Diego Vasconcelos
O problema carcerário
Por que temos prisões? Pode parecer uma pergunta óbvia, mas
muitas pessoas tendem a se esquecer da resposta. Existe em nossa sociedade,
principalmente em sua fatia mais conservadora, um impulso de que a prisão deva
ser o inferno na terra, a punição terrena sobre aquele pecador subjugado às
leis dos homens.
Antes de mais nada, é importante esclarecer aqui que eu
(assim como qualquer humanista secular) não defendo “bandidos e assassinos”.
Ninguém aqui quer jogar as vítimas e suas famílias para o lado e colocar os
criminosos num pódio, dando-lhes atenção e caridade. Pode parecer incrível, na
mente de conservadores, que nós não estamos do lado dos fora da lei, e apenas
queremos que o combate ao problema seja feito com seriedade, encarando as
causas e pensando em soluções que funcionem.
Sobre as prisões.
Quando pesquisamos a fundo, lembramos que
o objetivo das prisões é muito mais simples e pragmático do que a maioria das
pessoas pensam. Uma prisão serve apenas para afastar um indivíduo que não está
apto (seja por uma deficiência moral ou psicológica) para viver em sociedade.
Nada mais que isso. Como um “cercado” num jardim de infância, para onde as
crianças malcriadas são mandadas para não incomodarem os adultos ou os colegas.
A ideia é que a criança deixe de malcriações e, depois de um tempo isolada,
possa voltar para conviver com os colegas.
Agora nos voltemos para as nos nossos presídios e no que as
pessoas pensam sobre eles. Nossas prisões, assim como na maioria dos países,
são lotadas, sujas, mal conservadas, mal guardadas e insuficientes, em todos os
sentidos, para a demanda do país. Nos presídios mais afastados, os funcionários
não são treinados para reagir adequadamente em cada situação. Assassinos,
estupradores e psicopatas, convivem, as vezes no mesmo cubículo, com ladrões
leves, jovens e pequenos traficantes. Muitas vezes, as prisões podem ser
consideradas como graduações da ilegalidade, pois um jovem que cometeu um
delito leve pode aprender muito sobre a vida do crime passando alguns meses com
doutores no tema. Basta assistir qualquer reportagem ou documentário sobre as
nossas prisões para entender que muitas podem superar o purgatório no quesito
sofrimento. Até os conservadores/pessoas de bem concordariam com isso.
Muitas pessoas, ao olhar para a situação das prisões, acham
correto, dizem que “tem que ser assim mesmo”, pois, segundo elas, a punição é
justa e o sofrimento é um tempero que os detentos têm que experimentar. É aí,
justamente aí, que eles erram. Esquecem-se do objetivo das prisões. Deixam suas
emoções e sentimentos passarem por seus julgamentos. Eles não percebem que com
esse pensamento, e nesse sistema carcerário, o problema só vai aumentar. Poucos
que entram nos presídios vão sair de lá reabilitados, prontos para se inserir
na sociedade. É por isso que, de 2004 a 2014, a taxa de presos no país (um
preso para cada 100 mil habitantes) subiu de 135 para 306,2. Com 602.202 mil
(sendo que 40 mil tinham entrado apenas no ano anterior a pesquisa), o Brasil
tem a quarta maior população carcerária do mundo.
O modelo nórdico
Ao olharmos para alguns países de 1º mundo, vemos que nem
todos servem como bons exemplos nesse
assunto (EUA tinham mais de 2,2 milhões de presos em 2013 e 730 prisioneiros
por 100 mil habitantes). Podemos, por outro lado, olhar para países que, apesar
da população pequena, têm bons índices de reabilitação. Os melhores exemplos
são Noruega (73/100 mil), Suécia (70/100 mil), Dinamarca (74/100 mil) e
Holanda(87/100 mil).
O que esses países fazem para conseguir esses resultados? A
diferença se dá muito mais na forma como os governos investem em educação e
como gerem seus sistemas carcerários, do que em diferenças culturais ou
predisposições étnicas. Enquanto nossa visão é de que as prisões devam ser
purgatórios para onde enviamos os delinquentes, lá, são centros de
reabilitação, onde os presos são reeducados e suas deficiências são reformadas,
para que possam voltar a sociedade.
Vamos olhar o caso da Noruega.
Neste país, a pena máxima,
que qualquer um pode pegar, é de 21 anos. Eles consideram esse tempo suficiente
para se reabilitar qualquer um. Dependendo do comportamento do preso, das
avaliações dos psicólogos, e do crime que ele cometeu, a pena pode ser
atenuada. Se, por outro lado, o criminoso for um psicopata, assassino e não se
reabilitar para o convívio social, a pena pode sofrer prorrogações consecutivas
de cinco anos, até que a reintegração do indivíduo seja comprovada.
Duas prisões do país, Halden e Bostoy, são consideradas de
luxo, e, se não fosse a privação de liberdade, poderiam ser confundidas com
lugares para se passar as férias. Nelas, os presidiários têm quartos
individuais, cozinhas, TVs e geladeiras. Muitos recebem, ou compram,
ingredientes e preparam suas próprias refeições. As prisões têm bibliotecas,
sala de música e ginásios. Muitos considerariam suas acomodações melhores do
que muitas repúblicas para estudantes. Inclusive, só se chega no presídio de
Bostoy (que fica numa ilha) através de uma balsa, conduzida por presidiários. Vale
ressaltar que a maioria dos presídios do país não tem a maioria dessas
regalias, mas todos, de fato, são considerados humanos, pois são limpos,
espaçosos e com a mesma política de correção educacional e cultural do
indivíduo. Podemos dizer, na linguagem de Rachel Sheherazade, que a Noruega
adota seus bandidos.
É importante dizer que, pasmem, o país nórdico não gosta de
seus presos. O governo não investe nesses presídios e nesse sistema porque tem
dó dos presidiários, ou quer “passar a mão na cabeça de bandidos”. Eles
investem nesse sistema porque ele funciona. A Noruega segue a lógica, que
mostrei no começo do texto, de que o sistema carcerário deve focar na
reabilitação do criminoso. Isso, não pelo preso em si, mas por todos,
principalmente pelos não-presos. Eles acreditam que a reabilitação do criminoso
é um assunto de segurança pública, com consequências que refletem em toda a
sociedade. A reabilitação é incentivada com um sistema progressivo de
privilégios, o que mostra a preocupação do sistema em fazer com que, ao sair, o
indivíduo possa voltar a trabalhar, ter uma família e viver como qualquer
cidadão.
Os resultados são visíveis.
O país tem índices baixíssimos
de criminalidade e altíssimos de reinserimento de presidiários na sociedade. A
taxa de reincidência é de apenas 20%, enquanto Brasil chega a 46,03%.
Considerando a diferença abissal da relação de presos/habitantes entre os dois
países, vemos como a nossa situação é perturbadora. Hoje a Noruega serve como
exemplo com seu sistema carcerário.
Outros países como a Holanda e a Suécia também estão obtendo
ótimos resultados com essa política. Inclusive, a Holanda têm recebido presos
da Noruega por sobra de vagas. A Suécia fechou 4 presídios nos últimos anos, e
tende a fechar ainda mais.
Conclusão
Os resultados são óbvios. Tão óbvios que nos perguntamos por
que isso não acontece aqui. Os motivos são variados. Temos em nosso país,
enraizado em seu sistema educacional, uma cultura da impunidade e do incentivo
ao crime. Além disso, temos em vigência uma cultura conservadora e hipócrita,
que condena os infortunados e os pobres enquanto despreza qualquer política que
vise prevenir e solucionar a criminalidade, como a posição da bancada da bala
sobre a legalização da maconha e do aborto.
A questão é, deixando a emoção e o sentimentalismo de lado,
e por mais difícil que seja em alguns casos, devemos encarar os presidiários
como seres humanos, passíveis de erros e acertos como qualquer um. Em sua
maioria, são capazes de se reeducar, se reformar, voltar a sociedade e viver
como todos nós. Assim como qualquer cidadão que passa por uma fase (com álcool
ou qualquer vício lícito), muitos podem superar seus problemas, se arrepender
genuinamente, e passar a frente diversas lições de vida para jovens e crianças,
podendo preveni-los contra o mundo das drogas e do crime.
No momento, em nosso país, devido a essa cultura
conservadora e hipócrita, estamos a anos-luz de chegar em qualquer patamar
próximo aos exemplos nórdicos. Mas podemos votar em políticos com agendas mais
progressistas e humanas, imaginando que um dia possamos ter uma população
carcerária menor, com um sistema mais justo e coerente. Acompanhando os
desfechos das últimas eleições, e o direcionamento dos políticos mais poderosos
do congresso, podemos imaginar que num século, talvez consigamos esses
resultados.
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