por: Ewerton Vinícius de Oliveira e Souza
O artigo trata, através de critérios objetivos, acerca da
possibilidade da alteração do sistema de governo atual, presidencialista, para
o sistema parlamentarista através de proposta de emenda à constituição.
O Brasil adota o sistema de governo presidencialista desde a
constituição de 1988 e, através de plebiscito realizado em 21 de abril de 1993,
fora ratificado o sistema de governo adotado, conforme previsto no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias.
Desta feita, cabe sustentar a pertinência atual do estudo
pela existência da celeuma, em campo político, social e jurídico, acerca de uma
mudança do sistema de governo presidencialista para o sistema de governo
parlamentarista, uma vez que especialistas e sociedade divergem sobre a
efetividade de ambos os sistemas, presidencialista e parlamentarista, nas
circunstâncias sociais, econômicas e políticas do país.
O artigo 60 da Constituição Federal prevê a possibilidade de
alteração da carta magna, bem como as restrições materiais explícitas quanto a
alteração da referida carta, a exemplo da restrição a alteração das cláusulas
pétreas dos direitos e garantias individuais elencados na CRFB/88, dentre
outras.
Por sua vez, juristas doutrinadores entendem que o limite
material existe também para cláusulas pétreas implícitas na Constituição
Federal de 1988, sendo também vedada a tendência a aboli-las.
Na análise proposta pelo seguinte artigo, coube elencar as
formas de governo conhecidas, especialmente a do presidencialismo e
parlamentarismo, bem como a análise do mecanismo da proposta de emenda à
constituição e seus limites formais e materiais, tudo dentro da discussão
acerca da possibilidade da alteração do sistema de governo presidencialista
para parlamentarista no Brasil.
O SISTEMA DE GOVERNO
Teresa May & Elizabeth II
Em análise ao direito constitucional de forma ampla,
considerando as demais cartas magnas conhecidas, são reconhecidos com destaque
os sistemas democráticos adotados pelos Estados democráticos. O parlamentarismo
e presidencialismo são os dois notáveis sistemas de governo adotados pelos
Estados democráticos.
Na definição do jurista constitucional, Cezar Saldanha Souza
Junior (2012, p. 685), o sistema de governo é:
é o modo como as instituições do poder público estão
arranjadas para viabilizar suas funções específicas no esforço conjunto de
atender às exigências do bem comum.
Como referido, os sistemas democráticos de governo mais
aplicados e destacáveis são o parlamentarismo e presidencialismo. O sistema
parlamentarista de governo se deu através da construção histórica do Reino
Unido, enquanto o sistema presidencialista fora apresentado na constituição dos
Estados Unidos.
No Brasil, o sistema de governo, até a atual vigente
Constituição 1988, é o presidencialismo republicano, entretanto, cumpre
salientar que a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 ainda discutia a
possibilidade de alterar o sistema de governo.
O sistema presidencialista de governo, tal qual conhecemos e
é adotado por nosso ordenamento jurídico, emanou da assembleia constituinte de
1987, a qual definiu a forma republicana e presidencialista, bem como
determinou, através do art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias (ADCT), que fosse realizado um plebiscito em 7 de setembro de 1993
a fim definir a forma e sistema de governo a vigorar pela CRFB/88, in verbis:
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá,
através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no
País. (Vide emenda Constitucional nº 2, de 1992)
O plebiscito acabara tendo sua data adiantada e, para tanto,
fora realizado em abril de 1993, o qual definiu, através da vontade popular,
que a forma de governo a ser adotada pelo Brasil deveria ser a República e que
o sistema de governo a ser seguido deveria ser o Presidencialismo.
PRESIDENCIALISMO

O sistema presidencialista que conhecemos está
intrinsecamente ligado ao princípio da separação dos três poderes legislativo,
judiciário e executivo, idealizado e descrito especialmente por Montesquieu. O
ilustre jurista Paulo Bonavides (2001, p. 393) tece comentários acerca da
relação do princípio da separação de poderes e o presidencialismo:
Historicamente, é o sistema que perfilhou de forma clássica
o princípio da separação de poderes, que tanta fama e glória granjeou para o
nome de Montesquieu na idade áurea do Estado liberal. O princípio valia como
esteio máximo das garantias constitucionais da liberdade. A Constituição
americana o recolheu, tomando-o, por base de todo o edifício político. Da
separação rígida passou-se com o tempo para a separação menos rigorosa, branda,
atenuada, à medida que o velho dogma evolveu, conservando-se sempre e
invariavelmente entre os traços dominantes de todo o sistema presidencial.
No sistema de governo presidencialista adotado pela CRFB/88,
o representante do cargo executivo é o Presidente da República, uma vez que
vivemos em um sistema republicano. Todo o poder do executivo da união esta em
poder do Presidente, assim entende o admirável jurista Alexandre de Moraes
(2003, p 420):
Chefia do Poder Executivo foi confiada pela Constituição
Federal ao Presidente da República, a quem compete seu exercício, auxiliado
pelos Ministros de Estado, compreendendo, ainda, o braço civil da administração
(burocracia) e o militar (Forças Armadas), consagrado mais uma vez o
presidencialismo, concentrando na figura de uma única pessoa a chefia dos
negócios do Estado e do Governo.
Insta salientar que o Presidente da República, em nosso
ordenamento constitucional, acumula a função de chefe de estado e de governo,
sendo ele responsável pelas relações internacionais do estado brasileiro, bem
como a gerência interna do estado. Sobre esta diferenciação, o ilustre jurista
Alexandre de Moraes (2003, p. 420) esclarece:
Nosso texto constitucional, expressamente adotou o
presidencialismo, proclamando a junção das funções de Chefe de Estado e Chefe
de Governo, a serem realizadas pelo Presidente da República, prevendo-as no
art. 84 da Constituição Federal. Assim, como chefe de Estado, o presidente
representa, pois nas suas relações internacionais (art. 84, VII e VIII, XIX),
bem como corporifica a unidade interna do Estado. Como chefe de Governo, a
função presidencial corresponde à representação interna, na gerência dos
negócios internos, tanto os de natureza política (participação no processo
legislativo), como nos de natureza eminentemente administrativa (art. 84, I,
II, III, IV, V, VI, IX a XXVII). Assim, o Chefe de Governo exercerá a liderança
da política nacional, pela orientação das decisões gerais e pela direção da
máquina administrativa.
Nos termos da CRFB/88, a investidura no cargo da Presidência
da República se dá através do voto direto e periódico, sendo o vencedor o que
tiver maior contagem de votos, obedecidos os trâmites eleitorais previstos na
constituição e também em legislação especial.
PARLAMENTARISMO
O sistema parlamentarista, pensado pelo cientista político e
jurista Paulo Bonavides:
a presença em exercício do governo, enquanto a maioria do
Parlamento não dispuser o contrário retirando-lhe o apoio; a repartição entre o
governo e o parlamento da função de estabelecer as decisões políticas
fundamentais; e finalmente, a posse recíproca de meios de controle por parte do
governo e do Parlamento, de modo que o primeiro, sendo responsável perante o
segundo, possa ser destituído de suas funções mediante um voto de desconfiança
da maioria parlamentar. (BONAVIDES, 1995, p 277)
Seguindo na caracterização e definição do sistema
parlamentarista, o mesmo ilustre cientista político e jurista, Paulo Bonavides,
em obra diversa complementa:
Definem-se de maneira clara os princípios essenciais e
distintivos da forma parlamentar de governo:
a) a igualdade entre o executivo e
o legislativo;
b) a colaboração dos dois poderes entre si;
c) a existência de
meios de ação recíproca no funcionamento do executivo e do legislativo.
(BONAVIDES, 1995, p.277)
No parlamentarismo mais conhecido reside na independência
dos poderes, entretanto este mitigado pela dependência do executivo ao
legislativo, tendo em vista que o funcionamento de ambos está condicionado à
vontade dos dois poderes. Todos os projetos do executivo e decisões
governamentais deverão ser avaliados e aprovados pelo parlamento.
Podemos ainda reconhecer espécies do sistema
parlamentarista, onde este pode ser uma República Parlamentarista, ou uma
Monarquia Parlamentarista, a exemplo do Reino Unido.
A república parlamentarista tem definido um presidente da
república, eleito direta ou indiretamente, responsável pela representação
internacional da nação e o chefe de estado, e um primeiro-ministro, responsável
pela gerência e administração do governo, o chefe de governo, eleito
indiretamente pelo parlamento.
Já em análise à monarquia parlamentarista, cumpre salientar
que também está presente a figura do chefe de estado e chefe de governo. Na
monarquia parlamentarista, o chefe de estado é representado pelo Rei/Rainha,
sendo este o representante da nação, enquanto o chefe de governo, responsável
pela gerência e administração do governo, é o primeiro-ministro.
No Brasil já passamos por dois momentos históricos em que
fora vigente o sistema parlamentarista. Durante o segundo reinado de Dom Pedro
II, conhecido como “Parlamentarismo às Avessas”, bem como de setembro de 1961
a janeiro de 1963, após a renúncia de Jânio Quadros.
O PODER REFORMADOR E A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Acerca da possibilidade de reforma da Constituição Federal
de 1988, o legislador constituinte fez questão de dar a possibilidade, após
cinco anos de promulgada a CRFB/88, de ocorrer uma revisão constitucional,
conforme o art. 3º do ADCT, “Art. 3º. A revisão constitucional será realizada
após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria
absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.” (BRASIL,
1988)
A fim de diferenciar a revisão constitucional da emenda à
constituição, o ilustre jurista, Ingo Wolfgang Sarlet, faz a distinção, in
verbis:
b) o procedimento previsto para ambas as modalidades de
reforma da Constituição é distinto, ressaltando-se a existência de um
procedimento mais rígido (art. 60) para as emendas, ao passo que a revisão — ao
menos de acordo com a expressa previsão do art. 3.º do ADCT — estaria sujeita a
um procedimento bem menos rigoroso e simplificado; (SARLET, 2012, p. 110)
Neste diapasão, podemos aferir que o constituinte impôs uma
limitação temporal para a revisão da constituição, sendo esta oportunidade
única e ocasionada após o plebiscito que definiria a forma e/ou sistema de
governo em abril de 1993.
A finalidade da revisão prevista no artigo 3º do ADCT seria
de serviço apenas para adaptar a Constituição ao resultado do referido
plebiscito, tendo em vista que o resultado implicaria numa serie de
modificações, especialmente no que concerne à organização do Estado e dos
Poderes. (SARLET; MARIONI; MITIDIERO, 2012)
Seguinte o disposto no artigo 3º do Ato de Disposições
Constitucionais Transitórias, o congresso nacional, entre 01 de março e 07 de
junho de 1994 discutiu, aprovou e promulgou o total de seis emendas
constitucionais, obedecida a limitação temporal imposta pelo constituinte.
Além da limitação temporal imposta pelo constituinte, o
Supremo Tribunal Federal acabou entendendo que a referida revisão deveria
respeitar os dispostos no artigo 60, § 4º, in verbis:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO N. 1 - RCF,
DO CONGRESSO NACIONAL, DE 18.11.1993, QUE DISPÕE SOBRE O FUNCIONAMENTO DOS
TRABALHOS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E ESTABELECE NORMAS COMPLEMENTARES
ESPECIFICAS. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO GOVERNADOR DO ESTADO
DO PARANA.
ALEGAÇÕES DE OFENSA AO PARÁGRAFO 4. DO ART. 60 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, EIS QUE O CONGRESSO NACIONAL, PELO ATO IMPUGNADO, "MANIFESTA O
SOLENE DESIGNIO DE MODIFICAR O TEXTO CONSTITUCIONAL", MEDIANTE
"'QUORUM' DE MERA MAIORIA ABSOLUTA", "EM TURNO ÚNICO" E
"VOTAÇÃO UNICAMERAL".
SUSTENTA-SE, NA INICIAL, ALÉM DISSO, QUE A
REVISÃO DO ART. 3. DO ADCT DA CARTA POLÍTICA DE 1988 NÃO MAIS TEM CABIMENTO,
POR QUE ESTARIA INTIMAMENTE VINCULADA AOS RESULTADOS DO PLEBISCITO PREVISTO NO
ART. 2. DO MESMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL TRANSITORIO. "EMENDA" E
"REVISÃO", NA HISTORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA. EMENDA OU REVISÃO,
COMO PROCESSOS DE MUDANCA NA CONSTITUIÇÃO, SÃO MANIFESTAÇÕES DO PODER
CONSTITUINTE INSTITUIDO E, POR SUA NATUREZA, LIMITADO. ESTA A
"REVISÃO" PREVISTA NO ART. 3. DO ADCT DE 1988 SUJEITA AOS LIMITES
ESTABELECIDOS NO PARÁGRAFO 4. E SEUS INCISOS, DO ART. 60, DA CONSTITUIÇÃO.
O
RESULTADO DO PLEBISCITO DE 21 DE ABRIL DE 1933 NÃO TORNOU SEM OBJETO A REVISÃO
A QUE SE REFERE O ART. 3. DO ADCT. APÓS 5 DE OUTUBRO DE 1993, CABIA AO
CONGRESSO NACIONAL DELIBERAR NO SENTIDO DA OPORTUNIDADE OU NECESSIDADE DE
PROCEDER A ALUDIDA REVISÃO CONSTITUCIONAL, A SER FEITA "UMA SÓ VEZ".
AS MUDANCAS NA CONSTITUIÇÃO, DECORRENTES DA "REVISÃO" DO ART. 3. DO
ADCT, ESTAO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, DIANTE DAS "CLAUSULAS
PETREAS" CONSIGNADAS NO ART. 60, PAR.4. E SEUS INCISOS, DA LEI MAGNA DE
1988. NÃO SE FAZEM, ASSIM, CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DE
MEDIDA LIMINAR, SUSPENDENDO A EFICACIA DA RESOLUÇÃO N. 01, DE 1993 - RCF, DO
CONGRESSO NACIONAL, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA AÇÃO. MEDIDA CAUTELAR
INDEFERIDA.(grifo do autor) (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1993)
Desta feita, esgotado a revisão constitucional prevista pelo
constituinte no ADCT, as alterações no texto constitucional apenas podem e
devem ser feitas através de emendas constitucionais, estas disciplinadas pelo
artigo 60 da Constituição Federal.
A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL
A emenda à constituição é derivada do poder constituinte
reformador, instrumento que pode acrescentar, modificar ou suprimir normas do
texto constitucional, mas tendo em vista que esse poder reformador é limitado e
condicionado de forma expressa/implícita e através dos limites temporais.
O ilustre constitucionalista, Pedro Lenza (2012, p. 578),
leciona:
o contrário do constituinte originário, que é juridicamente
ilimitado, o poder constituinte derivado é condicionado, submetendo-se a
algumas limitações, expressamente previstas, ou decorrentes do sistema.
Trata-se das limitações expressas ou explícitas (formais ou procedimentais,
circunstanciais e materiais) e das implícitas.
Após todos os trâmites, obedecidos os limites formais,
materiais e circunstanciais, o texto da emenda aprovada será incorporado ao
texto constitucional, passando a exercer assim força normativa constitucional,
entretanto, caso desobedecidos os referidos limites, a proposta poderá ser
objeto de controle de constitucionalidade e a emenda objetivada poderá ser
declara inconstitucional.
OS LIMITES FORMAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
Os limites formais da proposta de emenda à constituição
correspondem a forma como a matéria será iniciada, discutida e aprovada pelo
legislador. Estes limites estão expressamente dispostos no artigo 60, I, II,
III e §§ 2º, 3º. E 5º da CRFB/88, in verbis:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante
proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos
Deputados ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das
unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa
de seus membros. (...)
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem.
(...)
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou
havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão
legislativa. (BRASIL, 1988)
A doutrina e jurisprudência são sedimentadas no entendimento
de que a proposta de emenda que for iniciada por autoridade ou pessoa diversa
daquelas expressas no artigo 60, I, II e II da CRFB/88, incorre em vício formal
subjetivo, eivada então de inconstitucionalidade. Quando diante de vício no
trâmite da proposta, artigo 60, §§ 2º, 3º e 5º, considera-se o vício formal
objetivo.
OS LIMITES MATERIAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇÃO.
Os limites materiais da reforma da constituição têm como
objetivo a preservação de determinados conteúdos da CRFB/88, uma vez que dão
relevância à própria identidade da ordem constitucional e preservam as decisões
fundamentais do constituinte, a fim de evitar que uma reforma ilimitada e fora
do poder constituinte possa ocasionar a destruição da ordem constitucional.
(SARLET;MARIONI;MITIDIERO, 2012)
Ainda acerca da limitação material da emenda a constituição,
o jurista Alexandre de Moraes esclarece:
Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e
periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais
matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado
tradicionalmente por "cláusulas pétreas".(MORAES, 2003, p. 544)
Logo, a proposta de emenda à constituição apenas pode
acrescentar, modificar ou suprimir normas do texto constitucional, caso seja
respeitado o limite material, não podendo a emenda versar acerca das cláusulas
pétreas, nem mesmo ser tendente a aboli-las.
Os limites materiais das emendas constitucionais são
divididos entre os explícitos e os implícitos, estes serão objeto de atenção e
discussão nos tópicos seguintes.
LIMITES MATERIAIS EXPLÍCITOS DA PROPOSTA DE EMENDA À
CONSTITUIÇÃO.
As limitações materiais explícitas, também conhecidas como
cláusulas pétreas explícitas, ou núcleos constitucionais intangíveis, são
normas constitucionais que não podem ser modificadas por emendas
constitucionais que tendam a aboli-las, assim o legislador constituinte fez
questão de dispor explicitamente acerca dos limites aos quais as propostas de
emenda constitucionais deveriam submeter-se.
Os limites materiais do poder reformador, através de emenda
à constituição, são conhecidos pela doutrina e jurisprudência de cláusulas
pétreas e estas estão definidas e expressas no artigo 60, § 4º da CRFB/88, in
verbis:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda
tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988)
As cláusulas pétreas explícitas foram dispostas no texto
constitucional por decisão de forma expressa no texto constitucional
originário, tratam de decisões prévias e vinculantes do constituinte no sentido
de definir e vedar a alteração da identidade constitucional.
LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO
Além das do limite material explícito, a doutrina e
jurisprudência majoritária reconhece a existência dos limites materiais
implícitos para a reforma da constituição, também entendidas como cláusulas
pétreas implícitas.
A doutrina majoritária entende que o rol taxativo disposto
no artigo 60, § 4º da Constituição, não constitui uma blindagem necessária para
manter a identidade constitucional, o que ensejou na consideração a existência
das cláusulas pétreas implícitas.
O próprio legislador constituinte deixou lacunas quanto as
vedações dispostas no artigo 60, § 4º da CF, a exemplo do inciso § 4º do
referido artigo, quando o constituinte expressou que os direitos e garantias
individuais não poderiam ser objeto de propostas de emenda à constituição.
A vedação de proposta que seja tendente a abolir direitos e
garantias individuais, por exemplo, deixou aberta a lacuna sobre a propriedade
e definição de quais seriam os direitos e garantias individuais das quais o
constituinte estaria versando.
Como consequência, a doutrina e jurisprudência entende que
os direitos e garantias individuais abarcam também os direitos sociais, bem
como boa parte daqueles que estão dispostos no artigo 5º e outros elencados em
nossa Constituição Federal.
Neste diapasão, cumpre lembrar a existência e relevância dos
limites materiais implícitos. As cláusulas pétreas implícitas que, apesar de
não estarem previstas no artigo 60, § 4º da CRFB/88, não podem ser alteradas,
muito menos retiradas da carta magna.
Podemos mencionar como outros exemplos de cláusulas pétreas
implícitas, reconhecidas pela doutrina, os direitos os artigos 127 e 142 da
CRFB/88: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente (...)”; “Art.
142. As forças armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela
Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares (...)”(SILVA, 2012, p.
46)
Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
se manifesta por diversas vezes acerca do reconhecimento das cláusulas pétreas
implícitas como parâmetro no limite do poder reformador:
[...]1. Com relação a emendas constitucionais, o parâmetro
de aferição de sua constitucionalidade é estreitíssimo, adstrito às limitações
materiais, explícitas ou implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente
ao mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua própria
reforma. [...] (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006)
Neste ínterim, cabe novamente registrar que o limite
material implícito tem a função, assim como os limites previstos no artigo 60,
§ 4º da CRFB/88, de manter a ordem constitucional definida pelo constituinte
evitando alterações que possam desconstituir os principais alicerces da carta
magna.
SISTEMA DE GOVERNO COMO CLÀSULA PÉTREA IMPLÌCITA
Adentrando ao mérito do presente artigo, cabe nos
debruçarmos acerca da discussão recorrente e atual sobre a possibilidade da
mudança do sistema de governo vigente no Brasil, o sistema presidencialista,
definido pela Constituição Federal de 1988 e depois ratificado pelo plebiscito
realizado em abril de 1993, previsto pelo artigo 2º dos Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias, in verbis:
Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá,
através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o
sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no
País.
O legislador constituinte acabou não dispondo taxativamente
e expressamente acerca do sistema de governo presidencialista como cláusula
pétrea explícita, sendo esta a discussão nuclear do presente artigo, tendo em
vista que apenas resta avaliar se o presidencialismo consta como cláusula
pétrea implícita, ou se o sistema de governo poderia ser alterado por meio de
uma emenda à constituição.
A doutrina amplamente acata a tese acerca da impossibilidade
de supressão da forma republicana de governo, bem como do sistema
presidencialista, fazendo menção e assim fundamentando que a consulta popular realizada
em abril de 1993 passa a corresponder à vontade expressa do poder constituinte
originário, não podendo o sistema de governo passar pelo poder reformador.
Neste sentido, avaliando que o poder constituinte deixou a cargo
da vontade popular a escolha do nosso sistema e forma de governo, podemos
concluir que, quando fora encerrado o plebiscito de abril de 1993, a vontade do
poder constituinte fora resolvida, fazendo do país uma república
presidencialista, sendo essa decisão equivalente ao texto constitucional
originário.
Além da fundamentação e conclusão retro, é de fundamental
importância versar que o sistema de governo presidencialista conta com eleições
periódicas e diretas, ou seja, o povo vota e elege diretamente seu
representante como presidente da república.
Alterar o sistema presidencialista para o sistema
parlamentarista implicaria na supressão da cláusula pétrea do voto periódico e
direto previsto no § 4º, II do artigo 60 da CRFB/88, uma vez que no sistema parlamentarista,
a figura do chefe do governo seria substituída pela figura do primeiro
ministro, este escolhido pelos parlamentares em moldes totalmente diversos dos
atuais, ensejando a extinção do voto direto e periódico para presidente da
república.
Neste diapasão, eliminar a participação popular direta e
periódica na escolha do chefe de governo enseja numa agressão à cláusula pétrea
definida no artigo 60, § 4º, II da CRFB/88, restando evidente que nosso sistema
de governo é um limite material implícito ao poder reformador, uma cláusula
pétrea implícita.
CONCLUSÃO
O texto constitucional originário é base fundamental para a
nosso estado democrático de direito. Mantê-lo blindado em seus principais
alicerces é essencial para garantir estabilidade e segurança jurídica de toda a
sociedade e suas instituições.
O legislador constituinte embora tenha previsto a
possibilidade de modificar o texto constitucional, estava ciente da necessidade
de preservar o alicerce de nossa Constituição Federal e, para tanto, elencou
taxativamente as cláusulas pétreas do artigo 60, § 4º da CRFB/88, sendo elas
fundamentais para limitar o poder reformador das emendas constitucionais.
Emendas constitucionais que versem acerca de mudanças em
cláusulas pétreas podem repercutir de maneira conturbada no texto
constitucional. A possibilidade de modificar o sistema de governo
presidencialista para parlamentarista ofenderia o direito ao voto periódico e
direto da população e a separação dos poderes, bem como ensejaria em uma
reformulação de textos constitucionais originários, tendo em vista que a carta
magna teria que abarcar as exigências normativas do sistema parlamentarista.
Ainda que não esteja elencado de forma explícita no § 4º do
artigo 60 de nossa Constituição Federal, o nosso sistema de governo
presidencialista é uma cláusula pétrea implícita, uma limitação material ao
poder reformador da proposta de emenda à constituição, portanto, resta vedada a
emenda constitucional tendente a modificar o atual sistema de governo
presidencialista para parlamentarista.