"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Sobre injustiça e desenvolvimento social


Por que o Brasil continua tão socialmente injusto? Pesa ainda sobre o país de hoje a influência de séculos de injustiças e deturpações socioeconômicas. O Brasil foi o último país do mundo a abolir a escravidão.
O modelo de monocultura da exportação foi concentrador de rendas. Nossa industrialização se deu de mãos dadas com inflação galopante e dívida externa.

Nosso aumento populacional foi bastante acentuado. Na Copa do Mundo de futebol de 1970 cantávamos “90 milhões em ação…”.

Hoje somos 200 milhões de habitantes. A incontinência macroeconômica dos anos 70 e 80 gerou vírus hiperinflacionários dos quais apenas os mais ricos puderam proteger-se, consolidando assim mais desigualdades.

No limite, não fomos capazes em mais de cinco séculos de história de implantar um modelo socioeconômico que gerasse os excedentes de poupança e investimento necessários ao desenho de uma sociedade ao mesmo tempo justa e dinâmica.

As distâncias sociais nos países mais ricos, como os que fazem parte da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), são muito menores do que na grande maioria das nações emergentes.

Há no entanto distâncias crescentes em países como os Estados Unidos – em que os ricos são subtaxados e concentram renda no topo da pirâmide social.
No entanto, a alta produtividade do trabalhador e do capital americano, além de suas muitas vantagens competitivas em termos de inovação e ambiente de negócios, acabam refletindo num PIB per capita cerca de 4 vezes maior que o brasileiro.

Entre os emergentes, Chile, China – para não falar da Coreia do Sul que já emergiu e hoje tem renda per capita superior à média dos países da OCDE – são os casos mais eloquentes de sucesso na melhoria de indicadores sociais.

A legislação trabalhista brasileira é inadequada à geração de mais prosperidade e desenvolvimento social.
Ela não incentiva a formalização, dado o alto custo que implica para quem emprega a e também para quem é empregado.

Salários médios poderiam ser mais altos se o desembolso real por parte do empregador não fosse tão elevado em razão dos chamados “encargos sociais”, que nada mais são do que mecanismos de transferência de riqueza da sociedade para o governo.

A “hiperproteção” almejada pela legislação trabalhista acaba por deixar o trabalhador ainda mais vulnerável – e o governo mais abastado.

É uma das muitas situações no Brasil em que o caminho para o inferno é pavimentado por boas intenções. O maior beneficiário de uma simplificação dinamizadora da legislação trabalhista no Brasil seria o próprio trabalhador.

Um estudo do renomado economista Jeffrey Sachs, da Universidade Colúmbia, estruturado no livro O Fim da Pobreza, mostra que a miséria é, em si, grave obstáculo para a ascensão socioeconômica.
E são nítidos seus impactos negativos em áreas como segurança pública, saneamento básico, limpeza e áreas verdes da cidades.

Ou seja, a pobreza extrema é não apenas consequência, mas também causa de indicadores socioeconômicos insatisfatórios. No caso brasileiro, fale-se muito do Bolsa-Família.

Contudo, não se trata de um programa de desenvolvimento social, mas de assistência social.

Ele dá peixe, mas não ensina a pescar. É positivo em termos de alívio da pobreza. Não toca, no entanto, da formação de capacidades ou aumento de produtividade – verdadeiros instrumentos do aumento de renda e do desenvolvimento social ao longo do tempo.

Marcos Troyjo

sábado, 26 de janeiro de 2013

A Constituição e os Partidos


Durante o Império, nunca chegamos a ter o que hoje poderíamos chamar de um sistema partidário. Na verdade, a Constituição de 1824, ao se omitir em relação aos partidos políticos, que na forma como hoje são concebidos constituem uma realidade do fim do Séc. XIX, terminou implantando o regime da liberdade de organização partidá-ria.

Os partidos políticos do Império, pelo menos até 1868, quando os liberais organizam a “Liga Progressista” e o “Centro Liberal”,ou talvez 1870, quando os republicanos lançam o Manifesto de Itu e fundam o Partido Republicano, não eram instituições, não tinham estatutos nem se revestiam de qualquer forma de organização jurídica.

Eram, na verdade, vontades concorrentes, uma simples convergência de interesses e afinidades – ou ideológicas e de convicções, ou mesmo de simples interesses, acima das convicções.

Não parece justa, portanto, como veremos, a sentença terrível de Oliveira Viana que em sua obra "A queda do Império" diz serem eles apenas “simples agregados de clãs organizados para a exploração em comum das vantagens do poder”.

Como lembra Oliveira Lima, e como confirma Américo Brasiliense em seu Os programas dos artidos e o Segundo Império, os partidos brasileiros datam da Regência: o Liberal nascido em torno das idéias reformistas propiciadas pela Revolução de Sete de Abril, e o Conservador surgido da reação a esse sentimento exaltado, com a estrondosa passagem do mais famoso líder do liberalismo do primeiro Império para as fileiras do conservadorismo: Bernardo Pereira de Vasconcelos, com o seu movimento “regressista”.

Oliveira Lima mostra como e em torno de que interesses se agrupava a elite política dessa época:
“( ... ) o soberano fazia as vezes de eixo do Estado. O pessoal político girava em redor dele, atraídos uns pelo seu magnetismo, afastados outros pelo seu caráter desigual, sem se agruparem em bandos disciplinados.

A tendência comum era democrática, portanto antiautocrática, mas simpatias e antipatias visavam diretamente o monarca e os princípios mais se regulavam pelos sentimentos assim manifestados.”É claro que o Sete de Abril, a abdicação do monarca e a instalação da Regência modificariam ensivelmente esse panorama. O triunfo das idéias liberais, o fim do absolutismo voluntarioso de D. Pedro I e o recuo amedrontado de seus áulicos, fizeram surgir um nítido movimento de idéias em torno de reformas políticas e institucionais que se tornaram inevitáveis.

A partir daí, é ainda Oliveira Lima quem diz:“Predominaram idéias e paixões: os republicanos uniram-se quase todos aos avançados que foram mais tarde os liberais, certo número permanecendo fiel ao federalismo; os constitucionais fundiram-se com os moderados e rodearam a bandeira conservadora, quando as aspirações dos radicais foram parcialmente satisfeitas pelo Ato Adicional, um momento de transação e conciliação entre as elites, para evitar o que ameaçava se transformar em insurreição permanente.

Como disse Evaristo na Câmara, foi preciso ‘fazer parar o carro da revolução’.”O que significava o liberalismo, então? Segundo Oliveira Lima, de quem nos valemos para traçar esse quadro, o sentimento liberal predominante “abrangida a Monarquia federativa; a abolição do Poder Moderador; a eleição bienal da Câmara; o Senado eletivo e temporário; a supressão do Conselho de Estado; Assembléias Legislativas provinciais com duas Câmaras; intendentes municipais desempenhando nas comunas o papel dos Presidentes nas Províncias”.

O Ato Adicional no entanto, como momento de transação entre os dois extremos, um que desejava tudo modificar, e o outro que nada admitia mudar, terminou apenas abrandando o rigorismo centralista e instituindo Assembléias Legislativas Provinciais, em lugar dos Conselhos Gerais de Província, que na verdade eram simples órgãos consultivos, sem poderes.

As demais aspirações liberais terminaram, na verdade, umas adiadas e nunca realizadas; outras colocadas em ação pela força dos costumes, mas sem se mexer na Constituição, e outras momentaneamente apenas realizadas. Enquanto os liberais exaltados achavam que nada se tinha conseguido, os conservadores radicais acreditavam que se tinha ido longe demais...

Liberais e Conservadores

Na verdade, porém, se o Ato Adicional não atendeu às aspirações dos liberais exaltados, e extrapolou de muito o que concediam os conservadores radicais, foi em torno desse confronto que se criou o sistema partidário do Império. Em 1837, com a renúncia de Feijó e a eleição de Pedro de Araújo Lima, funda-se de fato o Partido Conservador, no momento em que Bernardo Pereira de Vasconcelos, a maior figura do liberalismo exaltado, ao tempo de D. Pedro I, passa com enorme estrondo e seu antológico discurso para a reação conservadora.

Esse predomínio conservador, no entanto, dura pouco, pois sucumbe ao golpe parlamentar da maioridade, quando os liberais, à margem da Constituição, conseguem elevar ao trono o seu herdeiro, então com 14 anos de idade, quatro antes dos dezoito previstos na Carta de 1824. As revoltas liberais de Minas e São Paulo, em 1842, e a Praieira, em Pernambuco, em 1848, determinam um longo ostracismo para o partido que em 1840 fez a maioridade. É a fase do longo predomínio conservador que, no poder, recria por lei o Conselho de Estado, banido da Constituição pelo AtoAdicional, faz votar a lei interpretativa do Ato Adicional, travando as conquistas liberais e muda o Código de Processo Penal para reforçar o poder de autoridade.

Os vinte anos que se seguem, entre 1848 e 1868, com o pequeno intervalo da “Conciliação” do Marquês de Paraná, marcam um novo confronto de idéias e posições entre as concepções dos liberais e a dos conservadores. Nesse jogo de posições, em que coube aos liberais pregar as reformas e aos conservadores efetiválas, quando no governo, se esgota a política partidária.

“Os liberais admitiam o direito de resistência armada, toda vez que o Governo cometesse arbitrariedades e ofendesse as leis e a Constituição do Império; os conservadores repudiavam como ilegal qualquer revolução, visto que era livre toda propaganda doutrinária, e que a imprensa, as urnas e os Tribunais ofereciam meios suficientes de reparar os abusos das autoridades e emendar os atos contrários ao interesse público.

Os liberais permaneciam aditos ao princípio da descentralização administrativa, queriam reduzir ao mínimo a ação da polícia e pregavam a eleição popular dos magistrados, agentes judiciais que deviam ser de livre escolha da Nação e não instrumentos do poder; os conservadores julgavam a centralização política indispensável à integridade do Império, e a independência e inamovibilidade do Poder Judiciário, arredado dos favores do sufrágio, necessárias à dignidade de sua missão protetora dos direitos dos cidadãos e organizadora da resistência legal.”Era em torno de questões assim concebidas, segundo o testemunho de Oliveira Lima, que o Partido Liberal se opunha ao Conservador e que este resistia às investidas daquele.

O Marquês de Paraná morre em 1856, como Presidente do Conselho, mas a “Conciliação” que ele moldou continuou lentamente a produzir frutos. Abrandam-se os radicalismos dos dois partidos existentes e é na crista de uma onda arrebatadora que ressurge, renascido e renovado, o novo liberalismo, representado pela eleição irrefutável pelo município da Corte da grande tríade liberal: Teófilo Otoni, Francisco Otaviano e Saldanha Marinho. Oito anos depois, quando da queda imotivada do Gabinete Zacarias, por causa do incidente com Caxias, a Liga Progressista e depois o Centro Liberal são apenas expressões que antecipam o que viria dois anos mais tarde: a fundação do Partido Republicano, em 1870.

O programa liberal de 1868, redigido por Nabuco, lembra os liberais exaltados de 1831: ele prega a descentralização política e administrativa, defende a abolição do Poder Moderador e advoga um Senado eletivo  e  vitalício.  Quer  que  a  escolha  dos  Presidentes  seja  feita  pelos eleitores de cada Província, antecipando a Federação, preconiza a liberdade do ensino e postula uma polícia eleita pelos cidadãos. Defende o fim da Guarda Nacional e dos alistamentos compulsórios, propõe o voto direto e a sujeição dos Magistrados apenas ao julgamento dos Tribunais superiores, tornando-os imunes à ação do Executivo.

Vinte anos depois, quando a República tornou-se inevitável, todas as propostas liberais, com exceção talvez da Federação, que seria fatalmente concedida, não fora o golpe militar, estavam atendidas. Até mesmo a questão crucial da escravidão que os liberais, de início, tão timidamente enfrentaram. O que foram, no entanto, os partidos, sob a Constituição do Império, em seus 65 anos de duração?

Partidos, todos de ocasião

Oliveira Lima, invocando o testemunho de Nabuco, diz que ele, que era “sobretudo um legista e professava em matéria política um ceticismo de bom quilate, não descobria mesmo lugar no Brasil para partidos profundos”. Nabuco baseava-se no fato de que “nada dividia essencialmente a sociedade brasileira, tão homogênea, onde o feudalismo não deixava vestígios e se achavam completamente fora de lugar as quimeras políticas e os programas abstratos”.

Para ele, “os partidos, como os Ministérios, duravam ou deviam durar o tempo que duravam as idé-ias que os legitimavam. Os partidos seriam, portanto, todos de ocasião, liberais ou conservadores, de acordo com as circunstâncias e os interesses, não de acordo com princípios de doutrina ou escola, ou com tradições históricas. A ausência de privilégios condenava os partidos a defenderem somente princípios de atualidade, idéias ondeantes, as quais não podiam sobreviver”.

Se isto foi um bem ou um mal, só a crítica histórica poderá dizer.

Mas, quem olha o panorama partidário da vida política contemporânea do Brasil, fatalmente há de concordar que, deixando a questão partidária ao livre jogo dos arbítrios dos homens, a Constituição de 1824 nada mais fez do que atender a irremovível pressão da realidade brasileira.

Octaciano Nogueira

Brasil, um jovem com antigos anseios


Brasil, uma história recente, de uma gente contente e não menos carente. Brasil, esse jovem que desponta para o resto do mundo e de contrastes profundos.

Brasil, uma trajetória que teve início no império e desaguou na República que impôs um sistema federativo que visava, inicialmente, a igualdade social e o respeito aos direitos humanos.

Nossa nação, hoje, a sexta maior economia do mundo, apesar do crescimento ainda enfrenta muitos problemas para atender "os filhos deste solo".

Com um Produto Interno Bruto – PIB (soma de tudo o que é produzido por venda de bens e pela prestação de serviços) que superou o montante de quatro trilhões em 2011 e uma arrecadação de um trilhão e meio de reais no mesmo período, o estado ainda não cumpre com sua função quanto ao bem-estar da sociedade.

Com uma balança comercial (fenômeno que compara as importações e exportações de um determinado período) não tão desfavorável, o país luta para manter o crescimento da indústria. Em 2012, as exportações superaram as importações em 19.438 milhões de dólares. Já em 2011, essa diferença registrou 29.790 milhões, o que significa que as importações caíram 3,009 milhões, enquanto que as exportações registraram, 13,461 milhões, comparados com 2011.

Toda essa matemática nos faz lembrar o tempo de escola quando aprendemos que "exportar é o que importa" e que, neste momento, também nos permite entender que, em relação ao comércio exterior, o país precisa de reserva de moeda estrangeira para compor "reserva de divisas". Isto ocorre para que o governo possa saldar suas dívidas. Dessa forma, espera-se que haja um volume alto de exportações, ao contrário do que tem sido registrado.

Por outro lado, quando a meta do governo não é atingida, boa parte do que as indústrias produzem fica "encalhado" nos estoques das fábricas. Aí, não é difícil perceber que o desemprego aumenta, a arrecadação tributária despenca e, por consequência, a fome também cresce, arrastando a desigualdade social para o topo.

Como podemos observar, ainda que o governo federal tenha criado incentivos fiscais através do Plano Brasil Maior (2011) como desoneração do INSS Patronal para alguns setores da economia, redução das contribuições para o PIS (financia o seguro desemprego) e para a COFINS (financia a seguridade social) de outros tantos produtos e operações, assim como o aumento do IPI (imposto sem destinação específica) ainda não foi o suficiente para reduzir o custo para se estabelecer no país (o chamado Custo Brasil). Afinal de contas, a tão famosa crise financeira internacional também tem um grande peso nesse cenário.

Nessa hora, muitos brasileiros perguntam o que a economia de outros países tem a ver com a economia brasileira? A resposta mais simples é que a instabilidade de outras economias provoca insegurança em investidores estrangeiros em ações de empresas de nosso país que deixam de negociar ações na bolsa. Dessa forma, as empresas produzem menos e seus "papéis" desvalorizam.

O crescimento econômico brasileiro tem preocupado, e muito, ao governo brasileiro. Isso porque os números falam por si. Em 2010, o PIB cresceu 7,5%; em 2011, 2,7% e, em 2012, a perspectiva é de 1 a 1,5%, segundo estimativas ainda não confirmadas..

Em 2012, a indústria automobilística registrou crescimento, as importações também sofreram pequena queda e ainda estamos distantes de um crescimento satisfatório que nos faça uma das primeiras economias do mundo, num país com Índice de Desenvolvimento Humano – IDH adequado aos brasileiros.

Precisamos de escolas de ensino fundamental e médio com mais qualidade. Educação é à base de tudo e, hoje, no Brasil, vivemos uma realidade distorcida porque só chega às universidades de primeira linha quem teve ensino qualificado nos primeiros anos de educação.

Faltam hospitais equipados com profissionais especializados. Pessoas morrem por falta de atendimento. Os salários dos profissionais de saúde não condizem com o esforço feito para o aperfeiçoamento profissional exigido.

Famílias, que moram em locais de risco, têm sofrido com as tragédias provocadas pelos fenômenos da natureza. O maior problema, além das perdas de familiares e entes queridos, é o abandono em que se encontram essas pessoas. O mínimo de bem-estar é negado a muito dos brasileiros, considerados mais carentes.

Recentemente, foi divulgado pela mídia que, em 2015, o Brasil será a quinta economia do mundo. Pode ser que isso ocorra, mas é preciso ter qualidade, além da quantidade. Não apenas uma redução do peso dos tributos se faz necessária, mas, também, a redução da burocracia para se cumprir as leis tributárias desse país. É muita complicação gerando custo para as empresas que mantêm a economia em aceleração. Afinal, emprego garante renda, que garante arrecadação, que deveria garantir serviço público de qualidade.

Nossa "pátria amada, idolatrada" ainda é uma menina debutando para a vida, mas que precisa se preparar para vivenciar sua terceira idade de forma qualitativa, pois, segundo um estudo do Banco Mundial, em 2050, seremos um país de idosos, representando 29,7% da população total, conforme divulgação do SEBRAE. Isto significa que devemos investir, hoje, em educação e nos preparar para corrigir as falhas com a saúde pública porque poder aquisitivo para investir em planos de previdência que custearão despesas com planos de saúde é privilégio de poucos.

É preciso mudar consciência para mudar atitudes…

Sueli Angarita

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A Reforma do Poder Legislativo


Impressiona muito o contraste na atitude assumida, no final de ano, pelos congressistas norte-americanos e os brasileiros. Lá, os parlamentares se dispuseram a trabalhar, ininterruptamente, no mês de dezembro, inclusive no dia 31, e em 1.º de janeiro para encontrar uma saída para o que foi chamado de abismo fiscal (fiscal cliff), cuja consumação, a partir de janeiro, teria repercussões severas sobre o nível da atividade econômica mundial.

Ainda que não se tenha logrado uma solução definitiva para a complexa combinação de corte de gastos e de impostos, o episódio valoriza a capacidade de negociação entre o Executivo e o Legislativo daquele país, sob a égide do consagrado princípio da harmonia e independência dos poderes.

Aqui, depois do prolongado recesso oficioso decorrente das eleições municipais, os senadores e deputados optaram por desfrutar das tradicionais férias de fim de ano, que se prolongam até o início de fevereiro, sem que deliberassem, dentre inúmeras matérias relevantes, sobre o Orçamento para 2013 e os critérios de rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE) declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) – malgrado todos saberem que os recursos desse fundo constituem fonte indispensável para financiamento dos gastos da esmagadora maioria dos Estados.

O que houve com o Congresso Nacional? Decidiu abdicar do exercício de suas funções constitucionais?
O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando, inclusive, um crescente ativismo do Poder Judiciário para suprir a mora legislativa.

Mesmo em épocas difíceis, como no segundo governo de Getúlio Vargas e nos governos militares pós-64, o Congresso jamais renunciou às suas responsabilidades. Ainda que desfalcado pela cassação de ilustres membros, novas gerações de parlamentares mantiveram o legado de combatividade, exercendo honradamente a atividade política na sua expressão mais nobre.

Paradoxalmente, a abertura democrática, que sucedeu os governos militares, e a Constituição de 1988 concorreram, francamente, para o enfraquecimento da atividade parlamentar.

Em 1985, as novas bases de apoio governamental promoveram uma assustadora fúria fisiológica, privilegiando-se a filiação partidária em detrimento da habilitação técnica. Perdeu-se a compostura. A cobiça atingiu limites escandalosos, levando à criação de tantos cargos quantos fossem necessários para saciar a sede fisiológica.

A Constituição de 1988 introduziu institutos concebidos para uma pretensão de governo parlamentarista. Prevalecendo a tese presidencialista, esses mesmos institutos se converteram em armas contra o próprio Parlamento, a exemplo das medidas provisórias com força de lei.

O mais grave é que, com o passar do tempo, elas aumentaram sua toxicidade política, sendo utilizadas para tudo, desde a alteração do Orçamento e das leis de diretrizes orçamentárias até a majoração de tributos, daí passando para verdadeiras colchas de retalho, recheadas pelos “contrabandos” dos projetos de lei de conversão.

O novo regime, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 32, de 2001, estabelecendo o travamento das pautas legislativas até a votação das medidas provisórias editadas, infelizmente serviu apenas para paralisar de vez a atividade legislativa.

Até mesmo a exigência constitucional de prévio exame dos requisitos de relevância e urgência foi afastada por uma manobra regimental, repudiada recentemente pelo STF.

Consolidou-se, dessa forma, a transferência da capacidade de legislar para o Poder Executivo, que dispõe ainda do recurso ao veto, que pode fulminar as parcas proposições do Legislativo. Não bastasse a exigência de quórum qualificado para sua derrubada, na prática, só remotamente os vetos são apreciados.

É espantoso constatar que existem mais 3 mil vetos na fila há mais de 12 anos, a despeito de a Constituição prescrever prazo de 30 dias para sua apreciação pelo Congresso.

Tudo isso estimulou, também, a preguiça. O Congresso perdeu o gosto pela produção de leis, propiciando, inclusive, um crescente ativismo do Poder Judiciário para suprir a mora legislativa.

O poder de fiscalização do Congresso foi garroteado pelo boicote à convocação de autoridades e pela farsa das CPIs, apequenadas pela maior capacidade investigatória dos órgãos especializados e pelo silêncio dos investigados, com base em direito sufragado pela Constituição.

O que sobra para o Congresso? Elevar verbas de representação, indicar apaniguados para funções públicas, cumprir os formalismos para aprovação de indicados para os cargos de ministros de tribunais, embaixadores e diretores de agências e, por fim, fazer o jogo das emendas parlamentares – fonte inesgotável da corrupção política. Eventualmente, escutam-se protestos.

Os brasileiros cultivam grande apreço por reformas. Elas satisfazem o desejo de mudar e têm tamanha indeterminação que atendem a todas as vontades. A imprecisão do ânimo reformista não significa, contudo, negação dos problemas. A reforma política, por exemplo, deveria ultrapassar a dimensão eleitoral e incluir a reforma do Legislativo. Trata-se, entretanto, de tarefa difícil, pois requer o concurso de estadistas.


 Everardo Maciel

A influência do Poder Executivo


Nesta segunda rodada de mapeamento da atividade parlamentar no Brasil, temos novidades que nos levam a algumas indagações e reflexões sobre o processo democrático no país. Não custa retomar a inspiração inicial do projeto de construção do ranking de parlamentares. Indicadores sobre o desempenho de congressistas existem vários.

Nos Estados Unidos, estatísticos, cientistas políticos e, com frequência, grupos de interesse promovem levantamentos sistemáticos com o objetivo de definir o posicionamento dos congressistas em relação a temas fundamentais do cotidiano público e político. Inúmeras vantagens brotam do estabelecimento de escalas relativas à postura de deputados e senadores sobre tais temas. Para ficarmos com apenas duas: primeiro, ele permite ao analista comparar a atividade dos parlamentares, desenvolvendo e testando hipóteses sobre o comportamento coletivo do Legislativo; segundo, permite aos eleitores avaliar em que medida seus representantes e candidatos se aproximam — ou se afastam, evidentemente — dos seus interesses.

Alguns cientistas políticos têm procurado adaptar essas avaliações. Os trabalhos deles, contudo, padecem do problema básico de usar como critério único o “Sim ou Não” nas votações nominais consideradas relevantes. Nos Estados Unidos, os roll calls (votações nominais) podem, sim, ser considerados eficientes indicadores das preferências dos congressistas. Não é o caso do Brasil. Quando matérias são postas em pauta para o voto no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, o voto do congressista é, muitas vezes, resultado de acordos entabulados pelo líder de seu partido com os líderes das demais agremiações.

Nesse cenário, a preferência do congressista submerge em benefício dos acordos, que, aliás, permitem antever o resultado da decisão antes mesmo de os parlamentares apertarem a maquininha.

Portanto, a tarefa de mensurar o desempenho de cada parlamentar segundo determinado critério tem de levar em conta o papel dele em cada etapa de uma proposição. Como no ano anterior, o Núcleo de Estudos sobre o Congresso (Necon) deu um peso específico a cada uma dessas etapas —e não apenas ao Sim ou Não decisivo. Acompanhamos os pareceres, as emendas e os pronunciamentos e demos atenção ao que se resolvia no plenário, abertamente, mas também aos bastidores das comissões.

Desse modo. o nosso indicador do grau de ativismo confere mais peso a ações que influenciam decisivamente nos termos finais de uma determinada política pública. Assim, não apenas a proposição de emendas, mas também, e sobretudo, a relatoria de projetos têm maior peso. A influência decisiva do parlamentar nessas duas etapas foi, em grande pane, responsável por sua colocação no ranking.

Em 2012, deparamos com claros contrastes em comparação com o levantamento do ano passado. A principal diferença foi uma mudança na atuação da oposição. Em um ano marcado pelo julgamento do mensalão pelo STF e pela CPI do Cachoeira, vimos uma oposição — especialmente PSDB, DEM e PPS — mais absorvida por esses eventos e menos atuante na definição das políticas públicas de efeito mais direto para seu eleitorado.

Em 2011, um ano sem eleições, os parlamentares de oposição se ocuparam bem mais da agenda legislativa, propondo alterações por meio de emendas e fazendo valer a força de suas preferências nas relatorias de proposições decisivas.

Outro ponto a ressaltar no comportamento do Congresso, do ponto de vista do processo legislativo, foram as eleições municipais. Não há dúvida de que parlamentares dotados de potencial para se destacar na Câmara e no Senado como defensores de propostas destinadas a aumentar a competitividade da economia brasileira — e portanto pontuar bem no ranking, segundo os critérios definidos por VEJA — estiveram em boa parte do ano empenhados diretamente no desenrolar da disputa municipal em sua cidade de origem.

O fato de a primeira colocação na Câmara ter ficado com um jovem quadro do DEM, Felipe Maia, é revelador de uma bem-sucedida tentativa do partido de se renovar. A eleição de ACM Neto para a prefeitura de Salvador também foi um ponto alto.

As primeiras colocações do ranking de 2011 foram ocupadas, especialmente na Câmara dos Deputados, por parlamentares com maior experiência na vida política e carreira parlamentar mais longa Neste ano, entre os primeiros colocados do ranking estão numericamente mais representados parlamentares calouros ou em segundo mandato. Essa emergência de deputados de primeira viagem pode ter sido também consequência do envolvimento mais renhido dos veteranos nas eleições municipais. O resultado mais marcante, porém, da ausência constante de parlamentares empenhados no corpo a corpo das eleições municipais foi o aumento do número de medidas provisórias, as MPs.

O Executivo, que detém o monopólio da emissão de MPs, preencheu as lacunas deixadas pelos parlamentares ausentes. O resultado prático foi a dominação pelo Palácio do Planalto das iniciativas de maior impacto e significado a longo prazo para a sociedade brasileira. Fica a lição. Tanto quanto a natureza, o poder abomina o vácuo.

Fabiano Santos

A Crise é Moral


O Japão está em crise há décadas. A Europa está em grave crise. Os Estados Unidos cada vez se parecem mais com a Europa. Não seria exagero falar em uma grande crise das democracias modernas. O que pode explicar tal fenômeno?

A esquerda vai apontar para os bodes expiatórios de sempre: o capitalismo, o liberalismo, o individualismo. E a esquerda vai errar o alvo, como sempre. Foi o capitalismo liberal com foco no indivíduo que tirou milhões da miséria e permitiu uma vida mais confortável a essa multidão. Quem está mais longe desse sistema está em situação muito pior.

O que explica as crises atuais então? Claro que um fenômeno complexo tem mais de uma causa. Mas eu arriscaria uma resposta por meio de um antigo provérbio conhecido: avô rico, filho nobre, neto pobre. Isso quer dizer, basicamente, que o próprio sucesso planta as sementes do fracasso, só que de outra geração.
Somos os herdeiros de uma geração mimada, que colheu os frutos do árduo trabalho de seus pais, acostumados com vidas mais duras, com guerras, com diversas restrições. Essa geração, principalmente na década de 1960 e 70, pensou que bastava demandar, e todos os seus desejos seriam atendidos, sabe-se lá por quem.

Acostumados com o conforto ocidental, essas pessoas passaram a crer que a opulência era o estado natural da humanidade, e não a miséria. Em vez de pesquisar as causas da riqueza das nações, como fez Adam Smith, eles acharam que bastava distribuir direitos e jogar a conta para o governo.

O Estado se tornou, nas palavras de Bastiat, “a grande ficção pela qual todos tentam viver à custa de todos”. O conceito de escassez foi ignorado, e muitos passaram a acreditar na ilusão de que basta um decreto estatal para se obter crescimento e progresso. Vários olharam para esse deus da modernidade em busca de milagres.

Foi assim que a impressão de moeda por bancos centrais passou a ser confundida com criação de riqueza. Ou que gastos públicos passaram a ser sinônimo de estímulo ao PIB, colocando o termo “austeridade” na lista dos inimigos mortais. O crédito sem lastro para consumo passou a ser visto como altamente desejável, e a poupança individual como algo prejudicial ao crescimento econômico.

Toda uma geração acreditou que era possível ter e comer o bolo ao mesmo tempo, esquecendo o alerta de Milton Friedman, de que não existe almoço grátis. Esmolas estatais foram distribuídas a vários grupos organizados, privilégios foram criados para várias “minorias” e o endividamento público explodiu.

O paternalismo estatal assume que indivíduos não são responsáveis, mas sim mentecaptos indefesos que necessitam de tutela

O Estado de bem-estar social criou uma bomba-relógio, mas ninguém quer pagar a fatura. Acredita-se que é possível jogá-la indefinidamente para frente. Os banqueiros centrais vão criar mais moeda ainda, os governos vão gastar mais e assumir novas dívidas, as famílias vão manter o patamar de consumo e tomar mais crédito, e todos serão felizes. E ai de quem alertar que isso não é possível: será um ultraconservador reacionário e radical.

A postura infantil se alastrou para outras áreas além da econômica. Os adultos agem como adolescentes e delegam ao governo a função de cuidar de seus filhos e de si próprios. O paternalismo estatal assume que indivíduos não são responsáveis, mas sim mentecaptos indefesos que necessitam de tutela.

Intelectuais de esquerda conseguiram convencer inúmeras pessoas de que elas não são responsáveis por suas vidas, e sim marionetes sob o controle de forças maiores e determinísticas. Roubou alguém? É vítima da sociedade desigual. É vagabundo? Culpa do sistema. Matou uma pessoa? A arma é a culpada, e a solução é desarmar os inocentes.

Notem que o mundo atual exime o indivíduo de responsabilidade por quase todas as atrocidades por ele cometidas. Sob a ditadura velada do politicamente correto, ninguém mais pode dar nome aos bois e colocar os pingos nos is. Os eufemismos são a regra, e a linguagem perdeu seu sentido. O criminoso vagabundo é a vítima, e sua vítima é o verdadeiro culpado: quem mandou ter mais bens?

Portanto, engana-se quem pensa que para sair dessa crise precisamos de mais do mesmo: mais crédito, mais dívida pública, mais gastos de governo, mais impostos sobre os ricos e mais impressão de moeda. Não! A receita proposta por Obama e companhia é o caminho da desgraça. Ela representa estender artificialmente a “dolce vita” dos filhos nobres (e mimados), como se o dia do pagamento nunca fosse chegar. Ele chega, inexoravelmente.

Os netos pobres seremos nós, ou nossos filhos, se essa trajetória não mudar logo. A crise não é apenas econômica; ela é moral.

Rodrigo Constantino

O País encara a corrupção


Em 2012, o Brasil progrediu no combate aos desvios na política e aos malfeitos na administração pública. O julgamento do mensalão e a realização da primeira eleição sob as restrições da Lei da Ficha Limpa foram marcos desse avanço.

O Brasil viveu um ano emblemático no combate à corrupção. Avanços inegáveis quebraram paradigmas e abriram espaço para mudanças significativas na forma de se fazer política no País. O principal protagonista desse novo capítulo da história, que começou a ser escrito em 2012, foi sem dúvida o Supremo Tribunal Federal (STF), na figura do presidente e relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa. Ao dedicar quatro meses e meio ao julgamento do maior processo que já tramitou na corte, o relator e os demais ministros fecharam o ano condenando autoridades à prisão e colocando em estado de alerta políticos de alto calibre acostumados aos mais variados desmandos e à impunidade.

As conclusões do julgamento deixaram claro que desvios de dinheiro para alimentar esquemas de corrupção não serão tolerados, independentemente de quem sejam os autores das irregularidades. A corte, tendo Barbosa à frente, demonstrou também que, ao contrário do que alegavam os políticos, crimes de caixa 2 em campanhas não são próprios do sistema eleitoral. A prática deixou de ser considerada um crime menor e, no entendimento do STF, sempre vem associada a vários delitos.


Outro importante precedente aberto durante o processo do mensalão é o de que foro privilegiado não mais significa impunidade para quem tem mandatos. Até então, a maior dificuldade era julgar processos de políticos que dependiam da atuação de magistrados na fase de instrução. Mas os ministros mostraram que esses obstáculos podem ser facilmente removidos. Para auxiliar os ministros, o tribunal passou a nomear juízes de primeira instância. Com isso, o trâmite dos processos e o julgamento foram acelerados.

Também a partir da jurisprudência criada pelo STF, durante o processo do mensalão, o mentor intelectual da corrupção não poderá mais se escorar em funcionários subalternos. Ao julgarem os réus do esquema, os ministros firmaram convicção de que o autor do ato ilícito não é só quem executa, mas quem planeja e acompanha o desenrolar das ações ilegais. ?O entendimento do tribunal contra a alegação de desconhecimento para derrubar a falta de provas diretas contra os chefes não funcionará mais?, disse o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, em conversas com interlocutores. ?É uma concepção de que o autor não é só quem executa, mas quem planeja?, afirmou o ministro Gilmar Mendes.

Graças a essa tese, o ex-ministro José Dirceu foi apontado como chefe do esquema e condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha. Ele recebeu punição de dez anos e dez meses de cadeia, além de multa de R$ 676 mil. Já o operador do mensalão, Marcos Valério, foi condenado a 40 anos e quatro meses de cadeia. Ele foi enquadrado nos crimes de quadrilha, corrupção ativa e peculato. No total, o STF condenou 25 dos 37 réus do esquema e absolveu 12. ?Esse caso é um dos casos mais vergonhosos da história política do País?, desabafou o decano Celso de Mello. Ao impor penas rigorosas para quem integrou os mais influentes grupos de poder, o STF se alinhou à opinião pública e despertou o sentimento de que as instituições estão dispostas a preservar o erário e a zelar pelas boas práticas da política.


Mesmo figurando como o caso mais importante já analisado pelo tribunal, o julgamento do mensalão não foi o único fato a ilustrar o avanço no combate aos malfeitos no País. Em 2012, foi realizada a primeira eleição sob as restrições da Lei da Ficha Limpa. Políticos que renunciaram ao cargo ou aqueles condenados por órgãos colegiados, mesmo em primeira instância, foram proibidos de se candidatar. As restrições atingiram quase 500 candidatos nas eleições municipais. Os inegáveis progressos do País na luta contra a corrupção também contaram com atitudes do governo.

A presidenta Dilma Rousseff deu demonstrações de intolerância com desvios e abusos. Segundo dados da Controladoria-Geral da União, em 2012 foram demitidos 488 servidores por condutas delituosas. O número só é inferior a 2011, quando a faxina feita pela presidenta tirou 511 funcionários do serviço público. Na conta do Executivo também entram as expectativas em torno da recém-criada Lei de Acesso à Informação, que obriga órgãos públicos a divulgar dados solicitados por cidadãos, e a instalação da Comissão da Verdade, que pretende elucidar as mortes e os desmandos praticados por militares durante a ditadura.

Como se vê, em 2012 foram dados importantes passos a caminho de um país menos tolerante com as mazelas e com a corrupção. O legado deixado por julgamentos como o mensalão e os recados dados pelo governo ao longo do ano mostram que o desafio daqui para a frente será utilizar os precedentes abertos para aprimorar os sistemas políticos, as instituições e endurecer as penas com quem se utiliza de recursos públicos em beneficio próprio.


 Izabelle Torres

Lei geral do federalismo fiscal


A provisoriedade é traço indelével de nossa cultura política. Faltam recursos para a saúde, imediatamente criamos uma contribuição provisória sobre a movimentação financeira.

Chegamos ao requinte de proclamar a República em caráter provisório. O Decreto n.º 1, de 15 de novembro de 1889, editado pelo marechal Deodoro da Fonseca, chefe do governo provisório, tinha a seguinte ementa: “Proclama provisoriamente e decreta como forma de governo da Nação Brasileira a República Federativa, e estabelece as normas gerais pelas quais se devem reger os Estados Federados”.
A Constituição de 1988 já foi emendada 70 vezes, sem contar as 6 emendas de revisão. Essa prodigalidade modificativa, que robusteceu o teor exageradamente analítico do texto constitucional, certamente está por merecer um registro no Guinness World Records.

A vocação pela provisoriedade é que explica, também, a atual política fiscal, impressionantemente errática e casuística. Ainda que não tenhamos um projeto de nação, a política fiscal deve ter um mínimo de previsibilidade.

O federalismo fiscal brasileiro é outra vítima do improviso. O modelo construído pela reforma tributária de 1965 foi sendo seguidamente alterado, quase sempre para o pior, de modo que hoje é apenas uma justaposição de regras sem nenhuma lógica.

O Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal (FPE) e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) têm uma orientação claramente redistributiva, a despeito da arbitrariedade dos vigentes critérios de rateio do FPE, fixados pela Lei Complementar n.º 62, de 1989, e declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Esses critérios, pretensamente provisórios, perduram há mais de duas décadas.

A vocação pela provisoriedade é o que explica a atual política fiscal, impressionantemente errática e casuística

As demais transferências obedecem a critérios setoriais ou políticos: a cota-parte municipal do ICMS, ao sobrevalorizar o valor agregado na distribuição, acaba privilegiando os municípios com grande concentração industrial, em detrimento das cidades-dormitório que assumem o ônus de prestar serviços aos trabalhadores das indústrias do município vizinho; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), também provisório, porque tem vigência limitada a 2020, é rateado em função do número de alunos matriculados; os royalties e participações especiais nas receitas decorrentes da exploração de petróleo e gás na plataforma continental são distribuídos com base em critérios claramente políticos, embora legais; as transferências à conta do Imposto Territorial Rural (ITR) e do IPVA têm sentido estritamente devolutivo em relação ao que foi arrecadado localmente.
Constata-se, assim, que inexiste coerência no sistema de transferências, resultando de ações pontuais em momentos distintos, em resposta a demandas isoladas.

Uma forma capaz de superar essas inconsistências seria, como sustentam os professores Sérgio Prado e Fernando Rezende, instituir um regime de equalização de receitas per capita para as transferências de caráter geral, como o FPE e o FPM.

Assim, esses fundos compensariam deficiências de receitas das entidades beneficiárias, inclusive as circunstanciais, gerando um modelo de solidariedade fiscal, a exemplo do que ocorre em federações mais sofisticadas, como a Alemanha, o Canadá e a Austrália.

Infelizmente, esse modelo não pode ser adotado de imediato, porque nossas estatísticas fiscais não oferecem a necessária segurança para operá-lo, sem falar que os conceitos de contabilidade pública perderam substância no contexto da destruição do processo orçamentário brasileiro, cuja reforma deve ser tida como prioridade absoluta.

Diante da impossibilidade de implantar-se, no curto prazo, um regime de equalização de receitas per capita, a opção que resta ao Congresso Nacional, no meu entender, é recorrer aos conhecidos critérios paramétricos (população e inverso do PIB per capita, por exemplo), como forma de, provisoriamente, superar o desafio de aprovar, até o final do ano, uma nova legislação para o FPE. A consequência de uma eventual mora legislativa seria a suspensão dessas transferências, o que seria fatal para as finanças da maioria dos Estados.

O remédio de curto prazo respaldaria também o encaminhamento de discussões sobre os repasses das receitas provenientes dos royalties e participações especiais na exploração de petróleo e gás, tendo em vista que todas as proposições legislativas adotam o FPE e o FPM como regras para as transferências, respectivamente, aos Estados e municípios, ressalvadas as participações das entidades produtoras ou confrontantes, previstas no § 1.º do artigo 20 da Constituição, que se sujeitam a critérios específicos.

Neste quadro, talvez seja a hora de cogitarmos de uma lei geral do federalismo fiscal brasileiro, com regras definitivas quanto à partilha de receitas públicas, à cooperação entre as entidades federativas, à harmonização fiscal, à prevenção dos litígios decorrentes da competição fiscal e à integração das administrações tributárias.


Everardo Maciel

Armistício Fiscal


A competição é inerente à condição humana. Quando exasperada, pode resultar em conflitos, que, no limite, se convertem em guerras, onde pontifica o recurso à violência, qualquer que seja sua forma, sem nenhum respeito às convenções legais.

Carl von Clausewitz (Da Guerra), renomado pensador austríaco, afirmou que “a paz é continuação da luta, mas por meios diferentes”. Uma leitura dessa célebre frase permite entender que a competição subsiste, indistintamente, em tempos de guerra ou de paz. A pretensão de supremacia, inerente à guerra, cada vez mais assume novas feições, cuja sutileza mascara seu elevado potencial ofensivo.

São as guerras econômicas, praticadas por Estados e corporações, mediante práticas fiscais, cambiais, comerciais, etc.

No contexto das guerras econômicas locais, a guerra fiscal do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e, em menor escala, a do Imposto sobre Serviços (ISS) assumem especial interesse.

A guerra do ISS está muito longe de uma solução. Por ora, o combate se opera por meio de medidas francamente inconstitucionais, patrocinadas por algumas prefeituras que exigem o cadastramento de prestadores de serviços localizados fora de sua jurisdição, com exigências rigorosamente absurdas e, não raro, de cumprimento impossível. A vítima, no momento, é o contribuinte, sem efeito algum sobre as entidades responsáveis pela guerra fiscal.

O governo federal tem de abandonar sua atitude olímpica em relação à Federação, pois questões irresolutas findam sempre recaindo sobre os ombros da União

No campo do ICMS, a guerra fiscal assumiu proporções escandalosas com contornos multifacetados, que incluem a indústria, o porto e o comércio, abrangem todos os Estados e se expressam por meio de exóticos modelos de concessão.

A Lei Complementar n.º 24, de 1975, que atribuía ao Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) poderes para decidir sobre a concessão de favores fiscais, no âmbito do ICMS, tornou-se letra morta, sendo abertamente desobedecida, sobretudo porque suas sanções caducaram em virtude de legislações supervenientes posteriores.

O Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, firmou jurisprudência sobre a inconstitucionalidade da guerra fiscal, já se encontrando em tramitação súmula vinculante dispondo sobre a matéria, cuja aprovação terá efeitos devastadores sobre investimentos realizados com base em leis inconstitucionais.

Esses fatos levaram o Senado a criar uma comissão, integrada por especialistas, para apreciar a competição fiscal ilegal e outras questões relacionadas ao federalismo fiscal. Ao concluir seus trabalhos, a comissão apresentou anteprojetos de normas constitucionais e infraconstitucionais, com o objetivo de subsidiar a discussão da matéria no Congresso Nacional, sem a pretensão, todavia, de esgotar o tema.

Além da guerra fiscal, as propostas abrangeram a edição do Código do Federalismo Fiscal, a integração das administrações tributárias (cadastro único) e as mudanças nos critérios de rateio das transferências intergovernamentais (Fundo de Participação dos Estados – FPE; quota-parte municipal do ICMS; Fundo do IPI; royalties do petróleo) na repartição horizontal da renda (princípio do destino mitigado e comércio eletrônico interestadual) e nos gastos públicos estaduais e municipais (renegociação da dívida com a União e vedação de pisos nacionais de remuneração de servidores).

As propostas tiveram como pressupostos: apreciação conjunta, que propicie compensações cruzadas nos ganhos e nas perdas dos entes federativos; implementação gradual, para evitar repercussões abruptas nas finanças daqueles entes; e desconcentração horizontal das rendas públicas, privilegiando as entidades com menor capacidade fiscal.

É muito preocupante, entretanto, ver que se aproxima o final da sessão legislativa sem que haja uma deliberação sobre o rateio do FPE, especialmente quando se sabe que as novas regras deverão entrar em vigor no início de 2013, sob o risco de serem suspensas as transferências daquele Fundo, o que corresponderia à completa insolvência da maioria dos Estados brasileiros.

A decisão do Supremo foi tomada em fevereiro de 2010. Não há razão que explique a mora legislativa.
O Congresso aprovou novo disciplinamento, ainda pendente de sanção presidencial, dos royalties do petróleo. A nova regra aponta para uma distribuição de receitas, cuja soma alcança 101% (sic) dos recursos, não vincula as transferências a investimentos – sabendo-se que é temerário destinar receitas instáveis a despesas de custeio – e produz um colapso nas finanças dos atuais beneficiários.

Não se pode, além disso, aguardar a aprovação pelo STF da súmula vinculante relativa à guerra fiscal, porque os custos da solução, para todos, serão bem maiores que os atuais.

Tem de haver maior empenho do Congresso Nacional para enfrentar esses temas. De igual forma, o governo federal tem de abandonar sua atitude olímpica em relação à Federação, pois questões irresolutas findam sempre recaindo sobre os ombros da União.

O encaminhamento desses problemas exige disposição para o diálogo, com participação efetiva da União. Não se deve, aliás, esquecer de que uma guerra não se encerra com outra guerra e muito menos com incúria, mas com o armistício que precede a paz.

Everardo Maciel

Entre o público e o privado


Um relatório feito por técnicos do próprio governo concluiu que a ANTT, a agência encarregada de fiscalizar as concessionárias de serviços na área de transportes, é negligente e omissa em benefício de empresas privadas.

O economista Bernardo Figueiredo faz parte de um seleto grupo de assessores que gozam de prestígio junto à presidente Dilma Rousseff. Ele foi assessor especial da Casa Civil quando a então ministra coordenava o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Depois, foi indicado para o cargo de diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), consolidando-se como homem de confiança do governo na área de infraestrutura. No início deste ano, a presidente recomendou ao Senado a renovação do mandato de Figueiredo na ANTT. O plenário da Casa barrou a recondução de Figueiredo, mas nada que atrapalhasse sua escalada na hierarquia do poder. Diante do veto dos senadores, Dilma empossou Figueiredo na presidência da Empresa de Planejamento e Logística (EPL). O auxiliar trocou uma diretoria de órgão regulador pelo comando de uma estatal. Caiu para cima, sem esconder que fora convocado para fazer um serviço que não estava sendo executado conforme o esperado pelos ministros dos Transportes, dos Portos e da Aviação Civil: “”Recebi um pato que anda. nada e voa. Terei de transformá-lo num triatleta”.

Respaldado pela presidente, Figueiredo foi peça-chave na definição das regras de concessão do segundo lote de aeroportos à iniciativa privada. Também está nas mãos dele o desenho das novas licitações de rodovias. Com as medidas, a presidente quer reduzir as tarifas cobradas dos usuários e melhorar a qualidade dos serviços prestados. Figueiredo sabe disso, mas, segundo técnicos do próprio governo, não é a pessoa talhada para cumprir essa missão. Pelo contrário, ele atuaria de acordo com os interesses das empresas e faria vista grossa a irregularidades praticadas pelos concessionários de serviços públicos. É o que sustenta o relatório final de uma comissão especial do Ministério dos Transportes ao qual VEJA teve acesso. A comissão foi criada no ano passado para apurar denúncias de irregularidades cometidas pela empresa América Latina Logística (ALL) ao prestar serviço de transporte ferroviário no Rio Grande do Sul. Num texto de 112 páginas, concluído em novembro, cinco analistas e especialistas em infraestrutura dizem que a ANTT — que foi dirigida por Figueiredo entre 2008 e 2012 — permitiu que a ALL desrespeitasse de forma sistemática o contrato de concessão, provocando prejuízos à população. Responsável por regular e fiscalizar o mercado, a ANTT teria sido capturada por ele.

“A ANTT vem demonstrando não ter qualquer gerência ou controle sobre a oferta do serviço de transporte ferroviário de cargas”, sustenta um dos trechos do relatório. “Figura-se que sua deficiência está tanto na falta de autoridade quanto na negligência, omissão e descompromisso para fazer valer o total cumprimento das obrigações contratuais.” Os técnicos do governo listam quase duas dezenas de cláusulas desrespeitadas pela ALL para justificar as críticas à agência reguladora. Figueiredo não é citado nominalmente, porque a comissão foi criada apenas para analisar o eventual descumprimento de cláusulas contratuais, mas sua gestão é o alvo principal dos técnicos. Eles criticam, por exemplo, o fato de a ANTT ter tomado as multas aos concessionários um mero exercício de ficção. Entre 2009 e 2011, foram produzidos dezenove relatórios de inspeção no Rio Grande do Sul, dos quais seis resultaram em multas de 10 milhões de reais. “Nenhuma dessas multas foi paga. Segundo informado e também constante da planilha de informações da ANTT, não houve a abertura de processos judiciais para a execução dessas multas”, dizem os técnicos do governo. Eles apontam ainda um problema complementar.

Na gestão de Figueiredo, os fiscais que trabalham na ponta foram proibidos de multar os concessionários, decisão que passou a ser exclusiva da direção em Brasília. Um grupo de fiscais se insurgiu contra a medida. Em reação, a cúpula da ANTT abriu processo disciplinar contra eles. No último dia 19 de dezembro, o procurador da República Osmar Veronese pediu explicações à corregedoria da ANTT sobre o cerco aos fiscais rebelados. Veronese é um dos seis signatários de uma representação do Ministério Público Federal ao Tribunal de Contas da União (TCU) que também denuncia desrespeito aos contratos na área de ferrovias. “Há duas catástrofes no setor ferroviário. Uma é a gestão da ANTT, que não autua, não multa e se transformou num escritório de representação das concessionárias. Outra é a qualidade do serviço prestado pela ALL”, diz o procurador. O relatório final da comissão pede a responsabilização das autoridades sem citar nomes. Os alvos preferenciais são diretores e ex-diretores da ANTT. De forma discreta, há sugestão até para que a cúpula do Ministério dos Transportes seja investigada.

Procurados, o ministério e a ANTT não comentaram as conclusões da comissão. Já Figueiredo disse que não foi ouvido nem informado oficialmente do teor do relatório. Para conhecê-lo, ele bateu à porta do gabinete do ministro dos Transportes, Paulo Sérgio Passos. “Eu concordo com 100% do que a comissão e o Ministério Público falam sobre a situação do setor ferroviário e com a angústia decorrente dessa situação, mas os fatos narrados ocorreram antes de eu assumir a ANTT”, alegou Figueiredo. Ele ponderou que, sob o seu comando, a agência passou a multar as empresas, a cuidar do patrimônio da extinta Rede Ferroviária Federal, evitando sua dilapidação pelas concessionárias, e a regular e fiscalizar o setor. Essas medidas meritórias teriam sido ignoradas pelos técnicos que fizeram o relatório. “A minha gestão é responsável por 70% das multas aplicadas pela ANTT”. afirmou, ressaltando não saber quanto, de fato, foi pago. “Na ânsia de encontrarem um culpado, as pessoas que fizeram o relatório não levaram em conta o que de fato foi feito, a vida real.” A queda de braço com Figueiredo tem um ingrediente que não aparece no relatório. mas ferve nos bastidores.

Trata-se de um “vício original grave”, nas palavras do procurador Osmar Veronese. Qual seja? Como funcionário da antiga Rede Ferroviária Federal, Figueiredo participou da elaboração da proposta de privatização das ferrovias. Depois, foi executivo de uma empresa que ganhou dois lotes privatizados. Em um dos lotes, essa empresa era sócia justamente da ALL, a quem mais tarde, como diretor da ANTT, Figueiredo deveria fiscalizar e multar. Essas tarefas, segundo a comissão especial dos Transportes, não foram feitas de maneira adequada. Tamanho seria o desrespeito às cláusulas contratuais que o governo, se quisesse, poderia até declarar a caducidade do contrato da ALL. Ou seja: tirar a concessão das mãos da empresa. O procurador diz que houve um claro conflito de interesses. “O fato de eu conhecer todas as etapas do processo só me qualifica”, afirma Figueiredo, que se vê no episódio como vítima de injustiças.

Fernanda Caethano