António de Oliveira Salazar não pode ser citado como exemplo de governante democrático, mas deve ser mencionado como homem de uma honestidade a toda prova. Quando assumiu o governo de Portugal, tinha uma pequena granja onde criava galinhas e vendia ovos em sua terra Santa Comba Dão. Quando deixou o Poder tinha a mesma granja e fazia o mesmo que antes. Não enriqueceu com o dinheiro do contribuinte que pagava seu salário.
Melhor exemplo ainda foi Harry Truman, que assumiu a presidência dos Estados Unidos com a morte de Franklin Delano Roosevelt ao final da Segunda Guerra. Naqueles tempos difíceis, dedicou-se tanto ao seu país que não dispôs de tempo para cuidar de seu negócio enquanto dono de uma pequena camisaria. Quando deixou o governo, estava falido e passando sérias dificuldades.
Foi aí então que o Congresso americano, ao tomar conhecimento da precária condição em que se encontrava seu ex-Presidente, passou a examinar uma maneira legal de ajudá-lo. E assim foi criada a pensão para ex-Presidentes. Embora compreensível, não deixou de ser uma lei
ad hominem. Certamente os congressistas americanos jamais imaginariam que um país da América do Sul - que os argentinos costumam chamar de Tierra de Los Macaquitos por considerarem que seus habitantes são macaquinhos de imitação dos yankees – adotariam imediatamente a medida, mas a aperfeiçoariam tanto que ela foi muito além da pensão americana.Como se sabe, no Brasil ex-Presidentes não só gozam de uma pensão vitalícia, como também de carro, motorista e dois guarda-costas. Pode-se criticar que tenham direito a carro e motorista, mas guarda-costas e veículos blindados até que não seriam más idéias, se considerarmos os reais perigos que correm, como quaisquer outros cidadãos, neste bangue-bangue – contanto, é claro, que eles não fossem pagos com o suado dinheiro de um contribuinte que trabalha 12 meses, mas só recebe 6. Metade do que ganha vai para um sócio indesejável, ocioso e pródigo, que devia ser interditado.
Em suma: o trabalhador brasileiro é um ótimo contribuinte, mas o Estado é um péssimo retribuinte. A julgar pela portentosa carga tributária e pelos péssimos serviços públicos prestados, pagamos impostos da Alemanha e recebemos serviços da Bolívia. O Brasil é a Alemívia.
Mas a coisa não se limitou aos ex-Presidentes, os ex-Ministros também são presenteados com as mesmas regalias. O custo do Estado brasileiro representa uma verdadeira espoliação do povo brasileiro. A esta altura, uma sucinta comparação com o Reino Unido torna-se interessante. Como todo mundo sabe, o Reino Unido é uma venerável monarquia constitucional, mas o rei recebe um salário para ele e um adicional para as despesas do Palácio de Buckingham. Cabe ao soberano administrar as despesas com os funcionários e com a manutenção da Corte, tendo de prestar contas à Casa dos Comuns que, aliás, vota o salário do rei e, não raras vezes, até rejeita um pedido de aumento.
Como se sabe, reis não são eleitos: são aclamados; não se aposentam: abdicam ao trono, são depostos – como Carlos I e Jaime II – ou morrem. Obviamente, em nenhuma das três alternativas cabe falar em pensões vitalícias para ex-reis. Quanto ao ex-Primeiro-Ministro e aos ex-parlamentares, eles não têm nenhum direito à pensão vitalícia, não têm direito a nenhum carro com motorista, tampouco a verbas para passagens de avião e para a decoração de seus gabinetes. Se desejarem tais coisas, terão que pagar do seu próprio bolso.
Além disso, se considerarmos que o custo de vida é muito mais elevado no Reino Unido do que no Brasil, os membros da Casa dos Comuns ganham muito menos do que nossos representantes no Congresso Nacional. Coisa que é simplesmente uma vergonha, pois o Reino Unido é um dos países mais ricos do mundo e o Brasil, um país com grandes desigualdades socioeconômicas regionais em que regiões prósperas coexistem com regiões extremamente carentes.
Fazendo as contas, podemos garantir que dá muito menos despesa para o Estado o(a) rei (rainha) do Reino Unido e a corte palaciana do que a “corte plebéia” de Brasília com todas as suas mordomias e penduricalhos. Mas há outras razões além da contenção de gastos públicos capazes de legitimar a forma monárquica constitucional.
Lembro-me bem quando tivemos o plebiscito sobre a forma e o regime de governo. Um empresário honesto e trabalhador – embora desconhecedor do funcionamento de uma monarquia constitucional - disse para mim que se recusava a ser “súdito de Sua Majestade”. Antes de explicar como funcionava realmente a coisa, fui logo dizendo para ele: “Se você tiver paciência de me ouvir, vou lhe mostrar que é mil vezes preferível ser súdito de Elisabeth II a ser escravo de um Estado patrimonialista governado por corruptos e incompetentes, como esta pseudofederação chamada Brasil”.
É escusado dizer que votei na forma monárquica e no regime parlamentarista. Não só votei como defendi essa escolha em universidades, jornais, até em estações de rádio. Para todos com quem pude entrar em contato justifiquei meu voto da mesma forma como passo a justificar agora.
Costuma-se dizer que numa monarquia constitucional O rei reina mas não governa. Quem governa é o Primeiro-Ministro do partido majoritário e/ou de uma coalizão num Parlamento cujos membros são eleitos pelo povo. Cabe ao rei representar o povo e a nação, e isto está longe de ser um papel “decorativo”, como o rei Farah do Egito supunha erroneamente ser o rei do Reino Unido. Conta-se que o rei Farah, um dos mais ricos e corruptos de todos os tempos, e que dissipou uma grande fortuna em Monte Carlo, foi deposto e passou a viver modestamente num subúrbio em Paris.
Certa feita, quando entrevistado por um repórter, disse que seu consolo era que no futuro só existiriam cinco reis. Curioso, o repórter indagou de pronto: “Quais reis?” Ao que Farah, dotado de verdadeiro British humour, respondeu: “Os quatro reis do baralho e o Rei da Inglaterra”.
Insisto em negar que se trata de uma figura decorativa, servindo somente para satisfazer o gosto estético de aristocratas out of fashion. Embora não tenha poder de decisão, o rei pode levar reivindicações e reclamações do povo ao Parlamento. Em países monárquico-constitucionais como a Suécia, esse papel é desempenhado por um Onbudsman, uma espécie de Ouvidor-Geral, mas em países como a Inglaterra e a Espanha o mesmo papel costuma ser exercido pelo rei.
O rei é portador de uma legitimidade que pode crescer, estagnar ou decrescer, conforme sua atuação aos olhos do povo. Temos um importante exemplo historicamente recente. Quando o general Francisco Franco tomou o Poder na Revolução Espanhola, a Espanha não se transformou em uma república: continuou sendo uma monarquia, apesar de se encontrar num regime de exceção.
O Príncipe das Astúrias – este é o título tradicionalmente dado ao herdeiro do trono de Espanha, a exemplo do Príncipe de Gales enquanto herdeiro do trono do Reino Unido – estava exilado em Portugal e Franco detinha o Poder sob o título de “Tutor do Trono de Espanha”. Com a morte do caudilho, Don Juan Carlos de Burbón foi aclamado rei. Na época, se dizia que não permaneceria nem uma só semana no trono.
Após muitos anos do rígido regime franquista, a Espanha era um país convulsionado e dividido, quase à beira de uma nova guerra civil. Mas o país foi pacificado com o Pacto de Moncloa e tanto Don Juan Carlos como o Primeiro-Ministro Felipe Gonzales desempenharam importantes papéis nessa pacificação.
Hoje o Rei de Espanha é uma figura amada por seu povo, dono de uma legitimidade conquistada por seu caráter democrático e sua postura impecável como representante de sua nação e seu povo. Pode ser tudo, menos uma “figura decorativa”. Intervém quando julga ser este seu papel como, por exemplo, recentemente quando saiu em defesa de Zapatero, atual Primeiro-Ministro de Espanha, diante dos insultos do caudilho Hugo Chávez Frias: “Por que non te callas?!”
Historicamente, o regime parlamentarista nasceu no interior da forma monárquica como uma maneira de limitar o poder do rei e evitar possíveis desmandos reais. Com a Revolução Gloriosa de 1668 e posteriormente com a promulgação da Bill of Rights (1689) – 100 anos antes da calamitosa Revolução Francesa e sua conseqüência: a abominável ditadura de Napoleão – o regime parlamentarista foi definitivamente instalado no Reino Unido, e pouca coisa mudou em mais de 300 anos!
Como dizia eu na época do plebiscito: Sou simpatizante da monarquia constitucional, não por querer um rei, mas sim porque tenho boas razões para pensar que o regime parlamentarista é melhor do que o presidencialista – principalmente um presidencialismo à brasileira em que o Presidente da República goza do privilégio de passar por cima do Congresso Nacional governando mediante decretos-leis, perdão: medidas provisórias. Este último nome não passa de um eufemismo para aquele, um instituto da época da ditadura.
Ocorre que para um regime parlamentarista funcionar bem, é preciso que esteja acoplado à forma de governo onde se originou: uma monarquia constitucional. Países que adotaram o parlamentarismo no seio da forma republicana criaram uma espécie política híbrida, pois o Presidente é eleito diretamente pelo povo, e o Primeiro-Ministro eleito pelo voto indireto do Parlamento. Dizem que o primeiro é “chefe de Estado” e o segundo “chefe de governo”. Além disso, eles podem até mesmo pertencer a partidos diferentes. E isto não tem sido de nenhum modo infreqüente.
Não é preciso grande esforço de imaginação, para chegar-se à conclusão de que esse hibridismo é fonte de intermináveis atritos entre os dois “chefes”, mesmo quando são membros do mesmo partido. Portugal, França, Alemanha, Itália, etc. que o digam.
Mas quando o lugar de “chefe de Estado” é substituído pelo de um representante do povo e da nação, que não é eleito mas sim aclamado, que não tem nenhum poder para fazer o mal e todo poder para fazer o bem, que não pertence a nenhum partido político e não precisa angariar votos, aí então temos um rei que reina mas não governa, temos a estabilidade política de países como Reino Unido, Holanda, Suécia, Dinamarca, Noruega, Japão, etc.
O Japão é um caso interessante a ser examinado. Como se sabe, o Japão sempre foi uma monarquia. Até a Segunda Guerra, uma monarquia simbólica, pois tinha um imperador vivendo isolado nos belos jardins de seu palácio e era governado de fato por um triunvirato militar extremamente belicoso.
Quando o Japão se rendeu incondicionalmente, ficou à mercê dos americanos, que enviaram para lá um interventor: general Douglas MacArthur. Numa situação de ocupação, ele tinha poder para fazer quase tudo que quisesse. Mas o que fez o referido general?
Sendo americano, era de se esperar que ele introduzisse um regime democrático e sob lternativa do presidencialismo, mas o general observou a adoração que o povo japonês tinha por seu imperador, apesar de ter perdido a guerra e o país estar em escombros.
[O Japão tinha sido desmilitarizado como o é até hoje, mas não tinha ainda recebido ajuda econômica de um plano semelhante ao Plano Marshall].
MacArthur percebeu que, se depusesse o imperador, teria uma séria revolta da população, e isto era algo que ele, espírito diplomático e conciliador, não desejava de nenhum modo.
Que fez então? Deu ao Japão algo que ele nunca teve: uma Constituição. Nesta mesma ficava estabelecido que o Japão passaria a ser uma monarquia constitucional em que o imperador seria mantido no trono e um Parlamento eleito pelo povo, sendo governado por um Primeiro-Ministro.
O Japão passou a ter uma forma e um regime de governo semelhantes aos do Reino Unido. Não é de estranhar, pois, que em pleno século XX, a situação política do Japão assemelhava-se bastante à de uma monarquia absolutista, como a do Reino Unido antes da Revolução Gloriosa no século XVII e como a Arábia Saudita, o Marrocos e outros países islâmicos no século XXI, com a honrosa exceção da Turquia de Mustafá Kemal em que o Estado é laico e a ordenação jurídica é da família do direito romano, tal qual o Brasil.
Parece que os japoneses gostaram do presente de MacArthur, pois quando ele foi embora do Japão, não fizeram uma nova nem modificaram a antiga Constituição. É escusado acrescentar que, juntamente com a ajuda econômica americana, a nova forma nipônica de governo foi um fator importante para a grande prosperidade japonesa, sem desmerecer as grandes virtudes cívicas do povo japonês, principalmente da sacrificada geração pós-guerra.
* Doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Membro Fundador da Sociedade de Economia Personalista. Membro do Instituto Liberal do Rio de Janeiro e da Sociedade de Estudos Filosóficos e Interdisciplinares da UniverCidade.
Artigo impresso por: Gerhard Erich Boehme
Skype: gerhardboehme
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