Em tempos de discutida e já tardia reforma eleitoral, intensifica-se o debate para definir quem deve financiar as onerosíssimas campanhas eleitorais.
O auto financiamento é um paradoxo que todo mundo comenta, mas poucas vezes tem explicação aceitável. O que o eleitor normalmente questiona é porque um candidato gastaria de seus próprios recursos, na campanha, dezenas ou centenas de vezes o valor do salário que vai receber como governante executivo ou legislador. É compreensível que alguém com alguma reserva financeira, e com caráter ou personalidade que atribua mais valor à oportunidade de contribuir para o bem comum do que o valor que atribui ao dinheiro, resolva gastar do seu próprio bolso para ser eleito. Mas, não é infelizmente a experiência mais frequente.
Como pouquíssimos candidatos conseguem se eleger com os próprios recursos financeiros, a questão que se debate é se o financiamento das campanhas deve ser feito pelos cidadãos e pelas suas empresas privadas, ou se deve ser feito com dinheiro da fazenda pública.
Há, na raiz dessa discussão um sofisma, uma premissa falsa. A verdade é que quem paga as campanhas eleitorais, todas, é sempre o povo, é sempre o contribuinte.
Exclua-se a hipótese, que a legislação sadiamente proíbe, de financiamento feito com dinheiro vindo do exterior. A consequência é a de que o dinheiro virá de algum lugar, por algum caminho, dentro do território nacional.
Imagine-se que a opção seja pelo financiamento privado das campanhas eleitorais. A contribuição das pessoas físicas, seja pela baixa renda média do brasileiro, seja pela rarefeita convicção cultural de que é preciso investir no bem comum, não será suficiente para bancar as campanhas. A restrição do financiamento exclusivamente às pessoas físicas colocaria em sério risco, pela inviabilidade econômica, o caráter didático, informativo e esclarecedor que devem ter as campanhas. Na hipótese do financiamento privado, o que efetivamente se considera e tem relevância econômica é o financiamento feito pelas empresas, pelas pessoas jurídicas.
Mas, a finalidade da empresa, por definição e obrigação legal é o lucro. O empresário que não busque o lucro pode ser legalmente punido por gestão ruinosa. Hoje, a divulgação dos conceitos de sustentabilidade e a adesão a princípios de responsabilidade social criam exceções. Algumas atividades das empresas não visam diretamente o lucro. Visam a perpetuidade de um mundo viável em que elas próprias possam sobreviver. Mas, ninguém acredita que quando as empresas contribuem financeiramente para a campanha deste ou daquele candidato o estejam fazendo para assegurar a fluência do processo democrático e a realização do bem comum.
A realidade, para quem quiser vê-la, é a de que o financiamento de campanha é feito pelos grandes fornecedores de bens e serviços ao Estado. Há um visível conflito de interesses, em que concorrentes comerciais aos contratos de bens e serviços a serem pagos pelo Estado financiam a eleição dos governantes que vão decidir os bens e serviços a serem contratados.
Há provas evidentes de que as empresas financiadoras de campanhas agem no interesse próprio, e não a benefício do bem comum. Primeiro, é comum a mesma empresa financiar simultaneamente vários candidatos e partidos que pregam teses e programas opostos. Portanto, não é por amor ao programa.
Segundo, porque ninguém tem dúvida de que, se a legislação eleitoral proibisse o financiador de contratar com o ente público administrado por governantes cuja eleição financiou, os financiamentos privados iriam à míngua.
Terceiro, ninguém vê uma grande empresa interessada nas obras federais ou em determinada política econômica financiando a campanha eleitoral para beneficiar um município com baixo índice de desenvolvimento. Ou não se vê uma grande companhia de transporte público ou de coleta de lixo municipal fazendo contribuições para a campanha de candidatos a cargos federais. Evidentemente, agindo por interesse próprio e não pelo bem comum, a empresa privada vai colher, depois das eleições, os dividendos do investimento feito em busca do lucro.
Qualquer cidadão minimamente politizado e razoavelmente honesto intelectualmente vai concluir que isso significa encarecimento das obras e serviços públicos, e enriquecimento sem causa de um grande número de governantes eleitos. Um segundo passo nesse raciocínio necessário levará à conclusão, lógica e irrefutável, de que quem paga esse encarecimento e esse enriquecimento é o povo. O Estado não cria riqueza. Só a organiza e arrecada. O agente imediato do pagamento das obras e serviços públicos é o Estado. O agente mediato, a fonte pagadora final é o contribuinte de impostos.
A conclusão, portanto, é a de que não existe financiamento privado de campanha eleitoral. O que existe é um adiantamento de despesas que é feito por algumas empresas, que serão posteriormente ressarcidas com dinheiro público vindo dos impostos, através do sobrepreço nos contratos de fornecimento de bens e serviços.
A discussão, portanto, não deveria ser entre a hipótese de financiamento privado ou financiamento público de campanhas. A verdadeira discussão é se o financiamento deve ser feito com a liberdade de as empresas privadas escolherem os candidatos e os partidos a que o dinheiro público vai financiar, e se arrogarem o direito de antecipar os recursos exclusivamente a estes, ou se a distribuição dos recursos e os critérios de financiamento, que será sempre com dinheiro público, também deveriam ser feitos com transparência, dentro de regras previamente conhecidas e diretamente pelo Poder Público.
Não fosse por razões morais, por princípios éticos, parece evidente que só é democrático o financiamento público de campanha. Se a democracia é fundada na igualdade, cada eleitor um voto, e todos os votos com o mesmo peso, também não dispensa que se assegure a igualdade entre os candidatos no direito de competir. Não favorece ao regime democrático um sistema em que os candidatos cândidos, que estejam pensando no bem comum como um valor inegociável, percam na largada para aqueles que, em busca de financiamentos privados, estejam dispostos a assumir compromissos pouco republicanos.
Celso Cintra Mori
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