"Nós, os monarcas, somos incontestavelmente constantes em um mundo em constante transformação. Pelo motivo de termos estado sempre aqui, mas também por não nos envolvermos na política cotidiana. Estamos informados das mudanças políticas que acontecem em nossas sociedades, mas não fazemos comentários sobre isso. É nisso que assumimos uma posição única. Nenhum dos outros monarcas europeus interfere na política."

Margarethe II, Rainha da Dinamarca

sábado, 26 de novembro de 2016

Política e Constituição: mandatos para juízes de cortes constitucionais


O segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff se iniciou com a promulgação da “PEC da bengala”, emenda constitucional que, ao ampliar a idade de aposentadoria compulsória, pôs fim a expectativa de que ela nomeasse, até o fim de seu governo, mais cinco ministros do Supremo Tribunal Federal – inclusive dois dos últimos três que não foram nomeados por um presidente do PT.

Diante do impeachment, já se especula sobre a possibilidade de, apesar da postergação da aposentadoria compulsória desses ministros para depois do fim de seu mandato, algum dos atuais ministros se aposente voluntariamente, possibilitando a nomeação de um ou mais ministros pelo PMDB, que atualmente domina também a Câmara e o Senado.

O último ano do governo Barack Obama foi marcado pela morte súbita de Antonin Scalia e, consequentemente, a surpreendente possibilidade de, ao nomear um sucessor para sua vaga na Suprema Corte, garantir uma maioria de juízes liberais (nomeados por presidentes do Partido Democrata). Possibilidade obstruída pela maioria Republicana no Senado, que se recusou a sequer sabatinar e votar a nomeação de Merrick Garland, candidato indicado por Obama em março de 2016.

Com eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, antes mesmo do início de seu mandato, já se especula sobre quem ele nomeará para a vaga ainda aberta de Scalia, bem como sobre que outras vagas poderão se abrir durante o seu governo, considerando a idade avançada de alguns dos juízes liberais e o fato de o Partido Republicano controlar a Presidência, a Câmara e o Senado.

A centralidade desse tema para campanhas eleitorais, mandatos presidenciais e para a vida política dessas duas democracias constitucionais chama a atenção. Sua importância é produto, simultaneamente, do sucesso e de fracassos do direito constitucional e, por isso, requer maior reflexão.

A Constituição é produto da política. Ela estrutura a política e a política é capaz de influenciar o significado de normas constitucionais. Portanto, não surpreende que a briga pelo controle do seu significado seja uma disputa política fundamental. No entanto, o desenho específico da jurisdição constitucional, especialmente dos poderes, duração dos mandatos e forma de nomeação dos juízes de tribunais constitucionais, pode aumentar ou diminuir a sua influência e a radicalização política em torno de sua escolha.

Dependendo de certos fatores, o direito constitucional, ao estruturar os contornos do debate político pode diminuir a radicalização da política ou limitar a radicalização a certos pontos – enquanto mantém outros fora de debate. No entanto, sob certas condições, pode ocorrer o contrário: haver consenso sobre boa parte da política, mas uma disputa fundamental sobre a permanência ou sobre o significado de um dos pilares de uma ordem constitucional. Isso pode ocorrer em período de calmaria sobre outras questões políticas e econômicas e, nesse caso, o debate político pode ser dominado por esse conflito constitucional. Mas isso também pode ocorrer em períodos de intenso debate sobre questões não constitucionais, situação em que, a mistura do debate político constitucional com o debate político infraconstitucional pode impedir que a Constituição faça uma de suas funções: domesticar a disputa política.  

Funções Constitucionais

Constituições podem fazer muitas coisas, mas, independentemente das múltiplas escolhas individuais que podem ser feitas pelos constituintes, de maneira geral, constitucionalizar uma decisão política significa retirar essa questão do debate legislativo normal e, com isso, da política eleitoral ordinária.

O que isso implica na prática?

Em um sistema em que alterar o texto da constituição exige uma supermaioria, tudo aquilo que foi constitucionalizado está, até certo ponto, imune de decisões tomadas por maiorias políticas, tanto aquelas existentes no eleitorado como, em sistemas não perfeitamente proporcionais, aquelas existentes no legislativo.

Essa é, de certa maneira, a função primordial de uma Constituição.

Afinal, ao se estruturar o espaço de conflito político, a primeira garantia que deve ser assegurada é a de que as regras estabelecidas para essa disputa não serão simplesmente alteradas em benefício próprio por quem quer que tenha vencido a última eleição.

Garantir o poder de uma minoria bloquear alterações nas regras eleitorais é garantir que, perdendo ou ganhando uma eleição, a não ser que mudanças sejam em benefícios de todos, a próxima disputa se dará pelas mesmas regras.

Nesse sentido, a Constituição, por definição, protege minorias políticas ao garantir a estabilidade da disputa eleitoral.

No entanto, normalmente, Constituições não regulam apenas o jogo eleitoral. Fazem mais. Dão essa mesma garantia supermajoritária a outras escolhas políticas substantivas que tenham sido constitucionalizadas. Ou seja, garantem esse poder de veto de uma minoria política, não só em relação a mudanças das regras do jogo, mas também em relação a mudanças quanto a algumas – por vezes, muitas – escolhas políticas substantivas.

Note-se que, nesse sentido, não há nenhum julgamento de valor sobre os méritos ou deméritos dos interesses dessas minorias. “Minorias” podem ser ou não ser grupos tradicionalmente oprimidos em uma sociedade. Nesse sentido, a proteção pode ser ou não ser em benefício da sociedade como um todo e dos grupos mais desfavorecidos econômica e socialmente. Ao garantir o statu quo, o poder de veto de uma minoria pode impedir transformações radicais de uma sociedade para o bem ou para o mal.

Uma cláusula pode garantir um direito fundamental a uma minoria oprimida, mas pode também garantir um privilégio a uma minoria opressora. Em qualquer caso, a garantia impede que uma mera vitória eleitoral. Mesmo uma maioria eleitoral que tenha garantido o domínio de um mesmo projeto político sobre a Presidência, a Câmara e o Senado (em um sistema presidencialista bicameral, em que esse feito já é naturalmente mais difícil) pode ser incapaz de alterar o texto da Constituição, ou transformar radicalmente a sua interpretação por meio do judiciário.

Muitas vezes, esse pode parecer um custo muito alto a pagar. Especialmente para aqueles que acreditam em um projeto político transformador que traria grande benefício para a sociedade. Mas esse é o preço que se paga para que cada eleição não seja uma disputa de vida ou morte. Para que, ao retirar certas coisas do controle de uma maioria eleitoral, seja possível admitir uma derrota com a tranquilidade de que certas instituições e garantias são estáveis o suficiente para que se viva normalmente sob um governo com o qual se discorde (mesmo que, radicalmente), enquanto se prepara para disputar as próximas eleições.

Mais concretamente, são essas garantias que permitem que os proprietários dos meios de produção não peguem em armas ou abandonem o país diante de uma vitória de um partido comunista em uma democracia constitucional que proíba a expropriação, bem como que minorias étnicas, religiosas, sexuais ou nacionais não temam por sua vida e segurança, pegando em armas ou abandonando o país, diante de uma vitória de uma partido de direita radical, em uma democracia constitucional que lhes garanta certos direitos fundamentais.

Mais concretamente ainda, é essa função Constitucional que permite que cidadãos americanos potencialmente afetados por algumas das medidas radicais anunciadas por Donald Trump em sua campanha presidencial tenham fé de que as instituições os protegerão.

Mas, há um outro lado dessa moeda:

São também essas garantias que permitem que certos eleitores Republicanos que rejeitam completamente algumas dessas mesmas medidas radicais, confiantes na sua impossibilidade constitucional, tenham votado em Trump para a presidência.

Ou seja, para o bem e para o mal, essa fé nas instituições constitucionais, protege minorias diante da eleição de um governo radical, mas também permite que, em certa medida, em vista da possibilidade do “voto múltiplo” (que explico em seguida), eleitores não radicalizados votem em um partido e coloquem no poder um governo defensor de posições radicais, mesmo sem concordar especificamente com elas.

Há aí um grande perigo: de que mesmo sem uma maioria substantiva nesse sentido, certas opções de desenho constitucional permitam que um governo eleito sem um mandato efetivo para mudar os pilares fundamentais da ordem constitucional seja capaz de, direta ou indiretamente, fazer exatamente isso.

Discutir tais opções de desenho constitucional é fundamental, e é esse o objetivo final deste artigo.

No entanto, antes disso, é preciso ter claro o que se entende por “voto múltiplo”, bem como debater a possibilidade de que um governo seja de fato eleito para mudar os pilares da ordem constitucional.

Passo agora a esses dois pontos.

Voto Múltiplo

O que eu chamo de “voto múltiplo” é basicamente o seguinte: votar em um candidato é votar em muitas coisas ao mesmo tempo. Isso parece óbvio, no entanto, o fato de que, normalmente, o eleitor não concorda com todas as opções defendidas pelo “seu” candidato, mas o elege mesmo assim, merece destaque.

Isso pode ocorrer em maior ou menor grau dependendo do sistema eleitoral. Um sistema proporcional não distrital – ou com distritos muito grandes – pode minimizar esse fenômeno. Um sistema majoritário distrital em que o normal é ter apenas dois, ou no máximo três, candidatos competitivos para escolher, maximiza esse fenômeno.

Em qualquer caso, é possível que o eleitor tenha que votar em um candidato de quem discorde em alguns pontos, mesmo que a discordância seja intensa, e mesmo que ela seja sobre um ponto fundamental para esse mesmo eleitor.

Em certa medida, o que acabei de descrever é apenas o fato de que qualquer eleição se resume, por definição, a uma questão de escolha. Assim, diante de algumas opções, é natural que o eleitor, ao escolher, decida quais são suas prioridades, dando mais valor a uma questão do que a outra.

Mas, normal ou não, há aí um risco inerente ao sistema. Que, somando se as escolhas individuais, seja formada uma bancada com posição majoritária sobre um tema sem que, no entanto, haja apoio a ele pela maioria dos eleitores.

Um exemplo pode tornar o tema mais claro.

Imaginemos dois candidatos. O candidato A é um religioso, que se opõe a pena de morte e a diversas demandas do movimento feminista. O candidato B é um feminista, particularmente preocupado com violência contra a mulher e que defende a pena de morte para estupradores.

Como um feminista radicalmente contrário a pena de morte escolheria? Como um conservador radicalmente favorável a pena de morte escolheria? O risco está em que o primeiro, sem querer, eleja uma maioria favorável a pena de morte.

O risco é que o segundo, sem querer, eleja uma maioria radicalmente contraria a pena de morte.

Mas essas escolhas não se dão em um vácuo institucional. Eleger candidatos assim em um sistema sem uma Constituição rígida é muito diferente de o fazer em um sistema em que ela exista e, além do mais, seguindo ainda este exemplo, tenha algo substantivo a dizer sobre a pena de morte.

Talvez a Constituição já preveja a pena de morte necessariamente para alguns casos. Talvez a Constituição já a proíba terminantemente para qualquer caso. Talvez isso decorra do texto inequívoco da Constituição. Talvez isso decorra da interpretação de cláusulas abertas e princípios da Constituição. Em qualquer desses casos, a existência de uma norma constitucional que regule a questão muda completamente a situação.

Nesse caso, é possível votar em um candidato de quem se discorde completamente em alguma questão, porque se concorda profundamente com ele em outra, não simplesmente por um desses temas ser mais importante para si em abstrato, mas sabendo, em concreto, que o outro não está em jogo no momento, porque requereria uma transformação constitucional que não tem chances de acontecer naquele momento.

É esse tipo de garantia, ou melhor, de fé na efetividade de uma garantia constitucional, que permite não só que um membro de uma minoria potencialmente afetada diretamente por políticas radicais defendidas por Trump durma tranquilo (mesmo que decepcionado) com a sua vitória. É esse tipo de garantia que também permite que alguém que discorde totalmente de Trump em diversos temas, inclusive esses, possa votar nele, movido, por exemplo, puramente por estar frustrado com a política econômica Democrata e imaginando que as outras medidas, proibidas que são pela Constituição, não estão realmente em questão. 

No entanto, esse exemplo se complica quando as próprias permissões e proibições constitucionais parecem estar em jogo. Ou seja, quando além de eleitores votando por suas preferências infraconstitucionais, seguros da estabilidade de certas garantias constitucionais, há outros fazendo exatamente o oposto, votando com o objetivo de transformar certos pilares da Constituição, sem dar prioridade às preferências infraconstitucionais que possam estar em jogo numa determina eleição.

Ou seja: se o voto de alguns parte da premissa de que há certas áreas imutáveis, o de outros é orientado justamente pela insatisfação com essas áreas e a esperança de mudá-las.

Isso pode ocorrer, por exemplo, porque uma proposta de mudança constitucional está explicitamente em debate durante a eleição. Nesse caso, o eleitor tem que considerar suas preferências levando em conta a possibilidade da própria Constituição ser emendada. Assim, além de suas prioridades políticas específicas, e da existência de garantias constitucionais que imunizem algumas escolhas do poder de simples maioria, deverá considera a probabilidade de aprovação de uma emenda constitucional sobre um determinado tema. Algo que depende de uma análise política sobre o tamanho do apoio para essa medida, mas também de uma análise institucional sobre quão fácil – ou difícil – é o procedimento para se emendar o texto constitucional.

Essa situação é mais simples porque o debate político é explicito, mas também porque as regras do jogo e os riscos são claros para todos os envolvidos.

No entanto, nem só por meio de emendas se muda uma Constituição.

Uma outra forma de o fazer é alterando o seu significado – sem alterar o seu texto – por meio na nomeação para Tribunais Constitucionais de juízes que compartilhem da sua visão sobre a melhor interpretação do texto constitucional.

Nesse tipo de situação, votar para um presidente e / ou para um representante no legislativo pode ser também votar para um tipo de juiz constitucional e, com isso, votar pela mudança da própria Constituição.

Juízes Eleitos

Quando a própria interpretação constitucional se torna um tema central da política, e a possibilidade de mudar o seu significado por meio da nomeação de juízes comprometidos com uma visão transformadora do seu significado é uma possibilidade real, a capacidade de o direito constitucional garantir a estabilidade de certas decisões, independentemente do confronto eleitoral, pode ser profundamente fragilizada.

Na melhor das hipóteses, esse debate será feito às claras, e o desenho institucional garantirá que a mudança ocorrerá apenas se o governo eleito tiver o mesmo tipo de apoio substancial que uma emenda constitucional demandaria.

No entanto, nem sempre é assim. Por vezes, a falta de previsibilidade no sistema de indicações e o desenho seu institucional específico podem fazer com que um governo seja capaz de gerar mudanças substantivas, difíceis de serem revertidas por maiorias políticas subsequentes, sobre temas constitucionais fundamentais, sem que isso tenha sido adequadamente discutido durante a campanha eleitoral ou, mesmo que tenha sido, sem que os riscos de seu real acontecimento estivessem claros no momento da eleição.

O encontro do voto múltiplo, com a possibilidade de transformação constitucional por meio da nomeação de juízes, com um desenho institucional que permita a imprevisibilidade do momento e da duração dessa mudança cria uma situação particularmente preocupante.

Por isso, é fundamental discutir a contribuição de soluções de desenho constitucional para evitar, ou ao menos minimizar, esse problema.

Desenho Constitucional

Diferentes opções de desenho constitucional podem afetar profundamente a possibilidade uma vitória eleitoral majoritária significar também uma grande transformação constitucional.

Duas merecem destaque: (i) o processo para nomeação de juízes constitucionais, (ii) a existência de mandatos que permitam (a) previsibilidade quanto ao tamanho da possível transformação na composição do tribunal a cada ciclo eleitoral e (b) o tamanho da influência de uma única nomeação na composição do tribunal no decorrer do tempo.

Quanto à primeira, um processo em que o presidente nomeia e uma maioria simples do Senado confirma (como é o caso nos Estados Unidos e no Brasil) é particularmente permeável a influência de maiorias políticas ocasionais.

Nesse tipo de sistema, em que aquele que ganhou uma eleição presidencial majoritária tem completa liberdade de nomear quem quiser, e para impedir essa nomeação, não importa quão transformador o seu potencial, seja necessária uma maioria dos senadores, a influência constitucional de um presidente é particularmente acentuada.

Quanto à segunda, sistemas em que não há mandatos para juízes constitucionais (como é o caso nos Estados Unidos e no Brasil) e, portanto, não há qualquer previsibilidade sobre quantos juízes cada presidente poderá nomear, pois depende apenas da eventualidade da morte ou aposentadoria de um deles, a potencial influência constitucional de um único presidente se potencializa significativamente.

Isso se daria tanto quanto ao tamanho da transformação que pode ser realizada em um único mandato presidencial, quanto em relação à duração dessa influência pela possibilidade de cada um de seus nomeados permanecer no tribunal por tempo indeterminado.

É claro que, independentemente de mandatos, a eventualidade da morte ou de uma exoneração voluntária estaria sempre presente, no entanto, regras sobre o que fazer nessas hipóteses poderiam minimizar o impacto desse tipo de eventualidade.

Quanto ao sistema brasileiro, é importante notar que a aposentadoria compulsória dá uma previsibilidade mínima ao sistema (não deixando a abertura de vagas simplesmente nas mãos da imprevisibilidade da morte ou da decisão pessoal de um juiz negar, ou possibilitar, a nomeação de seu substituto a um determinado presidente), mas ela afeta pouco a segunda questão (da influência desproporcional de um juiz ou de outro conforme a sua idade no momento da nomeação) e, consequentemente, da influência desproporcional e aleatória de um presidente ou de outro, conforme mais ou menos ministros façam setenta e cinco anos no decorrer do seu mandato.

A somatória de (i) a possibilidade de um presidente com uma maioria simples do Senado nomear quem quiser para o tribunal e (ii) a ausência de mandatos que tornem o número e influência de cada uma dessas nomeações previsíveis e igualmente distribuídas entre todos os presidentes eleitos é, portanto, particularmente problemática.

Essa combinação gera um risco irrazoável para a estabilidade constitucional que, de duas uma, ou é despercebida pelo eleitor médio, que pode ser surpreendido por uma grande transformação constitucional ser produto de uma única eleição, ou é percebida pelo eleitor médio, tematizada na campanha, tornando toda eleição numa potencial disputa pelos pilares fundamentais da ordem constitucional.

No primeiro caso, o risco é uma transformação independentemente do apoio de uma efetiva maioria. Nessa hipótese, o sistema não protege significativamente maiorias de decisões radicais por parte de seus governantes.

No segundo, o risco é uma transformação permanente como consequência de uma única vitória eleitoral por uma simples maioria. Nessa hipótese, o direito constitucional perde o poder de estabilizar o debate político sobre certos temas constitucionais, seja por retirá-lo da discussão, seja por tornar as chances e os riscos de sua transformação claros o suficiente para que nem toda eleição seja necessariamente um plebiscito sobre pilares fundamentais da ordem constitucional.

Em qualquer dos casos, o risco é grande e os problemas substanciais.

Não há dúvida de que o significado e a permanência de compromissos constitucionais devem ser permeáveis à política. No entanto, a sua potencial transformação não pode depender simplesmente da sorte ou do azar.

Um sistema em que simples maiorias políticas podem transformar a Constituição por meio da nomeação de juízes constitucionais pode ser defensável em nome de uma maior permeabilidade do direito constitucional à política. No entanto, um sistema em que maiorias políticas têm maior ou menor influência nesse processo a depender do acaso da morte ou das escolhas pessoais de juízes é particularmente difícil de se justificar.

Nesse sentido, mandatos fixos para juízes constitucionais, que permitam que cada presidente tenha uma influência garantida, mas moderada, a cada eleição, não é simplesmente a escolha mais justa. É também uma opção por um modelo capaz de gerar maior estabilidade política para uma democracia constitucional, permitindo que o direito constitucional realize uma de suas funções fundamentais: domesticar a disputa política.


Thomaz H. Junqueira de A. Pereira é professor da FGV Direito Rio, doutorando e mestre em Direito pela Yale Law School; mestre em Direito Empresarial pela PUC-SP; mestre em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela USP.

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