"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

quarta-feira, 1 de maio de 2013

A Democracia na Constituição Brasileira de 1988

No contexto da filosofia do direito, a análise profunda e rica em conceitos que proporciona a obra de Barzotto, vem ao encontro da necessidade de analisar as concepções existentes sobre democracia, tendo como fundamento as três dimensões que abarcam esse regime político: quem governa, como governa e para quem governa.

O objetivo central da obra de Barzotto é analisar os modelos clássicos de democracia e sua relação ou compatibilidade com a Constituição brasileira de 1988, que sendo esta uma constituição teleológica, deve ser entendida como democracia deliberativa. O pensamento de Kelsen, Aristóteles e Rousseau sobre o tema é a base para analisar três modelos e suas interpretações sobre a democracia contemporânea.

O texto abaixo se concentra na reflexão que Barzotto dedica a dois capítulos de sua obra e que levam à análise das concepções de democracia para finalmente alcançar a análise da democracia na Constituição brasileira de 1988.

Parte I

1 Democracia: Conceito e Concepções

O conceito de democracia, tradicionalmente, um objeto de filosofia política, ao fazer parte do texto constitucional, torna-se um conceito jurídico. Em termos gerais, a democracia é vista como um regime de governo, mas a presença desse conceito nos textos constitucionais exige uma interpretação que elucide seu significado jurídico.

O conceito de democracia só pode ser interpretado mediante uma determinada concepção de democracia. É necessário, portanto, analisar a distinção entre conceito e concepção. O conceito é representado pelas "proposições mais genéricas e abstratas" sobre um fenômeno, ao passo de que as concepções consistem em "refinamentos mais concretos ou subinterpretações dessas proposições mais abstratas".

 Barzotto se baseia na Constituição Brasileira de 1988 como referência do constitucionalismo contemporâneo e parte para uma análise do conceito de democracia com base no método de Dworkin, para o qual, o conceito de democracia só pode ser interpretado mediante uma determinada concepção de democracia.

Em termos conceituais, Barzotto assumir o conceito de democracia proclamado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln: a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Neste sentido, uma concepção de democracia deve explicar três elementos: O sujeito da democracia (Quem governa? Governo do povo); Funcionamento da democracia (Como se governa? Governo pelo povo); Finalidade da democracia (Para quem sem governa? Governo para o povo). O texto analisará ainda três concepções de democracia:

- Concepção Plebiscitária: Rousseau

- Concepção Procedimental: Kelsen

- Concepção Deliberativa: Aristóteles

Sem querer interpretar cada um dos autores, a idéia de Barzotto é extrair o que cada um considerava relevante para a formação de uma concepção de democracia com base na tradição ocidental e no do tripé que conforma esse regime político: Quem governa? Como se governa? Para quem se governa?

Com base na concepção plebiscitária de Rousseau a democracia é o governo da vontade geral. O ser humano é concebido como cidadão. O poder do povo é incontestável, ele é soberano e não está limitado pelo direito. O povo decide as questões mais importantes, não pode errar e não pode desejar o mal a si mesmo. A lei é a expressão da vontade do povo e ela não pode ser injusta.

Segundo Kelsen e sua concepção procedimental a democracia é o governo da maioria. O ser humano é auto-interessado e anti-social (sua vontade colabora para formar a vontade do Estado). Impera o ideal da legalidade dado que este protege a minoria da maioria e a maioria de si mesma. O direito positivo é produto da maioria ou de um conjunto de interesse de todos. A idéia de bem comum é irracional, pois a maioria decide o que deve ser o bem.

A concepção deliberativa defendida por Aristóteles ressalta que a democracia é o governo dos muitos. A pluralidade dos pontos de vista sobre bem comum que comunicados no debate público dão à democracia uma caráter deliberativo, racional. O homem é concebido como um animal dotado de logos (palavra/razão). Cabe à democracia canalizar os diversos pontos de vista e argumentos para deliberar coletivamente. O direito é produto da razão prática.

1.1 A democracia e a constituição

Sendo a democracia um modo de exercer o poder político, parece apropriado relacioná-la à constituição a partir do conceito de poder. Desse modo, para nossos fins, assumimos que a constituição consiste na organização fundamental do poder em determinada comunidade.

Barzotto estabelece a relação "complexidade das constituições" e "’grau de organização do poder", classificando as constituições em três espécies:

Constituição mínima: limita a indicar o titular do poder político ou simplesmente responder a questão "Quem governa?" Ao determinar quem governa, define-se o tipo de regime: monarquia, aristocracia, oligarquia, etc. Onde há um regime, existe uma constituição. Para Aristóteles, a constituição mínima simplesmente aponta o sujeito do poder.

Constituição formal: Indica quem e de que modo o poder deve ser exercido. Conjunto de normas que regulem o exercício do poder. Para Kelsen, a constituição é senão "a norma positiva ou normas positivas através das quais é regulada a produção de normas jurídicas gerais". Para Aristóteles, a constituição formal indica a causa formal do poder – o modo pelo qual este deve ser exercido. Outro nome pode ter a constituição formal: constituição normativa (sistema de normas que se impõe ao poder).

Constituição finalística: Indica quem exerce o poder, de que modo e qual é a sua finalidade. Este tipo de constituição revela a natureza finalística do Estado, como por exemplo, Roma: expansão por meio da guerra; China: navegação, etc. A tese do caráter finalístico das constituições (leis), foi discutida no Brasil por Canotilho, com base no pensamento de Montesquieu, e apresenta um outro tipo de constituição finalística: a constituição "teleológica", que impõe um certo ideal de boa vida explicitado na enumeração constitucional dos direitos fundamentais.

A obra de Barzotto propõe uma interpretação da democracia constitucional contemporânea nas constituições teleológicas, como é o caso da Constituição Brasileira de 1988.

2 O sujeito da democracia: o governo do povo

Barzotto esclarece que parece simples responder à pergunta "Quem governa?"e neste caso a resposta seria "o povo". Porém, o conceito de povo pode ser interpretado de vários modos.

- Concepção holista: O homem é um ser social, é produto da sociedade e existe em função dela. O povo é dotado de vontade própria e deve se adequar ao todo social. O Estado é o órgão do todo e não se diferencia do povo.

- Concepção individualista: Esta concepção foi difundida com o jusnaturalismo moderno. O homem é concebido como um ser pré-social e como um ser de carências, sua ação é compreendida na perspectiva da satisfação de suas necessidades. O melhor modelo de interação entre os indivíduos que melhor representa este tipo de sociedade é o mercado por meio do qual os indivíduos podem buscar a maximização do seu bem-estar.

Concepção comunitarista: A identidade do ser humano depende da sua adesão a um bem ou a um complexo de bens. Cada ser humano tem sua identidade dependente dos bens que orientam a sua ação. Fora da busca destes bens, não há existência humana. A escolha desses bens acaba por constituir as comunidades das quais ele participa. No caso da comunidade política, sua existência depende do consenso em torno do bem de todos, do bem comum.

3 O funcionamento da democracia: o governo pelo povo

A democracia, para realizar-se como governo pelo povo, não pode existir em um vácuo jurídico, afirma Barzotto. Existe a necessidade de obedecer a certos parâmetros ou formalidades que viabilizem a existência de assembléia do povo. A democracia necessita do direito para estruturar-se como regime de governo e as decisões democráticas tendem a expressar-se na forma de lei, que determinada pelo povo deve ser o guia das decisões sobre os casos concretos. A democracia possui uma estreita relação com a estrutura jurídico-política do chamado "Estado de Direito", que tem seu fundamento com base nos princípios da legalidade, igualdade de forma e justicialidade.

- Princípio da legalidade (se identifica com o comando do soberano): Segundo Hobbes, a lei é um mandato daquele ou daqueles que têm o poder soberano, dado àquele ou àqueles que são súditos, declarando pública e claramente que pode fazer cada um deles e do que deve abster-se de fazer. A lei é, portanto, a regra última do que o súdito deve ou não fazer. Neste sentido, o soberano legaliza os comportamentos, garante a ordem e a paz, protege os súditos de outros súditos. A legalidade é fundamental para Kant, sem ela não pode haver Estado. A lei sendo emanada do povo não pode ser injusta para o povo, pois ninguém é injusto para consigo mesmo.

- Princípio da igualdade: os súditos são iguais perante o soberano. Todos estão submetidos às leis emanadas destes. Quem não obedece a essas leis é considerado inimigo público pois a desobediência à lei instala o estado de natureza, o estado de guerra de todos contra todos, a anarquia e o caos.

- Principio da justicialidade (decisionismo): como legitimar as decisões dos juizes face à decisão do soberano incorporada à lei? È preciso que o soberano seja considerado o juiz supremo e o juiz de cada caso, pois o decisionismo não possui critérios para harmonizar decisões. O juiz é uma materialização do soberano. O juiz deve ater-se às leis estabelecidas e não pode, sob nenhuma hipótese, fundar-se em outro princípio que não a lei.

4 A finalidade da democracia: o governo para o povo

A democracia tem por finalidade o bem do povo, que merece também a compreensão de três concepções:

- Concepção coletivista: a democracia deve buscar o bem do povo considerado com ente coletivo, a parte e acima de seus membros.

- Concepção holista: o indivíduo não possui autonomia perante a sociedade. Não há um bem para o indivíduo como tal. Existe o bem do povo considerado como um todo, sendo este o critério máximo de ação social. O cidadão enquanto membro do povo não possui critério racional para determinar o bem do povo, deve-se, portanto, imaginar, a existência de um órgão do todo social para dizer a vontade do povo.

- Concepção individualista: o povo é um agregado de indivíduos, portanto, as metas devem ser coletivas, sendo o bem do povo o bem da maioria. É impossível conhecer o bem, uma vez que ele depende de escolhas arbitrárias de sujeitos.

- Personalismo: é a concepção de democracia que concebe a sociedade como uma comunidade voltada à realização da pessoa humana como tal. O bem comum se coloca como finalidade da sociedade e consiste no conjunto partilhado de bens que permitem a cada um dos seus membros alcançar a plena realização humana. Essa distribuição de bens, no mundo moderno, se dá mediante atribuições aos membros da comunidade de direitos que vincula os bens da comunidade (igualdade, liberdade, segurança, saúde, educação) a seres humanos concretos.

Em geral, conforme afirma Barzotto, o bem comum só pode ser conhecido mediante a deliberação conjunta. Se o bem comum é o bem de todos, todos devem participar na sua determinação. O processo deliberativo não pode ser ignorado.

Parte II

1 A democracia na Constituição de 1988

O conceito de democracia aparece na Constituição de 1988 como elemento central da nova ordem constitucional. Considerando os modelos de democracia apresentados anteriormente, a proposta é interpretar a democracia na Constituição Brasileira como uma democracia deliberativa. Vale lembrar que, o sujeito da democracia é o povo (comunidade), o funcionamento da democracia é regido por uma concepção institucionalista do Estado de Direito e a finalidade da democracia é o bem comum como um bem de todos.

1.1 O sujeito da democracia na Constituição de 1988

O parágrafo único do art. 1º da Constituição dispõe que "Todo poder emana do povo, que exerce por meio de representante eleitos ou diretamente, nos termos dessa Constituição". Barzotto questiona, portanto, quem é o povo a que se refere o constituinte como sujeito de poder?

A expressões da carta constitucional levam a conclusão de que a interpretação mais adequada do conceito de povo passa pela concepção de povo como uma comunidade de pessoas humanas. A Constituição de 1988 estabelece um "bem comum" que se impõe como finalidade ou objetivo para a sociedade e o Estado. As relações no interior da comunidade é pautada pelo que Aristóteles chama de "amizade" (relação objetiva baseada em um a visão comum de bem).

O constituinte brasileiro utiliza expressões que se aproximam da "amizade" aristotélica, são elas, "fraternidade" (Preâmbulo) e "solidariedade" (art. 3º, I). A fraternidade expressa o ideal de igualdade próprio à democracia. A medida que a constituição configura o povo como comunidade, a interpretação de fraternidade é reforçada pelo emprego do termo "solidariedade" que, neste caso, assume o significado de responsabilidade pelo bem alheio.

Para Barzotto, também é importante pensar o conceito de ser humano. Somente com o conceito de pessoa humana introduzida pelos debates teológicos nos primeiros séculos, e presente na Constituição Brasileira (art. 1º, III), é que o ocidente definiu uma determinada concepção de ser humano que o marcou até o presente. Esses debates levaram à determinação do conceito de pessoa humana (dogma da Trindade) e à consciência da sua dignidade (dogma da Encarnação). A pessoa humana é, assim, um ser irredutível na sua singularidade e individualidade, ao mesmo tempo em que é essencialmente relacional ou social. Assumir o ser humano como pessoa significa excluir a concepção holista de povo, que nega uma dimensão individual irredutível no ser humano. A sua dignidade é afirmada, pois não pode ser impedida, sob nenhum pretexto, de auto realizar-se na verdade e no bem (...).

Barzotto afirma: "O povo é, assim, na constituição brasileira, uma comunidade de pessoas humanas. A partir dessa determinação do sujeito da democracia, podemos afirmar que a democracia constitucional brasileira deve ser compreendida como democracia deliberativa, por duas razões." Primeiramente, o povo constitui uma comunidade, voltada para o bem comum (caráter racional à democracia). Segundo, ao assumir o povo como uma comunidade de pessoas humanas, a democracia deliberativa é exigida, porque somente um processo político baseado na razão está em conformidade com a dignidade da pessoa humana, ser racional.

Em resumo, "a democracia constitucional brasileira é, assim, uma democracia deliberativa na medida em que somente um regime baseado na deliberação, na razão prática, está em conformidade com a concepção de povo como comunidade de pessoas humanas".

1.2 O funcionamento da democracia na Constituição de 1988

A democracia só funciona mediante um Estado organizado juridicamente, um Estado de Direito (art. 1º, CF). Em uma democracia deliberativa o direito deve estar ligado à razão prática. O direito é algo racional, inteligível, na medida em que está ligado à noção de justiça. As relações entre as pessoas, a sociedade e o Estado passam ser pensadas em termos de justiça (dar a cada um o lhe é devido – tradição clássica).

A interpretação constitucional necessita, portanto, de uma teoria da justiça. Deve ser esclarecido, portanto, o conceito de justiça social. Este conceito foi utilizado para refletir o conceito de "justiça legal" de Aristóteles e Tomás de Aquino, e visa o bem comum como objeto próprio, determina os deveres dos cidadãos e dos governantes em relação à comunidade. É chamada de "legal" pois o que é devido à comunidade vem estabelecido, em geral pela lei. A justiça legal é chamada de "social" pois determina à sociedade como um todo para que esta possa realizar seu fim, o bem comum.

Para Barzotto, a justiça social não esgota o conceito de justiça. No que se refere ao bem de uma pessoa singular, convém que exista uma justiça particular que ordene imediatamente o homem a respeito do bem de outra. A justiça particular dá a cada um o que é seu em consideração ao bem comum. Em suma, tem-se que:

a) Justica social: devido diretamente à sociedade e indiretamente aos indivíduos (noção de ordem)

b) Justiça particular: devido diretamente aos indivíduos e indiretamente à sociedade (noção de igualdade). No âmbito da Justiça Particular é possível se deparar com a justiça distributiva e a comutativa:

Justiça distributiva: tem como objetivo manter a igualdade proporcional entre os destinatários da distribuição (repartião de encargos, impostos). A idéia é manter a igualdade proporcional à realidade dos destinatários. Constituição Federal: Art. 7º (Direito dos trabalhadores urbanos e rurais); Art. 201 (Previdência social – beneficios segundo o critério de distribuição); Art. 203 (Assistência social prestada a quem dela necessitar).

Justiça comutativa: regula as trocas que se realizem entre duas pessoas. Ex: contratos. Busca-se a igualdade numérica, a equivalência entre a prestação e a contraprestação (relações voluntárias) e dano e indenização (relações involuntárias). Constituição Federal: Deveres para o poder público: Art. 5º, XXIV (justa e prévia indenização em caso de desapropriação); Inciso LXXV (indenização por erro judiciário). Deveres para particulares: Art. 5º, X (direito à intimidade, a honra e a imagem, vida privada – violar estes direitos pode incorrer em indenização).

A importância dos conceitos refletidos acima está relacionado à diferenciação que se pode dar ao Estado Democrático de Direito do ponto de vista da teoria da justiça clássica, do Estado Liberal e do Estado Social. No Estado Liberal, o contrato é a base da vida social (justiça comutativa), enquanto no Estado Social, a distribuição da riqueza é gerada pela acumulação de capital (promove a justiça distributiva). Já o Estado Democrático de Direito dispõe dessas duas últimas concepções de justiça e se baseia na justiça social, que tem por finalidade o bem comum e o bem da pessoa humana.

O texto constitucional brasileiro elege uma concepção institucionalista do direito, fundada na justiça, o que impõe o modelo deliberativo de democracia. Para Barzotto, uma constituição que concebe o direito em termos de justiça, para efetivar o Estado de Direito é necessário um exercício constante da razão prática, que para Aristóteles, é o que permite determinar o justo e o injusto. A consideração institucionalista da constituição brasileira é reforçada pelo rol de valores elencados no Preâmbulo e em todo texto constitucional: liberdade, segurança, bem-estar, desenvolvimento, igualdade, justiça, solidariedade, justiça social, função social, etc. Portanto, a democracia deliberativa é o regime em que o conteúdo dos valores são determinados pelo povo em deliberação conjunta.


Três são os princípios que estruturam o Estado de Direito:

- Igualdade: na Constituição de 1988 a igualdade é considerada um conceito complexo. O direito à igualdade (art. 5º) altera-se de acordo com as relações de justiça na qual o indivíduo está concretamente inserido. O direito à saude, por exemplo, pode levar a exigência de uma igualdade numérica caso este direito estiver vinculado a uma relação de justiça comutativa, como por exemplo, por meio de um plano de saúde. A igualdade como valor, a partir da idéia de dignidade de todas as pessoas humanas, deve-se fazer as diferenciações exigidas pela justiça nos casos concretos.

- Legalidade: não é vista de modo formal no Estado de Direito do institucionalismo. O valor legalidade não se vincula aos ideiais de segurança e certeza como no liberalimo, mas sim à expressão de justiça que encontra seu fundamento último na constiuição. Os atos em conformidade com a lei são exigidos por razões de justiça, sendo a lei o objeto mais apropriado para impor as exigências.

- Justicialidade: continuação do processo deliberativo democrático. O juiz não pode pensar sua atividade como mera adesão a normas positivadas, mas está obrigado a dar continuidade a discussão democrática que se expressa nas leis e decretos dos poderes legitimados pelo voto popular.

1.3 A finalidade da democracia na Contituição de 1988

A Contituição Brasileira de 1988 é um constituição teleológica. Ela determina certos bens como finalidade da sociedade e do Estado. Barzotto afirma que para Dworkin, a constituição brasileira não é liberal e a democracia brasileira também não o é. Ela é neutra acerca do que é a vida boa para o ser humano e contém uma determinada concepção de vida boa.

Afirmar no texto constitucional a dignidade da pessoa humana equivale a afirmar que o ser humano é merecedor ou credor dos bens necessários para que ele alcance a vida boa como pessoa, isto é, como ser concreto, individual, racional e social. Esses bens necessários à vida boa são chamados de valores e integram o bem comum. Os valores formam o conteúdo dos deveres de justiça social. Os bens, quando referidos às pessoas são chamados de "direitos". Dizer que a liberdade é um valor, é o mesmo que dizer que o bem liberdade consititui uma meta para a ação coletiva. A realização dos valores "supremos" é a condição para a realização dos "direitos sociais e individuais" – finalidade última do Estado Democrático.

Em termos gerais, a pessoa humama é um ser relacional ou social. Para ela, são valores a fraternidade e a solidariedade. Cada pessoa, formando um todo, é igual na sua essência, a outra pessoa humana. Daí a igualdade ser definida como um direito (art. 5º, caput) e como um valor (Preâmbulo).

Em termos conclusivos, Barzotto afirma que se o processo democrático está vinculado a um determinado telos, e esse é, em última instância, a vida boa para todo ser humano, estão excluídos o enfoque plebiscitário de democracia (que visa ao bem do todo e não o bem de todos – todos os direito estão à mercê da decisão popular) e o procedimental (noção de bem comum e bens pontuais negociados em torno de interesses).

Recorrendo ao pensamento de Aristóteles, o bem não é unívoco, mas é plural, o que significa tanto que existem várias espécies de bens (físicos, morais, intelectuais), como o fato de o mesmo bem ser vivido de maneiras distintas em situações distintas. É devido ao caráter plural que o bem, apesar de objetivo não exclui, mas exige a deliberação. A deliberação sobre o bem, portanto, deve conter mais ampla participação possível. Ela deve ser, portanto, democrática.

No que concerne ao Estado Democrático de Direito, Barzotto conclui que a finalidade do governo tem uma natureza personalista. Há um dever de todos na plena realização dos seres humanos entendidos concebidos como pessoas.

Ana Jamily Veneroso Yoda
Economista – Universidade Católica de Brasilia
Mestranda em Direito das Relações Internacionais – Uniceub- Brasília
anajamily@yahoo.com.br

Barzotto, Luís Fernando. A Democracia na Constituição Brasileira de 1988
São Leopoldo: UNISINOS, 2003. p. 9-38 e 175-207

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