulamentou especificamente o inciso II do parágrafo 3º do artigo 37, CF/88.

Esse estado de descumprimento do artigo 27 da EC 19/98 ensejou o ajuizamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão pelo Conselho Federal da OAB, que teve pedido liminar deferido pelo relator do caso, Ministro Dias Toffoli, em 1º de julho de 2013, para determinar o seguinte:

“defiro em parte a medida cautelar pleiteada na presente ação, ad referendum do Plenário, para reconhecer o estado de mora do Congresso Nacional, a fim de que os requeridos, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, adotem as providências legislativas necessárias ao cumprimento do dever constitucional imposto pelo artigo 27 da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998” (ADO 24 MC/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 1º.08.2013).

Após destacar a relevância do tema de fundo (prestação de serviços públicos no País e os instrumentos de defesa dos seus usuários) e a importância da mudança operada pela EC 19/98, que exigiu deliberação pelo Congresso Nacional em 120 dias, o Ministro Dias Toffoli asseverou que, passados exatos 15 anos, seria evidente a existência de lapso temporal suficiente a caracterizar, mesmo em juízo sumário, a omissão inconstitucional.

Salientou ainda que, mesmo não sendo caso de total ausência de proposição legislativa (por estar a tramitar o PL 6.953/2002 na Câmara dos Deputados, pendente de apreciação em CCJ), estaria configurada, no caso, a omissão em termos de inercia deliberandi. É que, por não haver deliberação em um prazo razoável, seria injustificável a conduta manifestamente negligente ou desidiosa das Casas Legislativas, sobretudo se a decisão política a respeito da necessidade de edição de lei já fora tomada pelo próprio Parlamento nos termos do artigo 27 da EC 19/98. Esse posicionamento estaria, inclusive, em harmonia com o entendimento fixado pelo STF no julgamento de outro semelhante caso de omissão (ADI 3682/MT, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 06.09.2007), em que o tema  fora debatido com maior profundidade.

É interessante ressaltar ainda que a “voz das ruas” ecoou de forma explícita nas razões dadas pelo Ministro Dias Toffoli em sua decisão, ainda que na qualidade de simples argumento de reforço:

“É inevitável observar que o caso em tela coincide com a atual pauta social por melhorias dos serviços públicos. Os movimentos sociais que hoje irradiam várias partes do país e o respectivo anseio da população por qualidade na prestação dos serviços disponibilizados à sociedade brasileira são uma demonstração inequívoca da urgência na regulamentação do artigo 27 da EC nº 19/98.”

Ele acentuou ainda que essa regulamentação fomenta a cidadania ativa e efetiva, além de estabelecer formas mais diretas de relacionamento entre Estado e sociedade.

O caso em questão é interessante não somente do ponto de vista meritório (participação administrativa e democracia participativa), mas também da perspectiva técnica e política (omissão inconstitucional, formas de sua configuração e superação e a efetividade de decisões liminares e de mérito nessa seara).

Além disso, há alguns complicadores a serem destacados. Em tese, a decisão liminar pode vir a não ser referendada pelo Plenário do STF. Ademais, ao que tudo indica, o prazo estabelecido pela decisão monocrática findará sem que o Congresso venha a cumprir a determinação judicial, pois até o presente momento não houve deliberação definitiva acerca do tema no Parlamento. Fica a indagação, de todo modo, sobre o porquê de não se conseguir priorizar esse debate na pauta legislativa.

O segundo caso em destaque diz respeito a um questionamento veiculado na ADI 3.908/DF, em que determinado partido político busca a declaração de inconstitucionalidade do artigo 2º, caput e parágrafo 2º, da Lei 9.709/98, por entender ser inconstitucional a figura do referendo para matéria ou atos de natureza administrativa.

É que, segundo o autor da ação (PSDB), a submissão de atos administrativos, após a sua prática, a procedimento de referendo pelo Legislativo violaria a garantia do ato jurídico perfeito, os princípios da legalidade, da isonomia e da impessoalidade e o princípio da separação de poderes.

Adotado o rito processual do artigo 12 da Lei 9.868/99 pelo relator originário do caso (Min. Joaquim Barbosa), a AGU e a PGR se manifestaram pela improcedência da ação, ressaltando o caráter impositivo da democracia participativa e dos instrumentos de democracia semidireta no contexto da Constituição de 1988 (inclusive para a seara administrativa). A manifestação da PGR, inclusive, é digna de nota pelo estudo detalhado e ilustrativo da questão.

O curioso aqui é que o Município de Fortaleza foi admitido como amicus curiae e buscou demonstrar que, em verdade, havia uma instrumentalização do sistema de controle de constitucionalidade para atender a interesses concretos e privados de interessados na manutenção de certo ato administrativo (alvará de construção).

Tal premissa foi acolhida pelo então relator do feito, Min. Joaquim Barbosa, que indeferiu monocraticamente a inicial, ressaltando que a legitimação ampla dos partidos políticos não poderia transformar o STF em um tubo de ensaio para a afirmação de interesses concretos ou individuais (ADI 3908, Rel. Min, Joaquim Barbosa, DJe 06.11.2008).

Como houve recurso (agravo regimental) e redistribuição do processo ao Min. Ricardo Lewandowski (atual relator), é possível que a decisão agravada seja revista e, eventualmente, abra-se margem para que o STF possa se manifestar de forma efetiva acerca desse importante mecanismo de democracia semidireta (referendo), quando aplicável à matéria ou a ato administrativo.

A esse respeito, por exemplo, Gilberto Bercovici defende o seguinte: não há óbice em se utilizar referendo e plebiscito para matéria administrativa ou ato administrativo; a Lei 9.709/98 funciona como norma geral, a autorizar os demais entes federativos a fazer uso de tais instrumentos no âmbito de suas atribuições constitucionalmente fixadas; não há usurpação de competências entre poderes constituídos.

Além disso, no que diz respeito ao caso da ADI 3.908, o referido autor se posiciona no sentido de que, além de não haver fundamento jurídico para acolhimento do pleito, seria um exemplo de instrumentalização dos partidos políticos contra a ampliação da democracia participativa no país. Aponta, ainda, duas particularidades que causariam, a seu juízo, certo estranhamento à impugnação da Lei 9.709/98: o fato de ela ter sido impugnada apenas em 2008 (anos após a sua vigência) e de essa contestação ter sido feita contra lei sancionada por presidente da República, que era filiado ao mesmo partido autor da ação.

De todo modo, o realce desses dois casos, a partir do contexto apresentado, serve de estímulo para aprofundar o debate do tema da participação administrativa (e da democracia participativa em sintonia com a democracia representativa) em uma perspectiva constitucional, consideradas não só as relevantes tarefas dirigidas ao poder constituinte derivado e à jurisdição constitucional, mas também a importância de fazermos valer o nosso direito constitucional de participação democrática!


Marco Túlio Reis Magalhães 

A liberdade de religião precisa ser limitada pelo Estado?


Neste ano, participei de um curso sobre a proteção dos direitos humanos no qual tive a oportunidade de ouvir afirmações que me levaram a refletir sobre o embate entre a universalidade dos direitos humanos e o relativismo cultural. Os participantes da turma, originários de 28 países com realidades completamente diferentes entre si, vivenciaram troca de experiências inestimável. Ocorre que alguns posicionamentos manifestados durante as aulas foram chocantes para quem pensa na igualdade de todos e na proteção às liberdades como alicerces do constitucionalismo.

Entre os pensamentos inusitados, destaco: 1) as mulheres têm dever de obediência em relação aos maridos e são obrigadas a cumprir todas as suas obrigações conjugais, como educar os filhos, cuidar da casa e manter relações sexuais quando o patriarca quiser; 2) não existe lógica em legitimar a prática de certos atos que vão contra a natureza, como o homossexualismo, mas impedir o incesto; 3) a poligamia é também uma questão de sobrevivência da espécie humana, na medida em que as mulheres são maioria na sociedade e representam cerca de 51% da população; 4) os maiores problemas atualmente enfrentados por muitos Estados são consequências do reconhecimento da família monoparental.

Essas manifestações me impulsionaram a produzir este artigo, para refletir sobre os limites do multiculturalismo e perquirir em que medida um Estado deve promover, internamente, a proteção do pluralismo cultural.

Boaventura de Sousa Santos leciona que as pessoas têm o direito a ser iguais quando a diferença as inferioriza, assim como a ser diferentes quando a igualdade as descaracteriza. Disso decorre a necessidade de um princípio da igualdade que reconheça as peculiaridades de cada ser. A diversidade é um bem que precisa ser protegido.

A propósito, a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH) estatui que toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (artigo II). No mesmo sentido, a Constituição brasileira estabelece, entre os objetivos fundamentais do Estado, a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade ou quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3°, IV).

Portanto, há previsões normativas que dispensam ampla proteção ao pluralismo, em suas diversas ramificações. A partir dessas premissas, este artigo analisa a possibilidade de limitar o direito à diversidade cultural, o que se propõe a examinar na conjuntura da liberdade de crença ou de religião.

Especificamente sobre essa liberdade, a DUDH ratifica o dever de proteção dos Estados ao pluralismo e garante a livre manifestação religiosa ou de crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular (artigo XVIII). No Brasil, a Constituição consagra igualmente o direito à liberdade de religião (artigo 5°, VI, VII e VIII).

Nesse contexto, questiona-se se, diante da obrigação estatal de resguardar o multiculturalismo, o direito subjetivo fundamental à liberdade de consciência pode ser legitimamente mitigado. Imaginem-se as hipóteses de uma estrangeira que vive no Brasil e, no exercício de sua crença, decide encobrir o rosto, sujeitar-se ao marido e reconhecer-se inferior aos homens; ou de um cidadão que prefere morrer a se render a tratamento médico contrário às suas convicções; ou, ainda, de pais que submetem os filhos menores a situações de risco por motivos religiosos. Pergunta-se: deve o Estado brasileiro, em tais casos, respeitar e proteger efetivamente a liberdade religiosa? A resposta não é simples.

É certo que os direitos fundamentais não são absolutos. Favoreu sustenta que esses direitos podem ser limitados, desde que haja concomitantemente:

I) a preponderância, no caso concreto, de outros direitos fundamentais ou de objetivos de interesse geral; II) a atuação da autoridade competente para fixar a restrição; e
III) a observância do estritamente necessário, para não desnaturar o direito fundamental mitigado.

Destarte, em teoria e observados alguns critérios, é possível restringir a liberdade de religião, como acontece com qualquer outro direito fundamental. Ainda assim, parece paradoxal imaginar que um Estado pluralista como o brasileiro possa interferir em um dos direitos mais íntimos do indivíduo, que é a liberdade de consciência.

As reflexões sobre esse tema não são novas, pois o assunto já foi judicializado em diversos países e apreciado, ainda, pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH). Tais precedentes podem nortear diretamente o tratamento da liberdade religiosa pela ordem jurídica brasileira, além de indicar possíveis limites da diversidade cultural em Estados pluralistas, logo é relevante o seu conhecimento.

Nos Estados Unidos, há pelo menos dois casos interessantes que foram julgados pela Suprema Corte. Em Capitol Square Review and Advisory Board v. Pinette, o Judiciário permitiu a construção de uma cruz nazista em local público, para efetivar o livre exercício da liberdade de crença pelos adeptos do movimento Ku Klux Klan; e em Church of the Lukumi Babalu Aye, Inc. v. Hialeah, o Tribunal declarou inconstitucionais normas locais que impediam a realização de rituais com sacrifício de animais.

A Suprema Corte do Canadá também possui alguns precedentes interessantes sobre a efetivação da liberdade de consciência. Em R.C.N.S. 2012 CSC 72, a decisão reconheceu o direito de uma mulher testemunhar em processo criminal trajando niqab, uma indumentária islâmica semelhante à burca. Em Alberta c. Hutterian Brethren of Wilson Colony, 2009 CSC 37, reconheceu-se que a convicção religiosa dos Huteritas, segundo a qual não se pode ser voluntariamente fotografado, é justificativa legítima para não exigir fotografia na permissão para conduzir veículos.

Esses casos revelam a adoção de uma posição liberal em relação à manifestação religiosa; a função estatal consiste em maximizar a proteção da diversidade, independentemente de valoração moral da crença (casos do Ku Klux Klan e do sacrifício de animais) ou dos impactos para a ordem pública (casos da autorização para habilitação veicular sem fotografia e do testemunho com rosto encoberto). Essa concepção pode ser definida como pluralismo liberal clássico. Ela não é, contudo, uniformemente acolhida em todo o mundo.

Na Alemanha, o Tribunal de Grande Instância (Landgericht) de Köln condenou a circuncisão por motivos religiosos, por constituir afronta à integridade física das crianças. Entendeu a Corte que o direito de os pais educarem, inclusive transmitindo preceitos religiosos, não se sobrepõe ao desenvolvimento da personalidade individual e à preservação corporal dos filhos.

A França decidiu limitar a liberdade de crença e proibir legalmente o porte de vestimentas que encobrem o rosto em locais públicos. Na exposição de motivos para a adoção da referida lei, explica-se que a dissimulação da face dificulta a identificação da pessoa, comprometendo a segurança pública em ambientes como bancos e escolas, além de configurar um atentado à liberdade das mulheres, por negar o valor republicano da igualdade. Registre-se que o Conseil Constitutionnel decidiu que essa lei proibitiva é conforme à Constituição francesa, na medida em que as mulheres que escondem os rostos, voluntariamente ou não, encontram-se em situação de exclusão e de inferioridade manifestamente incompatível com os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade. Em outro julgamento, o Conselho Constitucional assentou que a cláusula de consciência não pode ser invocada pelas autoridades francesas para recusarem a celebração de casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Por fim, a Corte Europeia de Direitos Humanos foi acionada para julgar suposto atentado à liberdade religiosa de um homem que, por convicção religiosa, era obrigado a portar turbante em tempo integral, mas foi compelido a retirar o signo durante fiscalização de segurança de um aeroporto. Para solucionar o caso, a CEDH invocou o artigo 9° da Convenção Europeia de Direitos Humanos, segundo o qual a liberdade de religião pode ser restringida por medidas de segurança pública.

Esses precedentes europeus caracterizam-se pela implementação de medidas concretas que limitam a liberdade religiosa para garantir outros valores constitucionais. Na França, existem leis que proíbem o porte de signos religiosos em escolas e a dissimulação da face em locais públicos, cuja finalidade é compatibilizar a diversidade cultural com os princípios da liberdade individual e da igualdade, além de impedir o uso da religião como mecanismo de dominação. Esse comportamento configura clara filiação a um pluralismo intervencionista com escopo integrador (pluralismo de integração). As decisões da Alemanha e da CEDH também demonstram, ainda que pontualmente, uma inclinação para essa corrente, distinta do pluralismo liberal clássico.

A experiência brasileira não permite incluir o país, com precisão, em nenhum dos dois grupos. Por um lado, a própria Constituição ressalva a possibilidade de prestação alternativa aos que se recusarem a cumprir obrigações a todos imposta (artigo 5°, VIII), respeitando a pluralidade de valores. Por outro lado, o Judiciário local tem sido categórico no que concerne às transfusões de sangue para testemunhas de Jeová, ao assentar que o direito à vida é indisponível e prevalece sobre a liberdade religiosa, motivo pelo qual a hemotransfusão deve ser realizada contrariamente à vontade dos pacientes. Notadamente, quando a questão envolve incapazes ou pessoas temporariamente impossibilitadas de se manifestar, a ausência de consentimento dos responsáveis não obstaculiza a intervenção cirúrgica.

A laicidade à brasileira comporta, ainda, algumas peculiaridades que potencializam a dificuldade de classificar o nosso pluralismo de crenças entre liberal clássico e de integração, a exemplo da menção a Deus no preâmbulo da Constituição, do reconhecimento de efeitos civis ao casamento religioso (artigo 226, parágrafo 2°, CF) e da utilização ostensiva de símbolos em ambientes públicos, como a cruz no plenário do Supremo Tribunal Federal.

Posto isso, é notória a complexidade para promover o secularismo. A questão se torna ainda mais delicada quando o Estado adota medidas concretas que limitam o exercício da liberdade religiosa, a fim de garantir valores objetivos como as liberdades, a igualdade e o próprio pluralismo.

Há muitos trabalhos que criticam certas restrições à liberdade de religião, mas refletindo sobre todos os casos polêmicos apresentados, penso que essa liberdade deve, sim, ser limitada quando o seu exercício entrar em conflito com outros direitos fundamentais. O Estado não deve assistir passivamente a atos de racismo, tortura, degradação da saúde e da integridade física, perturbação da segurança pública, discriminação ou disseminação de ódio, em nome da diversidade ou do respeito a tradições culturais.

Trata-se de medida para evitar a autodestruição do multiculturalismo. Considerando-o como um dos fundamentos da liberdade de crença, consciência ou de religião, não se podem admitir práticas que vão de encontro a outros valores constitucionais e se transformem em mecanismos de segregação e/ou de dominação, corroendo o alicerce de uma sociedade plural: a tolerância.

Nesse sentido, os precedentes europeus examinados demonstram bem como compatibilizar a autodeterminação com a proteção de bens jurídicos indisponíveis, em um contexto que propicia a emancipação dos cidadãos. Repita-se, contudo, que as restrições aos direitos fundamentais estão evidentemente condicionadas à atuação de autoridade competente e à imposição apenas dos limites estritamente necessários.

Sendo assim, penso que é preciso evoluir do multiculturalismo liberal clássico para o pluralismo de integração, que não aceita respeitar a tradição religiosa quando a intervenção estatal é justificada pela promoção de valores objetivos igualmente dignos de tutela e que preponderam nos casos de conflito.

José dos Santos Carvalho Filho

Por que tanto se descumpre a lei e ninguém faz nada?


Os atalhos hermenêuticos

Há muito tenho insistido na tese de que uma lei votada pelo Parlamento só pode deixar de ser aplicada em seis hipóteses:

a) se for inconstitucional,
b) se for possível uma interpretação conforme a Constituição,
c) se for o caso de nulidade parcial sem redução de texto,
d) no caso de uma inconstitucionalidade parcial com redução de texto,
e) se se estiver em face de resolução de antinomias e
f) no caso do confronto entre regra e princípio (com as ressalvas hermenêuticas no que tange ao pamprincipiologismo). 

Fora disso, estar-se-á em face de ativismos, decisionismos ou coisa do gênero. Portanto, o judiciário possui amplo espaço. Nada mais, nada menos do que seis maneiras. Mas parece que, na cotidianidade, o judiciário prefere um atalho. Sim, um atalho silipsístico.

Um dos dispositivos que simboliza isso é o artigo 212 do Código de Processo Penal. Ali claramente está escrito que o juiz só pode fazer perguntas complementares quando da oitiva das testemunhas. Ali está inscrito o sistema acusatório. Juiz não faz prova. As partes é que fazem. Não é porque eu quero que seja assim. Simplesmente “está na lei”. O legislador, ao votar a nova redação do CPP, disse: não haverá mais inquisitivismo. Simples, pois.

O resultado, entretanto, é que o Judiciário, em sua maior parte, respaldado por equivocadas leituras do STJ e do próprio STF e por uma literatura jurídica conservadora e distante da Constituição, rasgou o texto legal. E onde está escrito “apenas perguntas complementares”, passou-se a ler, “continuemos a fazer audiências como era antes”. E a lei? Bem, a lei...

Um caso emblemático

Recentemente, o TJ-RS, examinou o seguinte caso: em uma cidade do interior, o Promotor de Justiça não pôde comparecer à audiência e o juiz fez toda a prova, inquirindo testemunhas e tudo o mais. E depois, condenou o réu com base na prova que ele mesmo, juiz, produziu. O advogado fez uma preliminar alegando nulidade. O juiz rechaçou, do mesmo modo que o TJ fez na sequencia.

Na apelação, o desembargador relator votou pela nulidade, em preliminar. Com esse voto, a defesa interpôs embargos infringentes, que foram improvidos. Decidiu-se, assim, que o fato de o juiz ter de assumir a exclusividade da inquirição das testemunhas devido à ausência do promotor na audiência não-anula-o-processo-criminal.

Afinal, segundo o Tribunal, os artigos 201 e 203 do CPP obrigam o julgador a ouvir vítimas e testemunhas para formar a sua convicção. Já de pronto podemos jogar com a hermenêutica: de fato os artigos 201 e 203 dizem isso... só que, logo depois, explicando como isso se dará, há um dispositivo, novinho em folha, o 212, que estabelece que o juiz não poderá inquirir as testemunhas, com exceção de perguntas complementares. Ah: “complementares”, ao que sei, complementam e, portanto, vem depois de alguma coisa, correto?

Mas o mais inusitado é que o juiz e o tribunal sustentaram que “a defesa não apontou o efetivo dano causado pelo fato de o juiz ter iniciado as perguntas.” Confesso que não entendi. Como assim? O sujeito foi condenado a sete anos e meio de reclusão, com prova feita exclusivamente pelo juiz e ainda assim necessita provar que houve prejuízo?

Outro ponto interessante é que a relatora dos embargos, no grupo, sustentou que a nulidade prevista no artigo 564, inciso III, alínea ‘d’, do CPP, é relativa e foi considerada sanada. E isto porque a irregularidade (sic) não foi arguida em tempo oportuno, como prevê o artigo 572 do mesmo diploma legal. Mas o que diz o artigo 564, III, “d”, do CPP? “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: III — por falta das fórmulas ou dos termos seguintes: d) a intervenção do Ministério Público em todos os termos da ação por ele intentada e nos da intentada pela parte ofendida, quando se tratar de crime de ação pública.”

Pronto. Isso não quer dizer nada? Se o MP não está na audiência, não faz a prova, tal circunstância não se enquadra na hipótese desse dispositivo? Mais: somando a clareza meridiana do artigo 212 com a do artigo 564, III, d, a pergunta é: poderia a audiência ser realizada? E, se sim, como ultrapassar a nulidade decorrente da prova feita pelo juiz?

Ainda: onde está escrito que essa nulidade é relativa? E onde está escrito que o advogado deve “protestar” em tempo hábil? Não seriam as regras que estabelecem o sistema acusatório “regras procedimentais de direitos fundamentais” e, por isso, a simples violação já não acarretaria nulidade insanável? Aliás: diz-se, hoje, que todas as nulidades são relativas. Pois é. E digo eu: se tudo é, nada é. Logo, todas não são relativas. Questão de lógica.

Convenhamos: o juiz fez a prova. Fez as perguntas às testemunhas. De que modo? Ora, o inquisidor só faz perguntas que venham a sustentar a decisão que ele já tomou. Esse é o cerne do inquisitivismo. O resultado já está dado. Busca, então, a argumentação. Por isso, o prejuízo é evidente. E é por isso que as provas devem ser feitas pela defesa e pelo MP.

Tentarei ser mais claro: o juiz que conduz a produção da prova, por mais bem intencionado que seja, termina se contaminando pelo objeto da busca, saindo do seu lugar de isenção. Vincula-se psicologicamente ao que procura. E como diz o adágio, “quem procura, acha”. E por que procura? Diante do princípio constitucional da presunção de inocência — que impõe à acusação o ônus de buscar provas — qual a motivação de um juiz que se substitui ao acusador? Será que alguém desinteressado, imparcial, procuraria? Indo mais a fundo, o que motiva alguém que deve estar em um lugar imparcial a produzir provas? Essa separação de funções no processo, em todos os seus atos e em todas as fases, é uma garantia não só para o acusado, mas para a sociedade.

A justificativa mais comum para essa anomalia na atuação do juiz se dá com base no falacioso princípio da “verdade real”. Vai-se no guarda-roupas do voluntarismo, despe-se da toga e veste a beca da acusação. E por que a da acusação? Porque o ônus de provar o alegado é do acusador. Ora, se a função do acusador é comprovar a materialidade a e autoria dos fatos, o magistrado que também investiga termina por usurpar a prerrogativa do Ministério Público nesse ônus. Sai do seu lugar de fala imparcial. A cadeira do juiz fica vazia. Onde isso ocorria? Na inquisição. A missão do juiz em uma democracia tem que ser maior do que isso. Que deixe as partes atuarem e cumprirem seus papéis. O trabalho do juiz é o de resgatar a historicidade dos fatos. Atuar assim é elevar a função de juiz.

O furo é mais embaixo

O caso pode nem ser importante (a não ser, é claro, para o réu, condenado a 7 anos e meio de reclusão, se me permitem a ironia). O mais importante é o simbólico. O STJ, o STF e os tribunais em geral insistem em descumprir a lei (pelo menos em parte considerável do território nacional). O STF, em vários HCs, decidiu que a nulidade decorrente do descumprimento do artigo 212 do CPP é relativa. Em um deles, disse que o advogado deveria “protestar”, sob pena de a nulidade ser convalidada. Impressionante como os limites semânticos valem tão pouco.

E por que isso é assim? Porque continuamos a desconfiar do Parlamento. Consideramos o Parlamento impuro. Por isso, apostamos na virtuosidade — que seria sempre decorrente da técnica — do Judiciário. A técnica seria inerente apenas ao Judiciário. Consequentemente, como o Parlamento faz política, o faz sem técnica. Com isso, a política fica relegada a uma a-tecnicidade. Assim, a técnica corrige a lei, porque é mal feita, imprecisa, injusta.... E como fazemos isso? Com nossos juízos morais. Sim, substituímos os juízos que são do legislador pelos nossos. E por que os nossos seriam melhores do que daqueles que se elegem? Afinal, queremos uma demo-cracia ou uma juristo-cracia?

Temos que nos livrar do “fantasma de Oskar Bülow”, isto é, a aposta no protagonismo judicial que atravessou os séculos. É evidente que o judiciário deve zelar pelo cumprimento da correta aplicação da legislação. Para tanto, ele dispõe do controle de constitucionalidade difuso e concentrado, além das técnicas de interpretação conforme, etc.. O que ele — o Judiciário — não pode fazer é se substituir ao legislador. Se o legislador é ruim para mim, o é também para todos. E se ele for bom, o é para todos. Esse é o mínimo de previsibilidade que eu exijo, como cidadão.

Minha leitura lenta, lentíssima, do artigo 212 do CPP

Vejamos como se formou esse ovo da serpente. Guilherme Nucci, logo que saiu a Lei, sustentou aquilo que o Poder Judiciário queria ouvir (v.g. STJ - HC 121215/DF DJ 22/02/2010), isto é, que a “inovação [do artigo 212 do CPP], não altera o sistema inicial de inquirição, vale dizer, quem começa a ouvir a testemunha é o juiz, como de praxe e agindo como presidente dos trabalhos e da colheita da prova. Nada se alterou nesse sentido.” No mesmo acórdão e no mesmo sentido, foi citada doutrina de Luís Flávio Gomes, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, que dizem: “A leitura apressada deste dispositivo legal pode passar a impressão de que as partes devem, inicialmente, formular as perguntas para que, somente a partir daí, possa intervir o juiz, a fim de complementar a inquirição. Não parece se exatamente assim. (...) Melhor que fiquemos com a fórmula tradicional, arraigada na ‘praxis’ forense (...)”.

Minha pergunta: uma leitura apressada, professor? Então eu sou muito lento. Na verdade, alguém poderia me chamar de Esse-lentíssimo (se me entendem a ironia). Vamos ler, juntos, de novo o dispositivo? Assim: “as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.” E no parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Veja-se: sobre pontos não esclarecidos. Somente sobre estes é que é lícito ao magistrado complementar a inquirição. Bingo.

Consequentemente, parece evidente que, respeitados os limites semânticos do que quer dizer cada expressão jurídica posta pelo legislador, houve uma alteração substancial no modo de produção da prova testemunhal. Repito: isso até nem decorre somente do “texto em si”, mas de toda a história institucional que o envolve, marcada pela opção do constituinte pelo modelo acusatório.

Por isso, é extremamente preocupante que setores da comunidade jurídica de terrae brasilis, por vezes tão arraigados aos textos legais, neste caso específico ignorem até mesmo a semanticidade (ou a sintaxe) mínima que sustenta a alteração. Daí a minha indagação: em nome de que e com base em que é possível ignorar ou “passar por cima” de uma inovação legislativa aprovada democraticamente? É possível fazer isso sem lançar mão da jurisdição constitucional?

E, permito-me insistir: por vezes, cumprir a “letra da lei” é um avanço considerável. Lutamos tanto pela democracia e por leis mais democráticas...! Quando elas são aprovadas, segui-las “à risca” é nosso dever. Levemos o texto jurídico a sério, pois! Por isso, não é possível concordar com as considerações de Nucci e Luiz Flávio sobre a “desconsideração” da alteração introduzida pelo legislador democrático no artigo 212.

E, por favor, que não se venha com a velha história de que “cumprir a letra ‘fria’ (sic) da lei” é assumir uma postura positivista...! Aliás, o que seria essa “letra fria da lei”? E qual seria a letra “quente”? Na verdade, confundem-se conceitos. As diversas formas de positivismo não podem ser colocadas no mesmo patamar e tampouco podemos confundir uma delas (ou as duas mais conhecidas) com a sua superação pelo e no interior do paradigma da linguagem. Tudo isto já deixei explicitado em inúmeros textos.

Apenas quero relembrar que saltamos de um legalismo primitivo, que reduzia o elemento central do direito ora a um conceito estrito de lei (como no caso dos códigos oitocentistas, base para o positivismo primitivo), ora a um conceito abstrato-universalizante de norma (que se encontra plasmado na ideia de direito presente no positivismo normativista), para uma concepção da legalidade que só se constitui sob o manto da constitucionalidade. Afinal — e me recordo aqui de Elias Dias —, não seríamos capazes, nesta quadra da história, de admitir uma legalidade inconstitucional.

Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. Obedecer “à risca o texto da lei” democraticamente construído (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga.

Portanto, deve haver um cuidado com o manejo da Teoria do Direito e da hermenêutica jurídica. Olhando para a decisão do TJ-RS e para as posições doutrinárias citadas, é de se pensar em que momento o direito legislado deve ser obedecido e quais as razões pelas quais fica tão fácil afastar até mesmo — quando interessa — a assim denominada “literalidade da lei”.

Indago: juristas críticos (pós-positivistas?) seriam (são?) aqueles que “buscam valores” que estariam “debaixo” da “letra da lei” (sendo, assim, pós-exegéticos) ou aqueles que, baseados na Constituição, lançam mão da “literalidade da lei” para preservar direitos fundamentais?

Numa palavra final: vale a pena insistir? Eis a Montanha do Purgatório

A questão fulcral, aqui, não é discutir o caso ou os milhares de casos em que as leis são descumpridas e mutiladas. O ponto do estofo é saber o que queremos de nossas instituições. Já não estamos cansados de tanto ativismo?

Qual é o sentido se, em uma democracia, uma vez construída a legislação, no dia seguinte o judiciário decida simplesmente não cumpri-la. E o Ministério Público se queda silente... E a OAB se queda silente... O próprio Parlamento se queda silente...

E isso vai de seca à meca. Um dia é o STF determinando posse de juiz em TRF em decisão flagrantemente contrária à “letra” da Constituição; noutro, em nome de argumentos meta-jurídicos, a Suprema Corte cassa mandato que, dias antes, dissera ser prerrogativa do Parlamento; o próprio STF descumpre a Lei 9.868, ao emitir liminares e não as levar ao Plenário da Corte, como por exemplo, a ADI 4.917 (dos Royalties), cuja liminar é de março de 2013, além de outras sete ações desde 2009[4] que pendem de ir a Plenário; o STJ emite súmulas contra-legem... Os tribunais descumprem o artigo 212 e o 564 do CPP. E assim por diante.

E a doutrina? Bem, a doutrina já de há muito se entregou, assumindo um lugar confortável de reproduzir o que os tribunais dizem. Pior são os doutrinadores que sustentam que o direito é o que o Judiciário diz que é, como que a repetir, tardiamente, um bordão do realismo jurídico.

O que levou a tudo isso? A resposta é simples: com esse ensino jurídico e com a mediocridade que tomou conta do imaginário jurídico, nada mais pode nos surpreender. Confesso que estou cansando. Com pouca ajuda, penso em recolher minhas armas epistêmicas. Angariar antipatias cotidianas... vale a pena?

Enfim... Sinto-me como Ulisses — e a inspiração me veio de um texto do jornalista Luis Antonio Araujo — que, ao deixar os encantos de Circe, conduz sua expedição até as Colunas de Hércules (o Estreito de Gibraltar), onde era o limite do mundo, e exulta os companheiros a transpô-lo para conhecer o que se encontra mais além (“Feitos não fostes para viver como animais mas para buscar virtude e conhecimento”). Mas, no meio do oceano, sua última visão é a da Montanha do Purgatório, que se ergue no poente, mas já um tufão se levanta e sepulta o navio e seus tripulantes (“Até que o mar sobre nós se fechou”)!

Lenio Luiz Streck 

Concretização cooperativa dos direitos fundamentais


A ideia de um Estado de direitos fundamentais surge inevitavelmente associada à comunidade constitucional que prestigia tais direitos como a ordem geral objetiva do complexo de relações da vida. Se tal modelo de Estado for associado à dimensão cooperativa do exercício do poder, tem-se o que venho chamando de “Estado cooperativo de direitos fundamentais”.

Estado cooperativo de direitos fundamentais entenda-se aquele vinculado objetivamente aos direitos fundamentais. Ou seja, o Estado em que a supremacia da Constituição e todas as relações entre as funções de Poder submetem-se à dogmática dos direitos fundamentais, associado àquele modelo político que se alimenta de redes de cooperação econômica, social, humanitária e antropológica, de forma que há necessidade de desenvolvimento de uma cultura e consciência de cooperação.

Este modelo implica que o exercício democrático do poder vincule-se irrestritamente aos direitos fundamentais, ou seja, pressupõe hermenêutica comprometida com o dirigismo concretizador de tais direitos, em todos os âmbitos de atuação dos seus agentes, sejam eles políticos, públicos e também os quase-públicos, ou seja, os particulares que atuam legitimamente nos espaços públicos.

Perguntar por que é oportuno valer-se do método comparativo em Direito significa questionar qual o aspecto da ciência jurídica está em evidência. Aquilo que era considerado como um complemento útil, mas dispensável, do direito nacional, como uma curiosidade, ou apenas como uma preocupação compreensível sobre as realidades externas, transformou-se, para o jurista contemporâneo, numa necessidade, em algo imprescindível e essencial.

As causas de tal fenômeno podem ser identificadas com o fato de que o mundo atual é um mundo onde os homens, os Estados, enfim, as sociedades e comunidades nacionais não podem bastar a si mesmas, nem recusar-se às trocas, e nem, muito menos, evitar ou negligenciar o conhecimento do outro e pelo outro. A consequência mais evidente, portanto, é a de que conhecer algo passa a ser também a superação e o intercâmbio de práticas entre sistemas tradicionais.

O Direito Comparado, torna-se, assim, uma realidade viva.

Essa realidade viva pode ser evidenciada a partir de uma prática compartilhada, plural, relativa e evolutiva, em que o Direito não mais se apresenta como o substituto das religiões e ideologias, nem como a panacéia para as mazelas humanas, mas, sim, como um elemento de integração dialógica dos diversos sistemas, que deverá seguir uma metodologia alternativa: a lógica de “pensar o múltiplo, sem com isso reduzi-lo à alternativa binária”, ou seja, como uma fórmula que admite alternativas para além do “excluir ou impor identidades”.

Para o âmbito da dogmática e da metódica jurídicas, a imprescindibilidade do método comparativo deve-se, em parte, ao que se tem identificado como casos difíceis. Para essas situações, especialmente aquelas que envolvem concretização de direitos fundamentais com âmbitos de proteção complexos, revela-se particularmente importante o constante confrontar-se com as outras realidades subjacentes, pois as situações humanas cada vez mais se interpenetram e se reproduzem em contextos culturais geograficamente distintos.

A importância do Supremo Tribunal Federal, como Corte Suprema e Constitucional brasileira, é indiscutível no contexto do Estado cooperativo de direitos fundamentais. Não temo dizer que a missão institucional da Suprema Corte brasileira não mais se confina às práticas jurisdicionais que o caracterizam como Tribunal da federação: há muito mais a ser reinventado e repensado na missão institucional da Corte, principalmente porque ser o guardião da Constituição, como define expressamente a Constituição de 1988, parece não significar ser esta instituição a dona da última palavra, nem o oráculo constitucional máximo, como fizeram crer os estudiosos de outros tempos entre nós.

Acredito que não se pode abrir mão da força institucional do Supremo Tribunal Federal, porém não posso deixar de pontuar a necessidade de que sejam pensados e aperfeiçoados alguns parâmetros e mecanismos de diálogos aptos a criticar, com segurança dogmática e filosófica, as suas decisões. Se a sociedade aberta de intérpretes, formada no contexto de uma pedagogia constitucional consistente, não estiver preparada para enfrentar de forma crítica e permanente a jurisprudência da Suprema Corte brasileira, nada do que se pretenda avançar será de alguma utilidade.

Mesmo nos países de tradição democrática mais consolidada, como é o caso da Inglaterra, anota Christopher Mccrudden que a aprovação do Human Rights Act de 1998 trouxe à tona o debate sobre a possibilidade, ou não, conveniência, ou não, de fazer uso de jurisprudência estrangeira nas decisões nacionais com o intuito de, com o olhar para a experiência de outros países, encontrar as melhores condições para concretizar o referido documento normativo.

Assim sendo, apresenta-se relevante apresentar alguns dados. Até o ano de 2012, no sítio do Supremo Tribunal Federal, estavam registradas quase 200 decisões com referências a precedentes estrangeiros como fundamentação dos votos dos ministros. Desse universo, 178 decisões foram analisadas de forma quantitativa e qualitativa em pesquisa que realizei por ocasião da elaboração de minha tese de doutorado.

A primeira decisão analisada na pesquisa era do ano de 1961 e a última era do ano de 2012, de forma que a pesquisa avançou por decisões da Suprema Corte Brasileira nos últimos 50 anos. Nesse período, somente a década de 70 não teve o registro de nenhuma decisão do Supremo Tribunal Federal em que se usou da jurisprudência estrangeira como tópico argumentativo de votos dos Ministros da Corte.

Outro dado interessante de ser ressaltado é que no século XXI estão registradas mais de 90% das decisões em que as referências estrangeiras são mencionadas, sendo que mais de 50% estão concentradas nos últimos três anos (2010 a 2012). É verdade que este dado, objetivamente analisado, explica-se pela dinâmica de registro que se estabeleceu na Seção de Jurisprudência da Corte a partir do ano 2000. Mas não deixa de ser um dado simbólico da importância que a Corte deu a tal fenômeno a partir de então.

Ademais, dessas decisões, a classe processual que mais merece destaque são os Habeas Corpus que representam mais de 40% das decisões que continham referências a precedentes estrangeiros, seguidos das ações diretas de inconstitucionalidade, que somaram pouco mais de 15% e dos recursos extraordinários que constituiram 15% do total de classes em que as referências cruzadas foram encontradas.

Ao todo, foram referenciadas seis Cortes Supremas e/ou Constitucionais estrangeiras, três Tribunais internacionais e cinco outras Cortes diversas. A Suprema Corte dos Estados Unidos foi a mais referenciada nos votos, seguida da Corte Constitucional da Alemanha, da Câmara dos Lordes do Reino Unido e do Tribunal Constitucional da Espanha. Este dado demonstra que poucas instituições fazem parte do universo de comparação dos ministros, sobressaindo-se, por diversas razões, as Cortes dos Estados Unidos e Alemanha.

Os ministros Celso de Mello (58 casos), Gilmar Mendes (47 casos) e Rosa Weber (39 casos) foram os que mais referenciaram decisões de Cortes estrangeiras em seus votos, sendo seguidos pelos ministros Joaquim Barbosa, Dias Toffoli e Sepúlveda Pertence, que também fizeram menção a precedentes de outras Cortes quando construíam argumentos para seus votos.

Os precedentes do Caso James Somerset (1771) da King's Bench e Caso Buschel (1670) da Court of Common Pleas inglesa foram registrados como precedentes estrangeiros mencionados em quase 30 processos do Supremo Tribunal Federal, sendo, em dados numéricos absolutos, os precedentes mais utilizados na história jurisprudencial da nossa Suprema Corte. Em termos qualitativos mais fidedignos, o caso MacCulloch versus Maryland, da Suprema Corte americana é o que mais merece destaque, tendo sido referenciado 20 vezes. Por fim, ainda merecem destaque os casos Panhandle Oil Co. v. Mississipi (12 casos) e Marbury v. Madison (10 casos).

Não há como deixar de registrar que apenas 14 casos do Supremo Tribunal Federal mencionaram os precedentes estrangeiros já nas suas ementas e que apenas cinco casos efetivamente discutiram o argumento estrangeiro de forma mais ampla e com o comprometimento colegiado dos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, é importante registrar que 68% dos casos (121 casos) trataram da temática específica dos direitos fundamentais, 9,5% (17 casos) trataram de questões atinentes ao processo constitucional, 9% (16 casos) cuidavam de questões tributárias, 6% (11 casos) debatiam questões de competência do Supremo Tribunal Federal e 3% (6 casos) tratavam da competência do Ministério Público. Como era a hipótese inicial de minhas considerações, a concretização dos direitos fundamentais é a que mais se destaca nesse particular.

Tais dados demonstram que o argumento transjusfundamental vem ganhando alguma consistência qualitativa e, principalmente, quantitativa na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, nos últimos anos, e que os ministros estão, especialmente nos casos em que concretizam direitos fundamentais, mais atentos para a referência a precedentes estrangeiros como parte da fundamentação de seus votos.

Não se pode dizer, entretanto, que o Supremo Tribunal Federal é uma Corte Suprema vinculada ao paradigma do Estado cooperativo de direitos fundamentais, nem muito menos que tem consciência da transjusfundamentalidade como metódica adequada para a concretização dos direitos fundamentais. As referências ainda são solipsistas e pouco consistentes, quando se pensa em comparação constitucional como método comprometido com o processo de tomada de decisão constitucional.

O que se pode afirmar, com alguma segurança, é que há um caminho iniciado, cabendo, a partir de agora, aos profissionais, acadêmicos e, sobretudo, aos interlocutores mais diretos da Corte, sejam advogados públicos ou privados, sejam membros do Ministério Público, ou mesmo a imprensa e a sociedade civil organizada, provocarem a Corte e seus Ministros a densificarem seus argumentos, a partir da metódica de comparação constitucional estrangeira e internacional. Acredito ser este o melhor caminho, principalmente diante da realidade que se descortina neste século XXI.

Christine Oliveira Peter da Silva