"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

A (im) possibilidade da implementação do sistema parlamentarista através de Proposta de Emenda à Constituição

 por: Ewerton Vinícius de Oliveira e Souza



O artigo trata, através de critérios objetivos, acerca da possibilidade da alteração do sistema de governo atual, presidencialista, para o sistema parlamentarista através de proposta de emenda à constituição.

O Brasil adota o sistema de governo presidencialista desde a constituição de 1988 e, através de plebiscito realizado em 21 de abril de 1993, fora ratificado o sistema de governo adotado, conforme previsto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Desta feita, cabe sustentar a pertinência atual do estudo pela existência da celeuma, em campo político, social e jurídico, acerca de uma mudança do sistema de governo presidencialista para o sistema de governo parlamentarista, uma vez que especialistas e sociedade divergem sobre a efetividade de ambos os sistemas, presidencialista e parlamentarista, nas circunstâncias sociais, econômicas e políticas do país.

O artigo 60 da Constituição Federal prevê a possibilidade de alteração da carta magna, bem como as restrições materiais explícitas quanto a alteração da referida carta, a exemplo da restrição a alteração das cláusulas pétreas dos direitos e garantias individuais elencados na CRFB/88, dentre outras.

Por sua vez, juristas doutrinadores entendem que o limite material existe também para cláusulas pétreas implícitas na Constituição Federal de 1988, sendo também vedada a tendência a aboli-las.

Na análise proposta pelo seguinte artigo, coube elencar as formas de governo conhecidas, especialmente a do presidencialismo e parlamentarismo, bem como a análise do mecanismo da proposta de emenda à constituição e seus limites formais e materiais, tudo dentro da discussão acerca da possibilidade da alteração do sistema de governo presidencialista para parlamentarista no Brasil.

O SISTEMA DE GOVERNO

Teresa May & Elizabeth II

Em análise ao direito constitucional de forma ampla, considerando as demais cartas magnas conhecidas, são reconhecidos com destaque os sistemas democráticos adotados pelos Estados democráticos. O parlamentarismo e presidencialismo são os dois notáveis sistemas de governo adotados pelos Estados democráticos.

Na definição do jurista constitucional, Cezar Saldanha Souza Junior (2012, p. 685), o sistema de governo é:

é o modo como as instituições do poder público estão arranjadas para viabilizar suas funções específicas no esforço conjunto de atender às exigências do bem comum.

Como referido, os sistemas democráticos de governo mais aplicados e destacáveis são o parlamentarismo e presidencialismo. O sistema parlamentarista de governo se deu através da construção histórica do Reino Unido, enquanto o sistema presidencialista fora apresentado na constituição dos Estados Unidos.

No Brasil, o sistema de governo, até a atual vigente Constituição 1988, é o presidencialismo republicano, entretanto, cumpre salientar que a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 ainda discutia a possibilidade de alterar o sistema de governo.

O sistema presidencialista de governo, tal qual conhecemos e é adotado por nosso ordenamento jurídico, emanou da assembleia constituinte de 1987, a qual definiu a forma republicana e presidencialista, bem como determinou, através do art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que fosse realizado um plebiscito em 7 de setembro de 1993 a fim definir a forma e sistema de governo a vigorar pela CRFB/88, in verbis:

Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País. (Vide emenda Constitucional nº 2, de 1992)

O plebiscito acabara tendo sua data adiantada e, para tanto, fora realizado em abril de 1993, o qual definiu, através da vontade popular, que a forma de governo a ser adotada pelo Brasil deveria ser a República e que o sistema de governo a ser seguido deveria ser o Presidencialismo.

PRESIDENCIALISMO


O sistema presidencialista que conhecemos está intrinsecamente ligado ao princípio da separação dos três poderes legislativo, judiciário e executivo, idealizado e descrito especialmente por Montesquieu. O ilustre jurista Paulo Bonavides (2001, p. 393) tece comentários acerca da relação do princípio da separação de poderes e o presidencialismo:

Historicamente, é o sistema que perfilhou de forma clássica o princípio da separação de poderes, que tanta fama e glória granjeou para o nome de Montesquieu na idade áurea do Estado liberal. O princípio valia como esteio máximo das garantias constitucionais da liberdade. A Constituição americana o recolheu, tomando-o, por base de todo o edifício político. Da separação rígida passou-se com o tempo para a separação menos rigorosa, branda, atenuada, à medida que o velho dogma evolveu, conservando-se sempre e invariavelmente entre os traços dominantes de todo o sistema presidencial.

No sistema de governo presidencialista adotado pela CRFB/88, o representante do cargo executivo é o Presidente da República, uma vez que vivemos em um sistema republicano. Todo o poder do executivo da união esta em poder do Presidente, assim entende o admirável jurista Alexandre de Moraes (2003, p 420):

Chefia do Poder Executivo foi confiada pela Constituição Federal ao Presidente da República, a quem compete seu exercício, auxiliado pelos Ministros de Estado, compreendendo, ainda, o braço civil da administração (burocracia) e o militar (Forças Armadas), consagrado mais uma vez o presidencialismo, concentrando na figura de uma única pessoa a chefia dos negócios do Estado e do Governo.

Insta salientar que o Presidente da República, em nosso ordenamento constitucional, acumula a função de chefe de estado e de governo, sendo ele responsável pelas relações internacionais do estado brasileiro, bem como a gerência interna do estado. Sobre esta diferenciação, o ilustre jurista Alexandre de Moraes (2003, p. 420) esclarece:

Nosso texto constitucional, expressamente adotou o presidencialismo, proclamando a junção das funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo, a serem realizadas pelo Presidente da República, prevendo-as no art. 84 da Constituição Federal. Assim, como chefe de Estado, o presidente representa, pois nas suas relações internacionais (art. 84, VII e VIII, XIX), bem como corporifica a unidade interna do Estado. Como chefe de Governo, a função presidencial corresponde à representação interna, na gerência dos negócios internos, tanto os de natureza política (participação no processo legislativo), como nos de natureza eminentemente administrativa (art. 84, I, II, III, IV, V, VI, IX a XXVII). Assim, o Chefe de Governo exercerá a liderança da política nacional, pela orientação das decisões gerais e pela direção da máquina administrativa.

Nos termos da CRFB/88, a investidura no cargo da Presidência da República se dá através do voto direto e periódico, sendo o vencedor o que tiver maior contagem de votos, obedecidos os trâmites eleitorais previstos na constituição e também em legislação especial.

 PARLAMENTARISMO


O sistema parlamentarista, pensado pelo cientista político e jurista Paulo Bonavides:

a presença em exercício do governo, enquanto a maioria do Parlamento não dispuser o contrário retirando-lhe o apoio; a repartição entre o governo e o parlamento da função de estabelecer as decisões políticas fundamentais; e finalmente, a posse recíproca de meios de controle por parte do governo e do Parlamento, de modo que o primeiro, sendo responsável perante o segundo, possa ser destituído de suas funções mediante um voto de desconfiança da maioria parlamentar. (BONAVIDES, 1995, p 277)

Seguindo na caracterização e definição do sistema parlamentarista, o mesmo ilustre cientista político e jurista, Paulo Bonavides, em obra diversa complementa:

Definem-se de maneira clara os princípios essenciais e distintivos da forma parlamentar de governo: 

a) a igualdade entre o executivo e o legislativo; 

b) a colaboração dos dois poderes entre si; 

c) a existência de meios de ação recíproca no funcionamento do executivo e do legislativo. (BONAVIDES, 1995, p.277)

No parlamentarismo mais conhecido reside na independência dos poderes, entretanto este mitigado pela dependência do executivo ao legislativo, tendo em vista que o funcionamento de ambos está condicionado à vontade dos dois poderes. Todos os projetos do executivo e decisões governamentais deverão ser avaliados e aprovados pelo parlamento.

Podemos ainda reconhecer espécies do sistema parlamentarista, onde este pode ser uma República Parlamentarista, ou uma Monarquia Parlamentarista, a exemplo do Reino Unido.

A república parlamentarista tem definido um presidente da república, eleito direta ou indiretamente, responsável pela representação internacional da nação e o chefe de estado, e um primeiro-ministro, responsável pela gerência e administração do governo, o chefe de governo, eleito indiretamente pelo parlamento.

Já em análise à monarquia parlamentarista, cumpre salientar que também está presente a figura do chefe de estado e chefe de governo. Na monarquia parlamentarista, o chefe de estado é representado pelo Rei/Rainha, sendo este o representante da nação, enquanto o chefe de governo, responsável pela gerência e administração do governo, é o primeiro-ministro.

No Brasil já passamos por dois momentos históricos em que fora vigente o sistema parlamentarista. Durante o segundo reinado de Dom Pedro II, conhecido como “Parlamentarismo às Avessas”, bem como de setembro de 1961 a janeiro de 1963, após a renúncia de Jânio Quadros.


 O PODER REFORMADOR E A REVISÃO CONSTITUCIONAL



Acerca da possibilidade de reforma da Constituição Federal de 1988, o legislador constituinte fez questão de dar a possibilidade, após cinco anos de promulgada a CRFB/88, de ocorrer uma revisão constitucional, conforme o art. 3º do ADCT, “Art. 3º. A revisão constitucional será realizada após cinco anos, contados da promulgação da Constituição, pelo voto da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, em sessão unicameral.” (BRASIL, 1988)

A fim de diferenciar a revisão constitucional da emenda à constituição, o ilustre jurista, Ingo Wolfgang Sarlet, faz a distinção, in verbis:

b) o procedimento previsto para ambas as modalidades de reforma da Constituição é distinto, ressaltando-se a existência de um procedimento mais rígido (art. 60) para as emendas, ao passo que a revisão — ao menos de acordo com a expressa previsão do art. 3.º do ADCT — estaria sujeita a um procedimento bem menos rigoroso e simplificado; (SARLET, 2012, p. 110)

Neste diapasão, podemos aferir que o constituinte impôs uma limitação temporal para a revisão da constituição, sendo esta oportunidade única e ocasionada após o plebiscito que definiria a forma e/ou sistema de governo em abril de 1993.

A finalidade da revisão prevista no artigo 3º do ADCT seria de serviço apenas para adaptar a Constituição ao resultado do referido plebiscito, tendo em vista que o resultado implicaria numa serie de modificações, especialmente no que concerne à organização do Estado e dos Poderes. (SARLET; MARIONI; MITIDIERO, 2012)

Seguinte o disposto no artigo 3º do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, o congresso nacional, entre 01 de março e 07 de junho de 1994 discutiu, aprovou e promulgou o total de seis emendas constitucionais, obedecida a limitação temporal imposta pelo constituinte.

Além da limitação temporal imposta pelo constituinte, o Supremo Tribunal Federal acabou entendendo que a referida revisão deveria respeitar os dispostos no artigo 60, § 4º, in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO N. 1 - RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, DE 18.11.1993, QUE DISPÕE SOBRE O FUNCIONAMENTO DOS TRABALHOS DE REVISÃO CONSTITUCIONAL E ESTABELECE NORMAS COMPLEMENTARES ESPECIFICAS. AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PELO GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANA. 

ALEGAÇÕES DE OFENSA AO PARÁGRAFO 4. DO ART. 60 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, EIS QUE O CONGRESSO NACIONAL, PELO ATO IMPUGNADO, "MANIFESTA O SOLENE DESIGNIO DE MODIFICAR O TEXTO CONSTITUCIONAL", MEDIANTE "'QUORUM' DE MERA MAIORIA ABSOLUTA", "EM TURNO ÚNICO" E "VOTAÇÃO UNICAMERAL". 

SUSTENTA-SE, NA INICIAL, ALÉM DISSO, QUE A REVISÃO DO ART. 3. DO ADCT DA CARTA POLÍTICA DE 1988 NÃO MAIS TEM CABIMENTO, POR QUE ESTARIA INTIMAMENTE VINCULADA AOS RESULTADOS DO PLEBISCITO PREVISTO NO ART. 2. DO MESMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL TRANSITORIO. "EMENDA" E "REVISÃO", NA HISTORIA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA. EMENDA OU REVISÃO, COMO PROCESSOS DE MUDANCA NA CONSTITUIÇÃO, SÃO MANIFESTAÇÕES DO PODER CONSTITUINTE INSTITUIDO E, POR SUA NATUREZA, LIMITADO. ESTA A "REVISÃO" PREVISTA NO ART. 3. DO ADCT DE 1988 SUJEITA AOS LIMITES ESTABELECIDOS NO PARÁGRAFO 4. E SEUS INCISOS, DO ART. 60, DA CONSTITUIÇÃO. 

O RESULTADO DO PLEBISCITO DE 21 DE ABRIL DE 1933 NÃO TORNOU SEM OBJETO A REVISÃO A QUE SE REFERE O ART. 3. DO ADCT. APÓS 5 DE OUTUBRO DE 1993, CABIA AO CONGRESSO NACIONAL DELIBERAR NO SENTIDO DA OPORTUNIDADE OU NECESSIDADE DE PROCEDER A ALUDIDA REVISÃO CONSTITUCIONAL, A SER FEITA "UMA SÓ VEZ". 

AS MUDANCAS NA CONSTITUIÇÃO, DECORRENTES DA "REVISÃO" DO ART. 3. DO ADCT, ESTAO SUJEITAS AO CONTROLE JUDICIAL, DIANTE DAS "CLAUSULAS PETREAS" CONSIGNADAS NO ART. 60, PAR.4. E SEUS INCISOS, DA LEI MAGNA DE 1988. NÃO SE FAZEM, ASSIM, CONFIGURADOS OS PRESSUPOSTOS PARA A CONCESSÃO DE MEDIDA LIMINAR, SUSPENDENDO A EFICACIA DA RESOLUÇÃO N. 01, DE 1993 - RCF, DO CONGRESSO NACIONAL, ATÉ O JULGAMENTO FINAL DA AÇÃO. MEDIDA CAUTELAR INDEFERIDA.(grifo do autor) (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1993)

Desta feita, esgotado a revisão constitucional prevista pelo constituinte no ADCT, as alterações no texto constitucional apenas podem e devem ser feitas através de emendas constitucionais, estas disciplinadas pelo artigo 60 da Constituição Federal.


A PROPOSTA DE EMENDA CONSTITUCIONAL


A emenda à constituição é derivada do poder constituinte reformador, instrumento que pode acrescentar, modificar ou suprimir normas do texto constitucional, mas tendo em vista que esse poder reformador é limitado e condicionado de forma expressa/implícita e através dos limites temporais.

O ilustre constitucionalista, Pedro Lenza (2012, p. 578), leciona:

o contrário do constituinte originário, que é juridicamente ilimitado, o poder constituinte derivado é condicionado, submetendo-se a algumas limitações, expressamente previstas, ou decorrentes do sistema. Trata-se das limitações expressas ou explícitas (formais ou procedimentais, circunstanciais e materiais) e das implícitas.

Após todos os trâmites, obedecidos os limites formais, materiais e circunstanciais, o texto da emenda aprovada será incorporado ao texto constitucional, passando a exercer assim força normativa constitucional, entretanto, caso desobedecidos os referidos limites, a proposta poderá ser objeto de controle de constitucionalidade e a emenda objetivada poderá ser declara inconstitucional.

 OS LIMITES FORMAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO

Os limites formais da proposta de emenda à constituição correspondem a forma como a matéria será iniciada, discutida e aprovada pelo legislador. Estes limites estão expressamente dispostos no artigo 60, I, II, III e §§ 2º, 3º. E 5º da CRFB/88, in verbis:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II - do Presidente da República;

III - de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. (...)

§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.

§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. (...)

§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. (BRASIL, 1988)

A doutrina e jurisprudência são sedimentadas no entendimento de que a proposta de emenda que for iniciada por autoridade ou pessoa diversa daquelas expressas no artigo 60, I, II e II da CRFB/88, incorre em vício formal subjetivo, eivada então de inconstitucionalidade. Quando diante de vício no trâmite da proposta, artigo 60, §§ 2º, 3º e 5º, considera-se o vício formal objetivo.

 OS LIMITES MATERIAIS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO.

Os limites materiais da reforma da constituição têm como objetivo a preservação de determinados conteúdos da CRFB/88, uma vez que dão relevância à própria identidade da ordem constitucional e preservam as decisões fundamentais do constituinte, a fim de evitar que uma reforma ilimitada e fora do poder constituinte possa ocasionar a destruição da ordem constitucional. (SARLET;MARIONI;MITIDIERO, 2012)

Ainda acerca da limitação material da emenda a constituição, o jurista Alexandre de Moraes esclarece:

Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição Federal, denominado tradicionalmente por "cláusulas pétreas".(MORAES, 2003, p. 544)

Logo, a proposta de emenda à constituição apenas pode acrescentar, modificar ou suprimir normas do texto constitucional, caso seja respeitado o limite material, não podendo a emenda versar acerca das cláusulas pétreas, nem mesmo ser tendente a aboli-las.

Os limites materiais das emendas constitucionais são divididos entre os explícitos e os implícitos, estes serão objeto de atenção e discussão nos tópicos seguintes.


 LIMITES MATERIAIS EXPLÍCITOS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO.

As limitações materiais explícitas, também conhecidas como cláusulas pétreas explícitas, ou núcleos constitucionais intangíveis, são normas constitucionais que não podem ser modificadas por emendas constitucionais que tendam a aboli-las, assim o legislador constituinte fez questão de dispor explicitamente acerca dos limites aos quais as propostas de emenda constitucionais deveriam submeter-se.

Os limites materiais do poder reformador, através de emenda à constituição, são conhecidos pela doutrina e jurisprudência de cláusulas pétreas e estas estão definidas e expressas no artigo 60, § 4º da CRFB/88, in verbis:

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I - a forma federativa de Estado;

II - o voto direto, secreto, universal e periódico;

III - a separação dos Poderes;

IV - os direitos e garantias individuais. (BRASIL, 1988)

As cláusulas pétreas explícitas foram dispostas no texto constitucional por decisão de forma expressa no texto constitucional originário, tratam de decisões prévias e vinculantes do constituinte no sentido de definir e vedar a alteração da identidade constitucional.


 LIMITES MATERIAIS IMPLÍCITOS DA PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO


Além das do limite material explícito, a doutrina e jurisprudência majoritária reconhece a existência dos limites materiais implícitos para a reforma da constituição, também entendidas como cláusulas pétreas implícitas.

A doutrina majoritária entende que o rol taxativo disposto no artigo 60, § 4º da Constituição, não constitui uma blindagem necessária para manter a identidade constitucional, o que ensejou na consideração a existência das cláusulas pétreas implícitas.

O próprio legislador constituinte deixou lacunas quanto as vedações dispostas no artigo 60, § 4º da CF, a exemplo do inciso § 4º do referido artigo, quando o constituinte expressou que os direitos e garantias individuais não poderiam ser objeto de propostas de emenda à constituição.

A vedação de proposta que seja tendente a abolir direitos e garantias individuais, por exemplo, deixou aberta a lacuna sobre a propriedade e definição de quais seriam os direitos e garantias individuais das quais o constituinte estaria versando.

Como consequência, a doutrina e jurisprudência entende que os direitos e garantias individuais abarcam também os direitos sociais, bem como boa parte daqueles que estão dispostos no artigo 5º e outros elencados em nossa Constituição Federal.

Neste diapasão, cumpre lembrar a existência e relevância dos limites materiais implícitos. As cláusulas pétreas implícitas que, apesar de não estarem previstas no artigo 60, § 4º da CRFB/88, não podem ser alteradas, muito menos retiradas da carta magna.

Podemos mencionar como outros exemplos de cláusulas pétreas implícitas, reconhecidas pela doutrina, os direitos os artigos 127 e 142 da CRFB/88: “Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente (...)”; “Art. 142. As forças armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições permanentes e regulares (...)”(SILVA, 2012, p. 46)

Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal se manifesta por diversas vezes acerca do reconhecimento das cláusulas pétreas implícitas como parâmetro no limite do poder reformador:

[...]1. Com relação a emendas constitucionais, o parâmetro de aferição de sua constitucionalidade é estreitíssimo, adstrito às limitações materiais, explícitas ou implícitas, que a Constituição imponha induvidosamente ao mais eminente dos poderes instituídos, qual seja o órgão de sua própria reforma. [...] (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2006)

Neste ínterim, cabe novamente registrar que o limite material implícito tem a função, assim como os limites previstos no artigo 60, § 4º da CRFB/88, de manter a ordem constitucional definida pelo constituinte evitando alterações que possam desconstituir os principais alicerces da carta magna.

SISTEMA DE GOVERNO COMO CLÀSULA PÉTREA IMPLÌCITA


Adentrando ao mérito do presente artigo, cabe nos debruçarmos acerca da discussão recorrente e atual sobre a possibilidade da mudança do sistema de governo vigente no Brasil, o sistema presidencialista, definido pela Constituição Federal de 1988 e depois ratificado pelo plebiscito realizado em abril de 1993, previsto pelo artigo 2º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, in verbis:

Art. 2º. No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País.

O legislador constituinte acabou não dispondo taxativamente e expressamente acerca do sistema de governo presidencialista como cláusula pétrea explícita, sendo esta a discussão nuclear do presente artigo, tendo em vista que apenas resta avaliar se o presidencialismo consta como cláusula pétrea implícita, ou se o sistema de governo poderia ser alterado por meio de uma emenda à constituição.

A doutrina amplamente acata a tese acerca da impossibilidade de supressão da forma republicana de governo, bem como do sistema presidencialista, fazendo menção e assim fundamentando que a consulta popular realizada em abril de 1993 passa a corresponder à vontade expressa do poder constituinte originário, não podendo o sistema de governo passar pelo poder reformador. 

Neste sentido, avaliando que o poder constituinte deixou a cargo da vontade popular a escolha do nosso sistema e forma de governo, podemos concluir que, quando fora encerrado o plebiscito de abril de 1993, a vontade do poder constituinte fora resolvida, fazendo do país uma república presidencialista, sendo essa decisão equivalente ao texto constitucional originário.

Além da fundamentação e conclusão retro, é de fundamental importância versar que o sistema de governo presidencialista conta com eleições periódicas e diretas, ou seja, o povo vota e elege diretamente seu representante como presidente da república.

Alterar o sistema presidencialista para o sistema parlamentarista implicaria na supressão da cláusula pétrea do voto periódico e direto previsto no § 4º, II do artigo 60 da CRFB/88, uma vez que no sistema parlamentarista, a figura do chefe do governo seria substituída pela figura do primeiro ministro, este escolhido pelos parlamentares em moldes totalmente diversos dos atuais, ensejando a extinção do voto direto e periódico para presidente da república.

Neste diapasão, eliminar a participação popular direta e periódica na escolha do chefe de governo enseja numa agressão à cláusula pétrea definida no artigo 60, § 4º, II da CRFB/88, restando evidente que nosso sistema de governo é um limite material implícito ao poder reformador, uma cláusula pétrea implícita.

 CONCLUSÃO

O texto constitucional originário é base fundamental para a nosso estado democrático de direito. Mantê-lo blindado em seus principais alicerces é essencial para garantir estabilidade e segurança jurídica de toda a sociedade e suas instituições.

O legislador constituinte embora tenha previsto a possibilidade de modificar o texto constitucional, estava ciente da necessidade de preservar o alicerce de nossa Constituição Federal e, para tanto, elencou taxativamente as cláusulas pétreas do artigo 60, § 4º da CRFB/88, sendo elas fundamentais para limitar o poder reformador das emendas constitucionais.

Emendas constitucionais que versem acerca de mudanças em cláusulas pétreas podem repercutir de maneira conturbada no texto constitucional. A possibilidade de modificar o sistema de governo presidencialista para parlamentarista ofenderia o direito ao voto periódico e direto da população e a separação dos poderes, bem como ensejaria em uma reformulação de textos constitucionais originários, tendo em vista que a carta magna teria que abarcar as exigências normativas do sistema parlamentarista.


Ainda que não esteja elencado de forma explícita no § 4º do artigo 60 de nossa Constituição Federal, o nosso sistema de governo presidencialista é uma cláusula pétrea implícita, uma limitação material ao poder reformador da proposta de emenda à constituição, portanto, resta vedada a emenda constitucional tendente a modificar o atual sistema de governo presidencialista para parlamentarista.

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