"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

terça-feira, 30 de julho de 2013

Responsabilidade civil do Estado

A responsabilidade é inerente ao Estado de Direito. É também consequência necessária, devido à crescente presença do Estado nas relações sociais, interferindo cada vez mais nas relações individuais.

1. Aspectos gerais

Preliminarmente, responsabilidade civil é aquela que se traduz na obrigação de reparar danos patrimoniais e se exaure com a indenização.

Atualmente é pacífico o entendimento, nos mais diversos ordenamentos jurídicos do mundo, de que o Estado é responsável pelos atos praticados por seus agentes, tendo, consequentemente, o dever de ressarcir às vítimas, eventuais danos causados.

A responsabilidade é inerente ao Estado de Direito. É também consequência necessária, devido à crescente presença do Estado nas relações sociais, interferindo cada vez mais nas relações individuais.

Esse dever de responder caracteriza a “responsabilidade extracontratual” que não decorre de um contrato anterior, mas de uma obrigação imposta ao Estado de reparar eventuais danos causados por atos praticados por seus agentes, no exercício de suas atribuições.

Esse é, inclusive, o conceito utilizado por Celso Antônio Bandeira de Mello.

É importante entender que a atuação estatal é imposta aos administrados, que não tem como recusar a presença do Estado. O Estado age de forma imperativa, independente da vontade do indivíduo.

Por isso surge um tratamento especial para o administrado, e para o Estado um maior rigor quanto à responsabilização dos seus atos.

A responsabilidade civil do Estado tem princípios próprios e compatíveis com a sua posição jurídica, por isso é mais extensa que a aplicável às pessoas privadas.

Segue as mesmas linhas da responsabilidade civil privada, mas com algumas regras específicas que visam dar mais proteção aos administrados, considerando que a presença do Estado acontece quase todo dia, e a intensidade dos danos suscetíveis de serem causados aos administrados é bem maior.

A ordem jurídica nacional é una, sujeita a todos, inclusive o Estado. Trata-se da aplicação do princípio da isonomia.

Ainda dentro do contexto da isonomia, o Estado também é obrigado a indenizar um determinado administrado que sofre um prejuízo em razão de uma ação que trará benefícios para toda a sociedade.

O princípio da isonomia também serve como fundamento para a responsabilidade civil do Estado. Lembrando que a legalidade para o administrador é fazer tudo aquilo que a lei autoriza. Logo, se praticar algum ato fora dos padrões estabelecidos na lei, o Estado terá de arcar com eventuais danos causados.

Hely Lopes Meirelles prefere a designação “responsabilidade civil da Administração Pública”, já que em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração e não de atos do Estado como entidade política.

Esse, porém, não é o melhor entendimento, já que Administração é a máquina estatal e não a pessoa jurídica dotada de personalidade.

2. Evolução teórica

O tema passou por longo período de evolução, e ainda hoje recebe elementos de adaptação ao desenvolvimento social.

2.1. Teoria da irresponsabilidade do Estado

Num primeiro momento da história, aplica-se a teoria da irresponsabilidade do Estado, onde o governante era quem dizia o que era certo ou errado. Agia, segundo a máxima americana “the king do noto wrong” (o rei não erra nunca).

Ocorre que as sociedades evoluíram, e passaram a não mais aceitar esse modelo de Estado. A teoria da responsabilização do Estado começa a ganhar força. O Estado passa a ser responsabilizado em situações pontuais. No Brasil esse reconhecimento ocorre com o surgimento do Tribunal de Conflitos, em 1.873.

2.2. Teoria da responsabilidade subjetiva do Estado

Como o próprio nome diz, fundamenta-se no elemento subjetivo, na intenção do agente representante do Estado, e causador do dano.

Para o Estado ser chamado à responsabilidade era necessária a comprovação de quatro elementos: a conduta estatal; o dano; o nexo causal entre a conduta e o dano; e o elemento subjetivo, a culpa ou o dolo do agente.

A existência cumulativa dos quatro elementos era indispensável para não causar exclusão da responsabilidade.

Note que nesse momento a responsabilidade baseava-se na comprovação da culpa ou dolo do agente, o que para a vítima era um desafio enorme.

Com isso a responsabilidade evolui, mas continua dentro do campo da subjetividade. Passa de subjetiva na culpa do agente para subjetiva na culpa do serviço. Nesse momento a vítima não precisa apontar o agente, basta demonstrar que o serviço não foi prestado; ou não foi prestado quando deveria; ou, ainda, foi prestado de forma ineficiente (mal feito).

É o que Hely Lopes Meirelles chama de “Teoria da Culpa Administrativa”.

Muito embora essa evolução tenha facilitado o conjunto probatório, ainda era muito difícil demonstrar que o serviço havia sido prestado abaixo dos padrões.

Com isso a responsabilidade evolui mais uma vez, e a culpa passa a ser presumida em hipóteses que a vítima ficava desobrigada do ônus da prova.

Mas vale ressaltar que nem todo funcionamento defeituoso do serviço acarretava essa responsabilidade. Era necessário analisar o caso concreto e observar a diligência média que se poderia exigir do serviço.

É o que Hely Lopes Meirelles classifica como “Teoria do Risco Administrativo”.

Hely nos ensina, ainda, a “Teoria do Risco Integral”, que é uma modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniquidade social. Por essa doutrina a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Essa teoria jamais foi aceita entre nós, embora haja quem sustente sua admissibilidade no texto das constituições anteriores (Mário Massagão, Curso do Direito Administrativo, 1960, p. 339; Otávio de Barros, Responsabilidade Pública, 1956, p. 103).

Com o passar do tempo a atuação estatal se torna cada vez mais incisiva. Surge com isso a necessidade de aumentar a proteção em relação aos administrados, e para isso a responsabilidade evolui novamente.

2.3. Teoria da responsabilidade objetiva do Estado

Embora já reconhecida como regra no Brasil, tornou-se constitucional com a Constituição Federal de 1.946, sendo adotada até hoje.

A Constituição de 1.988 aperfeiçoou essa teoria utilizando a expressão “agente”. Mais ampla ao se referir àqueles que atuam em nome do Estado. E também reconhecendo a responsabilidade civil decorrente tanto do dano material quanto do dano moral, reconhecendo este último como figura autônoma.

Nessa teoria, a caracterização se condiciona ao preenchimento de três requisitos: conduta estatal, dano e nexo de causalidade entre a conduta e o dano.

Note que não se exige a comprovação do elemento subjetivo do agente que age em nome do Estado. Não há se falar em culpa ou dolo no dano causado.

É importante ressaltar que na responsabilidade objetiva a obrigação de indenizar surge em razão de um procedimento lícito ou ilícito, que produza lesão na esfera juridicamente protegida de outrem.

Destaca-se, também, a hipótese de exclusão da responsabilidade objetiva, quando ausente um dos três requisitos.

Hoje, no Brasil, a responsabilidade civil do Estado está prevista no art. 37, §6º, da Constituição Federal.

A responsabilidade objetiva é a regra no país, acatada como padrão a teoria do risco administrativo.

Entretanto, doutrina e jurisprudência admitem a possibilidade de compatibilizá-la com a responsabilidade subjetiva, nos casos de danos decorrentes de atos omissivos, seguindo, nesse caso, a teoria da culpa do serviço.

Subsistem atualmente, portanto, de forma harmônica, as duas teorias, apesar de preferencialmente se reconhecer a teoria objetiva.

2.4. Outras teorias

a) Teorias civilistas (Maria Sylvia Zanella Di Pietro)

Teoria que teria sucedido a da irresponsabilidade do Estado (meados do século XIX).

Tinha sua base no Direito Civil.

Distinguia os atos do Estado em atos de império e atos de gestão. Os primeiros seriam praticados com todas as prerrogativas e privilégios, sendo regidos por um direito especial.

Os segundos, praticados pela Administração em situação de igualdade com os particulares.

Essa teoria foi alvo de grande oposição, quer pelo reconhecimento da impossibilidade de se dividir a personalidade do Estado; quer pela dificuldade de enquadrar-se o ato como sendo de império ou de gestão.

b) Teorias publicistas (Maria Sylvia Zanella Di Pietro):

Que se subdividem em “Teoria da Culpa do Serviço (ou da Culpa Administrativa) e Teoria do Risco (que Hely Lopes Meirelles desdobra em Teoria do Risco Administrativo e Teoria do Risco Integral)”.

3. Responsabilidade por ação e por omissão.

O Estado pode causar danos aos particulares por ação ou por omissão. Quando o fato administrativo é comissivo, podem os danos ser gerados por conduta culposa ou não. Nesse caso a responsabilidade objetiva do Estado se dará pela presença dos seus pressupostos: o fato administrativo, o dano e o nexo causal.

Todavia, quando a conduta estatal for omissiva, será preciso distinguir se a omissão constitui ou não fato gerador da responsabilidade civil do Estado. Nem toda conduta omissiva retrata um desleixo do Estado em cumprir um dever legal.

Segundo José dos Santos Carvalho Filho, “somente quando o Estado se omitir diante do dever legal de impedir a ocorrência do dano é que será responsável civilmente e obrigado a reparar os prejuízos”.

O entendimento mais correto, portanto, é de que a responsabilidade civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só ocorrerá quando presentes os elementos que caracterizam a culpa.

*Artigos 927, parágrafo único, CC; art. 43, CC; art. 37, §6º, CF – esses dispositivos aplicam-se apenas às condutas comissivas.

4. Responsabilidade do Estado por atos do Poder Legislativo.

Em relação aos atos legislativos a regra é da irresponsabilidade, sob os seguintes argumentos:

1º. O poder legislativo atua no exercício da soberania, podendo alterar, revogar, criar ou extinguir situações, sem qualquer limitação que não decorra da Constituição Federal.

2º. O poder legislativo edita normas gerais e abstratas dirigidas a toda a coletividade; o ônus delas decorrentes é igual para todas as pessoas que se encontram na mesma situação, não quebrando o princípio da igualdade de todos perante os ônus e encargos sociais.

3º. Os cidadãos não podem responsabilizar o Estado por atos de parlamentares por eles mesmo eleitos.

Críticas:

- Mesmo exercendo parcela da soberania, o Poder Legislativo tem que se submeter à Constituição, de modo que acarreta responsabilidade do Estado quando edita leis inconstitucionais.

- Nem sempre a lei produz efeitos gerais e abstratos, de modo que o Estado deve responder por danos causados por leis que atinjam pessoas determinadas, mesmo que se trate de normas constitucionais.

- A eleição de parlamentar implica delegação para fazer leis constitucionais.

5. Responsabilidade do Estado por atos do Poder Judiciário.

Em relação aos atos praticados pelo Poder Judiciário, também há divergência doutrinária.

Há quem defenda que o Poder Judiciário é soberano. Que os juízes têm de agir com independência no exercício das suas funções. Sem temor de que suas decisões possam ensejar a responsabilidade do Estado.

Para essa corrente da doutrina os magistrados não são funcionários públicos e, portanto, a indenização por dano decorrente de decisão judicial infringiria a regra da imutabilidade da coisa julgada, porque implicaria no reconhecimento de que a decisão foi proferida com violação da lei.

Críticas:

- A soberania é do Estado, não dos poderes.

- A ideia de independência não é aceita, já que inerente aos três poderes. Logo, o mesmo temor poderia ser utilizado como argumento pelos poderes Executivo e Legislativo.

- O argumento de não ser o juiz funcionário público não encontra respaldo do direito brasileiro, pois o magistrado ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal dessa categoria funcional. Ainda que se entenda ser ele agente político, estaria abrangido pela norma do art. 37, §6º, CF, que emprega precisamente o vocábulo “agente” para abranger todas as categorias de pessoas que prestam serviço ao Estado.

 Loester Ramires Borges

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